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26 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Supremo Tribunal Federal STF - AÇÃO ORIGINÁRIA: AO 2606 DF - Inteiro Teor

Supremo Tribunal Federal
ano passado

Detalhes

Processo

Partes

Publicação

Julgamento

Relator

GILMAR MENDES

Documentos anexos

Inteiro TeorSTF_AO_2606_3f223.pdf
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Inteiro Teor

AÇÃO ORIGINÁRIA 2.606 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES

AUTOR (A/S)(ES) : JOSE DANTAS DE LIRA

ADV.(A/S) : EMILIANO ALVES AGUIAR E OUTRO (A/S)

RÉU (É)(S) : UNIÃO

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

DECISÃO: Trata-se de ação originária, com pedido de tutela provisória de urgência, proposta por José Dantas Lira em face da União, objetivando:

"(...) a suspensão dos efeitos do acórdão do CNJ no Processo Administrativo Disciplinar n. XXXXX- 71.2016.2.00.0000, até o julgamento final da presente ação, com o consequente retorno do magistrado para a atividade judicante.

(...)

(...) a procedência da presente ação para anular o acórdão do CNJ no Processo Administrativo Disciplinar n. XXXXX- 71.2016.2.00.0000 para afastar a responsabilização do autor ou, pelo menos, para afastar a pena de aposentadoria compulsória que lhe foi imposta pelo CNJ, seja para determinar que o próprio Conselho recalibre a pena, dentre as demais penas passíveis de aplicação, com estrita observância dos elementos subjetivos da conduta do autor, seja para que o próprio Poder Judiciário o faça". (eDOC 1, p. 37/38)

A ação foi ajuizada originariamente na Justiça Federal de 1º grau, objetivando anular a deliberação do plenário do CNJ, o qual, em sede de processo administrativo disciplinar, imputou ao autor, magistrado estadual, a penalidade de aposentadoria compulsória, como transcrito acima.

Em sua exordial, o autor relata que é investigado no inquérito 3915, que tramitou perante o STF por quase dez anos (investigação iniciada em 2008), o qual foi remetido ao primeiro grau após a sua aposentadoria compulsória pelo CNJ.

Aponta, em síntese, que o CNJ concluiu pela aplicação da pena de aposentadoria compulsória, presumindo a sua participação em esquema criminoso de venda de sentença, sem que houvesse qualquer indício de sua participação direta nos fatos criminosos ou de qualquer elemento de formação de um juízo de culpabilidade.

Afirma que todos os fatos objetos do inquérito, os quais são os mesmos do PAD, foram extraídos da sindicância n. 342/2008, instaurada a partir da iniciativa do ora autor e que o CNJ, para condená-lo, teria se baseado em uma delação premiada e no depoimento de pessoa, que, posteriormente, confessou ter sido coagida pelo Ministério Público para modificar seu depoimento e envolver o magistrado-autor nos fatos sob investigação, circunstância que, além de configurar crime, contaminaria toda a prova por ela produzida e utilizada pelo CNJ contra o ora demandante.

Sustenta que existem apenas dois fatos concretos que fundamentaram a decisão do CNJ, quais sejam: a amizade do juiz com o advogado Ivan Holanda, que jamais foi negado, e as decisões judiciais do magistrado, as quais se presumem válidas e eficazes, nos termos do art. 41 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional ( Loman).

Assevera que não há evidência de que os depósitos efetuados em sua conta bancária em valores que orbitariam entre R$ 750,00 a R$ 1.800,00 referiam-se às liminares concedidas, sendo manifestamente incapaz de atestar tal correlação a eventual coincidência de datas entre algumas liminares e os respectivos valores, até porque restou comprovado - e até reconhecido, contraditoriamente, no acórdão do CNJ -, que os depósitos em dinheiro já ocorriam antes do período das liminares e continuaram ocorrendo após o respectivo período.

Sobre os referidos valores, argumenta, ainda, que teria apresentado ao relator do processo no CNJ documentos que dão conta de que tais valores decorrem: i) em sua maioria, da venda de animais de pequeno porte mantidos pelo autor em uma fazenda que recebeu de herança (tendo o CNJ desconsiderado o fato de que a maioria das negociações na região nordeste são feitas em feiras livres e ao ar livre, sem declaração ou registro das pequenas transações); e ii) de empréstimos feitos junto a um amigo comerciante, coincidentemente no período em que o magistrado utilizava o cheque especial.

Assim, alega que, diante da utilização de prova nula, o CNJ violou os princípios do devido processo legal, da presunção de inocência, da não culpabilidade e da imunidade do conteúdo de seus atos jurisdicionais, garantia prevista no art. 41 da Loman.

Por fim, justifica a concessão da tutela provisória de urgência pelo fato de estar cumprindo pena de aposentadoria compulsória com proventos proporcionais, em grave prejuízo à sua subsistência.

Preliminarmente, o autor foi intimado pela magistrada da 3a Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal para mensurar e retificar o valor da causa, nos termos do art. 292, § 2º, do CPC e recolher as custas judiciais complementares, sob pena de indeferimento da petição inicial (eDOC 8, p. 17).

O autor requereu o prosseguimento do processo, afirmando que a pretensão seria meramente declaratória e não lhe trará repercussão financeira, pois encontra-se aposentado, com proventos integrais, além de fazer jus à paridade (eDOC 8, p. 22).

Em 24.9.2019, o autor foi novamente intimado para esclarecer e/ou emendar o pedido constante da inicial, haja vista que seu retorno à atividade judicante importaria em reflexos financeiros e, consequentemente, em alteração do valor da causa. (eDOC 8, p. 43)

Além disso, na oportunidade, a juíza, à época processante, determinou que o autor juntasse a petição inicial e as principais decisões proferidas no MS 35.444, que estavam em trâmite nesta Suprema Corte, e manifestasse-se em relação à ocorrência de litispendência/coisa julgada.

Em sua manifestação, o requerente reafirmou a tese de que seu pedido não lhe trará repercussão financeira, pelos mesmos motivos acima elencados, além de dizer que as decisões proferidas pelo STF, no MS 35.444, não examinaram o mérito da impetração, o qual já transitou em julgado e, por isso, não haveria litispendência ou coisa julgada em relação à presente ação. (eDOC 8, p. 51)

Considerando o atendimento parcial do despacho que determinou a retificação do valor da causa pelo autor, a juíza da 3a Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal postergou a análise do pedido de tutela provisória de urgência para após a contestação, para que a União pudesse manifestar-se acerca do valor da causa atribuído pelo autor. (eDOC 8, p. 74)

Citada, a União apresentou contestação (eDOC 8, p. 78), impugnando, preliminarmente, o valor da causa mencionado na exordial pelo requerente, tendo em vista que, da análise da documentação colacionada nos autos, o valor fixado em R$ 1.000,00 (mil reais) seria irrisório.

Aponta, ainda, como preliminar, a existência de coisa julgada material no MS 35.444, o qual, embora tenha denegado a segurança, enfrentou o mérito da questão, cujos argumentos seriam os mesmos aduzidos nesta ação originária.

Sustenta que é vedado ao Poder Judiciário adentrar ao mérito do ato administrativo nas hipóteses de punição disciplinar, restando apenas a análise acerca da legalidade da conduta administrativa do ponto de vista do devido processo legal, sob pena de violação ao princípio da separação funcional de poderes.

Alega que o demandante não comprovou os fatos que constituem o seu pretenso direito, diante da presunção de legitimidade dos atos administrativos e conforme impõe a teoria do ônus processual da prova (art. 373, I, CPC).

Por fim, destaca que, nos termos da fundamentação do voto do Relator no PAD, o autor não só cometeu as ilicitudes, como também era um dos chefes e mentores do esquema descoberto, valendo-se da condição de juiz titular da comarca para a obtenção de vantagens flagrantemente indevidas, em benefício próprio e de terceiros, estando correta a decisão do Conselho Nacional de Justiça que o aposentou compulsoriamente.

Ao final requer:

"a) que seja acolhida a impugnação ao valor da causa, nos

termos dos artigos 292 e 293 do CPC, retificando o valor da causa para R$ 426.000,00 (quatrocentos e vinte e seis mil reais);

b) o acolhimento da preliminar de litispendência/coisa julgada, extinguindo o processo sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, V, do CPC;

c) em caso de não acolhimento dos pedidos ‘a’ e ‘b’, o que não se acredita, que sejam os pedidos julgados totalmente improcedentes". (eDOC 8, p. 102)

Após o oferecimento da contestação, a magistrada - à época processante - , determinou a suspensão da tramitação deste processo, tendo em vista a deliberação contida na ADI-MC 4.412, que determinou a suspensão de todas as ações ordinárias em trâmite na Justiça Federal que impugnavam atos do Conselho Nacional de Justiça. (eDOC 9, p. 89)

Em razão do julgamento final da ADI 4.412, em 18.11.2020, a qual determinou a remessa imediata ao STF de todas as ações ordinárias, em trâmite na Justiça Federal que impugnassem atos do CNJ praticados no âmbito de suas competências constitucionais estabelecidas no art. 103-B, § 4º, da CF, os presentes autos foram encaminhados ao STF, para o processamento e julgamento. (eDOC 9, p. 96).

Aportados os autos a esta Corte, foram distribuídos à minha relatoria, em razão da prevenção com o MS 35.444. (eDOC 11)

Preliminarmente, determinei a intimação da União para esclarecer a pretensão de impugnação ao valor da causa, ou seja, assinalar qual seria o proveito econômico obtido pelo autor e quais seriam as vantagens pessoais que receberia o demandante no caso de provimento da petição inicial. (eDOC 12)

Em resposta, a demandada aduziu que, diante da impossibilidade de aferição do proveito econômico pretendido e do irrisório valor da causa indicado na petição inicial, os honorários deverão ser fixados por apreciação equitativa, nos termos do § 8º do art. 85 do Código de Processo Civil. (eDOC 13)

A tutela provisória de urgência foi indeferida no eDOC 16.

A União informou não possuir provas a produzir e ratificou os

fundamentos aduzidos na contestação (eDOC 17).

O autor requereu a juntada de documentos e reiterou os argumentos presentes na contestação a título de alegações finais. (eDOC 20)

A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela extinção do processo, sem resolução do mérito. (eDOC 47)

Na sequência, o autor apresentou petição (eDOC 49), aduzindo que: "Causa espécie que o MPF, tendo amplo acesso ao PAD, tendo atuado ao longo de todo procedimento perante o CNJ, venha agora perante esse eg. STF apresentar parecer pedindo a extinção da ação como se desconhecesse o PAD".

Além disso, diante da manifestação da PGR, requereu a intimação da União ou da Presidência do CNJ para juntar cópia integral do PAD, caso se entenda que tal medida é indispensável para permitir o julgamento de mérito da ação.

O relator do Processo Administrativo Disciplinar n. XXXXX- 71.2016.2.00.0000 foi intimado, pessoalmente, para que encaminhasse cópia integral do referido PAD ao Supremo Tribunal Federal, além de as partes terem sido intimadas para o oferecimento de novas alegações finais. (eDOC 51)

Após o envio do PAD pelo CNJ (eDOC 56 a 980), as partes ratificaram as alegações finais e informaram não terem mais provas a produzirem. (eDOC 985 e 987)

Em nova manifestação, a Procuradoria-Geral da República opinou pela improcedência dos pedidos, em parecer a seguir ementado:

"AÇÃO ORIGINÁRIA. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. MAGISTRADO. INFRINGÊNCIA DOS DEVERES PREVISTOS NO ART. 35, I, VII E VIII, DA LEI COMPLEMENTAR 35/1979. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ANULAÇÃO. REVISÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. RAZOABILIDADE. PROPORCIONALIDADE. OFENSA. INEXISTÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. O controle dos atos do CNJ somente se justifica nas hipóteses de (i) inobservância do devido processo legal; (ii) exorbitância das competências do Conselho; e (iii) injuridicidade ou manifesta falta de razoabilidade do ato impugnado, inocorrente no caso. 2. Os argumentos trazidos pelo autor foram suficientemente analisados pelo CNJ, que proferiu decisão fundamentada em elementos probatórios que demonstravam a participação do magistrado em esquema ilícito de concessão de liminares, bem como omissão no exercício de seus deveres funcionais. 3. Descabe ao Supremo Tribunal Federal revisar a fundo todo o contexto, as provas e o grau da sanção imposta a magistrado, quando inexiste desproporcionalidade entre a pena aplicada e a situação de fato comprovada nos autos do processo disciplinar, sob pena de converter essa Suprema Corte em instância recursal das decisões administrativas dos conselhos. - Parecer pela improcedência do pedido.". (eDOC 991)

É o relatório. Decido.

1) Preliminares

1.1) Competência do Supremo Tribunal Federal

De início, é importante esclarecer e delimitar a competência desta Corte para o julgamento da ação, diante da mudança jurisprudencial ocorrida sobre o tema, conforme relatado acima.

Aqui, não custa repisar que o exercício do controle de legalidade, pelo Poder Judiciário, não pode substituir a vontade do administrador, mas tão somente verificar se houve a prática de ato administrativo em desconformidade com as balizas presentes na Constituição Federal.

Nessa linha de raciocínio, mantenho a competência da Suprema Corte para processar e julgar a presente demanda, pois a pretensão do autor é anular o acórdão proferido pelo Conselho Nacional de Justiça, no Processo Administrativo Disciplinar XXXXX-71.2016.2.00.0000, para afastar sua responsabilização ou, ao menos substituir a pena de aposentadoria compulsória que lhe foi imposta pelo CNJ, "seja para determinar que o próprio Conselho recalibre a pena, dentre as demais penas passíveis de aplicação, com estrita observância dos elementos subjetivos da conduta do autor, seja para que o próprio Poder Judiciário o faça", nos termos da revisão jurisprudencial recém ratificada, tal como assentado pelas duas Turmas desta Corte, na Rcl-AgR 15.564, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 5.11.2019 e Rcl-AgR 15.551, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 28.5.2020 e mais recentemente, pelo Plenário, no julgamento da ADI 4412 de minha relatoria, a saber:

"Ação direta de inconstitucionalidade. 1. Art. 106 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, na redação dada pela Emenda Regimental 01/2010. 2. Exigência de imediato de decisão ou ato administrativo do CNJ, mesmo quando impugnado perante juízo incompetente. 3. Higidez do dispositivo impugnado. 4. Competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal para julgar ações ajuizadas contra atos do CNJ praticados no exercício de suas competências constitucionais . 6. Inteligência do art. 106 do RI/CNJ à luz da Constituição e da jurisprudência recente do STF. 7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente". ( ADI 4.412, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 15.3.2021, grifo nosso)

Isso porque, é importante esclarecer que a competência prevista no art. 102, I, r, da Constituição, que é de direito estrito e não comporta interpretação extensiva, refere-se exclusivamente às ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público . Veja-se:

"Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe :

I - processar e julgar, originariamente:

(...)

r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público". (grifo nosso)

Em outras palavras, o texto constitucional não menciona a revisão de atos ou julgados de Tribunais inferiores como hipótese de competência originária do STF, salvo se aqueles tiverem praticado tais atos no estrito cumprimento de ordem do Conselho Nacional de Justiça.

Destarte, a pretensão formulada nesta ação, que não tenha sido examinada pelo Conselho Nacional de Justiça , não será analisada nesta Corte, sob pena de clara vulneração do postulado do juiz natural e da exegese constitucional conferida à competência estrita no art. 102, I, r, da CF.

Relembre-se a tese fixada, recentemente, no julgamento em conjunto da ADI 4.412 de minha relatoria, DJe 15.3.2021; da Rcl 33.459, na qual fiquei como redator para acórdão, DJe 23.3.2021; e da Pet 4.770, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 15.3.2021:

"Nos termos do artigo 102, inciso I, alínea ‘r’, da Constituição Federal, é competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente todas as decisões do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público proferidas nos exercício de suas competências constitucionais respectivamente previstas nos artigos 103-B, parágrafo 4º, e 130-A, parágrafo 2º, da Constituição Federal". (grifo nosso)

No mesmo sentido, já se posicionou a Primeira Turma desta Corte:

"AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA PROCESSAR E JULGAR AÇÕES ORDINÁRIAS CONTRA ATOS DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ARTIGO 102, I, ‘r’, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ATRIBUIÇÕES CONSTITUCIONAIS OUTORGADAS AO CNJ. OBSERVÂNCIA DA RELAÇÃO HIERÁRQUICA CONSTITUCIONALMENTE ESTABELECIDA. VOTO PELO

PROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO. 1. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) é órgão de controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura, exercendo relevante papel na racionalização, transparência e eficiência da administração judiciária. Criado pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, tem o escopo de conferir efetividade às promessas constitucionais de essência republicana e democrática, notadamente os princípios da publicidade, moralidade, impessoalidade e eficiência, insculpidos no caput do artigo 37 da Constituição. 2. A singularidade da posição institucional do CNJ na estrutura judiciária brasileira resulta no alcance nacional de suas prerrogativas, que incidem sobre todos os órgãos e juízes hierarquicamente inferiores ao Supremo Tribunal Federal, salvo esta Suprema Corte, posto órgão de cúpula do Poder Judiciário pátrio ( ADI 3.367, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJ de 17/3/2006). 3. O Conselho Nacional de Justiça, em perspectiva histórica, simbolizou verdadeira ‘abertura das portas do Judiciário para que representantes da sociedade tomem parte no controle administrativo-financeiro e ético- disciplinar da atuação do Poder, robustecendo-lhe o caráter republicano e democrático’ ( ADI 3.367, Ministro relator Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJ de 17/3/2006) e representa expressiva conquista do Estado democrático de direito, dotando de maior transparência os atos praticados pelos Tribunais e operando como um polo coordenador de políticas nacionais judiciárias. 4. A ratio iuris da criação do CNJ correspondeu à necessidade sociopolítica de um órgão nacional de controle das atividades judiciárias, nascedouro de um planejamento integrado em prol de maior eficiência e publicidade do sistema de justiça. 5. In casu , a controvérsia jurídico-constitucional reside em definir se esta Suprema Corte ostenta competência originária para processar e julgar ações ordinárias contra atos do CNJ de caráter normativo ou regulamentar, que traçam modelos de políticas nacionais no âmbito do Judiciário, nos termos do artigo 102, inc. I, alínea ‘r’, da Constituição Federal. 6. As cláusulas constitucionais que definem a competência originária do Supremo Tribunal Federal estão sujeitas à construção exegética de seu alcance e significado. É que a natureza expressa e taxativa das atribuições da Corte não afasta o labor hermenêutico para definir seu campo de incidência. Em outros termos, as competências insculpidas no art. 102 da Carta da Republica não consubstanciam molduras rígidas ou inflexíveis, mas espelham tipos normativos sujeitos à conformação por esta Suprema Corte. Precedentes: ADI 2.797, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ de 19/12/2006; AP 937 QO, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe de 11/12/2018; ACO 1.048 QO, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ de 31/10/2007 e ACO 1.295 AgR- segundo, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe de 2/12/2010. 7. A jurisprudência desta Corte, nada obstante predicar que a competência do STF para julgar demandas contra atos do CNJ se limita às ações de natureza mandamental, admitiu, no julgamento do agravo interno na petição 4.656, o conhecimento do mérito de ação ordinária ajuizada no STF contra decisão administrativa do CNJ, assentando que ‘a restrição do permissivo constitucional da al. r do inc. I do art. 102 da Constituição da Republica às ações de natureza mandamental resultaria em conferir à Justiça federal de primeira instância, na espécie vertente, a possibilidade de definir os poderes atribuídos ao Conselho Nacional de Justiça no cumprimento de sua missão, subvertendo, assim, a relação hierárquica constitucionalmente estabelecida’ ( Pet 4.656 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe de 4/12/2017). 8. A competência do STF prescrita no artigo 102, I, ‘r’, da Constituição espelha um mecanismo assecuratório das funções do CNJ e da imperatividade de suas decisões, concebido no afã de que provimentos jurisdicionais dispersos não paralisem a eficácia dos atos do Conselho. Por essa razão, a competência originária desta Suprema Corte prevista no artigo 102, I, ‘r’ da Constituição não deve ser interpretada com foco apenas na natureza processual da

18. À luz do ato do CNJ impugnado, verifica-se que a pretensão deduzida pela demanda consubstancia resolução de alcance nacional, fundamentada na Lei de Acesso a Informacao (Lei 12.527/11), impondo reconhecer a competência desta Suprema Corte para processar e julgar a ação originária. 19. Ex positis , voto pelo PROVIMENTO do agravo regimental, para julgar procedente a reclamação e assentar a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar o feito, determinando- se a remessa dos autos". (Rcl-AgR 15.564, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 5.11.2019, grifo nosso)

Registre-se, ainda, o seguinte julgado, em situação análoga à dos

autos:

"AGRAVO INTERNO NA AÇÃO ORIGINÁRIA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR . VISTA PRÉVIA À PGR. DESNECESSIDADE. DECISÃO FUNDADA NA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. OBSERVÂNCIA. COMETIMENTO DE FALTA DISCIPLINAR. APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. GRAVIDADE DAS CONDUTAS IMPUTADAS À AUTORA COMPATÍVEIS COM A SANÇÃO APLICADA. APRECIAÇÃO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS POR DECISÃO MONOCRÁTICA DO CNJ. PREVISÃO EM REGIMENTO INTERNO. POSSIBILIDADE. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A jurisprudência desta SUPREMA CORTE está consolidada no sentido de que, como regra geral, o controle dos atos do CNJ pelo STF somente se justifica nas hipóteses de ‘(i) inobservância do devido processo legal; (ii) exorbitância das competências do Conselho; e (iii) injuridicidade ou manifesta irrazoabilidade do ato impugnado ’ ( AO 1789, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Plenário, DJe de 29/10/2018). 2. Nos termos do art. 52, parágrafo único, do RISTF, dispensa-se remessa dos autos à PGR, sempre que a decisão for proferida com base na jurisprudência pacífica do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 3. Resta assegurado o princípio da ampla defesa e do contraditório, quando o autor for devidamente intimado da juntada de documentos e lhe for possibilitado o acesso à mídias digitais constantes nos autos. 4. Penalidade de aposentadoria compulsória justificada na existência de acervo probatório robusto indicativo da prática de falta disciplinar grave. 5. Não compete ao SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL substituir-se aos Conselhos correicionais na análise valorativa dos elementos indiciários que deram ensejo à conclusão condenatória do processo administrativo disciplinar. 6. A apreciação, por decisão monocrática, dos embargos de declaração opostos em face do julgado proferido pelo CNJ, está prevista no artigo 115, § 6º, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça prevê. 7. Agravo interno a que se nega provimento". ( AO 2.553 AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJe 10.9.2021, grifo nosso)

No caso em tela, o autor impugna a decisão proferida pelo Conselho Nacional de Justiça, no PAD XXXXX-71.2016.2.00.0000, que lhe aplicou a pena de aposentadoria compulsória, versando sobre a competência do CNJ para processar e julgar processo disciplinar com vistas a apurar descumprimento dos deveres funcionais por magistrados, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal, de modo que está presente, portanto, a competência do Supremo Tribunal para julgar esta demanda, nos limites e sobre o que foi decidido pelo Conselho Nacional de Justiça, exclusivamente no referido PAD XXXXX-71.2016.2.00.0000.

1.2) Valor da Causa e juntada de cópia integral do Processo

Administrativo Disciplinar no CNJ

A União, embora na contestação (eDOC 8, p. 78), tenha impugnado o valor da causa fixado pelo autor, ao ser intimada para esclarecer qual seria o proveito econômico obtido e quais seriam as vantagens pessoais que o autor receberia no caso de provimento da petição inicial, manifestou-se no sentido de que "é impossível aferir, neste momento processual, a exata dimensão deste benefício" (eDOC 13), requerendo que a fixação dos honorários advocatícios seja por apreciação equitativa, nos termos do § 8º do art. 85 do Código de Processo Civil.

Desse modo, entendo ser desnecessária a retificação do valor da causa pelo requerente, tendo em vista que a própria impugnante afirmou ser inestimável, neste momento processual, a exata valoração do benefício recebido pelo autor em caso de procedência da presente ação.

Resta prejudicada, portanto, a impugnação do valor da causa feita pela União.

Em relação o pedido de juntada de cópia integral do processo administrativo no Conselho Nacional de Justiça, em um primeiro momento, entendi como despicienda tal produção probatória. No entanto, após a Procuradoria-Geral da República opinar pela extinção do processo, sem julgamento de mérito, diante da ausência de documentos indispensáveis à propositura da ação e ao exame dos argumentos trazidos pelo autor (eDOC 47), decidi determinar a juntada integral. (eDOC 51)

Assim sendo, diante da manifestação da PGR e do autor, o relator do Processo Administrativo Disciplinar n. XXXXX-71.2016.2.00.0000 foi intimado pessoalmente e encaminhou cópia integral do referido PAD ao Supremo Tribunal Federal, estando juntado aos presentes aos autos desta ação (eDOC 56 a 980).

O pedido de juntada do PAD foi, portanto, acolhido.

1.3) Coisa Julgada

A União aponta, ainda, como preliminar, a existência de coisa julgada no MS 35.444, de minha relatoria, porquanto, embora a decisão proferida no mandamus tenha sido denegatória, enfrentou-se o mérito da controvérsia.

Pois bem.

Nos termos do Código de Processo Civil:

"Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar:

(...)

VI - litispendência;

VII - coisa julgada;

(...)

§ 1º. Verifica-se a litispendência ou a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada .

§ 2º. Uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido .

§ 3º. Há litispendência quando se repete ação que está

em curso.

§ 4º. Há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado". (grifo nosso)

Anote-se também, o disposto no § 6º do art. da Lei 12.016/2009, a saber:

"O pedido de mandado de segurança poderá ser renovado dentro do prazo decadencial, se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito". (grifo nosso)

Também está disposto no subsequente art. 19 da mesma lei que:

"A sentença ou o acórdão que denegar mandado de segurança sem decidir o mérito, não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais". (grifo nosso)

Esse dispositivo apenas positivou a redação contida na Súmula 304/STF, no sentido de que: "Decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso de ação própria".

Assim, sempre que não houver exame de mérito no mandado de segurança, o interessado poderá impetrar um novo writ ou, ainda, ajuizar uma ação ordinária (de cognição plena), sobretudo por esta caracterizar- se por ter ampla discussão probatória e/ou ter um pedido mais amplo.

In casu, registre-se que, a partir de uma análise entre as petições iniciais apresentadas nas duas ações , verifica-se que os fundamentos fáticos e jurídicos do autor em relação à suposta ilegalidade praticada pelo Conselho Nacional de Justiça no PAD XXXXX-71.2016.2.00.0000, que lhe aplicou a pena de aposentadoria compulsória, são exatamente os mesmos desta ação originária . Senão vejamos os pedidos em ambas as ações.

No MS 35.444, o autor postulava o seguinte:

"(...) requer seja concedida a ordem para anular a decisão do CNJ (a) seja para, desde logo, determinar o arquivamento do processo disciplinar em questão, tendo em vista a impossibilidade de punição pela prática de atos jurisdicionais de um lado e, de outro, em vista de ausência de prova de qualquer participação em condutas ilícitas (b) seja para impor ao CNJ a aprofundada apuração dos fatos ante a manifesta impossibilidade de cogitar a um só tempo de responsabilidade por omissão e por participação efetiva, e impossibilidade de utilização de delação e depoimentos nulos, cujo valor probante em si mesmos seriam relativos, ainda que não fossem nulos". (grifo nosso)

Já na presente ação originária, o pedido apresenta-se assim descrito:

"(...) requer a procedência da presente ação para anular o acórdão do CNJ no Processo Administrativo Disciplinar n. XXXXX-71.2016.2.00.0000 para afastar a responsabilização do autor ou , pelo menos, para afastar a pena de aposentadoria compulsória que lhe foi imposta pelo CNJ, seja para determinar que o próprio Conselho recalibre a pena, dentre as demais penas passíveis de aplicação , com estrita observância dos elementos subjetivos da conduta do autor, seja para que o próprio Poder Judiciário o faça". (eDOC 1, p. 37/38, grifo nosso)

Perceba-se que, ao fim e ao cabo, a pretensão do autor, em ambas as ações é a mesma: anular o acórdão proferido pelo Conselho Nacional de Justiça no PAD XXXXX-71.2016.2.00.0000, seja para afastar sua responsabilidade ou para que o CNJ profira novo julgamento que culmine na aplicação de outra penalidade.

Portanto, as partes, o pedidos e a causa de pedir são as mesmas em ambas as ações.

No entanto, como o mandado de segurança já transitou em julgado, não há litispendência, conforme preconiza o art. 337 do Código de

Processo Civil (esta ação foi ajuizada em 30.7.2019 , ao passo que o mandado de segurança transitou em julgado em 21.3.2019), restando analisar o alcance do que foi decidido no MS 35.444, para saber se houve ou não exame de mérito acerca das alegações do autor, para que se possa decidir sobre a existência de coisa julgada, tal como arguida pela União.

Assim, a título comparativo, transcrevam-se, abaixo, as razões de decidir presentes no voto condutor do acórdão proferido no MS 35.444, de minha relatoria:

"O recorrente suscita a ilegalidade da pena de aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço que lhe foi aplicada pelo CNJ, por entender ter ocorrido no caso abuso de poder e violação ao seu direito de não ser punido pelo conteúdo dos seus atos jurisdicionais. Aduz, ainda, não haver provas de sua participação nas condutas ilícitas apontadas, pugnando pela nulidade da decisão proferida pelo Conselho .

Destaco que o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de reconhecer a competência do Conselho Nacional de Justiça para processar e julgar processo disciplinar com vistas a apurar descumprimento dos deveres funcionais por magistrados, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

Referida competência não tem a aptidão de violar o princípio da independência funcional do magistrado, previsto no art. 41 da LOMAN, mormente porque referida garantia não possui caráter absoluto, capaz de encobertar a prática de atos ilegais e abusivos, estando limitada ‘ ao uso moderado da linguagem e ao conteúdo do ato jurisdicional praticado em obediência à lei e à Constituição’ ( MS 32.721, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, Dje 11.2.2015).

Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes MS- AgR 32.246, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 7.11.2016; MS 33.565, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, Dje 23.8.2016; MS-AgR 30.568, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, Dje 27.4.2016; e MS-AgR 29.465, Rel. Min. Celso de

Mello, Segunda Turma, Dje 16.2.2016, assim ementado:

‘MANDADO DE SEGURANÇA CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA JURISDIÇÃO CENSÓRIA APURAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR DE MAGISTRADOS A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE DA IMPOSIÇÃO DIRETA, A ELES, PELO CNJ, DE SANÇÕES DE ÍNDOLE ADMINISTRATIVA A DISCUSSÃO EM TORNO DA INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE COMO REQUISITO LEGITIMADOR DO EXERCÍCIO, PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, DE SUA COMPETÊNCIA EM MATÉRIA DISCIPLINAR SUPERVENIÊNCIA DE JULGAMENTO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O TEMA, RECONHECENDO A POSSIBILIDADE DA PRÁTICA IMEDIATA DESSA COMPETÊNCIA ( ADI 4.638-MC-REF/DF, REL. MIN. MARCO AURÉLIO) ATUAÇÃO ALEGADAMENTE CONFIGURADORA DE COMPORTAMENTO ULTRA VIRES DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA POR SUPOSTA INTERVENÇÃO INDEVIDA EM PROCEDIMENTO DE NATUREZA JURISDICIONAL INOCORRÊNCIA ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA DO CNJ QUE SE LIMITOU A ANALISAR, EXCLUSIVAMENTE, A EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE GRAVES VIOLAÇÕES AOS DEVERES FUNCIONAIS ATRIBUÍDAS AO MAGISTRADO IMPETRANTE MANDADO DE SEGURANÇA DENEGADO INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE AGRAVO INOVAÇÃO MATERIAL DO PEDIDO, QUE ULTRAPASSA OS LIMITES TEMÁTICOS PREVIAMENTE DEFINIDOS NO ATO PROCESSUAL DE IMPETRAÇÃO DO WRIT MANDAMENTAL FUNDAMENTOS NÃO EXAMINADOS PELA DECISÃO RECORRIDA IMPUGNAÇÃO RECURSAL QUE NÃO GUARDA PERTINÊNCIA COM OS FUNDAMENTOS EM QUE SE ASSENTOU O ATO DECISÓRIO QUESTIONADO OCORRÊNCIA DE DIVÓRCIO IDEOLÓGICO INADMISSIBILIDADE PRECEDENTES RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO’.

No caso dos autos, o Conselho Nacional de Justiça, ao deliberar pela instauração do PAD e pela condenação do agravante à pena de aposentadoria compulsória, não interveio em questões relacionadas ao mérito das decisões de natureza jurisdicional tomadas pelo magistrado, o que, se ocorrido, não seria admissível, conforme reiterada jurisprudência desta Corte .

Verifica-se que, ao contrário do que afirmado pelo agravante, o órgão de controle incursionou-se apenas em atos que demonstram a reiteração de procedimentos evidenciadores do desvirtuamento da atividade judicante , (i) pela concessão de liminares para a liberação de margem consignada de servidores públicos estaduais mediante prévio pagamento ; (ii) pela conduta desidiosa quanto à fiscalização das atividades empreendidas pelos servidores de sua vara e à ausência de atitude para responsabilização dos envolvidos com o esquema criminoso assim que, supostamente, tomou ciência dele ; (iii) pela tolerância de advocacia sem procuração por causídico com quem mantinha relação pessoal, nos processos utilizados pelo grupo criminoso para obter a vantagem ilícita ; (iv) pela existência de depósitos em dinheiro em sua conta bancária sem identificação ou esclarecimento ; e

(v) pela correlação entre as datas em que concedidas as liminares com aquelas em que recebidos valores em sua conta .

Tais atitudes configuram clara violação aos deveres impostos aos magistrados pelo art. 35, I, VII e VIII, da LOMAN, conforme entendido pelo Conselho Nacional de Justiça. O dispositivo possui a seguinte redação :

‘Art. 35. São deveres do magistrado:

I Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;

(...)

VII exercer assídua fiscalização sobre os subordinados, especialmente no que se refere à cobrança de custas e emolumentos, embora não haja reclamação das partes;

VIII manter conduta irrepreensível na vida pública e particular’.

A partir dessas considerações, extrai-se que a atuação do CNJ não extrapolou os limites impostos às suas atribuições pelo constituinte, tendo-se referido a condutas contrárias aos deveres funcionais dos magistrados, que não se confundem com o acerto ou desacerto dos atos judiciais praticados .

No que se refere à alegada ausência de provas da participação do magistrado em condutas ilícitas , sublinho que o Supremo Tribunal Federal possui entendimento consolidado no sentido de que cabe ao Poder Judiciário, na apreciação de processo administrativo em sede de mandado de segurança, limitar-se ao exame da legalidade do ato coator, dos possíveis vícios de caráter formal ou dos que atentem contra os postulados constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal .

Nesse sentido: RMS-AgR 27.934, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, Dje 3.8.2015; RMS 33.911, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, Dje 20.6.2016; RMS-AgR 31.515, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, Dje 9.12.2015.

No caso dos autos, o órgão coator assentou estar comprovado o envolvimento do agravante com ‘ esquema criminoso para a liberação de margem de empréstimos consignados a servidores públicos estaduais, com a concessão de liminares proferidas pelo magistrado acusado’ , utilizando- se, para tanto, não apenas a delação premiada oferecida por Hamurabi Zacarias de Medeiros e o depoimento de Paulo

Aires Pessoa Sobrinho conforme alegado pelo impetrante, mas de outros elementos de prova colhidos nos autos. Dentre aqueles utilizados para corroborar o entendimento do acórdão proferido pelo CNJ, cito o seguintes elementos :

(i) valores em dinheiro sem identificação depositados na conta do magistrado em período coincidente com as decisões liminares proferidas para liberação de margem de empréstimo;

(ii) provas colhidas quando da realização de busca e apreensão na residência do assessor do juiz e do computador do magistrado;

(iii) depoimento de outras testemunhas, além de Hamurabi Zacarias e Paulo Aires, dentre elas servidor beneficiário de decisões concessivas de liminares proferidas pelo juiz e trabalhador da fazenda do magistrado; e

(iv) expedição de vinte e duas decisões liminares no período de seis meses, destinadas à viabilização de empréstimos além da margem consignável, de forma irregular, para apenas 3 servidores .

Assim, resta evidenciado que o recorrente busca o reexame dos elementos probatórios regularmente colhidos no processo administrativo, o que se mostra inconciliável com o rito do mandado de segurança. Nesse sentido:

‘AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. DEMISSÃO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE DA PENA APLICADA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. ILIQUIDEZ DOS FATOS. INVIABILIDADE DA DISCUSSÃO EM SEDE MANDAMENTAL. DENEGAÇÃO DA ORDEM E

DESPROVIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Compete ao Supremo Tribunal Federal, em sede mandamental, apreciar, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, a regularidade de processos administrativos disciplinares, sem, contudo, avaliar o contexto probatório coligido no procedimento. 2. A violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na aplicação da sanção administrativa deve ser demonstrada primo ictu oculi, de sorte que a ausência de violação flagrante aos referidos mandamentos impede o controle desta Corte, mormente porque, in casu, as condutas foram reconhecidas pelo próprio servidor público nos autos do devido Processo Administrativo Disciplinar. 3. O mandado de segurança não comporta o reexame do conteúdo fático-probatório analisado pela Comissão Processante do PAD, e confirmada pelo ato do Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário, que resultou na pena de demissão ao agravante. 4. In casu, conforme evidenciado no acórdão recorrido, verifica-se que: (i) o ato impugnado está fundamentado em múltiplos e concatenados elementos de prova; (ii) os argumentos e provas produzidos pela defesa do impetrante foram devidamente considerados, a denotar a observância das garantias do contraditório e da ampla defesa, e (iii) formada convicção, a partir do conjunto probatório examinado, o Ministro de Estado considerou adequada a aplicação da sanção de demissão, considerada a particular gravidade da falta funcional apurada. 5. Agravo interno DESPROVIDO. (RMS-ED-AgR 34.004, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 11.12.2017)

Destaco que o mandado de segurança não é meio processual adequado para a reforma da penalidade disciplinar imposta pelo Conselho Nacional de Justiça, o que demandaria extensa dilação probatória.

Ademais, não cabe ao Supremo Tribunal Federal, que não

se caracteriza como instância revisora de qualquer decisão administrativa tomada pelo CNJ, adentrar o exame de mérito da atuação do referido órgão para analisar os elementos valorativos utilizados para aplicar a norma disciplinar ao caso concreto.

Dessa forma, ausente qualquer indício de ilegalidade na decisão tomada pelo CNJ no processo disciplinar ou de exorbitância do papel que lhe foi atribuído pelo art. 103-B da Constituição, é caso de manutenção da decisão recorrida.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso e, tendo em vista tratar-se de mandado de segurança, deixo de aplicar o disposto no § 11 do art. 85 do NCPC, em virtude do art. 25 da Lei 12.016/2009". (grifo nosso)

Eis o acórdão do MS 35.444:

"Agravo regimental em mandado de segurança. 2. Direito Constitucional e Administrativo. 3. Conselho Nacional de Justiça. Competência para processar e julgar processo administrativo disciplinar com vistas a apurar descumprimento de deveres funcionais por parte dos magistrados. Art. 103-B, § 4º, da Constituição. 4. Independência funcional do magistrado. Incursão. Inocorrência. Atos que demonstram a reiteração de procedimentos incorretos evidenciadores do desvirtuamento da atividade judicante. Violação aos deveres impostos aos magistrados pelo art. 35 da LOMAN. 5. Impossibilidade de reexame dos elementos probatórios regularmente colhidos no processo administrativo. Não cabe ao Supremo Tribunal Federal, que não se caracteriza como instância revisora de qualquer decisão administrativa tomada pelo CNJ, adentrar o exame de mérito da atuação do referido órgão para analisar os elementos valorativos utilizados para aplicar a norma disciplinar ao caso concreto. 6. Ausência de indício de ilegalidade na decisão tomada pelo CNJ no processo disciplinar ou de exorbitância do papel que lhe foi atribuído pela Constituição. 7. Agravo regimental desprovido". ( MS 35.444

AgR-2º JULG, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 22.2.2019)

Passo agora a analisar os argumentos trazidos pelo autor nesta ação originária, para aferir se os mesmos foram objeto de cognição exauriente no mandado de segurança, de modo a estar presente a coisa julgada.

Nos termos dos arts. 502 a 508 do Código de Processo Civil:

"Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso .

Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida .

§ 1º. O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se:

I - dessa resolução depender o julgamento do mérito;

II - a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;

III - o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.

§ 2º. A hipótese do § 1º não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.

Art. 504. Não fazem coisa julgada:

I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença;

II - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença.

Art. 505. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide, salvo :

I - se, tratando-se de relação jurídica de trato continuado, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito, caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença;

II - nos demais casos prescritos em lei.

Art. 506. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros.

Art. 507. É vedado à parte discutir no curso do processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão .

Art. 508. Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido" . (grifo nosso)

Passa-se à análise dos fundamentos invocados pela parte autora.

a) O autor foi aposentado compulsoriamente pelo CNJ com base em meras presunções, não havendo provas de participação do magistrado no

esquema criminoso de venda de sentença

Essas presunções, segundo alega o autor, seriam advindas de uma delação premiada e do depoimento de pessoa que teria confessado ter sido coagida pelo Ministério Público para envolver o magistrado.

Quanto ao argumento de ausência de provas para a condenação, o voto proferido no acórdão proferido no MS 35.444 AgR-2ºJULG, foi enfático ao dizer que:

"(...)

No que se refere à alegada ausência de provas da participação do magistrado em condutas ilícitas , sublinho que o Supremo Tribunal Federal possui entendimento consolidado no sentido de que cabe ao Poder Judiciário, na apreciação de processo administrativo em sede de mandado de segurança, limitar-se ao exame da legalidade do ato coator, dos possíveis vícios de caráter formal ou dos que atentem contra os postulados constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal .

Nesse sentido: RMS-AgR 27.934, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, Dje 3.8.2015; RMS 33.911, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, Dje 20.6.2016; RMS-AgR 31.515, Rel.

Min. Luiz Fux, Primeira Turma, Dje 9.12.2015.

No caso dos autos, o órgão coator assentou estar comprovado o envolvimento do agravante com ‘ esquema criminoso para a liberação de margem de empréstimos consignados a servidores públicos estaduais, com a concessão de liminares proferidas pelo magistrado acusado’ , utilizando- se, para tanto, não apenas a delação premiada oferecida por Hamurabi Zacarias de Medeiros e o depoimento de Paulo Aires Pessoa Sobrinho conforme alegado pelo impetrante, mas de outros elementos de prova colhidos nos autos. Dentre aqueles utilizados para corroborar o entendimento do acórdão proferido pelo CNJ, cito o seguintes elementos :

(i) valores em dinheiro sem identificação depositados na conta do magistrado em período coincidente com as decisões liminares proferidas para liberação de margem de empréstimo;

(ii) provas colhidas quando da realização de busca e apreensão na residência do assessor do juiz e do computador do magistrado;

(iii) depoimento de outras testemunhas, além de Hamurabi Zacarias e Paulo Aires, dentre elas servidor beneficiário de decisões concessivas de liminares proferidas pelo juiz e trabalhador da fazenda do magistrado; e

(iv) expedição de vinte e duas decisões liminares no período de seis meses, destinadas à viabilização de empréstimos além da margem consignável, de forma irregular, para apenas 3 servidores". ( MS 35.444 AgR-2ºJULG, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 22.2.2019, grifo nosso)

Assim, resta evidenciado que a alegação do autor - de que fora condenado apenas com base na delação premiada e em depoimento de testemunha que teria sido coagida pelo Ministério Público, as quais, no seu entender, seriam insuficientes para uma condenação -, já foi examinada no mandado de segurança e faz coisa julgada, não podendo ser novamente analisado nesta ação .

Está claro que, no MS 35.444 AgR-2ºJULG, a Segunda Turma, em voto de minha relatoria, decidiu que o CNJ utilizou-se "não apenas a delação premiada oferecida por Hamurabi Zacarias de Medeiros e o depoimento de Paulo Aires Pessoa Sobrinho conforme alegado pelo impetrante, mas de outros elementos de prova colhidos nos autos" , elencando os seguintes elementos probatórios: (i) "valores em dinheiro sem identificação depositados na conta do magistrado em período coincidente com as decisões liminares proferidas para liberação de margem de empréstimo"; (ii) "provas colhidas quando da realização de busca e apreensão na residência do assessor do juiz e do computador do magistrado"; (iii) "depoimento de outras testemunhas, além de Hamurabi Zacarias e Paulo Aires, dentre elas servidor beneficiário de decisões concessivas de liminares proferidas pelo juiz e trabalhador da fazenda do magistrado"; e (iv) "expedição de vinte e duas decisões liminares no período de seis meses, destinadas à viabilização de empréstimos além da margem consignável, de forma irregular, para apenas 3 servidores".

Percebe-se, pois, que esse fundamento restou enfrentado expressamente no acórdão do MS 35.444, havendo claro efeito preclusivo de rediscutir tal causa de pedir/pedido em outra demanda, hábil a reconhecer a ocorrência de coisa julgada .

b) O CNJ presumiu a participação do autor com base na prática de atos jurisdicionais, o que viola a garantia da imunidade do conteúdo de suas

decisões, prevista no art. 41 da Loman

Nesse aspecto, o acórdão proferido no MS 35.444, decidiu que:

"No caso dos autos, o Conselho Nacional de Justiça, ao deliberar pela instauração do PAD e pela condenação do agravante à pena de aposentadoria compulsória, não interveio em questões relacionadas ao mérito das decisões de natureza jurisdicional tomadas pelo magistrado, o que, se ocorrido, não seria admissível, conforme reiterada jurisprudência desta Corte .

Verifica-se que, ao contrário do que afirmado pelo

agravante, o órgão de controle incursionou-se apenas em atos que demonstram a reiteração de procedimentos evidenciadores do desvirtuamento da atividade judicante , (i) pela concessão de liminares para a liberação de margem consignada de servidores públicos estaduais mediante prévio pagamento ; (ii) pela conduta desidiosa quanto à fiscalização das atividades empreendidas pelos servidores de sua vara e à ausência de atitude para responsabilização dos envolvidos com o esquema criminoso assim que, supostamente, tomou ciência dele ; (iii) pela tolerância de advocacia sem procuração por causídico com quem mantinha relação pessoal, nos processos utilizados pelo grupo criminoso para obter a vantagem ilícita ; (iv) pela existência de depósitos em dinheiro em sua conta bancária sem identificação ou esclarecimento ; e

(v) pela correlação entre as datas em que concedidas as liminares com aquelas em que recebidos valores em sua conta .

Tais atitudes configuram clara violação aos deveres impostos aos magistrados pelo art. 35, I, VII e VIII, da LOMAN, conforme entendido pelo Conselho Nacional de Justiça. O dispositivo possui a seguinte redação :

‘Art. 35. São deveres do magistrado:

I Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;

(...)

VII exercer assídua fiscalização sobre os subordinados, especialmente no que se refere à cobrança de custas e emolumentos, embora não haja reclamação das partes;

VIII manter conduta irrepreensível na vida pública e particular’.

A partir dessas considerações, extrai-se que a atuação do CNJ não extrapolou os limites impostos às suas atribuições pelo constituinte, tendo-se referido a condutas contrárias aos deveres funcionais dos magistrados, que não se confundem com o acerto ou desacerto dos atos judiciais praticados" . (grifo nosso)

Perceba-se que o argumento referente à condenação do autor com base no "crime de hermenêutica" foi exaustivamente analisado no acórdão que manteve a denegação da impetração, atraindo os efeitos preclusivos da coisa julgada, fundamento fático-jurídico que não será novamente analisado nesta ação .

No entanto, verifica-se que, além dessas matérias, o autor impugna vários elementos de prova que teriam sido utilizados pelo Conselho Nacional de Justiça para sua condenação, mas que não foram examinados na via estreita do mandado de segurança, por não ser possível a dilação probatória . Esses argumentos seriam os seguintes:

I) em relação à delação premiada de Hamurabi Zacarias Medeiros o autor afirma que: i) o delator nada delatou contra o juiz e afirmou que desconhecia a participação financeira do magistrado, pois o valor cobrado dos seus clientes era "só pros advogados"; ii) a delação foi feita pela Promotora Izabel Cristina Pinheiro, que coagiu a testemunha Paulo Aires Pessoa Sobrinho;

II) quanto à amizade com o advogado Ivan Holanda Pereira, aduz haver declaração do mesmo nos autos, feita por escritura pública, atestando que o magistrado nunca o beneficiara como advogado e que se dava por suspeito nas causas em que patrocinava;

III) existe confissão espontânea na instrução do PAD feita por Paulo Aires Pessoa Sobrinho perante Conselheiro do CNJ, afirmando que foi coagido pelo Ministério Público a modificar seu depoimento para envolver o autor no esquema criminoso;

IV) não houve omissão do magistrado, pois assim que teve conhecimento de ofícios falsificados, comunicou imediatamente às autoridades;

V) não houve conduta do juiz com o intuito de encobrir os fatos objeto da denúncia;

VI) no tocante aos depósitos não identificados na conta do

magistrado somando cerca de R$ 43.000,00 (quarenta e três mil reais), entre janeiro de 2007 a fevereiro de 2009, assevera que: i) não há evidência de que os valores depositados referiam-se às liminares; ii) tais depósitos referem-se: a) à venda de animais de pequeno porte mantidos pelo magistrado em uma fazenda que recebeu de herança, negociações que foram feitas ao ar livre, sem declaração ou registro das transações; b) a empréstimos feitos junto a um amigo comerciante sempre coincidentemente no período em que o magistrado utilizava o cheque especial e que essa prática cessou quando passou a receber a PAE (parcela autônoma de equivalência);

VII) em relação ao depoimento de Damião Barbosa, alega que essa pessoa nunca teria trabalhado para o magistrado, além de ser insuficiente para comprovar sua participação no "esquema criminoso";

VIII) o depósito de R$ 1.000,00 (mil reais), feito por Ivan Holanda na conta do magistrado, refere-se a uma peça de automóvel e foi realizado em período não coincidente com as liminares deferidas, não podendo ser considerado elemento apto a comprovar nada.

A impugnação do autor em relação a cada um destes elementos de prova utilizados pelo Conselho Nacional de Justiça para fundamentar a condenação do magistrado não foi objeto de análise específica no âmbito do mandado de segurança e nem pelo Poder Judiciário, devendo ser apreciada nesta demanda.

Portanto, reconheço a existência de coisa julgada parcial em relação ao MS 35.444, no tocante aos argumentos contidos nos itens a e b acima expendidos, os quais não mais serão analisados na presente ação originária, diante da ocorrência de coisa julgada, extinguindo a demanda, nesses pontos, sem resolução de mérito (art. 485, V, do CPC).

Todavia, em relação ao restante dos fundamentos contidos nos demais itens acima elencados (itens I a "VIII") inexiste coisa julgada, razão pela qual conheço esta demanda, unicamente, em relação aos

2) Mérito

De início, rememore-se que o exercício do controle de legalidade, pelo Poder Judiciário, não pode substituir a vontade do administrador, mas tão somente verificar se houve a prática de ato administrativo em desconformidade com as balizas presentes na Constituição Federal. Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados:

"AÇÃO ORIGINÁRIA. DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR . APOSENTADORIA COMPULSÓRIA DE MAGISTRADO APLICADA PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA . COISA JULGADA COM WRIT ANTERIOR: NÃO OCORRÊNCIA . AUSÊNCIA DE NULIDADES NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. EVIDÊNCIAS CONVINCENTES E PREPONDERANTES DA QUEBRA DE DEVERES FUNCIONAIS DA MAGISTRATURA (ART. 35 DA LOMAN). DESPROPORCIONALIDADE E IRRAZOABILIDADE DA PENA NÃO CONFIGURADAS . PEDIDOS JULGADOS IMPROCEDENTES. 1. Tendo sido denegada a ordem em writ anterior com a expressa ressalva de ser possível o manejo da via ordinária para verticalizar as provas que lastrearam a punição administrativa aplicada ao autor (estranhas ao escopo de cognição do mandamus), não colhe a arguição de coisa julgada. Precedentes. 2. Não procede a alegação de desrespeito às regras de investigação contra magistrados previstas na LOMAN diante da ausência de prova da prática direta de ato investigativo contra autoridade detentora de prerrogativa de foro pelo Juízo de primeiro grau. Nesse contexto, é estável a compreensão de que as provas obtidas na esfera criminal podem ser emprestadas para subsidiar Processo Administrativo Disciplinar, o qual, no presente caso, foi regularmente instaurado pelo CNJ com base na competência prevista no art. 103-B, § 4º, III, da CF. Precedentes. 3. Penalidade de aposentadoria compulsória fundamentada em evidências convincentes e preponderantes de que o autor, enquanto Juiz de Direito, se dispôs a atuar estrategicamente em favor de terceiros para influenciar na sorte de processos judiciais em curso no Poder Judiciário do Estado do Amazonas . 4. A hipótese dos autos não justifica a revisão judicial da punição disciplinar aplicada pelo CNJ sob a ótica da razoabilidade e da proporcionalidade, presentes a quebra de regras deontológicas da magistratura e o grave descumprimento de deveres funcionais previstos na LOMAN . 5. Pedidos julgados improcedentes". ( AO 2561, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 29.6.2022, grifo nosso)

"AGRAVO INTERNO NA AÇÃO ORIGINÁRIA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR . VISTA PRÉVIA À PGR. DESNECESSIDADE. DECISÃO FUNDADA NA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. OBSERVÂNCIA. COMETIMENTO DE FALTA DISCIPLINAR. APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. GRAVIDADE DAS CONDUTAS IMPUTADAS À AUTORA COMPATÍVEIS COM A SANÇÃO APLICADA . APRECIAÇÃO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS POR DECISÃO MONOCRÁTICA DO CNJ. PREVISÃO EM REGIMENTO INTERNO. POSSIBILIDADE. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A jurisprudência desta SUPREMA CORTE está consolidada no sentido de que, como regra geral, o controle dos atos do CNJ pelo STF somente se justifica nas hipóteses de ‘(i) inobservância do devido processo legal; (ii) exorbitância das competências do Conselho; e (iii) injuridicidade ou manifesta irrazoabilidade do ato impugnado’ ( AO 1789, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Plenário, DJe de 29/10/2018). 2. Nos termos do art. 52, parágrafo único, do RISTF, dispensa-se remessa dos autos à PGR, sempre que a decisão for proferida com base na jurisprudência pacífica do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 3. Resta assegurado o princípio da ampla defesa e do contraditório, quando o autor for devidamente intimado da juntada de documentos e lhe for possibilitado o acesso à mídias digitais constantes nos autos. 4. Penalidade de aposentadoria compulsória justificada na existência de acervo probatório robusto indicativo da prática de falta disciplinar grave . 5. Não compete ao SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL substituir-se aos Conselhos correicionais na análise valorativa dos elementos indiciários que deram ensejo à conclusão condenatória do processo administrativo disciplinar . 6. A apreciação, por decisão monocrática, dos embargos de declaração opostos em face do julgado proferido pelo CNJ, está prevista no artigo 115, § 6º, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça prevê. 7. Agravo interno a que se nega provimento". ( AO 2553 AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJe 10.9.2021, grifo nosso)

In casu , o autor, juiz de direito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, foi condenado à pena de aposentadoria compulsória pelo CNJ, tendo em vista a sua participação em esquema criminoso de vendas de sentenças, durante o período de maio de 2007 a fevereiro de 2008, sendo o responsável, mediante prévio pagamento, por proferir decisões liberando irregularmente a margem de empréstimos consignados a servidores públicos, contando com a participação de servidores, corretores e advogados.

Embora o autor insista que foi condenado "à mingua de qualquer elemento para a formação de um juízo de culpabilidade", deve ser mantida a decisão que indeferiu a tutela provisória de urgência, pois não vislumbro qualquer tipo de ilegalidade ou ausência de razoabilidade na decisão proferida pelo Conselho Nacional de Justiça, conforme passo a expor.

2.1) Delação premiada de Hamurabi Zacarias Medeiros

O autor afirma que: i) o delator relata que desconhecia a participação financeira do magistrado, além de que o valor cobrado dos seus clientes era "só pros advogados"; e ii) a delação foi feita pela Promotora Izabel Cristina Pinheiro, que coagiu a testemunha Paulo Aires Pessoa Sobrinho.

Sobre a delação realizada por Hamurabi Zacarias Medeiros, no acórdão proferido pelo CNJ consta o seguinte:

"A principal prova que aponta para a concorrência das infrações administrativas por parte do juiz José Dantas de Lira é o depoimento da testemunha Hamurabi Zacarias Medeiros . Contudo, como se verá, não se trata de única prova produzida nos autos , que conta especialmente com as provas emprestadas pelo Supremo Tribunal Federal, pela 3a Promotoria de Justiça de Ceará-Mirim/RN e depoimentos de testemunhas de acusação e defesa, ouvidas perante este Conselho Nacional de Justiça .

O testemunho de Hamurabi prestado nestes autos goza de alta credibilidade, porquanto é coeso e coerente em si mesmo, além de guardar perfeita sintonia com a colaboração premiada feita por ele perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte , que também compõe o conjunto probatório, na qualidade de prova emprestada (ID XXXXX). Ademais, a defesa do magistrado não trouxe aos autos qualquer prova ou mesmo circunstância, capaz de desmoralizar ou contradizer o depoimento de Hamurabi Zacarias Medeiros, ou que ele tivesse por objetivo específico prejudicar o acusado .

Com efeito, do depoimento de Hamurabi Zacarias de Medeiros tem-se a perfeita visualização do funcionamento do esquema criminoso , no qual ele era o responsável por cooptar servidores públicos - desejosos de obter empréstimos bancários, mesmo estando limitados pela margem legal consignada - e repassar ao também corretor Paulo Aires Pessoa Sobrinho , que, por sua vez, acordava com o advogado Ivan Holanda Pereira . A este cabia o ajuizamento das ações, por advogados interpostos, e o acordo ilícito com o magistrado, para a concessão de decisões favoráveis aos servidores, mediante prévio pagamento. Os servidores públicos eram em sua maioria cooptados na cidade de Natal/RN. Contudo, tinham seus endereços ilegalmente alterados para atrair a competência de Ceará-Mirim e para que as ações fossem julgadas pela 1a Vara Cível de titularidade do Juiz José Dantas .

Vejamos trechos do depoimento de Hamurabi Zacarias de Medeiros prestado perante este conselho:

‘Conselheiro Gustavo Alkmim: Onde, que local, que cidade que o senhor ficava pra fazer essa captação de clientes? Era em Natal? Ou era...

Hamurabi Zacarias de Medeiros: era em Natal mesmo.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Em Natal mesmo...

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Natal mesmo.

Conselheiro Gustavo Alkmim: e essas ações todas eram destinadas pra comarca de Natal, ou pra alguma outra comarca ou pra várias outras, como é que era isso?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: não... é tudo na comarca de Ceará-Mirim. No início era tudo em Ceará- Mirim.

Conselheiro Gustavo Alkmim: tudo na comarca de Ceará-Mirim?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: exatamente

Conselheiro Gustavo Alkmim: E independentemente do local em que o cliente do senhor residia... morava?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: não entendi a pergunta...

Conselheiro Gustavo Alkmim: independentemente do local onde os clientes do senhor moravam, iam todas as ações para Ceará-Mirim?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: isso. Todos os meus clientes que moravam no estado do Rio Grande do Norte, sempre era na comarca de Ceará-Mirim... onde as decisões saíam .

Conselheiro Gustavo Alkmim: mas não teria que

justificar para que a comarca de Ceará-Mirim fosse competente para apreciar essas ações? Que a pessoa residisse em Ceará Mirim?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: ... eu posso, eu posso me explicar? No desenrolar do...

Conselheiro Gustavo Alkmim: Pois não, claro.

Hamurabi Zacarias de Medeiros: no início que a gente começou a fazer o trabalho, eu acareava os clientes , pegava o cliente, pegava a documentação do cliente. No caso era CPF, identidade, contracheque, o extrato do, do, do... e-consig do cliente, na folha de pagamento e o comprovante de residência, da residência dele onde ele residia. Eu juntava essa documentação tudinho e entregava pra seu Paulo. E Paulo dava entrada lá na comarca de Ceará-Mirim . Posteriormente, dia depois, houve algum problema em relação a endereço dos clientes, não tava dando certo porque os clientes eram de outras comarcas, residiam em outras comarcas, então passou-se a fazer em endereços fictícios lá de Ceará- Mirim. O cliente não morava em Ceará-Mirim, mas tudo fazia na comarca de Ceará-mirim, inclusive os endereços de Ceará-Mirim não eram feitos através de mim. Apenas eu pegava os documentos do cliente, como identidade, CPF, contracheque e uma procuração. Essa procuração apenas o cliente assinava e algumas vezes eu reconhecia firma e entregava para o seu Paulo e seu Paulo entregava lá pra fazer as petições lá em Ceará-mirim . Os endereços que depois foi feito, foi tudo feito com os endereços de Ceará-mirim, mas os clientes moravam em outras comarcas. Mas os endereços feitos em Ceará-mirim pra poder a liminar sair .

Conselheiro Gustavo Alkmim: E que endereços eram esses em Ceará-mirim, o senhor sabe?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Não, não sei, senhor. Eu não conheço Ceará-mirim.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Mas eram endereços

fictícios, inventados?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: é... eu acredito que sim, porque os endereços que tinham eram de praia, das praias, endereços das praias que... Ceará-mirim tem uma área muito grande de praias, eram endereços de praias, dessas localidades ali, mas os endereços, se o senhor me perguntar se eu conheço algum endereço em Ceará-mirim, eu não conheço nenhum endereço em Ceará-mirim, não sem nem como é os endereços em Ceará-mirim, mas eram feitos com os endereços de Ceará-mirim.

Questionado sobre o motivo de a comarca de Ceará- Mirim/RN ter sido a escolhida para o ajuizamento dessas ações revisionais de servidores públicos residentes estaduais, residentes em Natal/RN, Hamurabi Zacarias de Medeiros afirmou que se tratou de um prévio ajustamento entre o grupo criminoso, dando detalhes, inclusive, de como se procedia ao recebimento da vantagem indevida por ele e pagas pelos servidores públicos, que posteriormente era passada a Paulo Aires Pessoa Sobrinho:

Conselheiro Gustavo Alkmim: muito bem. Então o senhor arregimentava toda essa clientela, e passava todos eles para o Paulo ?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Isso.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Tá. E as liminares objetivavam o que? O que se pretendia com as liminares ?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Fazer empréstimo consignado.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Pra fazer empréstimo consignado além da margem legal, não é isso?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Não. Dentro da margem legal, apenas os clientes já tinham... já eram comprometidos com algumas instituições financeiras, com alguns bancos os bancos, e essa decisão que vinha era pra justamente suspender... alguns bancos que já tinham e fazer novos empréstimos.

Conselheiro Gustavo Alkmim: perfeito. É... e aí ia tudo para o senhor Paulo que... o Paulo era advogado, não?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: não.

Conselheiro Gustavo Alkmim: não... e o Paulo... e quem era o advogado, era o Ivan? O senhor fez uma referência ao Ivan.

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Ah o Ivan é como se fosse Eu-Paulo, Paulo-Ivan e Ivan na Comarca, lá com Dr. José Lira.

Conselheiro Gustavo Alkmim: O Ivan que era o advogado?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Isso. Exatamente. Conselheiro Gustavo Alkmim: Ele que ajuizava as

ações?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: ... eu nunca assinei procuração nenhuma do Dr. Ivan não.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Não. Era o Ivan que fazia as ações, ele que advogava para os clientes?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: isso. É... Mas as procurações que vinham eram em nome de outros advogados, não do Dr. Ivan.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Não eram do Dr. Ivan?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Não, não não...

Conselheiro Gustavo Alkmim: O senhor se lembra dos advogados, quais eram?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: ... tinha... que eu lembre assim... Juliano... Dr. Juliano, Dr. Marcelo, tinha uma outra advogada também, o nome de uma mulher que eu não lembro o nome dela... Mas se relatar o nome dos advogados...

Conselheiro Gustavo Alkmim: Aí o cliente quando chegava, quando passava toda a documentação, o senhor já passava a procuração pra um desses advogados?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: exatamente.

Conselheiro Gustavo Alkmim: E... por que a comarca de Ceará-mirim? Por que não outra ?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: por que a comarca de Ceará-mirim... porque foi tudo acertado no início justamente pra comarca de Ceará-mirim porque na comarca de Ceará-mirim tava fluindo... saíam essas liminares... nas outras comarcas não saíam essas liminares, mas em Ceará-mirim saía, então tudo era direcionado pra comarca de Ceará-mirim... lá era assim . Não tinham outras comarcas do estado do rio Grande do Norte que faziam isso não . Pelo menos comigo. Eu como corretor de empréstimos, eu com Paulo, eu não tinha outras comarcas não, era tudo com Paulo em Ceará-mirim.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Tá. E... o senhor cobrava um percentual, um valor fixo por esse trabalho com os clientes?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: sim senhor.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Era o que? Um valor fixo ou um percentual ?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: era não. Era, era, era... como se fosse um percentual, em torno de 20%, mas esses 20% eu comecei a cobrar valores fixos. Eles começaram a me cobrar valores que variavam de 2.500 a 3.500, dependendo do empréstimo, mas normalmente era 3 mil cada liminar . Eu pagava 3 mil porque... de três a três e quinhentos no início, depois foi subindo, esses custos foram subindo ... mas no início eram três, três e quinhentos, quatro... dependendo do valor dos empréstimos, porque os empréstimos antigamente, quando a gente começou variava entre 10 a 15 e a 16 mil reais, então eu cobrava 20%, mas já dizia ao cliente: cada liminar, se você quiser fazer, estou cobrando de três a três mil e quinhentos reais, na época . Então o cliente acordava, eu já acordava com o cliente e o cliente na hora que recebia o dinheiro, passava pra mim e eu passava pra Paulo.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Desse valor, vamos supor aí de 3.500 reais, quanto ficava com o senhor, quanto ia para o Paulo ?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Desse valor não ficava nenhum tostão, Dr. Só ficava para mim a comissão do banco .

Conselheiro Gustavo Alkmim: o senhor só recebia a comissão do banco?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: só a comissão do banco. O valor que eu cobrava do cliente era 20% dos honorários, mas às vezes os 20% não cobria os 3.000 reais, então eu já dizia ao cliente ‘olhe, cada liminar dessa o pessoal está cobrando de 3 a 3 e 500, se você quiser, você faz, se não quiser, eu passo para outra pessoa. Tem outras pessoas querendo fazer ’. Mas o preço era esse, ou era 3 ou era 3 e 500, quando começou os valores, eles me cobravam esse valor.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Chegou a quanto, o senhor lembra? O senhor falou quando começou chegou a 3, chegou a um valor mais alto?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: chegou, chegou até 9.000 reais.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Chegou até 9.000 reais...

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Em Ceará-Mirim, desculpe... Em Ceará-Mirim, chegou até 9.000 mil reais. No início começou com 3, 3 e 500, dependendo do cliente, 5 mil, aí 7, 9, aí eram inúmeros valores. Dependendo que os empréstimos dos clientes começavam com um empréstimo pequeno, depois aparecia cliente com empréstimo superior a 30 mil, 40 mil, 60 mil...

Conselheiro Gustavo Alkmim: O mesmo cliente podia voltar? Não?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Sim, senhor.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Podia, né?!... Bom, esse valor, seja de 3 mil, de 7, de 9, não ficava nada com o senhor? O senhor só ficava com a comissão do banco?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Só com a comissão do banco.

Conselheiro Gustavo Alkmim: E esse valor ia todo para o Paulo?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Todos eles eu passava para ele. Todos os valores eu passava para ele.

Quanto ao valor recebimento a título de pagamento para a concessão da liminar, Hamurabi Zacarias de Medeiros confirmou que o repassava integralmente a Paulo Aires Pessoa Sobrinho, que, por sua vez, o repassava a Ivan Holanda Pereira.

No depoimento, Hamurabi Zacarias de Medeiros embora não afirme categoricamente que José Dantas de Lira era o destinatário final do acerto, acreditava ser sim o magistrado o ‘homem’ (sic) mencionados pelos demais integrantes - até porque, caso não houvesse o pagamento da vantagem indevida, as liminares não eram concedidas.

Ademais, no próprio ato de cooptação dos servidores, Hamurabi Zacarias de Medeiros dizia publicamente que a decisão liminar para liberação da margem consignada apenas seria concedida se houvesse o prévio pagamento por ela . Com o tempo, em virtude de sucessivas liminares concedidas aos servidores estaduais, o pagamento pela liminar ficou de conhecimento público, pois os próprios servidores que buscavam os empréstimos, mediante as ações revisionais, já tinham conhecimento de determinado fato . Vejamos:

Conselheiro Gustavo Alkmim: O senhor captava essa clientela onde exatamente? Como é que os clientes chegavam ao senhor.

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Bom... eu sempre tinha um contato, meu contato que eu tinha era no centro administrativo e através do meu telefone mesmo . Eles mantinham contato comigo e como normalmente eram um ou dois ou dez clientes, eu reunia lá no centro administrativo aqui do estado . E lá eu conversava com eles, explicava pra eles como era feito e acareava toda a documentação ali e eles se prontificavam, me entregavam os documentos inclusive com procuração, tudo isso aí. Lá no centro administrativo do Rio Grande do Norte . E alguns clientes do interior... que eu era obrigado a viajar pra ir lá pro interior do estado do Rio Grande do Norte. Aí lá eu fazia a acareação lá, eles marcavam comigo ou eu ia pra casa deles ou ia no local que eles marcavam comigo, chegava e conversava com eles também, explicava tudinho como é que era, eles me davam a documentação, eu voltava pra Natal, encomendava com Paulo e entregava pra Paulo.

(...)

Conselheiro Gustavo Alkmim: E esse valor ia todo para o Paulo ?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Todos eles eu passava para ele. Todos os valores eu passava para ele .

Conselheiro Gustavo Alkmim: E o Paulo repassava alguma coisa para o Ivan ?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Eu nunca presenciei não, Dr. Eu nunca presenciei não.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Mas o que o Paulo dizia? Paulo dizia o quê ‘fica tudo comigo ’?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Não. Ele disse assim ‘eu tenho que pagar o pessoal ’

Conselheiro Gustavo Alkmim: Quem é o pessoal ? Hamurabi Zacarias de Medeiros: Era Ivan e o

pessoal lá da comarca, quem ele pagava na comarca . Eu não sei se Paulo...

Conselheiro Gustavo Alkmim: Quem era o pessoal da comarca ?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Eu acredito que era o Dr. José Lira que recebia essa parte. Ou era Dr. José

Lira ou alguém dentro da comarca, porque eu não presenciei nunca ele pagar, mas eu dava a Paulo, para Paulo pagar o pessoal lá, para poder as liminares tá saindo de lá da comarca .

Conselheiro Gustavo Alkmim: Mas o Paulo falava especificamente do juiz José Lira?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Não, ele sempre falava ‘do homem’. A expressão que ele usava era essa ‘o homem’.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Tem que pagar para o Dr. Ivan e pro ‘homem’?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Isso... E tem que pagar pro ‘homem’ lá para poder liberar. Então, o ‘homem’ que todo mundo sabia, que todo mundo tinha certeza que era o juiz da comarca, que tava assinando as decisões . Porque na verdade se eu pagava as liminar saiam, então ...

Conselheiro Gustavo Alkmim: O quê? Desculpa, eu não ouvi ‘ se não pagasse as liminares não saiam...’

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Não saiam . Não. Conselheiro Gustavo Alkmim: o senhor

pessoalmente nunca teve contato com o Dr. José Lira?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Pessoalmente nunca, senhor.

Conselheiro Gustavo Alkmim: E com o Dr. Ivan, já teve?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Já. Já tive. Várias vezes já tive contato com ele, já fui na casa dele inúmeras vezes.

Conselheiro Gustavo Alkmim: e ele confirmava... ele confirmava que o esquema era esse ?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: que o esquema era esse. Tudo era com o 'homem', tudo através do 'homem', ele só usava essa expressão, mas eu sabia, eu já sabia que o 'homem' que ele se tratava era o Dr. José Lira .

(...)

Hamurabi Zacarias de Medeiros: Alguns clientes até relatavam para mim, ‘ se eu não pagar não sai, o homem não assina, né ?!’. (...) No início, todos os meus clientes ficaram cientes como era feito. Eu cobrava um valor de 20% para honorários, para o pessoal ir receber lá em Ceará-Mirim, para a liminar sair. Então, a liminar só saia se ficasse acordado, se ficasse acertado . Depois que o cliente fez uma vez comigo, fez segunda vez, terceira vez, quarta vez, teve cliente que fez bem mais que 4 vezes, teve cliente que fez muito mais que isso. Então, esses clientes já diziam assim: ‘Hamurabi, está demorando por quê ?’ ‘ É por que não está pagando o homem lá?’. Aí eu ficava calado. Eu não gostava de entrar em detalhes, certo? ‘Fica calmo que vai sair, na hora que sair, você vai ser comunicado.’ A liminar saia . Muitas vezes eu pagava adiantado, eu dava adiantado a Paulo, alguns valores menores para ele fazer o processo de petição, preencher documento, tinha aquelas questões que tinha que fazer. Até aí eu sabia que ele tinha que levar dinheiro para poder preencher. Fazia as decisões para poder dar entrada... Mas, na hora que eu recebia, na hora que o cliente era liberada a margem, na hora que eu recebia o empréstimo, eu pegava o dinheiro e dava a Paulo, para Paulo pagar o pessoal... Pagar a liminar . (grifos meus)

Hamurabi Zacarias de Medeiros deixou claro em seu depoimento que o corretor Paulo Aires Pessoa Sobrinho tinha permanente contato com o advogado Ivan Holanda Pereira e que este era o responsável pelas procurações em nomes de outros advogados, fato este confirmado pelo próprio Ivan Holanda Pereira, em depoimento perante o CNJ". (eDOC 9, p. 9, grifo nosso)

Ou seja, Hamurabi Zacarias de Medeiros, além do relato que prestou no acordo de delação premiada, também prestou depoimento no Conselho Nacional de Justiça, onde reiterou o detalhamento de todo o esquema criminoso, conforme se observa do trecho transcrito acima.

Hamurabi informou sobre qual era o valor cobrado para a liberação das liminares em favor de seus clientes (entre três e nove mil reais), e que não ficava com parte dos valores auferidos pela organização criminosa, porquanto estes eram repassados à Paulo, que, por sua vez, repassava-os à Ivan Holanda Pereira e este dizia que teria de pagar o "pessoal" da Comarca de Ceará-Mirim.

Por sua vez, entre as pessoas que faziam parte do "pessoal" da comarca de Ceará-Mirim, havia a necessária participação do magistrado, pois o objetivo do esquema criminoso era a obtenção de liminares para a contratação de empréstimo consignado acima da margem permitida legalmente. E, embora não diga expressamente que se tratava de José Dantas Lira, Hamurabi relatou que havia um "codinome" para se referirem ao juiz, o qual era tratado como "o homem".

Reforcem-se as palavras de Hamurabi "que o esquema era esse. Tudo era com o 'homem', tudo através do 'homem', ele só usava essa expressão, mas eu sabia, eu já sabia que o 'homem' que ele se tratava era o Dr. José Lira" .

Conforme bem observado pela Procuradoria-Geral da República, "Aspecto essencial do depoimento - e que foi devidamente considerado pelo CNJ - é o fato de que a testemunha reconhece que o deferimento das liminares era condicionado ao pagamento, o que, logicamente, implicaria a participação do magistrado no esquema ilícito" .

Ademais, como já consignado na decisão que indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência, a condenação do magistrado não ocorreu com base apenas no depoimento de Hamurabi, o qual está em sintonia com as demais provas constantes do PAD, como será demonstrado abaixo .

2.2) Confissão espontânea feita por Paulo Aires Pessoa Sobrinho

(intermediador) na instrução do PAD

O requerente afirma que o referido depoente teria sido coagido pelo Ministério Público a modificar seu depoimento para envolver o magistrado, ora autor no esquema criminoso, inclusive aduzindo que esse fato seria uma "prova nova" no documento juntado em alegações finais.

Em relação a esse depoimento, o CNJ asseverou o seguinte:

"Analisa-se com cautela o depoimento de Paulo Aires Pessoa Sobrinho - tanto aquele aqui prestado, no CNJ, como aquele prestado na presença de promotores de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte , nos autos do Inquérito Civil nº 06.2014.7495-8 (Operação Sem Limites). Neste último, o depoente confessou a participação no esquema criminoso, em total sintonia com o descrito por Hamurabi Zacarias de Medeiros, destacando que repassava a vantagem indevida a Ivan Holanda Pereira em espécie, reafirmando o modus operandi . Quanto à participação do magistrado ora acusado , Paulo Aires Pessoa Sobrinho relatou que Ivan Holanda Pereira dizia publicamente que era amigo do magistrado e repassava dinheiro para este por causa da concessão das liminares (Id XXXXX):

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Eu fazia o quê? Eu fazia tipo uma assessoria. Assessoria. Como assessoria? Tinha o corretor, ele me entregava a documentação, eu repassava para o advogado, que era o Dr. Ivan Holanda, junto com toda a documentação e a procuração . Dr. Ivan preenchia as procurações e coisava a liminar, dava a liminar. (...)

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Eles pagavam quanto?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Quanto eu não tô lembrado, Dra. Mas pagavam os honorários do advogado, que era para Dr. Ivan, que fazia, que assinava não era Dr. Ivan, sei lá, assessor dele, um amigo, eu não sei, entendeu? E eu passava para Ivan, fazia o pagamento a Dr. Ivan. Eu recebia as liminares do Dr. Ivan .

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Certo. E as liminares vinham de que comarca ?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Comarca de Ceará- Mirim .

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: E essas pessoas todas moravam em Ceará-Mirim ?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Que eu saiba não.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Não. Como eram feitos os comprovantes de residência ?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Os comprovantes de residência, eu não sei porquê, eu não preenchia as procurações, mas eu tinha certeza que não é de Ceará- Mirim. Quem preenchia as procurações era o Dr. Ivan.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Então, o senhor entregava as procurações assinadas em branco para que ele preenchesse?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Isso mesmo.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Que outros documentos eram entregues a Dr. Ivan?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: CPF, identidade...

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Certo... e o contracheque. E todos esses servidores tinham margem comprometida , é isso?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Isso mesmo.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Então, eles tinham margem comprometida e precisavam liberar a margem para contratar um novo empréstimo ?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Isso mesmo.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: E quanto tempo, mais ou menos, ocorria entre vocês entregarem os documentos e Ivan lhe entregar a liminar ?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Depende. Dependia. Custava. Tinha época que era logo, um dia...

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Entendi. Era variável... E Ivan lhe entregava as liminares pessoalmente ?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Pessoalmente.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Então, era ele

quem trazia as liminares do fórum?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Isso mesmo.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: E as decisões eram de que juízes ?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Do Dr. José Lira... Só era dele .

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Só dele? Não tinha de outro juiz ?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Não.

(...)

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Então, o senhor pagava a Dr. Ivan após sair a liminar ou antes ?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Às vezes, eu dava metade e a outra no final, se não, dava tudo no final. Mas quando saísse tinha que ser pago. A liminar. Não é quando saia o dinheiro empréstimo do funcionário, não.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Certo. Saía a liminar já tinha que pagar .

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Tinha que ser pago . Promotora Isabel Cristina Pinheiro: E esse

pagamento o senhor fazia de que maneira?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Eu fiz uma vez, uma vez, eu botei na conta da filha dele, se não engano, 6 mil na época .

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: De Ivan Holanda?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Da filha de Dr. Ivan . E o resto era em espécie...

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Então, Ivan queria sempre que fosse em espécie ?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Isso. (...)

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: E o senhor se encontrava com Ivan aonde?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Na casa dele.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Sempre na casa dele?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: não. Ele antigamente tinha um escritório, aonde o filho de José Lira tinha uma casa, onde têm várias salas. Então, Ivan tem uma sala lá. Às vezes era no escritório, na casa dele .

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Em alguma dessas vezes, Ivan mencionou que havia um acordo com o juiz para que essas liminares saíssem ?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: não.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Porque o seguinte, era pagar que a liminar saía...

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Era. A história é essa mesmo.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Se não pagava não saía a liminar. Não tinha ‘essa não sai’, ‘essa não deu’, era só pagar que saía.

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: As que eu fiz era desse jeito. Não sei se dos outros era desse jeito. As que eu fiz era desse jeito.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Certo, pagar saía. Nunca mencionou se tinha acordo com o juiz?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Não.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Ele mencionava que era amigo próximo do juiz ?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: muito. Muito próximo . Promotora Isabel Cristina Pinheiro: O que ele dizia

que levou a crer ele era próximo do juiz?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: O juiz ia na casa dele. Às vezes, eu ia na casa dele, o juiz tava lá conversando .

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Então, o senhor chegou a encontrar o juiz José Dantas na casa de Ivan ?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Já.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: e os dois conversando.

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: os dois conversando. Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Em alguma dessas ocasiões que você foi, você foi para levar dinheiro ?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Às vezes sim, às vezes não .

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Às vezes só ia bater papo. Era?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Era.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Em algumas dessas vezes que o senhor foi para levar dinheiro de liminar, o senhor Ivan comentou alguma coisa com o juiz, que o senhor ouvisse, que o juiz ia receber uma parte? Olha ‘mais um caso’...

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Doutora, o problema é o seguinte. Ivan toda vida dizia que dava dinheiro ao juiz.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Então, Ivan dizia isso expressamente ?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Dizia. E dizia isso a todo mundo. Chamava o ‘véio’, o ‘véio’. Agora, se ele dava, eu nunca vi não . Entendeu?

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Certo. Mas ele dizia para o senhor?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Dizia. Dizia para todo mundo.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: E ele dizia quanto dava para o juiz?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Dizia não.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Dizia que uma parte era para o juiz.

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Segundo ele.

Promotor Vinícius Luis Leão Lima: Então o valor do serviço que o senhor fala tinha sua parte, a de Ivan e a do Juiz?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Dr., eu não posso confirmar isso, porque eu não vi ele dando o dinheiro.

Promotor Vinícius Luis Leão Lima: Mas ele devia negociar com você dizendo ‘Oh, minha parte e a do juiz’?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Não. Ele dizia

[incompreensível]... não diz valor, não dizia que dava tanto, dava tanto, não.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Ele chegou a mencionar de que maneira esse dinheiro era dado ao juiz?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Não. Eu suponho que seja em dinheiro. Ele recebia em dinheiro. Entendeu?

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: E o senhor chegou a encontrar Dr. Lira na casa de Ivan mais ou menos quantas vezes ?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Umas 10 vezes.

Promotora Isabel Cristina Pinheiro: Umas 10 vezes, o senhor encontrou Dr. Lira dentro da casa de Ivan?

Paulo Aires Pessoa Sobrinho: Diz Ivan que eles são amigos de muito tempo, amigo da família, esposa, filho ... (grifos meus)

Ressalte-se a cautela tendo em vista que, ao depor perante este Conselho, Paulo Aires, num primeiro momento, disse confirmar o depoimento prestado no Ministério Público, entretanto, imediatamente se desdisse, assegurando ter sido ‘forçado pela promotora de Ceará-Mirim ’ (sic), passando, então, a negar ter conhecimento da participação direta do magistrado no esquema . Afirmou ter prestados dois depoimentos no Ministério Público, e que ‘foi forçado’ porque lhe fora negada a mesma delação premiada garantida a Hamurabi Zacarias , contrariando promessa anterior da promotora (embora estivesse acompanhado de advogado na ocasião, sendo que consta dos autos apenas um único depoimento).

Seja como for, independentemente do inteiro teor do depoimento prestado perante os procuradores, Paulo Aires confirmou, no CNJ, alguns aspectos que apontam para a existência de um esquema envolvendo a liberação dos empréstimos, e que dependia da concessão das liminares. Confirmou, ainda, a estreita relação existente entre Ivan Pereira e o Juiz José Dantas. E mencionou que havia um

‘homem’ que liberava as liminares condicionadas ao pagamento prévio . Exemplificou com uma fala que atribuiu ao advogado Ivan: ‘Só vai sair [a liminar] se passar alguma coisa para o homem’ (sic).

Em suma, suas palavras - tanto aquelas que constam do depoimento no Ministério Público, como as prestadas nestes autos - são esclarecedoras para confirmar que existia uma armação para a liberação dos empréstimos mediante pagamento prévio exigido por alguém superior conhecido como ‘o homem’." (eDOC 57, p. 9, p. 15, grifo nosso)

Perceba-se, logo de início, que: i) o teor da confissão de Paulo Aires Sobrinho foi considerada com parcimônia pelo CNJ, no momento do julgamento do PAD; ii) além do depoimento prestado perante o Ministério Público Estadual, Paulo Aires depôs no curso do PAD no CNJ, confirmando vários detalhes que também constam dos outros depoimentos das demais testemunhas, nos quais não há qualquer indício de coação nos autos, como por exemplo, a narrativa apresentada Hamurabi Zacarias Medeiros, não sendo crível que ambos tenham inventado a mesma história, apenas para prejudicar o magistrado, nem havendo nos autos qualquer prova nesse sentido.

Outrossim, ainda que esse depoimento seja totalmente desconsiderado, remanescem nos autos várias outras provas que amparam a decisão proferida pelo Conselho Nacional de Justiça, no sentido de que havia um esquema criminoso de venda de liminares, no qual o autor está envolvido, como por exemplo, o depoimento de José Teteu Lemos, abaixo transcrito (próximo tópico), e que não foi impugnado pelo magistrado autor . A propósito, confira-se:

"AÇÃO ORIGINÁRIA. DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA APLICADA A MAGISTRADO PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA . ÓBICE DA COISA JULGADA. MANDADOS DE SEGURANÇA ANTERIORES: NÃO OCORRÊNCIA.

AUSÊNCIA DE NULIDADES NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. QUEBRA DE DEVERES FUNCIONAIS DA MAGISTRATURA (ART. 35 DA LOMAN) E DE DEVERES DEONTOLÓGICOS PREVISTOS NO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. EVIDÊNCIAS CONVINCENTES E PREPONDERANTES. DESPROPORCIONALIDADE E IRRAZOABILIDADE DA PENA NÃO CONFIGURADAS . PEDIDOS JULGADOS IMPROCEDENTES. 1. Denegada a ordem em writ com a expressa ressalva do acesso à via ordinária para verticalizar as provas em que lastreada a punição administrativa aplicada (estranhas ao escopo de cognição do mandamus), não há falar no óbice da coisa julgada. Precedentes. O pressuposto processual negativo da coisa julgada pressupõe, em qualquer hipótese, decisão de mérito. Extinta ação mandamental anteriormente ajuizada por perda de objeto/prejudicialidade, de coisa julgada sequer se pode cogitar. 2. Argumento de desrespeito às regras de investigação contra magistrados previstas na LOMAN diante da ausência de prova da prática direta de ato investigativo contra autoridade detentora de prerrogativa de foro pelo Juízo de primeiro grau ou de demora na remessa dos autos ao Tribunal competente para fins de continuidade das investigações que não se sustém. Processo Administrativo Disciplinar regularmente instaurado pelo CNJ com base na competência prevista no art. 103-B, § 4º, III, da CF. Precedentes . 3. Penalidade de aposentadoria compulsória fundamentada pelo CNJ em evidências convincentes e preponderantes de que o autor, enquanto Desembargador Corregedor-Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, se utilizou da função pública para levar vantagem em disputa/litígio de propriedade rural por meio de expedientes ilegais e violentos, com auxílio de terceiros. 4. A hipótese dos autos não justifica a revisão judicial da punição disciplinar aplicada pelo CNJ sob a ótica da razoabilidade e da proporcionalidade, presentes a quebra de regras deontológicas da magistratura e o grave descumprimento de deveres funcionais previstos na LOMAN . 5. Pedidos julgados improcedentes". ( AO 2519, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 31.8.2022, grifo nosso)

Nestes termos, como não existe prova da coação e, considerando que a condenação do requerente não foi amparada apenas neste depoimento, o qual foi analisado com a devida parcimônia pelo CNJ, entendo que o caso não é de anulação das demais provas por esta Suprema Corte .

2.3) Depoimento de José Teteu Lemos (autor de uma das ações que fazia

parte do esquema criminoso)

Em relação ao acórdão proferido pelo Conselho Nacional de Justiça no processo administrativo disciplinar em comento, é importante registrar o depoimento de José Teteu Lemos, o qual é coeso e detalha com mais profundidade como funcionava o esquema criminoso, sendo coerente com as demais provas colhidas no PAD, valendo a pena ser conferido:

"3.4.4.José Teteu Lemos. Ameaça de denúncia

O episódio narrado por José Teteu Lemos - autor de uma das ações - incrimina o magistrado José Dantas de Lira, não deixando margem para dúvida sobre a sua participação direta no esquema das liminares .

Do depoimento de José Teteu Lemos, realizado no dia 15.02.2017, tem-se que ele procurou Hamurabi Zacarias de Medeiros com o fim de conseguir empréstimo, mesmo estando com a margem consignada limitada:

Renato Brill de Goes (MPF): O senhor conheceu ou teve algum contato com Hamurabi Zacarias de Medeiros ou Paulo Aires Pessoa Sobrinho ?

José Teteu Lemos: Hamurabi, tive. Tive.

Renato Brill de Goes (MPF): Como é que foi esse

conhecimento de vocês?

José Teteu Lemos: Conhecimento que eu tava lá perto da Secretaria de Administração , aí um colega meu me informou e eu tava precisando de um dinheiro naquela época. Aí o colega disse ‘rapaz, Hamurabi tem um pequeno escritório e ele faz isso’. Aí eu falei com ele e o empréstimo eu consegui . Foi no banco HSBC. E inclusive foi quitado. Foi quitado.

A ação revisional foi proposta na comarca de Ceará- Mirim, apesar de José Teteu Lemos residir em Natal, o que dá concretude ao fato de que os endereços dos autores eram falsamente informados como sendo daquela comarca para atrair a competência da vara judicial de titularidade de José Dantas :

Renato Brill de Goes (MPF): Nessa época o senhor residia onde ?

José Teteu Lemos: Na rua Murilo Melo, 1840, Lagoa Nova, aqui em Natal.

(...)

José Teteu Lemos: Doutor.. ou ministro, eu recebi um comunicado de uns empréstimos consignados . C omo eu não tinha feito, eu me dirigi a Ceará-Mirim , apesar de já conhecer dr. José Lira, fui à Ceará-Mirim. Porque na petição que fizeram, eu era morador de Ceará-Mirim, eu não conhecia Ceará-Mirim, a não ser essa vez que eu fui conversar com Dr. Lira, eu era morador da cidade de Ceará-Mirim, eu era pensionista, eu nunca fui pensionista, eu sou aposentado, e fui conversar com o Dr. Lira, sobre isso . Conversei com o Dr. Lira. Expliquei a ele.

Assim como relatado por Hamurabi Zacarias de Medeiros, José Teteu Lemos confirmou que parte do valor do empréstimo iria para o pagamento da liminar a ser concedida que, no caso, teria destino para o magistrado:

Renato Brill de Goes (MPF): O senhor conheceu ou teve algum contato com Hamurabi Zacarias de Medeiros ou Paulo Aires Pessoa Sobrinho?

José Teteu Lemos: Hamurabi, tive. Tive.

Renato Brill de Goes (MPF): Como é que foi esse conhecimento de vocês?

José Teteu Lemos: Conhecimento que eu tava lá perto da Secretaria de Administração, aí um colega meu me informou e eu tava precisando de um dinheiro naquela época. Aí o colega disse ‘rapaz, Hamurabi tem um pequeno escritório e ele faz isso’. Aí eu falei com ele e o empréstimo eu consegui. Foi no banco HSBC. E inclusive foi quitado. Foi quitado.

Renato Brill de Goes (MPF): O senhor teve que repassar algum valor, percentual desse empréstimo para o Hamurabi ?

José Teteu Lemos: passei.

Renato Brill de Goes (MPF): O senhor se lembra quanto?

José Teteu Lemos: Se não me falha a memória, 12 mil reais .

Renato Brill de Goes (MPF): E ele falava para quê que era esse dinheiro, qual seria o destino desse dinheiro ? Esses 12 mil reais?

José Teteu Lemos: Doutor, eu posso me reservar o direito de silenciar ou eu tenho que dizer? Por que eu já fui ouvido no Ministério Público...

Conselheiro Gustavo Alkmim: Eu gostaria que o senhor dissesse a verdade, porque aqui nós precisamos buscar o que efetivamente aconteceu. Entendeu, seu José? Então, vou pedir ao senhor para fazer um esforço e responder à pergunta.... Isso não vai comprometer o senhor em nada, na verdade isso não irá lhe comprometer em nada, nós estamos aqui pesquisando o que aconteceu com todas as denúncias, mas isso vai trazer nenhum comprometimento para o senhor.

José Teteu Lemos: Sr. Ministro, senhores procuradores, eu tô muito emocionado. Mas ele disse, ele dizia...

Conselheiro Gustavo Alkmim: Vou pedir ao Leonardo para levar um copo de água para o seu José, por favor. Obrigado, Leonardo.... Na verdade, nós só queremos saber o que o Hamurabi dizia a respeito desse valor que foi destinado a ele .

José Teteu Lemos: Eu peço até permissão ao Dr. Lira para que eu posso dizer a verdade. Ele dizia que tinha que pagar por cada liminar, tinha que pagar ao Dr. Lira. Cada empréstimo .

Conselheiro Gustavo Alkmim: E é isso que o senhor disse que ia denunciar à imprensa ?

Ressalte-se que não há no processo qualquer circunstância ou motivo apto a desqualificar o depoimento de José Teteu Lemos, e o mesmo se mostrou coerente e firme . Vale lembrar que o magistrado acusado estava presente no mesmo ambiente, quando a testemunha prestou o seu depoimento - circunstância que poderia deixá-lo constrangido (como de certa forma ficou), mas ainda assim não se intimidou a ‘dizer a verdade’, segundo suas próprias palavras .

Ou seja, tal depoimento, em consonância com o relatado por Hamurabi Zacarias de Medeiros, confirma que os endereços das partes eram alterados para atrair a competência da comarca de Ceará-Mirim e que havia o pagamento pela concessão da medida liminar .

Ainda em análise do depoimento de José Teteu Lemos, verifica-se que o magistrado, apesar da negativa, tinha total conhecimento do esquema criminoso . Vejamos.

José Teteu Lemos, em determinado momento, foi interpelado por um banco que comunicava que ele era devedor de empréstimos consignados, além daquele primeiro acima relatado. Inconformado, o servidor aposentado teria procurado o Juiz José Dantas, na comarca de Ceará-Mirim/RN, para lhe afirmar que não havia feito outro empréstimo além daquele primeiro, que não deu qualquer procuração a advogado e que não era pensionista . Ainda no mesmo dia, narra José Teteu que ameaçou relatar o esquema criminoso à imprensa, caso seu problema não fosse resolvido pelo juiz . De diante de tal ameaça, inclusive depois de um encontro entre os dois na sede de um jornal de Natal/RN, o Juiz José Dantas teria prometido a José Teteu Ramos que ia resolver a situação - o que, segundo José Teteu, de fato aconteceu:

Conselheiro Gustavo Alkmim: o senhor conhece, teve algum contato com o juiz José Dantas de Lira ?

José Teteu Lemos: tive.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Que tipo de contato o senhor teve com ele, como é que o senhor conhece o senhor José Dantas?

José Teteu Lemos: Senhores ministros, eu conheci o senhor José Dantas de Lira há algum tempo, inclusive através de um genro meu, que é procurador federal, que era muito amigo dele... conheci senhor dr. José Lira.... Começou daí.

Conselheiro Gustavo Alkmim: O senhor chegou a ter alguma ação da qual ele atuou como magistrado, como juiz?

José Teteu Lemos: tive, tive, inclusive fui à comarca dele, Ceará-Mirim, porque achei que aquilo tava, não era correto.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Qual foi a ação, senhor José?

José Teteu Lemos: Doutor... ou ministro, eu recebi um comunicado de uns empréstimos consignados. Como eu não tinha feito, eu me dirigi a Ceará-Mirim, apesar de já conhecer dr. José Lira, fui à Ceará-Mirim . Porque na petição que fizeram, eu era morador de Ceará-Mirim, eu não conhecia Ceará-Mirim, a não ser essa vez que eu fui conversar com Dr. Lira, eu era morador da cidade de Ceará-Mirim, eu era pensionista, eu nunca fui pensionista, eu sou aposentado, e fui conversar com o Dr. Lira, sobre isso . Conversei com o Dr. Lira. Expliquei a ele.

Conselheiro Gustavo Alkmim: O que aconteceu exatamente ? O senhor tinha uma ação? O senhor obteve uma liminar proferida pelo juiz José Dantas de Lira?

José Teteu Lemos: Tive uma ação determinando à secretaria de administração um desconto de empréstimo. Que eu desconhecia o empréstimo.

Conselheiro Gustavo Alkmim: E o senhor foi lá procurar esclarecer o quê que era. E o que tinha havido? Qual foi a explicação?

José Teteu Lemos: Eu conversei com o Dr. Lira, expliquei a situação para ele e ele disse que ia tomar as providências e realmente depois ele tomou . Ele tornou sem efeito. Tornou sem efeito a decisão, porque determinava um empréstimo, determinava uma cobrança que eu não tinha feito este empréstimo. Eu fiz um e apareceram vários. Aí eu tive que procurar o Dr. Lira. Em conversa com ele, o empréstimo deixou de ser cobrado .

Conselheiro Gustavo Alkmim: o senhor conversou com ele diretamente ou o senhor foi com advogado ?

José Teteu Lemos: Conversei diretamente com ele. Eu e uma filha minha, que é advogada, e que era muito ligada a Dr. Lira .

Conselheiro Gustavo Alkmim: Qual o nome da filha? José Teteu Lemos: Leila, dra. Leila Lemos. Mas ela

apenas fez me acompanhar.

Conselheiro Gustavo Alkmim: e na ação que o juiz despachou originalmente, quem era o seu advogado ?

José Teteu Lemos: não, não tinha ninguém.

Conselheiro Gustavo Alkmim: o senhor não disse que tinha uma ação em que constava inclusive que o senhor era morador de Ceará-Mirim?

José Teteu Lemos: desconhecia totalmente . Botou como morador de Ceará-Mirim, era pensionista. Inclusive eu sei o nome do advogado.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Qual é o nome do advogado?

José Teteu Lemos: Marcelo de Medeiros.

Conselheiro Gustavo Alkmim: E não tinha uma procuração passada para esse advogado do senhor para ele entrar com essa ação ?

José Teteu Lemos: Senhor Ministro, eu nem o conheço . Se ele tivesse aqui agora, eu não saberia quem era. Eu não o conheço, até hoje eu não vi esse advogado.

Conselheiro Gustavo Alkmim: mas no processo tinha uma procuração do senhor?

José Teteu Lemos: não, coisa nenhuma.

Conselheiro Gustavo Alkmim: ele entrou com a ação sem procuração ?

José Teteu Lemos: sem procuração . Inclusive, vários bancos e um dos bancos eu procurei, não me lembro agora, eu tive um AVC, em consequência de muito aperreio, eu tive um pequeno AVC. Vossa Excelência deve estar notando como eu estou, inclusive com uma falha. Eu fui a um banco em frente aqui ao rio, à casa de saúde São Lucas, quando eu cheguei tinha uma planilha feita pelo advogado dirigido ao Dr. Lira, era vertical. O representante do banco disse ‘não quero nem ver, porque isso aí eu tô vendo que tá tudo errado, porque o banco não usa essa planilha vertical, usa horizontal. E inclusive o seguinte...’. Eu dei meu CPF, Dr. Se eu tinha feito algum empréstimo? Não, senhor. Nós compramos o empréstimo do senhor. E digo a quem? Eu não fiz empréstimo a ninguém.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Ao que o senhor atribui isso, de esse advogado entrar com essa ação, ter conseguido uma liminar?

José Teteu Lemos: Dr., eu não atribuo nada. Não sei. Não posso dizer nada. Eu sou leigo na coisa.

Conselheiro Gustavo Alkmim: O senhor acha que tinham outros casos na mesma situação do senhor ?

José Teteu Lemos: Falavam em inúmeros.

Conselheiro Gustavo Alkmim: o senhor, quando foi conversar com o juiz José Lira, ameaçou denunciar algum esquema, por conta disso, por conta desse episódio ?

José Teteu Lemos: Disse. Eu disse ao Dr. Lira que ia à imprensa, que ia à imprensa e realmente eu fui. Mas Dr. Lira tomou uma decisão que tornou sem efeito aquele ato anterior e acabou, não houve mais desconto no meu .

Conselheiro Gustavo Alkmim: Essa decisão que ele tomou, o senhor ou a sua advogada atravessou alguma petição ou ele falou que ia resolver e tomou a decisão por conta dele .

José Teteu Lemos: não, nadinha. Eu só fiz dizer a ele , contar a ele que eu não tinha feito empréstimo e não fiz. Fiz um só, apareceram uns vinte.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Onde foi que o senhor teve esse encontro com o juiz José Lira ? Qual foi o local?

José Teteu Lemos: na comarca em que ele servia, em Ceará-Mirim .

Conselheiro Gustavo Alkmim: o senhor chegou a ter algum encontro com ele ainda para tratar desse assunto na sede da Globo daí?

José Teteu Lemos: Da Globo? ...

Conselheiro: é

José Teteu Lemos: não. Eu não tô é entendendo. Da Globo?

Conselheiro Gustavo Alkmim: Rede Globo de Televisão? A filial daí do Rio Grande do Norte.

José Teteu Lemos: não tive não. Tive no jornal. No

jornal, eu me encontrei com ele. Na redação do Jornal.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Além de ter encontrado com ele lá na comarca, o senhor chegou a ir ao fórum ou não, foi tudo acertado no jornal?

José Teteu Lemos: Não, eu fui ao fórum e disse que ia tomar as providências e ia à imprensa. Aí quando eu cheguei em casa para apanhar os documentos, eu recebi uma ligação do jornal me chamando e que Dr. Lira estava lá .

Conselheiro Gustavo Alkmim: Aí o senhor foi até o jornal ?

José Teteu Lemos: Fui. Fui.

Conselheiro Gustavo Alkmim: E qual era o jornal?

José Teteu Lemos: Era o Jornal de Hoje ... Jornal de Hoje.... Tinha um jornal que inclusive acabou.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Mas quem telefonou para o senhor foi alguém lá do jornal, dizendo que o Dr. Lira estava lá?

José Teteu Lemos: foi. Foi. Me chamaram.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Aí o senhor se dirigiu ao jornal e o que aconteceu lá?

José Teteu Lemos: me dirigi ao jornal e conversei com o Dr. Lira .

Conselheiro Gustavo Alkmim: Já tinha conversado antes com ele.

José Teteu Lemos: Já tinha conversado antes. Disse que ia ao jornal fazer a denúncia . Quando eu recebi uma ligação da redação do jornal me chamando, Dr. Lira se encontrava lá. Lá eu conversei com ele. Se ajeitou tudo e eu.... Nem sai matéria, nem saiu nada ...

Conselheiro Gustavo Alkmim: Ficou tudo resolvido ? José Teteu Lemos: ficou resolvido.

Conselheiro Gustavo Alkmim: E o processo acabou? Aquele processo que o Dr. Marcelo entrou. O senhor teve mais ciência, notícia do processo? Procurou saber o que houve?

José Teteu Lemos: Não, doutor. Parou tudo. Não procurei saber não. Primeiro, eu adoeci por isso. Eu não conheço esse advogado. Se ele tivesse aqui presente, eu não saberia dizer quem era. Não sei. Não conheço.

A ação referida pela testemunha se trata do Processo nº 102.08.002256-2 (Id XXXXX, fl. 93/120 e Id XXXXX, fls. 1/30), em cuja petição inicial , assinada pelo advogado Marcelo de Medeiros Pê, consta que José Teteu Lemos teria residência em Ceará-Mirim/RN . Não consta nos autos cópia da procuração passada ao advogado .

A medida cautelar foi deferida em fevereiro de 2008, autorizando o pagamento de 3 (três) empréstimos consignados no seguinte ajuste : a) 72 parcelas mensais de R$ 988,38 (novecentos e oitenta e oito reais e trinta e oito centavos);

b) 72 parcelas mensais de R$ 3.725,51 (três mil, setecentos e vinte e cinco reais e cinquenta e um centavos); c) 72 parcelas mensais de R$ 1.340,73 (mil, trezentos e quarenta reis e setenta e três centavos). Analisando as respectivas peças dos autos, é possível verificar que aludida decisão seguia uma espécie de padrão, pois não fazia nenhuma referência à suposta situação de José Teteu Lemos .

O magistrado apenas revogou a liminar em abril de 2011 (ou seja, mais de 3 anos depois!), argumentando que a parte não teria ajuizado a ação principal no prazo de 30 dias (art. 806 do CPC/73).

Coincidentemente, a decisão de revogação da liminar e extinção da demanda sem resolução do mérito se deu imediatamente após o magistrado ter sido procurado por José Teteu Lemos .

Em seu depoimento, o magistrado acusado admite o encontro na sede do jornal - segundo ele, ‘ não sabe porque marcaram o encontro no jornal ’ (sic) - e que foi até lá para ‘esclarecer a situação ’, pois teria apenas negado uma liminar a um parente de José Teteu. Diz, ainda, que ‘acha que não foi feita qualquer decisão [dele] posteriormente’. Ve-se a afirmativa do acusado perante este Conselho foi, no particular, totalmente inverídica, divorciada dos fatos constatados nos documentos dos autos .

Além do mais, soa, no mínimo, estranho que um magistrado se dirija à sede de um jornal para cuidar de um processo sob sua jurisdição, falando diretamente com a parte e com a presença (ou intermediação) de um jornalista, com o temor de possível notícia que disse ser inverídica . Além de muito inusitado o comportamento, a realidade é que o magistrado acusado, em seu depoimento, não soube esclarecer o episódio, sequer justificando a ida à sede do jornal, nem mesmo qual denúncia teria sido ameaçada, deixando de afirmar com convicção qual foi sua decisão no tal processo, nem como José Teteu ficou satisfeito com o resultado do encontro .

Ora, a atitude que se espera de um magistrado diante do relato de possível fraude no ajuizamento de uma decisão seria, no mínimo, encaminhar cópia integral para o Ministério Público, mas não certamente a de se dirigir a órgão de imprensa para evitar que o caso viesse à tona . Causa mais estranheza ainda a revogação da decisão ‘coincidindo’ com o episódio da ameaça de denúncia. Não por acaso, o denunciante (José Teteu) se mostrou satisfeito .

Ao não tomar medida que se espera de um magistrado isento e imparcial, o comportamento de José Dantas de Lira deixa suspeitas sobre até que ponto tinha efetivo conhecimento do que vinha ocorrendo de forma espúria, pois não permitiu que o caso viesse a público . Esta suspeita associada ao relatado por Hamurabi Zacarias de Medeiros e pelas outras provas dos autos (incluindo a atitude do acusado faltando com a verdade ao ser interrogado) cria a convicção de que decisões judiciais eram, sim, ‘acertadas’, fato que em hipótese alguma poderia chegar ao conhecimento da imprensa , segundo a lógica dos integrantes do esquema criminoso.

Não há outra conclusão possível - ainda mais diante do

detalhada por José Teteu Lemos ao relatar o ‘esquema’ que pretendia denunciar ao jornalista, que implicava no necessário pagamento prévio de determinada quantia para que a liminar fosse deferida, como transcrito alhures". (eDOC 9, p. 29, grifo nosso)

Nesse ponto, a petição inicial aduz que o CNJ teria presumido que o juiz teria tentado encobrir os fatos objetos da denúncia, em "verdadeiro delírio".

Embora, a testemunha não tenha feito essa afirmação em seu depoimento, não há no processo qualquer circunstância ou motivo apto a desqualificar o que foi narrado por José Teteu Lemos, que inclusive, foi prestado na presença do magistrado, ora autor, que se encontrava no mesmo ambiente que a testemunha prestou o seu depoimento no CNJ.

Esse relato está em completa sintonia com as demais provas dos autos e com as conclusões exaradas pelo CNJ na decisão que aplicou a pena de aposentadoria compulsória ao magistrado.

2.4) Amizade com o advogado Ivan Holanda Pereira e depoimento de Damião Barbosa

O autor aduz que nunca negou ser amigo de Ivan Holanda, mas o CNJ, mesmo reconhecendo que a amizade entre advogado e juiz não seja algo lícito ou incomum, também considerou esse fato para presumir sua participação na empreitada criminosa.

Em relação ao depoimento de Damião Barbosa, alega que essa pessoa nunca teria trabalhado para o magistrado, além de ser um fato insuficiente para comprovar sua participação no esquema.

Essas assertivas, no entanto, não encontram amparo no conjunto fático-probatório dos autos, não havendo qualquer contraprova em sentido contrário. Senão vejamos o que foi decidido pelo CNJ:

"Some-se a estes fatos a relação do magistrado acusado com o advogado Ivan Holanda Pereira. Embora ambos afirmem que eram meros conhecidos, professor-aluno, os demais elementos dos autos demonstram que havia entre eles uma forte relação de proximidade, podendo até se falar em laços de amizade - quando não, de parceria.

Ivan Holanda Pereira era figura central desse esquema criminoso, responsável pelo ajuizamento das ações revisionais, se valendo de advogados intermediários, além de fazer o acompanhamento dos andamentos processuais junto ao cartório da vara, recebendo os valores acordados para a concessão das liminares, encarregado de repassá-los ao juiz .

Antes de qualquer aprofundamento, é importante destacar que Ivan Holanda Pereira e José Dantas, além de outras pessoas, respondem penal e civilmente perante a Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, fato que contraria, logo de plano, as palavras do advogado, em seu depoimento perante o CNJ, quando afirma que só tem conhecimento da acusação feita contra o magistrado apenas pela imprensa :

Conselheiro Gustavo Alkmim: O senhor tem ciência da acusação que está pesando sobre o juiz José Dantas de Lira ?

Ivan Holanda Pereira: Excelência, eu tenho ciência por meio da imprensa, do processo em mesmo si, não .

Conselheiro Gustavo Alkmim: E o que é que o senhor sabe?

(...)

Ivan Holanda Pereira: São várias acusações, neh?! Que cometeu alguns atos de formação de quadrilha, muitas coisas aí.

Conselheiro Gustavo Alkmim: O senhor teve envolvimento de alguma maneira, alguma participação, nesse tipo de decisões que o Dr. José Dantas de Lira proferia?

Ivan Holanda Pereira: a minha participação era como advogado, nos tipos de ações que transcorriam de maneira normal dentro do bom direito... eu não sei porquê chegou a este estágio de que havia conluio essas coisas todas, para que essas liminares fossem dadas assim com tanta frequência. Elas eram dadas mas na forma normal e corriqueira.

No mesmo depoimento, Ivan Holanda insiste que conhece o acusado apenas profissionalmente, e dos tempos da faculdade . Contudo, não é o que se extrai de outros depoimentos . Além do já citado alhures, de Hamurabi Zacarias, dando conta do elo existente entre Ivan Holanda e José Dantas, também a testemunha Damião Barbosa da Rocha foi enfática ao afirmar que trabalhou para o juiz, em fazenda deste situada no município de Santa Cruz/RN, recebendo, muita vez, o pagamento dos salários diretamente das mãos do advogado Ivan Holanda Pereira :

Conselheiro Gustavo Alkmim: Senhor Damião, o senhor conhece o juiz José Dantas de Lira ?

Damião Barbosa da Rocha: Conheço, eu trabalhei com ele .

Conselheiro Gustavo Alkmim: Onde o senhor trabalhou com ele ?

Damião Barbosa da Rocha: Em Ceará-Mirim

Conselheiro Gustavo Alkmim: O senhor trabalhava fazendo o quê, senhor Damião ?

Damião Barbosa da Rocha: fazendo cerca ... cercando o terreno lá.

Conselheiro Gustavo Alkmim: era na fazenda dele que o senhor trabalhava?

Damião Barbosa da Rocha: era.

Conselheiro Gustavo Alkmim: o senhor trabalhou durante quanto tempo na fazenda dele ?

Damião Barbosa da Rocha: eu fui contratado para fazer a cerca e quando eu terminei a cerca, eu trabalhei com ele 11 meses .

Conselheiro Gustavo Alkmim: Quando foi isso,

senhor Damião?

Damião Barbosa da Rocha: se eu não estiver enganado isso foi em 2006.

Conselheiro Gustavo Alkmim: 2006?

Damião Barbosa da Rocha: eu não tô bem relembrado não, eu tive muito doente, perdi minha memória.

Conselheiro Gustavo Alkmim: e quanto que o senhor recebia? Qual o salário do senhor?

Damião Barbosa da Rocha: era 500 reais por mês. Conselheiro Gustavo Alkmim: e quem é que fazia o pagamento dos salários ?

Damião Barbosa da Rocha: era Júnior, filho dele.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Júnior, filho dele?

Damião Barbosa da Rocha: Sim, senhor.

Conselheiro Gustavo Alkmim: o senhor recebia por mês, por quinzena? Damião Barbosa da Rocha: eu recebia no dia 10, no

dia 20 e no dia 30. Conselheiro Gustavo Alkmim: Muito bem. E todos

esses dias, o filho do senhor José Dantas era quem ia lá

pagar o senhor ? Damião Barbosa da Rocha: quando ele não ia,

mandava um amigo dele pagar.

Conselheiro Gustavo Alkmim: quem era o amigo?

Damião Barbosa da Rocha: Dr. Ivan.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Dr. Ivan. E o senhor acertou o serviço com quem? Com o Dr. Ivan, com o filho ou com o próprio juiz ?

Damião Barbosa da Rocha: acertei com o gerente dele.

Conselheiro Gustavo Alkmim: gerente da fazenda ? Damião Barbosa da Rocha: mas chamado pelo juiz . Conselheiro Gustavo Alkmim: e o Dr. Ivan ia sempre

lá?

Damião Barbosa da Rocha: não, só quando ia deixar

o meu pagamento.

(...)

Dr. Renato Brill, de Goes (MPF): Senhor Damião, qual o tempo específico que o senhor trabalhou na fazenda do juiz José Dantas de Lira ?

Damião Barbosa da Rocha: depois do serviço feito, foram 11 meses.... Com a família .

Renato Brill, de Goes (MPF): Então o senhor confirma que conhece o advogado Ivan Holanda Pereira?

Damião Barbosa da Rocha: de Ceará-Mirim mesmo. Depois dele, eu trabalhei com ele em Parnamirim.

Renato Brill, de Goes (MPF): a fazenda que o senhor trabalhava fica no município de Ceará-Mirim ?

Damião Barbosa da Rocha: É sim. Santa Rita.

Renato Brill de Goes (MPF): E esse pagamento que o senhor recebeu do advogado Ivan Holanda Pereira era referente ao serviço que o senhor prestou na fazenda do juiz Dantas de Lira?

Damião Barbosa da Rocha: é sim, senhor.

Renato Brill de Goes (MPF): Ele pagava em dinheiro, espécie, ou outra forma?

Damião Barbosa da Rocha: era dinheiro mesmo.

É importante consignar que em nenhum momento a defesa levantou suspeita sobre o depoimento de Damião Barbosa da Rocha, a ponto de supor que o depoente teria alguma intenção de prejudicar o juiz acusado . Também vale frisar que o depoimento não apresentou contradições ou mesmo lacunas; ao revés, foi firme e convincente. Assim, os fatos por ele narrados devem ser considerados como idôneos .

Na mesma esteira, se destaca, como dito, o depoimento de Hamurabi Zacarias de Medeiros, que relatou com minúcias o encontro de Ivan Holanda Pereira com o magistrado José Dantas de Lira, oportunidade em que a pauta da reunião era para tratar sobre a concessão das liminares nas ações revisionais ajuizadas na comarca de Ceará-Mirim/RN:

Renato Brill de Goes (MPF): o senhor tem conhecimento sobre encontros do advogado Ivan Holanda Pereira que tinha relação, que recebia os documentos de vocês, com o juiz José Dantas de Lira, e onde se davam esses encontros ?

Hamurabi Zacarias de Medeiros: eu presenciei um desses encontros uma certa vez . Eu tive com Paulo. Paulo agendou um horário comigo, a gente foi almoçar num barzinho, restaurante que se chamava bar da mangueira, aqui em Natal, e o escritório que Ivan ia estar presente era lá vizinho a esse bar, bar das mangueiras, lá na Lagoa Nova. Eu fui almoçar com Paulo e Paulo... e a gente começou a conversar sobre os processos das liminares , então ficou eu, Paulo e o motorista dele na época, eu não lembro o nome do rapaz que era o motorista dele. A gente ficou almoçando enquanto se definia esse encontro: Ivan, os advogados no escritório de Dr. José Lira Junior, que é o filho de Dr. José Lira, e o ‘homem’ ele só tratava comigo essas palavras, o ‘homem’, o ‘homem que vai estar lá’, quem era todo mundo já sabia e a expressão que ele usava era o ‘homem’, então o homem que eu entendi era Dr. José Lira que tava nessa reunião . Essa reunião começou na hora do almoço e não continuou. Paulo recebeu uma ligação lá na hora, a gente tava já concluindo a reunião do almoço, mas não foi nem reunião, foi um bate-papo. E ficou acertado que tudo isso aí ia ser feito lá na fazenda do ‘homem’... lá na fazenda do homem, e esse ‘homem’ que ele estava se referindo era Dr. José Lira , lá na cidade de Santa Cruz. Até aí eu não sabia se existia essa fazenda, eu só sabia que ele comentava comigo que tinha a fazenda de Dr. José Lira lá em Santa Cruz , então essa reunião ia ser tratada lá na fazenda dele, nesse dia. Se aconteceu a reunião, eu não sei, na fazenda, mas que depois voltou a funcionar. As liminares começaram a voltar a funcionar .

Outro fato digno de nota que demonstra a existência de relação de amizade entre ambos, magistrado e advogado, emerge do próprio depoimento de Ivan Holanda, ao reconhecer que, embora patrocinasse as causas ‘de fato’, não assinava as petições iniciais para não provocar exceções de suspeição . Reconhece mais: que elaborava as petições assinadas por algum colega, tirou o seu nome da procuração para não levantar suspeição - suspeição esta pelo singular motivo de ter sido aluno do magistrado há mais de 20 anos (seu professor na graduação, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte nos anos 80 para 90). Observe-se os termos do depoimento:

Conselheiro Gustavo Alkmim: Eu não consegui entender direito essa parte que o senhor contou de que não assinava as petições iniciais, porque isso poderia provocar suspeição com relação ao magistrado. Por que motivo poderia provocar suspeição?

Ivan Holanda Pereira: Excelência, eu não posso afirmar porque na cabeça de juiz ninguém pode mandar, não posso afirmar o porquê.

Conselheiro Gustavo Alkmim: por que haveria suspeição do juiz José Dantas de Lira com o senhor? Que tipo de suspeição que poderia haver a ponto de o senhor não assinar as petições?

Ivan Holanda Pereira: Ele foi meu professor na escola.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Foi por conta disso? Ivan Holanda Pereira: é, eu achava que era por conta

disso.

Conselheiro Gustavo Alkmim: E o seu nome estava na procuração?

Ivan Holanda Pereira: tava, em algumas.

Conselheiro Gustavo Alkmim: seu nome estava na procuração, o senhor não assinava a inicial por possibilidade de suspeição?

Ivan Holanda Pereira: A princípio tava na procuração, depois eu tirei o nome da procuração...

Conselheiro Gustavo Alkmim: e por que o senhor tirou?

Ivan Holanda Pereira: Justamente por isso, para evitar algum pedido de suspeição por parte do juiz.

Conselheiro Gustavo Alkmim: por que um dia o senhor foi aluno dele?

Ivan Holanda Pereira: eu fui aluno dele.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Alguém chegou no processo a levantar essa suspeição?

Ivan Holanda Pereira: não, foi só eu me resguardando mesmo. Nunca chegou disso e nem eu saber não, foi só resguardo meu mesmo.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Só para entender. O senhor tinha risco de provocar a suspeição, então, não assinava as petições iniciais, e tirou o nome da procuração posteriormente, mas continuou fazendo todas as petições que os seus colegas patrocinavam.

Ivan Holanda Pereira: é, exatamente.

Não é minimamente crível que um advogado atuante em uma comarca onde há poucas varas não assine petições iniciais por receio de eventual suspeição, em virtude de longínqua relação entre aluno e professor, até porque essa relação não importa em casos de suspeição, nos termos da legislação processual regente.

Consigne, aliás, que Ivan Pereira advogava na comarca há mais de 14 anos, e considerando que o Juiz José Dantas era o titular da única vara, é pouco crível que tenha atuado durante todo este tempo por intermédio de terceiros . Logo, causa estranheza a sua ‘cautela’ em não provocar a suspeição do juiz exatamente naqueles processos que versavam sobre empréstimos consignados e que dependiam de liminar . Causa mais perplexidade ainda que o Juiz José Dantas não tenha estranhado esta situação (se havia suspeição, não a pronunciou quando Ivan Pereira constava da procuração, mesmo não assinando as petições; se não havia suspeição, tolerava que Ivan acompanhasse os processos, inclusive dentro da secretaria da vara, sem advogar formalmente), nem dela tenha tomado conhecimento - considerando não ser comarca de grande porte, e considerando que tinha laços de proximidade com o referido advogado .

Ainda mais se considerarmos fato nada irrelevante , mas que foi providencialmente esquecido de ser mencionado por Ivan: que tinha escritório juntamente com o filho do Juiz José Dantas de Lira, conhecido do Junior .

Afinal, a instrução do feito demonstra que Ivan Pereira Holanda era quem fazia todo o acompanhamento dos processos referentes às concessões das liminares de liberação de margem consignadas, conforme se verifica dos seguintes depoimentos :

Que Ivan é casado com a tia do seu marido; Que tinham terminado a faculdade e estava com criança pequena e não estava advogando, pois estava estudando para concurso e precisava de comprovação de tempo de atividade jurídica; [...] Que não produzia peças; Que acredita que alguma coisa o seu marido produziu; Que no geral era Ivan quem fazia; Que assinou algumas peças; Que não recebia qualquer retribuição por esse trabalho; Que era um contrato entre Ivan e Ednardo; [...] Que também não recebeu os honorários legais, alvarás levantados; Que acredita que os fatos se deram após seu filho nascer em maio de 2006, quando começou a estudar para concurso em 2007; Que acha que a parceria iniciou a partir de 2007, mas não durou muito, 2007 a 2008; Que como estava no início, estava precisando; [...] Que até onde eu sabia, quem protocolava as peças em Ceará-Mirim era Ivan; [. ..] Que nunca chegou a conhecer os clientes; Que tudo chegava já pronto; [...] Que Ivan já foi a sua casa e levou petição para assinarem; Que ela não ia para o escritório; Que não coram muitas vezes; Que não sabe quantos processos, porque quando chegavam com as cópias; Que não sabe precisar quantos processos; Que eram mais de dois; Que assinava os processos com as cópias; Que não sabe determinar quantos processos; Que já vinha com a cópia com a contrai da Vara; Que já vinha pronto, os processos com as cópias; Que vinha a petição inicial com as cópias de protocolar; Que não sabe informar se tinha procuração; [...] [Camila Raquel Rodrigues Pereira de Azevedo, advogada] (Id XXXXX, fls. 4)

Clístenes Alves Maia: Que eu saiba, como se diz, ele [Ivan Holanda Pereira] fazia o acompanhamento, do que eu saiba ele fazia o acompanhamento desses processos, assim, em ligação com esses advogados. Como ele tinha escritório na Comarca, ele acompanhava esses processos desses advogados, de alguns advogados.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Mas ele tinha procuração nesses processos?

Clístenes Alves Maia: Se ele tinha procuração no nome dele? Não.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Mas acompanhava assim mesmo?

Clístenes Alves Maia: Acompanhava

Conselheiro Gustavo Alkmim: Inclusive os ofícios. Ele levava, pegava? Como que era isso?

Clístenes Alves Maia: Olha, era o seguinte, com relação aos ofícios, como se trata de uma comarca que tinha poucos oficiais, então assim, não era incomum que ofícios, digamos assim, que tinham a ver com o objetivo da própria parte, de serem entregues à própria parte, para que ela mesma protocolasse aqui em Natal, né. Então eu creio que muitos desses ofícios eram entregues através da própria parte para que desse entrada

Conselheiro Gustavo Alkmim: Ao advogado, o senhor está falando?

Clístenes Alves Maia: Hã, hã

Conselheiro Gustavo Alkmim: Sabe se algum desses foram entregues ao dr. Ivan?

Clístenes Alves Maia: Eu creio que sim.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Mesmo ele não tendo procuração nos autos?

Clístenes Alves Maia: Sim. Porque era ciente de todos na Secretaria que ele acompanhava esses processos para esses advogados.

Conselheiro Gustavo Alkmim: Por que ele não tinha procuração nos autos, se ele atuava, acompanhava, pegava ofício desses processos?

Clístenes Alves Maia: Não sei por quê. Eu creio que ele trabalhava com esses advogados, mas não sei exatamente porque preferiram fazer assim.

Ainda quanto à relação entre o magistrado e o advogado, da análise bancária da conta corrente (Id XXXXX, fls. 4/5) do Juiz José Dantas de Lira, verifica-se que Ivan Holanda Pereira lhe transferiu o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), na data de 17.01.2007. A justificativa de ambas para a aludida transação bancária teria sido a venda de um conjunto de aros de uma caminhonete.

Se consideramos o fato isolado, verifica-se que a justificativa pode ser encarada como aceitável. Contudo, dois detalhes nada desprezíveis se extraem da informação : (i) havia entre José Dantas e Ivan Holanda uma relação de proximidade, muito mais formal do que ambos garantem em seus depoimentos; (ii) embora não se possa concluir que o valor se refira ao pagamento de alguma liminar proferida, o fato ocorreu na mesma época em que o esquema estava em pleno funcionamento.

A constatação de que ambos tinham estreita relação de amizade - e que, consequentemente, faltaram com a verdade em seus depoimentos - fica por conta dos registros fotográficos adquiridos pelo Ministério Público do Rio

Grande do Norte, após decisão judicial de busca e apreensão do computador do magistrado (Id XXXXX, fls. 12/27 e 54/62):

Todos estes elementos comprovam que Ivan Holanda Pereira e José Dantas de Lira tinham relação estreita de amizade , o que confere credibilidade aos depoimentos de Hamurabi Zacarias de Medeiros e Damião Barbosa da Rocha, e mesmo Paulo Aires Sobrinho, perante este Conselho , principalmente no tocante aos laços que ligavam magistrado e advogado, dado essencial para a execução e êxito de um possível esquema envolvendo venda de liminares. Mais que amizade, ao que parece ambos tinham verdadeira relação de parceria". (eDOC 9, p. 21, grifo nosso)

É importante destacar desse trecho, que tanto o advogado quanto o autor respondem penal e civilmente perante a Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, de modo que Ivan Holanda sabia que o magistrado também era réu no mesmo esquema criminoso, ao contrário do que afirmado em seu depoimento, no sentido de que teria conhecimento da acusação somente pela imprensa.

Além disso, embora o juiz afirme que nunca escondeu os laços de amizade que mantinha com o advogado Ivan Holanda, percebe-se que esse o contradiz, mencionando que a relação entre eles seria apenas aquela entre professor e aluno.

Ou seja, o depoimento do advogado é contraditório em várias passagens, não sendo possível acolher a declaração referida pelo demandante, prestada em escritura pública, a qual está em dissonância com as outras provas apresentadas na decisão proferida pelo Conselho Nacional de Justiça .

Assim, embora o autor afirme que o advogado Ivan Holanda tenha feito uma declaração por meio de escritura pública, afirmando que o magistrado nunca o beneficiara como advogado e se dava por suspeito em causas patrocinadas por ele, essa declaração por si só, desacompanhada de outros elementos de prova, é insuficiente pra contradizer as demais provas constantes dos autos, as quais foram cuidadosamente examinadas pelo Conselho Nacional de Justiça, não havendo qualquer reparo a fazer quanto a este ponto.

Em relação ao depoimento de Damião Barbosa, o requerente alega que essa pessoa nunca teria trabalhado para si, além de também não ser suficiente para comprovar sua participação no esquema criminoso.

No entanto, ao contrário do depoimento prestado pelo advogado Ivan Holanda, as informações manifestadas por Damião Barbosa são firmes e coerentes com os demais elementos, que corroboraram para a condenação do magistrado, o qual não apresentou qualquer prova no sentido de que o depoimento de Damião seria inverídico ou teria a intenção de prejudicá-lo.

Não vejo, portanto, qualquer ilegalidade, irrazoabilidade ou incoerência nas conclusões exaradas na decisão do Conselho Nacional de Justiça, em relação ao ponto.

2.5) Omissão do magistrado e Depósitos em dinheiro

O promovente alega que não teria se omitido no exercício de suas funções, pois, ao ter ciência de que os ofícios estavam sendo falsificados, notificou a Corregedoria acerca de tais fatos.

Argumenta, ainda, que o CNJ desconsiderou o fato público e notório de que a maioria das transações comerciais no Nordeste são feitas ao ar livre e negociadas em especie, de modo que a maioria dos depósitos realizados em sua conta-corrente decorrem da venda de animais de pequeno porte recebidos como herança e mantidos em uma fazenda.

Transcreva-se qual foi a análise do Conselho Nacional de Justiça sobre essas assertivas:

"3.5. Conduta do magistrado

De fato, o início de toda esta apuração se deu por conta do Ofício 670/2008-GJ, de 14 de julho de 2008, quando o juiz ora acusado comunicou ao Diretor do Foro que advogados lhe deram ciência de ofícios falsos supostamente expedidos pela vara da qual era o titular . Foi, então, instaurada uma Sindicância (342/2008), um Procedimento Investigatório

Criminal (003/2011) e o Inquérito Policial 276/2012 (cópias nos autos). Comprovada a falsidade das assinaturas dos ofícios, por laudo grafotécnico, a 3a Promotoria de Justiça de Ceará- Mirim declinou de sua atribuição para a Procuradoria Geral de Justiça, dando origem ao oferecimento de denúncia, em 01/09/2014 , contra o Juiz José Dantas de Lira, por crime de corrupção passiva, autuada como Ação Penal Originária XXXXX-1, perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte . Entretanto, tendo em vista o número excessivo de desembargadores que declararam sua suspeição/impedimento para atuar no feito, deu-se a remessa do inquérito (3915/RN) para o Supremo Tribunal Federal ( CF, art. 102, I, n). Concomitantemente, em 03/11/2014, foi instaurado o Inquérito Civil XXXXX-8, para a apuração dos atos de improbidade administrativa decorrentes da venda de decisões judiciais . Enviada cópia pelo relator para o Corregedor-Geral da Justiça do Rio de Grande do Norte (art. 8º da Resolução 135, CNJ) para providências no âmbito administrativo, o feito censório foi avocado pela Corregedoria Nacional de Justiça, dando origem ao presente PAD .

Viu-se pelos depoimentos acima citados e parcialmente transcritos que existia, atuando na Vara do Ceará-Mirim, um esquema criminoso que se consistia no deferimento de liminares para servidores públicos estaduais então impedidos de contratar novos empréstimos além do limite legal. O esquema começava com Hamurabi Zacarias de Medeiros, corretor de empréstimos que cooptava os servidores, exigindo, desde logo, o pagamento para o deferimento das liminares, entregando, então, a documentação para Paulo Aires Pessoa Sobrinho, que a repassava ao advogado Ivan Holanda Pereira - inclusive procuração assinada pelo servidor sem dados referentes ao domicílio, pois não residiam em Ceará-Mirim. O advogado Ivan Pereira não assinava a petição inicial, mas fazia todo o acompanhamento processual, junto ao assessor do juiz, Clístenes Alves Maia, até a efetiva liberação do empréstimo.

Todos estes fatos são praticamente incontroversos. Resta, então, analisar a efetiva participação ou omissão do magistrado, diante de todo este esquema .

Vejamos, então.

Hamurabi Zacarias ressalva que jamais manteve contato direto com o juiz. Entretanto, parece fora de dúvida, a esta altura, a veracidade de sua afirmativa de que se encontrou constantemente com Ivan Holanda, acertando detalhes e fazendo entrega de documentação referente às liminares, e que havia sempre uma referência ao ‘homem’ - aquele responsável pelas decisões. Não havendo pagamento, não havia liminar, segundo Hamurabi .

Quanto à proximidade de Ivan Holanda com o juiz ora acusado, o próprio depoimento do advogado é esclarecedor. Ele frequentava a casa do magistrado, ao mesmo tempo em que fazia todo o acompanhamento no cartório de processos em que sequer constava da procuração - reconhecendo que eram seus clientes, e que propositadamente não assinava as peças para contornar possível alegação de suspeição do juiz . No entanto, chegava a levar em mão ofício de liberação de dinheiro de seus clientes (embora não formalmente), contando com o beneplácito do assessor do magistrado Clístenes Alves Maia.

Ora, a mera relação de amizade entre um juiz e um advogado não contém qualquer novidade, e nada há se estranhar a esse respeito. Todavia, ciente da possível suspeição, o advogado ainda assim patrocinar causas informalmente, atuando sem procuração, falseando endereços dos clientes para atrair a competência da comarca, ao mesmo tempo em que mantém forte proximidade com o juiz, chegando a pagar salários de seu empregado (Damião Barbosa Rocha, em seu depoimento), numa autêntica parceria, enquanto liminares específicas são deferidas... isso, sim, é motivo de estranhamento.

A possível ignorância do magistrado acerca de tudo que se passava à sua volta soa ainda mais como inverossímil diante de seu comportamento ao longo de todo o período em que ocorreram as sucessivas liminares. Observe-se que, ao ser alvo de denúncia, o que faz o magistrado diante da ameaça ? Ao invés de procurar esclarecer os fatos, sindicar, averiguar, ele trata de evitar que algo venha à tona ou que a imprensa publique alguma matéria. E, assim, sai de seu gabinete e se dirige à sede do jornal, acertando com o jornalista e com o denunciante (jurisdicionado insatisfeito), deixando o dito pelo não dito (v. depoimento de José Teteu) .

Outro dado que aponta para a passividade do juiz - o que induz para a sua participação direta - diz respeito à repetição de liminares para mesmas pessoas . Como bem diz o ilustre Procurador-Geral em razões finais, ‘ corrobora a afirmação, no sentido da ciência e participação do requerido, o fato de somente três servidores terem obtido 22 (vinte e duas) liminares de sua lavra em apenas 6 (seis) meses, durante o ano de 2007 , o que certamente não poderia passar despercebido ao experiente magistrado, que, à época dos fatos, contava com 14 (quatorze) anos de judicatura ’. E, de fato, a documentação dos autos confirma que assim se passou.

São questões, enfim, que isoladas não seriam suficientes para responsabilizar o magistrado, entretanto, analisadas em conjunto conduzem, sim, para a conclusão de que ele tinha participação decisiva no esquema. Até porque, como dito, nada foi capaz de contrariar os depoimentos aqui prestados, e nem os documentos foram impugnados .

Não bastasse, a prova documental reafirma tal conclusão. Principalmente, diante da análise bancária da conta corrente 23017, agência 2874, do Banco do Brasil, de titularidade do magistrado acusado .

Quanto à análise bancária, verifica-se, conforme demonstrado pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (Id XXXXX) e destacado pelo Procurador-Geral da República (Id XXXXX), que entre 02.01.2007 a 16.02.2009, o magistrado recebeu R$ 43.695,01 (quarenta e três mil, seiscentos e noventa e cinco reais e um centavo) em forma de depósitos em dinheiro não identificados, além dos R$ 1.000,00 (mil reais) por transferência bancária proveniente de Ivan Holanda Pereira .

Os valores recebidos de forma não identificadas se coadunam com o que Ivan Holanda Pereira requeria de Paulo Aires Pessoa Sobrinho no sentido de que os pagamentos pelas liminares fossem feitos mediante dinheiro em espécie , com o intuito de esconder o caminho da transferência do dinheiro e facilitar a lavagem de dinheiro e a sonegação fiscal .

Tais valores além de estarem bem acima da remuneração recebida pelo magistrado pelos cargos que exercia à época dos fatos, que eram algo em torno de R$ 10.000,00 pela magistratura, de R$ 2.000,00 pela função de juiz eleitoral e R$ 1.000,00 pelo cargo de professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte .

Cumpre observar ainda que causa no mínimo estranheza que um magistrado receba seguidos depósitos bancários não identificados, ao todo mais de 30 , sem a mínima justificativa dessas transações bancárias (Id XXXXX). E mais, são depósitos cujas datas correspondem exatamente as concessões das liminares, segundo correlação feita nas tabelas confeccionadas pelo Ministério Público, em razões finais . São valores depositados on line , variando entre R$ 750,00 e R$ 1.800,00. Detalhe, a defesa do magistrado se limitou a alegar a falta de robustez da prova e a possível insignificância dos valores, porém, não foi capaz, em nenhuma linha, de explicar a procedência destes depósitos, passando ao largo de tal fato, como se irrelevante fosse um juiz receber em sua conta corrente quantias não justificadas, quando conhecidas as suas fontes de rendas oficiais (serviço público e magistério). Também soa como incongruente o argumento da pequena monta dos depósitos, pois, ainda que vistos isoladamente, chegam a superar o salário de professor recebido pelo magistrado .

Nesse diapasão, não nos esqueçamos do depoimento de Damião Barbosa da Rocha no sentido de que recebeu pagamento das mãos de Ivan Holanda Pereira por serviços prestados na fazenda de propriedade de José Dantas de Lira. Ou seja, podemos inferir que o magistrado, além dos valores não identificados e recebidos via transação bancária, não há justificativa para tais pagamentos salariais, feitos em espécie .

Quanto ao assunto em torno da citada fazenda, a defesa do magistrado juntou aos autos Certidão Negativa de Propriedade de lavra do 1º Ofício de Notas e Registro de Imóveis de Ceará-Mirim/RN, certificando que inexiste inscrição imobiliária em nome de José Dantas de Lira (Id XXXXX, fls. 4).

Contudo, a fazenda à qual se refere todas as testemunhas não se encontra situada na comarca de Ceará-Mirim, onde o magistrado era atuante, mas sim na cidade de Santa Cruz/RN , que dista daquela comarca algo em torno de 120 km da comarca de Ceará-Mirim/RN. O documento de compra e venda da aludida fazenda se encontra no Id XXXXX, fls. 223 :

Ainda em tempo, cabe destacar passagem do Ministério Público do Rio Grande do Norte quanto aos atos do magistrado depois da concessão das medidas liminares : ‘Cumpre esclarecer que todas as liminares dadas, eram cassadas pouco tempo depois, o que em nada prejudicava o esquema criminoso visto que, tão logo a margem consignável era liberada, era contratado um novo empréstimo, que passava a vigorar como parcela a ser descontada no salário. Quando a liminar era revogada e o banco anterior pleiteava o retorno do desconto da parcela, o desconto não era possível porque a margem já estava comprometida pelo novo empréstimo e o cliente já havia recebido o valor do novo contratado’ (Id XXXXX)". (eDOC 9, p. 36, grifo nosso)

No tocante ao fato de que o próprio demandante teria levado à Corregedoria do TJRN a questão dos ofícios falsificados (eDOC 24), o que, em tese, demonstraria a ausência de desídia do magistrado, ressalte- se que o próprio juiz reconhece que apenas foi à Corregedoria após o

Além disso, se foi o próprio magistrado que reconheceu que os ofícios eram falsificados, por qual motivo teria processado uma instituição financeira (Banco Daycoval S/A), que também denunciou o mesmo fato (a irregularidade dos ofícios), nos termos da sentença proferida no 11º Juizado Especial da Comarca de Natal? (eDOC 64, p. 5)

Como bem ressaltado pelo CNJ, essa atuação destoa do comportamento esperado do magistrado "que identifica possíveis ilegalidades em seu ofício", sendo contraditória, portanto, a defesa do autor.

Por fim, a omissão do magistrado é reforçada pelo fato de terem sido concedidas 22 liminares a apenas 3 servidores, no espaço de 6 meses - o que foi destacado pelo Procurador-Geral no curso do PAD - e não esclarecido pela defesa.

O requerente também não conseguiu demonstrar a verossimilhança de suas alegações em relação aos depósitos realizados em sua conta- corrente, a veracidade de qualquer destas alegações, havendo nos autos apenas documentos pós-datados (como o do eDOC 32) ou unilateralmente produzidos, os quais não comprovam as movimentações financeiras realizadas pelo magistrado à época.

Alem disso, como bem salientado pelo CNJ, o fato de o autor ser um magistrado, com amplo conhecimento do Direito e das consequências do não cumprimento da lei, atrai a presunção de que alguém nessa posição não promoveria operações comerciais sem qualquer tipo de registro, inclusive para fins tributários.

2.6) Conclusão

Em resumo, diante da análise das provas produzidas no processo administrativo disciplinar e do que foi decidido pelo Conselho Nacional de Justiça, não dúvidas de que as atitudes do juiz, que foram elencadas como fundamento da decisão que condenou o autor à pena de aposentadoria compulsória, configuram clara violação aos deveres impostos aos magistrados pelo art. 35, I, VII e VIII, da LOMAN, e nos arts. , , e 17 do Código de Ética da Magistratura Nacional, quais sejam (respectivamente):

"Art. 35. São deveres do magistrado:

I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;

(...)

VII - exercer assídua fiscalização sobre os subordinados, especialmente no que se refere à cobrança de custas e emolumentos, embora não haja reclamação das partes;

VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular".

"Art. 1º. O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade , do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro .

Art. 2º. Ao magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da Republica e às leis do País, buscando o fortalecimento das instituições e a plena realização dos valores democráticos .

(...)

Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos .

(...)

Art. 17. É dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional.

(...)

Art. 25.Especialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma cautelosa, atento às consequências que pode provocar". (grifo nosso)

Ademais, o envolvimento do requerente com o "esquema criminoso para a liberação de margem de empréstimos consignados a servidores públicos estaduais, com a concessão de liminares proferidas pelo magistrado acusado" foi comprovado no processo administrativo disciplinar não apenas com base na delação premiada oferecida por Hamurabi Zacarias de Medeiros e no depoimento de Paulo Aires Pessoa Sobrinho, mas, também, a partir de outros elementos de prova colhidos naqueles autos, como por exemplo:

(a) valores em dinheiro, sem identificação, depositados na conta do magistrado em período coincidente com as decisões liminares proferidas para liberação de margem de empréstimo; (b) provas colhidas quando da realização de busca e apreensão na residência do assessor do juiz e do computador do magistrado; (c) depoimento de outras testemunhas; e (d) expedição de vinte e duas decisões liminares no período de seis meses, destinadas à viabilização de empréstimos além da margem consignável, de forma irregular, para apenas três servidores.

Existem, ainda, provas nos autos que apontam que Clístenes Alves Maia, Diretor de Secretaria da 1a Vara Cível de Ceará-Mirim à época dos fatos, recebeu pagamentos do advogado Ivan Holanda Pereira decorrente de busca e apreensão autorizada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, que revelam anotações de próprio punho do servidor com valores recebidos associados à decisões por minutas de ações revisionais de margem consignável.

Por conseguinte, não vislumbro a possibilidade de acolher quaisquer das alegações do requerente, pois a sanção que lhe foi imposta pelo Conselho Nacional de Justiça está adequadamente motivada, com base no conjunto fático-probatório dos autos, na legislação de regência e guarda correta correspondência à previsão normativa aplicável à espécie, inexistindo ilegalidade.

3) Honorários advocatícios

Em relação aos honorários advocatícios, os critérios de arbitramento

estão previstos no § 2º do art. 85 do CPC, a saber:

"§ 2º. Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:

I - o grau de zelo do profissional;

II - o lugar de prestação do serviço;

III - a natureza e a importância da causa;

IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. (grifo nosso)

(...)

§ 8º. Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º".

Tendo em vista o valor atribuído à causa, correspondente ao montante de R$ 1.000,00 (mil reais), verifico que os honorários advocatícios resultariam em irrisório proveito econômico, o que autoriza o arbitramento em valores fixos, a teor do art. 85, § 8º, do CPC.

Assim, fixo o valor dos honorários da presente ação cível originária em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), sopesando-se o tempo de tramitação (três anos e nove meses), a complexidade da causa e o trabalho desempenhado para a elaboração das peças, de acordo com as diretrizes do § 2º do art. 85 do CPC.

Portanto, o autor deverá arcar com os honorários advocatícios devidos aos Advogados da União.

4) Dispositivo

Ante o exposto, por tratar-se de posicionamento reiterado desta Corte (art. 21, § 1º, do RISTF):

1) não conheço da demanda, no tocante aos argumentos contidos nos itens a e b acima expendidos, diante da ocorrência de coisa

julgada, extinguindo os pedidos, nesses pontos, sem resolução de mérito (art. 485, V, do CPC);

2) julgo improcedente a presente ação originária quantos aos demais temas; e

3) condeno o autor ao pagamento de honorários advocatícios devidos aos Advogados da União no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais).

Publique-se. Intimem-se. Brasília, 28 de abril de 2023.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

Documento assinado digitalmente

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