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23 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Contas da União TCU: XXXXX - Inteiro Teor

Tribunal de Contas da União
há 11 anos

Detalhes

Processo

Julgamento

Relator

WEDER DE OLIVEIRA

Documentos anexos

Inteiro TeorTCU__02890620136_90f6b.doc
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Inteiro Teor

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO TC XXXXX/2013-6

GRUPO I – CLASSE II – PLENÁRIO

TC XXXXX/2013-6

Natureza: Solicitação do Congresso Nacional.

Unidades: Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República – SAC/PR e Agencia Nacional de Aviacao CivilAnac.

Interessada: Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados – CVT/CD.

Advogado: não há.

SUMÁRIO: SOLICITAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL. POSSÍVEIS IRREGULARIDADES NO EDITAL PARA CONCESSÃO DOS AEROPORTOS DO GALEÃO E DE CONFINS, NOS ITENS RELATIVOS À RESTRIÇÃO PARA PARTICIPAÇÃO NO CERTAME DE ACIONISTAS DAS ATUAIS CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇO PÚBLICO DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUÁRIA. CONHECIMENTO DA MATÉRIA COMO REPRESENTAÇÃO, POR NÃO TRATAR DAS HIPÓTESES DE SOLICITAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL. NÃO ADOÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR PLEITEADA, POR AUSÊNCIA DO PRESSUPOSTO DA ÍNDÍCIO DO BOM DIREITO. IMPROCEDÊNCIA DOS ARGUMENTOS QUE SUSTENTARAM A ALEGAÇÃO DE POSSÍVEL IRREGULARIDADE. CIÊNCIA AOS INTERESSADOS.

RELATÓRIO

Adoto como relatório a instrução elaborada no âmbito da Secretaria de Fiscalização de Desestatização e Regulação de Transportes – SefidTransporte, com a qual concordaram os dirigentes da unidade técnica:

“INTRODUÇÃO

Trata-se de solicitação do Congresso Nacional, de 9/10/2013, por meio da qual a Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados (CVT/CD) requer ao Tribunal a adoção de providências a respeito de possíveis irregularidades que limitam a concorrência entre as empresas interessadas no Edital 1/2013 da Anac, que trata da concessão para ampliação, manutenção e exploração dos Aeroportos Internacionais do Rio de Janeiro/Galeão – Antonio Carlos Jobim e Tancredo Neves/Confins (peça 1).

HISTÓRICO

2. Em 17/10/2013, o Exmo. Sr. Deputado Federal Rodrigo Maia submeteu a esta Corte elementos adicionais de convicção (peça 5) com vistas robustecer as supostas ilegalidades que aponta a CVT/CD inicialmente (peça 1).

EXAME DE ADMISSIBILIDADE

3. A Resolução - TCU 215/2008 dispõe sobre o tratamento de solicitações do Congresso Nacional. De acordo com o art. 4º, inciso I, do citado normativo, são legitimados a solicitar fiscalização ou informação em nome do Congresso Nacional os presidentes do Congresso Nacional, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e de comissões técnicas ou de inquérito, quando por elas aprovada a solicitação. Assim, a CVT/CD atende aos pressupostos de legitimidade para o feito.

4. Não há, contudo, respaldo normativo para que o expediente recebido pelo TCU seja conhecido como solicitação do Congresso Nacional. Por ter como objetivo a tutela cautelar para a suspensão de dispositivos editalícios, o expediente originado da CVT/CD não se enquadra em nenhuma das classificações previstas no art. 1º, incisos II a V, c/c art. 213 do Regimento Interno do TCU (RITCU) e no art. 3º da Resolução - TCU 215/2008.

5. Embora não possa ser conhecido como solicitação do Congresso Nacional, entende-se que o presente expediente, em caráter excepcional, e com base nos princípios do formalismo moderado e da verdade material, deve ser conhecido como representação.

6. Considerada como tal, a documentação encaminhada pela CVT/CD preenche os requisitos de admissibilidade constantes do caput do art. 235 do RITCU, haja vista a matéria ser de competência do Tribunal, referir-se a responsável sujeito a sua jurisdição, estar redigida em linguagem clara e objetiva, conter nome legível, qualificação e endereço do representante, bem como encontrar-se acompanhada do indício concernente à irregularidade ou ilegalidade. Além disso, a CVT/CD possui legitimidade para representar ao Tribunal, com base no disposto no art. 237, inciso III, do RITCU c/c o art. 113, § 1º, da Lei 8.666/1993.

7. Assim, o expediente poderá ser apurado, para fins de comprovar a sua procedência, nos termos do art. 234, § 2º, segunda parte, do Regimento Interno do TCU, aplicável às representações de acordo com o parágrafo único do art. 237 do mesmo RI/TCU.

EXAME TÉCNICO

I. Da síntese dos argumentos

8. O representante requer, em síntese, a retirada dos itens 3.18, 3.19 e 3.20 do Edital 1/2013 da Anac, referente à Concessão para Ampliação, Manutenção e Exploração dos Aeroportos Internacionais do Rio de Janeiro/Galeão – Antonio Carlos Jobim, na cidade do Rio de Janeiro, e Tancredo Neves/Confins, nos municípios de Confins/MG e de Lagoa Santa/MG, por motivo de suposta limitação da concorrência entre as empresas interessadas.

9. Os itens supracitados tratam especificamente de aspectos atinentes à limitação de participação no leilão dos vencedores das concessões aeroportuárias anteriores, como segue abaixo:

(omissis)

10. Alega o representante que qualquer tipo de restrição à participação desse conjunto de empresas seria desarrazoada, ilegal e inconstitucional, e poderia indicar um possível direcionamento da licitação, dado o número extremamente reduzido de potenciais investidores no mercado (peça 1, p. 3).

11. Sustenta ainda que as justificativas apresentadas em função do disposto no item 9.2.1 do Acórdão 2.466/2013-TCU-Plenário, que exigiu como fator condicionante à publicação do edital a inclusão no processo de concessão dos ‘fundamentos legais e técnicos (além daqueles constantes da Nota Técnica XXXXX/DERC/DEOUT/SPR/SAC-PR) da exigência (...) da restrição à participação no leilão de acionistas das atuais concessionárias de serviço público’, teriam sido aceitas inadvertidamente por esta Corte, dado que haveria fragilidade técnica nos documentos apresentados (peça 1, p. 4-5).

12. Aduz ainda haver violação ao princípio da livre concorrência e da competitividade do certame, vez que a própria Constituição Federal ( CF/1988) consagrou a livre concorrência como princípio imperativo da ordem econômica. Invoca, nesse sentido, decisão do próprio TCU, referente à rodada anterior de concessões aeroportuárias, em que a Corte teria se posicionado no sentido de participação ‘mais ampla possível’ (peça 1, p. 8-9).

13. Em continuidade, o arrazoado pugna pela proibição de cláusulas ou condições que comprometam o caráter competitivo da licitação (art. , § 1º, inciso I, da Lei 8.666/1993), pelo que defende a aplicação da jurisprudência ‘taxativa e rigorosa’ do TCU. Nesse aspecto, cita julgados anteriores desta Corte que defendem tal posicionamento (peça 1, p. 9-10).

14. Assegura haver vantagens adquiridas pelos atuais concessionários que, possivelmente, seriam benéficas ao Poder Público, e que estariam em consonância com os ditames da eficiência produtiva, o que permitiria um ‘aumento do rendimento do sistema com uma redução de custos decorrentes de tal processo de contratação’ (peça 1, p. 10).

15. Defende também a existência de violação ao princípio da isonomia e direcionamento da licitação, uma vez que a Administração teria estabelecido, no presente caso, uma condição ‘subjetiva, arbitrária e discriminatória’ à participação dos agentes potencialmente interessados. Nesse ímpeto, coleciona uma série de lições doutrinárias e julgados que poderiam corroborar sua tese (peça 1, p. 13-20).

16. Menciona haver, da mesma forma, ofensa ao princípio da proporcionalidade no tocante à limitação imposta e seus possíveis efeitos anticoncorrenciais decorrentes de participações cruzadas, vez que não restaria demonstrada a necessária razoabilidade das medidas tomadas. Nesse ponto, reforça que não haveria demonstração de quais seriam os prejuízos concorrenciais advindos dessas participações cruzadas (peça 1, p. 21-25).

17. Além disso, faz menção a suposta definição arbitrária do limite percentual, dado que não haveria justificativa técnica apta a elidir o ‘alto grau de subjetividade’ da medida. Em adição, insurge-se contra o fenômeno da ‘importação do modelo australiano’, o que denomina ser uma interpretação ‘míope e apressada’, dado o desenho do modelo regulatório brasileiro e suas particularidades (peça 1, p. 25-27).

18. Sustenta ainda a existência de comportamento contraditório da Administração na introdução das restrições de participação aos atuais concessionários, pelo que faz remissão à ‘absoluta falta de planejamento do Poder Público’, uma vez que o Edital 2/2011 da Anac não apresentava qualquer limitação nesse sentido. Assim, entende que o estabelecimento dessas imposições afronta a boa-fé dos atuais concessionários e o próprio interesse público (peça 1, p. 27-28).

19. Mais adiante, faz referência a possíveis impropriedades nas justificativas apresentadas pela Anac, relatando haver utilização imprópria e descontextualizada do caso do Reino Unido como paradigma para imposição da restrição ora atacada (peça 1, p. 28-32).

20. Arremata sua argumentação defendendo a existência de alternativas regulatórias à medida aqui impugnada, e incompetência da Anac para o tratamento de questões concorrenciais desse tipo, o que seria de alçada do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade (peça 1, p. 33).

21. Em adição, o representante promoveu, posteriormente, a juntada de novas evidências (peça 5), consubstanciada em pareceres jurídicos e econômicos, para corroborar os argumentos da peça inicial.

22. Por fim, requer-se o provimento cautelar desta Corte para suspender a eficácia dos itens 3.18, 3.19 e 3.20 do Edital 1/2013 da Anac e, no mérito, a exclusão definitiva de tais disposições editalícias (peça 1, p. 33-34).

II. Análise

23. Consoante o art. 276 do Regimento Interno/TCU, o Relator poderá, em caso de urgência, de fundado receio de grave lesão ao Erário, ao interesse público, ou de risco de ineficácia da decisão de mérito, de ofício ou mediante provocação, adotar medida cautelar, determinando a suspensão do procedimento impugnado, até que o Tribunal julgue o mérito da questão. Tal providência deverá ser adotada quando presentes os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora.

24. É oportuno mencionar, de início, que o TCU assentou entendimento recente sobre os fundamentos atinentes à restrição de participação materializada pelos itens 3.18, 3.19 e 3.20 do Edital 1/2013 da Anac, os quais têm sua legalidade e constitucionalidade contestadas nesta representação. O Acórdão 2.666/2013-TCU-Plenário, prolatado em 2/10/2013, julgado esse que trata do acompanhamento do 1º estágio do processo de concessão em epígrafe e que sucedeu ao Acórdão 2.466/2013-TCU-Plenário, assim dispôs:

9.1. considerar que os fundamentos legais e técnicos incluídos no processo de concessão sob apreciação, em face da determinação contida no item 9.2.1 do acórdão 2.466/2013 – Plenário, relativamente à restrição à participação dos atuais concessionários de serviços públicos de infraestrutura aeroportuária no leilão de concessão dos aeroportos de Galeão/RJ e Confins/MG, são consistentes, embasam e justificam, técnica e juridicamente, a decisão do poder concedente em proceder à referida exigência;

25. No Voto Condutor do Acórdão, o Ministro-Relator asseverou que a mencionada vedação ‘guarda coerência com o processo decisório, fundamentado nos pareceres apresentados pela SAC/PR e pela Anac’. Frisou também o Relator que o Tribunal ‘deveria considerar que tais estudos demonstram tecnicamente que a vedação é adequada e pertinente’.

26. Isso posto, e levando em conta a possibilidade de formulação imediata da proposta de mérito quando as informações disponíveis assim o permitirem, em detrimento de apenas realizar-se o exame cognitivo sumário, nos termos do caput e parte final do § 6º, ambos do art. 276 do RITCU, o juízo técnico desta unidade está apto a ser formulado em sua plenitude, para considerar que não procedem os fatos narrados na representação que deu origem a estes autos, na forma que se passa a expor abaixo.

II.1 Da violação ao princípio da livre concorrência e à competitividade do certame

27. Em relação princípio da livre concorrência ter-se ungido como imperativo na ordem econômica, temos que a CF/1988 dita, in verbis:

Art. 170. A ordem econômica , fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

IV - livre concorrência ;

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei .

(...)

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica , o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. (grifamos)

28. Nesse ponto, cumpre observar que na Carta da Republica não existem direitos absolutos, podendo a concorrência ser limitada, em casos excepcionais, quando houver outros princípios envolvidos de igual magnitude, a exemplo do princípio do interesse público. A limitação imposta in casu tem o propósito justamente de permitir a manutenção de um ambiente competitivo, no espírito almejado pelo art. 170, inciso IV, da CF/1988, mas em um instante posterior à ocorrência do leilão, ainda que para atingir esse objetivo tenha de criar tal medida restritiva em um primeiro momento.

29. É importante frisar que o próprio texto constitucional consagra que a lei pode criar restrições ao princípio da livre concorrência quando houver situações de abuso de poder econômico visando à dominação dos mercados (art. 173, § 4º, da CF/88). Nesse passo, a Nota 51/2013/ASJUR/SAC-PR/AGU (peça 122 do TC XXXXX/2013-0) pontua bem a questão:

19. Nas atividades típicas da iniciativa privada, os agentes econômicos estão sujeitos genericamente à fiscalização e às medidas de promoção da defesa da concorrência estabelecidas sob a ordem constitucional de 1988. Nesse ambiente é que se observa tipicamente a atuação do Estado brasileiro sob o compromisso com a livre concorrência e com a repressão do abuso de poder econômico (art. 170, IV e art. 173, § 4º, da Constituição Federal) . Nessas situações o Poder Público identifica a dinâmica do mercado relevante, e adota as medidas necessárias para restaurar o equilíbrio, se necessário.

20. Mas o que se observa é que em ambientes regulados e sob contrato direto com o Poder Público, as relações entre os agentes econômicos ou a conduta destes se desenvolvem em grande parte sob regras e condições já predefinidas pelo Poder Público. É o que ocorre tipicamente nos processos de concessão em que o Estado regula as condições concorrenciais de acesso ao mercado (processo licitatório) e, a depender das condições da concessão, limites implícitos ou expressos para a conduta do agente (regras do contrato de concessão e regulações setoriais).

30. Ademais, o Decreto 7.624/2011, que dispõe sobre as condições de exploração pela iniciativa privada da infraestrutura aeroportuária por meio de concessão, indica de maneira bastante específica a existência desse poder de impor regras limitadoras da livre concorrência, quando explicita o alcance das atribuições da Anac previstas nos incisos XXI e XXIV do art. 8º da Lei 11.182/2011:

(omissis)

31. Portanto, a referida autorização é plenamente compatível com o preceito constitucional, na medida em que o Decreto 7.624/2011, amparado pela Lei 11.182/2011, tem por fim justamente preservar a concorrência entre os aeródromos, considerando que o sacrifício de tal medida em prol da plena participação dos atuais concessionários poderia resultar, segundo os estudos da própria Anac, em possível abuso de poder de mercado (peça 123, p. 9, do TC XXXXX/2013-0), o que é deveras repelido pelo texto constitucional (art. 173, § 4º, da CF/1988).

32. No que se refere à alegação de que a Corte teria se posicionado no sentido de participação ‘mais ampla possível’, invocando inclusive entendimento do próprio TCU na rodada anterior de concessões aeroportuárias, dentre outros, e, dessa forma, a competitividade restaria comprometida, também não cabe razão ao representante.

33. É certo que a restrição à livre participação em licitações públicas constitui exceção ao princípio constitucional da isonomia e à vedação à restrição do caráter competitivo dos certames. No entanto, ela é plenamente cabível mediante comprovação inequívoca, de ordem técnica, de que somente com as especificações restritivas o certame é apto a atender às necessidades específicas da Administração.

34. Como bem pondera esta Corte, não se trata de reprovar automaticamente restrições à participação. O que se censura é a ausência de comprovação dessas limitações em estudos prévios ao certame. Assim, normas que disciplinam as licitações públicas devem ser interpretadas em favor da ampliação da disputa entre os interessados, desde que não comprometam o interesse da Administração, o princípio da isonomia, a finalidade e a segurança da contratação. Nesse sentido:

41. Divergindo da Unidade Técnica, penso que o princípio que refuta a restrição ao caráter competitivo não é absoluto, representando essencialmente a expressão sintetizada de uma orientação vista em caráter de generalidade, a admitir, por óbvio, excepcionalidades que sejam conduzidas por circunstâncias ensejadoras de determinada feição fora do comum .

42. Ao interpretar a norma que veda a imposição de restrições ao caráter competitivo nos atos de convocação (art. , § 1º, inciso I, da Lei nº 8.666/93), Marçal Justen Filho sustenta que ‘o dispositivo não significa vedação a cláusulas restritivas da participação’, ponderando que ele ‘não impede a previsão de exigências rigorosas, nem impossibilita exigências que apenas possam ser cumpridas por específicas pessoas’ (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 3ª ed. Aide Editora, 1994, p. 36).

43. Ainda de acordo com o renomado administrativista, a lei veda, na verdade, é ‘cláusula desnecessária ou inadequada, cuja previsão seja orientada não a selecionar a proposta mais vantajosa, mas a beneficiar alguns particulares’. Segundo o autor, ‘se a restrição for necessária para atender ao interesse público, nenhuma irregularidade existirá em sua previsão’ (obra citada, p. 36). (Voto do Relator Min. Valmir Campelo, no Acórdão 1.631/2007-TCU-Plenário)

35. Ora, como visto acima, o princípio que refuta a restrição ao caráter competitivo não é algo incondicional, de maneira que também inexiste a alegada ofensa ao art. , § 1º, inciso I, da Lei 8.666/1993. Muito embora o TCU tenha posicionamento, como regra geral, pela prevalência da ampla competitividade, a jurisprudência desta Casa não é ‘taxativa e rigorosa’ a ponto de impossibilitar a dobra do princípio da competitividade em casos excepcionais, em especial quando há enlace significativo de outros princípios envolvidos, como o princípio da supremacia do interesse público.

36. No tocante a eventuais vantagens dos concessionários atuais, oriundas de uma suposta eficiência decorrente de sinergias nas suas cadeias de custos, que possivelmente seriam benéficas ao Poder Público, entende-se ser descabido o argumento. Esse juízo já foi realizado pelo Poder Concedente, que optou por lhes conferir um interesse secundário, prevalecendo a pertinência da limitação à propriedade cruzada em detrimento de possíveis benefícios econômicos por ocasião do leilão.

37. Portanto, não assiste razão ao representante na imputação de quebra dos princípios da livre concorrência e da competitividade.

II.2 Da violação ao princípio da isonomia e direcionamento de licitação

38. Logo de início o argumento é falho, porque não há qualquer subjetivismo ou condição arbitrária à participação dos agentes potencialmente interessados que leve à violação do princípio da isonomia e direcionamento de licitação. A SAC/PR e Anac estudaram densamente a matéria e concluíram pela pertinência da manutenção à limitação à participação das atuais concessionárias (peças XXXXX-124 do TC XXXXX/2013-0). Além disso, o próprio TCU já manifestou sua concordância com tal posição técnica, quando prolatado o Acórdão 2.666/2013-TCU-Plenário.

39. Naquele julgado, relembre-se que o Relator do caso, Exmo. Sr. Min. Augusto Sherman, sustentou, em seu Voto, inclusive a questão da prejudicialidade de se haver um controle comum desses ativos aeroportuários:

57. É importante mencionar que, no caso do Reino Unido, demonstrou-se que a privatização – pioneira em âmbito mundial – ocorreu em 1987, e a British Airport Authority – BAA foi vendida para um mesmo operador com os sete maiores aeroportos, responsáveis por 60% do total de passageiros naquele ano. Porém, posteriormente, ao analisar o desempenho da BAA, a Competition Comission – CC concluiu que a ‘propriedade de ativos com potencial de competição tendia a limitar investimentos em infraestrutura , diminuir a qualidade dos serviços , além de não prover incentivos adequados à redução dos custos de operação ’ (grifei). Não é pouco. A propriedade comum de aeroportos tende a limitar investimentos em infraestrutura, diminuir a qualidade dos serviços e não incentiva a redução de custos de operação. É tudo que não desejamos para o serviço de infraestrutura aeroportuária no Brasil. Com as devidas precauções, não podemos deixar de considerar a experiência alheia e, assim, evitar cometer erros semelhantes. Essa questão, portanto, já se encontra superada, razão pela qual deve ser desconsiderada de pronto. (grifos no original)

40. E uma vez referendado tal entendimento pelo Plenário da Casa, é de concluir que não subsiste qualquer violação ao princípio da isonomia e direcionamento da licitação.

II.3 Da violação ao princípio da proporcionalidade

41. No que se refere ao valor adotado para a limitação, trata-se de percentual destinado a eliminar a possibilidade de assento junto ao conselho de administração da futura concessionária, o que poderia ocasionar influência nas decisões estratégicas da concessionária.

42. Conforme argumentado na Nota Técnica 19/2013/GERE/SRE /ANAC (peça 123, p. 5, do TC XXXXX/2013-0), é defensável uma participação inferior a 15% para que haja diminuição substancial do ‘risco elevado de condutas unilaterais que prejudiquem a concorrência no mercado e, consequentemente, os resultados de mercado para os usuários’.

43. Nessa toada, observa-se que o valor, em análise superficial, dista da prática internacional nas sociedades por ações, que adota o referencial de 20% no âmbito societário para presumir a chamada ‘influência significativa’, no tocante à avaliação de investimentos em coligadas/controladas:

II. AVALIAÇÃO DOS INVESTIMENTOS EM CONTROLADAS/COLIGADAS

(...)

2. DAS COLIGADAS E CONTROLADAS

Os padrões internacionais determinam que a equivalência patrimonial seja aplicada aos investimentos em controladas e nas demais empresas em que haja influência significativa. Presume-se essa influência significativa quando o investimento representar 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante da coligada . Nos casos de participação inferior a 20% (vinte por cento), a influência significativa tem de ser comprovada. (Nota Explicativa à Instrução CVM 247/1996)

44. Por outro lado, o citado percentual é norteador apenas no que diz repeito ao aspecto contábil. Uma vez que a legislação societária pátria permite o direito de voto para efeito de eleição de membros do conselho de administração a partir de 15% ou mais do capital votante (art. 141, § 4º, inciso I, da Lei 6.404/1976), torna-se defensável supor que uma participação inferior ao referido percentual seja preferida, quando se pondera acerca do interesse público envolvido.

45. Além do mais, o Voto Condutor do Acórdão 2.666/2013-TCU-Plenário foi bastante claro quanto a este aspecto, e, com exceção de um único voto em separado na sessão plenária, este foi o entendimento que prevaleceu na Corte:

67. De tudo o que foi exposto, pode-se sintetizar as conclusões dos estudos feitos nos seguintes termos:

(...)

j) admissível, porém, a possibilidade de haver participação cruzada minoritária entre os aeroportos, com restrição de que a participação seja inferior a 15% da futura concessionária e haja expressa vedação à representação no conselho de administração da sociedade, porque: i) os membros desse conselho detêm um grau significativo de influência nas decisões e podem atuar de modo a comprometer a criação de um ambiente competitivo; ii) a simples participação no conselho faculta ao sócio acesso a informações relevantes do aeroporto, que poderiam ser utilizadas de modo a conferir vantagem competitiva ao seu concorrente.

46. Não há ofensa, portanto, ao princípio da proporcionalidade.

II.4 Da definição arbitrária do limite percentual

47. Destaca-se, nesse ponto, haver justificativa técnica farta apta a elidir o alegado ‘subjetivismo’ pregado pelo representante, conforme já destacado anteriormente. Não houve também qualquer importação ‘míope e apressada’ do modelo australiano, posto que, em que pese os percentuais de limitação de ambos os países (Brasil e Austrália) coincidirem, o caso brasileiro decorre de valor obtido com intuito de vedar participação no conselho, e não de mera cópia de modelo concessório de outro país. Apenas no caso australiano é que houve a adoção de tal percentual por evidências empíricas, como restou assentado no Voto Condutor do Acórdão 2.666/2013-TCU-Plenário:

61. Por fim, no caso da Austrália , onde se adotou modelo semelhante ao do Brasil (concessão individual de aeroportos), a propriedade cruzada foi restringida na primeira fase, concluída em 1997 (aeroportos de Melbourne, Brisbane e Perth), e permitida na segunda fase, que envolveu apenas aeroportos menores (movimentação inferior a 4 milhões de passageiros). Em 2002, quando da concessão de Sidney, o maior aeroporto do país, a participação cruzada foi limitada a 15% para os pares de aeroportos Sidney/Melbourne, Sidney/Brisbane e Sidney/Perth. Aqui [referindo-se ao caso australiano, e não ao Brasil] também se indicou que a limitação parece ter sido motivada pelo potencial de competição em alguns nichos (sobretudo ‘carga’, ‘conexão internacional’ e ‘atração de companhias de baixo custo’) e pela importância do benchmarking . (grifei)

48. Desse modo, não há que se falar em arbitrariedade na definição do limite percentual.

II.5 Do comportamento contraditório da Administração e boa-fé dos concessionários

49. Ressalte-se que a introdução das restrições de participação aos atuais concessionários não decorre da ‘absoluta falta de planejamento do Poder Público’. O que ocorre é que, à época do Edital 2/2011, o único aeroporto concedido havia sido o de São Gonçalo do Amarante, não havendo manifestação da Anac pela restrição com relação a eventuais participações cruzadas. A decisão do regulador, portanto, se enquadra na regra geral de permitir a ampla participação das empresas, posto que o que deve ser amplamente justificado é a restrição à participação, o que foi feito oportunamente na atual rodada.

50. Nesse passo, é de observar que, frente à mudança de regras, não existe direito adquirido dos licitantes quanto à preservação de cláusulas editalícias de participação previstas em editais anteriores. Na espécie, de se observar que a mudança se dá em função de justificativas técnicas e legais que são consistentes com a decisão do Poder Concedente (v. item 9.1 do Acórdão 2.666/2013-TCU-Plenário).

51. Descabido, dessa forma, protestar em razão da boa-fé dos concessionários atuais, posto que a relação jurídica que se estabelece no plano da outorga ora analisada é regida pelo Direito Público (Regime Jurídico-Administrativo), e caracterizada pela supremacia do interesse público frente ao particular. Nesse plano jurídico, seria absurdo interpretar cláusulas de editais em desfavor do Poder Público quando devidamente motivadas as razões que ensejaram essas mudanças, pelo que defende, nessa linha, a doutrina de Hely Lopes Meirelles:

(...) na interpretação do contrato administrativo é preciso ter sempre em vista que as normas que o regem são as de Direito Público, suplementadas pelos princípios da teoria geral dos contratos e do Direito Privado (...). Não se nega a aplicação das regras de hermenêutica comum, mas nessa operação não se pode olvidar que o objeto da contratação é, sempre e sempre, o atendimento do interesse público . (...) não se pode interpretar suas cláusulas contra essa mesma coletividade, para só se atender aos direitos individuais do particular contratante . (MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo Brasileiro. ed. 20, São Paulo: Malheiros, 1995, p. 202)

52. Seguindo essa tônica, tem-se que, em se tratando de matéria regida eminentemente pelo Direito Público, as cláusulas contratuais devem ser interpretadas em favor do ente público e não contra este, seria desconectado da realidade permitir que não houvesse essa mesma possibilidade no âmbito dos editais de licitação, tendo em vista que o contrato administrativo é apenas consectário lógico daquele. Assim, não há possibilidade de renúncia de direitos ou interesses públicos (no caso, o de a Anac abrir mão da restrição aos atuais concessionários) para privilegiar a ‘boa-fé’ dos potenciais interessados em detrimento do interesse da coletividade, porquanto qualquer cláusula nesse sentido seria a priori contrária ao interesse da sociedade, segundo já extensamente demonstrado.

53. Portanto, não há que se falar em comportamento contraditório da Administração, muito menos em obrigatoriedade de respeitar a ‘boa-fé’ dos concessionários.

II.6 Da impropriedade das justificativas apresentadas pela Anac

54. No tocante à suposta utilização imprópria e descontextualizada do caso do Reino Unido pela Anac, também não cabe razão ao representante. Tanto no caso estrangeiro como no caso brasileiro foram feitos estudos de natureza quantitativa e quantitativa. Ademais, esse juízo quanto à propriedade dos estudos é feito pelo regulador, que determinará a profundidade adequada com que deve tratar a matéria (Acórdãos 2.023/2004, 1.201/2009, 2.927/2011 e 2.241/2013, todos do Plenário).

II.7 Das alternativas regulatórias

55. Nesse ponto, incabível ao representante querer substituir-se ao regulador no exercício de suas competências, a despeito de determinada alternativa regulatória ser melhor ou pior. Esse juízo somente cabe ao Poder Concedente, por intermédio da Anac. Além disso, conforme asseverado no Voto Condutor do Acórdão 2.666/2013-TCU-Plenário, concluiu-se pela legitimidade dos fundamentos apresentados:

67. De tudo o que foi exposto, pode-se sintetizar as conclusões dos estudos feitos [Nota 111/2013/DEAEX/CGU/AGU/RA] nos seguintes termos:

a) a limitação à propriedade cruzada entre aeroportos está alinhada com práticas internacionais de concessões aeroportuárias em decorrência da possível competição nas frentes ‘passageiros domésticos e internacionais’, ‘conexões domésticas e internacionais’, ‘carga doméstica e internacional’ e ‘contratos com empresas aéreas e outros prestadores de serviços’4;

b) a ausência de concorrência entre aeroportos observada em outros países (inclusive em aeroportos localizados a média e a longa distâncias) tende a limitar investimentos em infraestrutura , diminuir a qualidade dos serviços e não incentiva a redução de custos de operação e a implementação de inovações tecnológicas e operacionais;

(...)

68. A partir desse cenário, percebo que, de fato , há diversos fundamentos que legitimam a decisão do poder concedente de vedar a participação de acionistas das atuais concessionárias de serviço público de infraestrutura aeroportuária no certame em tela, (...).

69. Ficou bem evidenciado que, embora os aeroportos do Galeão e de Confins não concorram em termos de ‘tráfego de passageiros’, por não se tratar de aeroportos substitutos 5, podem disputar em termos de ‘tráfego de carga internacional’ (por ser a distância entre eles de cerca de 500 km) e ‘de conexão’ (por ambos se localizarem na região Sudeste).

70. Igualmente, demonstrou-se que há possibilidades de competição entre os aeroportos de Guarulhos, Brasília e Viracopos, na forma detalhada na tabela constante da peça 121, p. 33/4, e entre esses e os do Galeão e de Confins (na maioria, também quanto ao ‘tráfego de cargas’ – Confins com todos os outros e Galeão com Guarulhos e Viracopos – e ‘de conexão’ – Confins com Brasília e Viracopos/nacional e Galeão com Guarulhos e Viracopos/internacional).

56. Em adição, é oportuno transcrever que a jurisprudência do TCU caminha no sentido de não se substituir à Agência em seu conhecimento técnico, até porque é entendimento nesta Corte de que, no controle externo das atividades finalísticas das agências reguladoras, o TCU deve atuar de forma complementar, exercendo uma fiscalização de segunda ordem, preservando ao máximo o âmbito de competência dessas entidades públicas. Nesse contexto, citem-se precedentes referentes à Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp):

É incontestável a competência da Antaq, como órgão regulador do setor portuário e fiscalizador dos contratos de arrendamento, de analisar, de forma consistente e fundamentada, os valores propostos pela Codesp , manifestando-se conclusivamente quanto aos montantes necessários para o reequilíbrio do contrato, conforme estabelecido no art. 20, inciso II, alínea ‘b’ e no art. 27, incisos VI, VII e XXVI, da Lei n.º 10.233/2001, no art. , § 4º, da Lei 8.987/1995 e no art. 26 da Resolução Antaq 2.240/2011.

Tendo em vista suas atribuições legais e regulamentares, presume-se que a Antaq tenha dados, informações e expertise para melhor avaliar os impactos de cada fator alegado pela Codesp e pela Libra como desencadeadores do desequilíbrio do contrato.

É pacífica a jurisprudência neste Tribunal sobre o controle de segunda ordem exercido sobre os atos das agências reguladoras . Nesse sentido, a fim de respeitar as competências legais da Antaq e a jurisprudência do TCU, esta SefidTransporte entende ser oportuno manifestar-se conclusivamente sobre consistência e regularidade da proposta de equacionamento da dívida a ser firmada entre a Libra e a Codesp somente após a deliberação definitiva da Agência Reguladora sobre os valores objeto do acordo (Relatório que precede o Acórdão 2.241/2013-TCU-Plenário).

57. A questão da competência no TCU em seu relacionamento com as agências reguladoras já tem sido analisada há bastante tempo, havendo notícia de precedentes ao menos desde o ano de 2004 no âmbito da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) sobre o tema:

12. Ademais, entendo que esta Corte deve avaliar com muito cuidado qual é a melhor forma de atuação quando está em discussão matéria afeta às atividades finalísticas das entidades reguladoras. Afinal, nesse caso, a fiscalização exercida pelo TCU deve ser de segunda ordem, preservando-se ao máximo o âmbito de competência dessas entidades públicas . Aduzo que, uma vez superada a fase de instalação dessas entidades, o Tribunal deve atuar de forma suplementar (Voto do Min. Benjamin Zymler no Acórdão 2.023/2004-TCU-Plenário)

58. Pelo exposto, portanto, não há que se falar em alternativa regulatória diversa como argumento para demonstrar irregularidade afeta à escolha regulatória feita pela Anac, nesse caso específico.

II.8 Da alternativa concorrencial

59. O representante suscita haver incompetência da Anac para o trato de questões concorrenciais na presente concessão, o que seria, em sua visão, de alçada do Cade (peça 1, p. 33). Adverte, nesse sentido, que, se vier a ocorrer abuso de poder econômico no mercado regulado, o supracitado conselho lidará com tais situações, que não seriam, em essência, decorrentes de participações cruzadas, mas meros ‘desvios ilegais’.

60. Inexoravelmente, perfilha-se entendimento diverso nesta unidade técnica. Primeiro, porque já existe precedente neste Tribunal reconhecendo competência de agência reguladora para prevenir e reprimir eventuais infrações praticadas contra a ordem econômica:

10.(...) fica patente que a questão central deste caso é, efetivamente, a discussão sobre a possibilidade de os operadores cobrarem o THC 2 sem infringirem as normas de proteção à livre concorrência . Ocorre que os arts. 20, II, ‘b’, da Lei nº 10.233/2001 e 2º, ‘c’, do Decreto nº 4.122/2002, que regulamentou a Lei anteriormente citada, estabelecem que:

‘Art. 20. São objetivos das Agências Nacionais de Regulação dos Transportes Terrestre e Aquaviário:

(...)

II - regular ou supervisionar, em suas respectivas esferas e atribuições, as atividades de prestação de serviços e de exploração da infra-estrutura de transportes, exercidas por terceiros, com vistas a:

a) garantir a movimentação de pessoas e bens, em cumprimento a padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e tarifas;

b) harmonizar, preservado o interesse público, os objetivos dos usuários, das empresas concessionárias, permissionárias, autorizadas e arrendatárias, e de entidades delegadas, arbitrando conflitos de interesses e impedindo situações que configurem competição imperfeita ou infração da ordem econômica.’

‘Art. 2º A Antaq tem por finalidade:

(...)

c) arbitrar conflitos de interesse e impedir situações que configurem competição imperfeita ou infração contra a ordem econômica.’

11.Assim sendo, a Antaq detém competência jurídica para prevenir e reprimir eventuais infrações praticadas contra a ordem econômica . (Voto do Min. Benjamin Zymler no Acórdão 2.023/2004-TCU-Plenário)

61. Em segundo lugar, como se vê acima, a atuação do Tribunal se dá no sentido de preservar ao máximo a competência dessas agências. Terceiro, seria incoerente pensar que determinada agência independente deteria competência própria para prevenir situações de concentração de mercado indesejáveis e ainda possivelmente danosas aos usuários, em seu âmbito de atuação próprio, enquanto outra agência deveria submeter esse procedimento ao crivo do Cade. Aliás, é também questionável o último posicionamento, na medida em que a Anac possui expertise indiscutível sobre a matéria.

62. A própria Lei 12.529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), permitiu que a análise prévia desses atos de concentração já fossem realizadas pelo Poder Concedente, em se tratando de licitações públicas, conforme se extrai da Nota 51/2013/ASJUR/SAC-PR/AGU (peça 122, p. 6, do TC XXXXX/2013-0):

21. Por essas características das atividades econômicas em que se enquadram as concessões é que, em função da natureza relevantíssima do serviço público em questão, seja natural e necessário que o Poder Público já delimite previamente as condições de concorrência nos contratos de concessão e nas licitações correspondentes.

22. Tanto é assim que essa característica do sistema deu base para que fosse positivada a prescindibilidade da análise prévia desses atos de concentração, conforme disposto na lei nº 12.529/2011:

‘Art. 90. Para os efeitos do art. 88 desta Lei, realiza-se um ato de concentração quando:

(...)

IV - 2 (duas) ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture.

Parágrafo único. Não serão considerados atos de concentração, para os efeitos do disposto no art. 88 desta Lei, os descritos no inciso IV do caput, quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes .’

23. Veja-se que essa disposição da Lei nº 12.529/2011 é uma demonstração clara de coerência interna do ordenamento jurídico de que o poder concedente tem a prerrogativa e o dever de incorporar em suas decisões a defesa da concorrência .

24. Essa perspectiva ganha importância quando se trata de concessão de serviços públicos, por envolver direitos dos usuários e impactos econômicos de maior vulto. O Poder Público não pode se descurar dos reflexos que a desestatização gera tanto para os usuários, quanto para o contexto econômico.

63. Além disso, a doutrina de Villela Souto já afirmou que:

O CADE, como o Judiciário, é órgão de Estado que exerce um controle técnico em áreas sujeitas à livre iniciativa, o que não é o caso das concessões, sujeitas a um monopólio estatal ; quando muito pode, por sua Procuradoria, agora dotada de legitimidade ativa, ajuizar ação civil pública quando a livre concorrência (elevada à categoria de interesse difuso) for violada (frisando que os serviços públicos foram retirados, pela sociedade, da esfera da livre iniciativa e concorrência, ainda que a Lei possa estabelecer, discricionariamente, uma livre competição entre os admitidos no setor) (VILLELA SOUTO, Marcos Juruena. Desestatização, Privatização, Concessões e Terceirizações, Ed. 3, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 121)

64. Na mesma esteira, Ruy Santacruz:

Cabe a cada agência planejar a estrutura de mercado que regula e a forma de concorrência que considera melhor para a sociedade. Dessa maneira, não é lógica a possibilidade desse planejamento ser alterado pela decisão do órgão antitruste , que desconhece a estratégia do regulador e não detém os conhecimentos técnicos específicos necessários para a tomada de decisão. A duplicidade de regulação é, desse modo, ineficiente do ponto de vista público e privado. (SANTACRUZ, Rui. Fundamentos (econômicos) da regulação pública dos mercados. Revista Arché: interdisciplinar. Rio de Janeiro, vol 10, nº 29, 2001, p. 97)

65. A própria Advocacia-Geral da União (AGU), inclusive, já tem parecer vinculativo, em se tratando da análise e aprovação pelo Banco Central do Brasil de atos de concentração das instituições integrantes do sistema financeiro nacional, com exclusão de qualquer outra autoridade, inclusive o Cade:

Ementa:

1. Consulta sobre conflito de competência entre o Banco Central do Brasil e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE.

2. As posições conflitantes: Parecer da Procuradoria-Geral do Banco Central, de um lado, e Pareceres da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça e da Procuradoria do CADE e estudo do Dr. Gesner Oliveira, de outro.

3. O cerne da controvérsia.

4. Conclusão pela competência privativa do Banco Central do Brasil para analisar e aprovar os atos de concentração de instituições integrantes do sistema financeiro nacional, bem como para regular as condições de concorrência entre instituições financeiras e aplicar-lhes as penalidades cabíveis . (Parecer AGU nº GM-20, de 05 de abril de 2001)

66. Desse modo, não permitir que o Poder Concedente estabeleça determinado limite restritivo pode, sem dúvida, implicar em usurpação do poder regulatório da agência e verdadeiro ‘esvaziamento’ de sua competência no setor regulado, conforme adverte o Prof. Pereira da Silva, Ex-Coordenador Geral da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ):

Nos setores regulados, outras finalidades concorrem com a noção de concorrência. A maioria dos serviços não comporta concorrência plena e, além disto, objetivos de interesse público, tais como universalização e continuidade da prestação, nem sempre são convergentes com os princípios que norteiam o antitruste .

Sendo assim, o CADE deve relativizar a aplicação do direito da concorrência nestes setores, sopesando, concretamente, os valores da esfera setorial com os princípios da ordem econômica. Por tal razão é que deve ser desenvolvida a ideia de concorrência possível . É dizer, o antitruste é aplicável na medida em que não comprometa as referidas finalidades regulatórias . (...)

Em setores regulados, ‘o valor da concorrência não tem aplicação tão mecânica como em setores ‘normais’ da economia. (...) não tem lugar a aplicação ‘fria’ do direito antitruste quando as finalidades setoriais estiverem em jogo. (SILVA, Pedro Aurélio de Queiroz Pereira da. Direito da Concorrência e Regulação dos Serviços Públicos. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico. Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 1, fevereiro, 2005, p.11-12)

67. Assim, portanto, não há que se cogitar incompetência da Anac em matéria concorrencial, nesse caso específico, ao estabelecer as cláusulas 3.18, 3.19 e 3.20 do Edital 1/2013.

II.9 Do parecer jurídico pela inconstitucionalidade da restrição (peça 5, p. 2-36)

68. O parecerista, Prof. Dr. Gilberto Bercovici, propõe, em suma, que não há fundamento legal ou constitucional para as restrições impostas, e existe ofensa ao art. 219 da CF/1988, com base em interpretação da Constituição Federal, da Lei de Licitações, da doutrina sobre o tema e do direito comparado.

69. Ocorre que, ao contrário do que o parecer propugna, deve-se reconhecer que o Estado atua diretamente nas relações econômicas, cabendo a este inclusive realizar o planejamento econômico obrigatório para o setor público, nos termos do art. 174 da CF/88: ‘Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado’.

70. Também não se pode olvidar que a Constituição Federal conferiu ampla margem de atuação ao Estado na seara econômica, conforme defende Sundfeld sobre o assunto:

A Constituição Nacional, ao reservar certos campos econômicos para o Estado, exclui o dever de observância, em relação a eles, de ao menos dois princípios gerais da ordem econômica, previstos no art. 170: os da livre iniciativa (correlato do direito individual de empreender livremente) e da livre concorrência (direito à calibragem do poder econômico). (SUNDFELD, Carlos Ari. O CADE e a Competição nos Serviços Públicos, mimeo, p.1)

71. Cabe ainda esclarecer que, data venia a opinião do eminente parecerista, esta Unidade Técnica discorda do entendimento quanto à alegada afronta ao art. 219 da CF/1988, in verbis:

Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal .

72. Entende-se que o dispositivo constitucional acima deve ser interpretado dentro do capítulo em que está inserido – Capítulo IV (Da Ciência e Tecnologia), do Título VIII (Da Ordem Social). Assim, o mercado interno deve ser prioritariamente favorecido no que diga respeito apenas ao progresso científico e tecnológico. Além disso, a Carta da Republica remete à legislação infraconstitucional determinar a forma como se dará esse incentivo, ou seja, permite a normatização por intermédio de lei ordinária sobre a matéria.

73. Ora, tal dispositivo também não deve ser visto como um direito absoluto, como sendo oponível erga omnes para qualquer situação, sendo plenamente possível sua relativização, dada a sua sistemática existente com o restante do texto constitucional. Cite-se, apenas como exemplo, o campo normativo do Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira) no Capítulo I (Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica), que remete à preocupação com o abuso de poder econômico (art. 173, § 4º) e a atuação do Estado como normativo e regulador da atividade econômica (art. 174, caput).

74. Em artigo sobre o tema, o Procurador Ricardo Antônio Lucas Camargo tece alguns comentários pertinentes a cerca da interpretação do art. 219 da CF/1988:

Por mercado interno entende-se a relação oferta-procura em uma determinada base territorial. Não se exclui, com isto, do conceito a relação entre o concorrente alienígena e a empresa doméstica, porquanto não é de pequena monta o efeito produzido pela entrada de produtos fabricados e comercializados em condições de maior vantagem do que os produzidos dentro daquela determinada base territorial.

O que se coloca, em verdade, é a própria articulação do conceito de mercado interno com outras noções essenciais, quais sejam: a de patrimônio público e a de abuso do poder econômico.

Com efeito, dentre as formas de abuso do poder econômico, classicamente se tem citado a eliminação da concorrência e a dominação de mercado.

O ato que possibilite a eliminação da concorrência, pela manipulação do jogo da oferta e da procura, ou a dominação do mercado consistirá, efetivamente, ato lesivo ao mercado interno .

O estabelecimento de condições privilegiadas em prol de um dos concorrentes, sem uma razão material plausível, mostra-se apto a lesar o mercado interno . (CAMARGO, Ricardo A. L. O mercado interno, o patrimônio público e o art. 219 da constituição brasileira de 1988 – bases para sua interpretação. Revista do Tribunal Regional Federal 1ª Região, Brasília, v. 8, n. 4, out./dez. 1996)

75. Ora, segundo defende o autor, a contrario sensu, seria possível inferir que se houver razão material plausível, é possível estabelecer condições privilegiadas em prol de um dos concorrentes, sem que isso implique em lesão ao mercado interno, o que corrobora, de certa maneira, o entendimento de Sundfeld (item 70) na linha de que o Estado é apto a estabelecer essas balizas.

76. Superada a questão constitucional, no tocante à legalidade da medida o art. , inciso XXIV, da Lei 11.182/2005, confere competência à Anac para ‘conceder ou autorizar a exploração da infraestrutura aeroportuária, no todo ou em parte’. Além disso, o art. 3º da citada lei dispõe:

Art. 3o A Anac, no exercício de suas competências, deverá observar e implementar as orientações, diretrizes e políticas estabelecidas pelo governo federal , especialmente no que se refere a: (Redação dada pela Lei nº 12.462, de 2011)

(...)

II – o estabelecimento do modelo de concessão de infra-estrutura aeroportuária , a ser submetido ao Presidente da República;

77. Já o Decreto 7.624/2011, que regulamenta a exploração privada da infraestrutura aeroportuária, expressamente dispõe, no artigo 15, inciso I, que o Poder Concedente poderá estabelecer restrições quanto à obtenção e à exploração da concessão, destacando-se a imposição de regras destinadas a preservar a concorrência entre aeródromos.

78. Nessa toada, observa o doutrinador Bueno Filho que no direito brasileiro há dois tipos de regulação econômica:

Um amplo, que compreende o acompanhamento e direcionamento das fusões e aquisições e a repressão a cartéis. Outro tipo, mais estrito, destina-se a garantir a competitividade em mercados determinados . Portanto, para desenvolver as atividades que a constituição e as leis lhe atribuem, além dos tradicionais atos vinculados e discricionários, as autarquias reguladoras (...) devem disciplinar a atuação dos agentes econômicos por meio de normas gerais abstratas. E o fazem desdobrando o que está na lei ou nos regulamentos expedidos pelo Presidente da República . (BUENO FILHO, Edgar Silveira. Agências reguladoras e concorrências e o controle jurisdicional dos atos. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, n. 12, p. 73)

79. Em assim sendo, é descabido falar que a Agência extrapolou de suas competências, posto que a interpretação razoável do ordenamento jurídico permite inferir a aderência dos atos concretos em relação à sua base legal. Além do mais, no que se refere à competência da Anac para regular questões afetas à concorrência, o art. 29, inciso XI, da Lei 8.987/1995 também prevê expressamente a incumbência do Poder Concedente em incentivar a competitividade quando da prestação de serviços públicos concedidos à iniciativa privada.

80. Nesse contexto, todas as atribuições atacadas encontram-se consignadas em lei ou decreto regulamentar, pelo que não se vislumbra ilegalidade. Portanto, não há de se cogitar da inconstitucionalidade ou ilegalidade da restrição.

II.10 Do parecer econômicos quanto à restrição concorrencial (peça 5, p. 37-74) e da contribuição à Audiência Pública 5/2013 da Anac (peça 5, p. 75-104)

81. O parecer econômico do Prof. Dr. Paulo Furquim de Azevedo, em apertada síntese, propugna pela ausência de concorrência potencial entre os aeroportos de Galeão e Guarulhos, concluindo não haver benefícios associados à restrição imposta pela Anac. Aduz-se ainda que haveria um estoque limitado de participantes em se adotando tal restrição, o que causaria, por sua vez, uma transferência de renda da sociedade, titular do valor a ser arrecadado pela licitação, para o consórcio vencedor, que receberia o direito ao bem leiloado por um menor lance.

82. Já a contribuição da empresa Pezco Microanalysis à Audiência Pública - Anac 5/2013 defende, no que interessa, que a concorrência no mercado teria sido mal avaliada pela Anac, em todas as suas formas: (i) entre transporte pontoaponto; (ii) entre hubs; e (iii) por outros serviços.

83. Embora louváveis os estudos realizados, dotados de grande profundidade técnica, de início verifica-se que os pareceres foram elaborados no mês de junho/2013, e, portanto, antes de apresentados os novos estudos constantes das peças XXXXX-124 do TC XXXXX/2013-0.

84. Os novos estudos haviam sido requisitados por meio do Acórdão 2.466/2013-TCU-Plenário porque o TCU também não havia se convencido da consistência técnica dos estudos anteriores, conforme se depreende do Voto Condutor do Acórdão 2.666/2013-TCU-Plenário:

52. No que concerne a essa restrição, não havia no processo, quando da edição do acórdão 2.466/2013 – Plenário, os fundamentos técnicos e legais para sua previsão .

53. No voto, a ministra Ana Arraes indicou que deveria ser adequadamente sopesada, de forma a aquilatar seus aspectos positivos (garantir a competitividade da atividade outorgada) e negativos (limitar a participação no certame) e a preservar o interesse público envolvido.

54. Nesta oportunidade, foi fornecida a fundamentação para sua estipulação (peças 119 e 121 a 124).

85. A primeira observação a se fazer, portanto, é que as análises dos pareceres, a priori, não contemplam essa nova fundamentação. Em segundo lugar, o cerne dos pareceres sugere ter sido feita uma avaliação equivocada pela Anac das sobre a possibilidade de competição entre os cinco aeroportos em questão (Galeão, Confins, Guarulhos, Brasília e Viracopos). Entretanto, a jurisprudência do TCU é pródiga em reconhecer um maior grau de autonomia decisória às agências reguladoras, não permitindo, via de regra, alterar o entendimento do regulador em sua expertise:

16. Reitero, neste sentido, o entendimento segundo o qual tenho me pautado, quando o tema recai sobre a fiscalização do TCU relativamente ao acompanhamento de outorgas ou execução contratual de serviços públicos concedidos, pelas agências reguladoras.

17. Sem embargo de reconhecer que as orientações advindas das análises técnicas efetivadas pelo Tribunal contribuem para as agências reguladoras pautarem-se dentro dos princípios constitucionais da legalidade e da eficiência, enfatizo que o controle do TCU é de segunda ordem, na medida que o limite a ele imposto esbarra na esfera de discricionariedade conferida ao ente regulador .

18. A partir desta premissa, verificada qualquer violação de disposição legal expressa, em ato vinculado, poderá o Tribunal determinar ao agente regulador que adote medidas tendentes ao saneamento do ato tido por irregular. Já, no caso de ato discricionário, praticado de forma motivada e em prol do interesse público, cabe a esta Corte, tão-somente, recomendar a adoção das providências que reputar adequadas .

19. Não se suprime, contudo, a competência do TCU para determinar medidas corretivas a ato praticado na esfera de discricionariedade das agências reguladoras, desde que este sido 'praticado por autoridade incompetente, se não tiver sido observada a forma devida, se o motivo determinante e declarado de sua prática não existir ou, ainda, se estiver configurado desvio de finalidade' , conforme asseverei no Voto Revisor que apresentei no TC - XXXXX/2003-2. Em tal hipótese, poderá o Tribunal até mesmo determinar a anulação do ato, se grave for a irregularidade perpetrada. (Voto do Relator Min. Benjamin Zymler no Acórdão 602/2008-TCU-Plenário)

86. Ao examinar a coerência dos estudos da Anac e SAC/PR, não cabe ao Tribunal pronunciar-se sobre qual seria o ‘melhor’ estudo, entre vários possíveis, mas, em última instância, verificar se deles pode advir a necessária coerência entre a fundamentação exposta e o resultado obtido com a manifestação de vontade da Administração Pública. Nesse sentido, destaca o Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. ATO ADMINISTRATIVO. VINCULAÇÃO AOS MOTIVOS DETERMINANTES . INCONGRUÊNCIA . ANÁLISE PELO JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. DANO MORAL. SÚMULA 7/STJ.

1. Os atos discricionários da Administração Pública estão sujeitos ao controle pelo Judiciário quanto à legalidade formal e substancial, cabendo observar que os motivos embasadores dos atos administrativos vinculam a Administração, conferindo-lhes legitimidade e validade.

2. ‘Consoante a teoria dos motivos determinantes, o administrador vincula-se aos motivos elencados para a prática do ato administrativo. Nesse contexto, há vício de legalidade não apenas quando inexistentes ou inverídicos os motivos suscitados pela administração, mas também quando verificada a falta de congruência entre as razões explicitadas no ato e o resultado nele contido’ ( MS XXXXX/DF, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 26.10.2011, DJe 14.11.2011).

3. No caso em apreço, se o ato administrativo de avaliação de desempenho confeccionado apresenta incongruência entre parâmetros e critérios estabelecidos e seus motivos determinantes, a atuação jurisdicional acaba por não invadir a seara do mérito administrativo, porquanto limita-se a extirpar ato eivado de ilegalidade.

4. A ilegalidade ou inconstitucionalidade dos atos administrativos podem e devem ser apreciados pelo Poder Judiciário, de modo a evitar que a discricionariedade transfigure-se em arbitrariedade, conduta ilegítima e suscetível de controle de legalidade.

5. ‘Assim como ao Judiciário compete fulminar todo o comportamento ilegítimo da Administração que apareça como frontal violação da ordem jurídica, compete-lhe, igualmente, fulminar qualquer comportamento administrativo que, a pretexto de exercer apreciação ou decisão discricionária, ultrapassar as fronteiras dela, isto é, desbordar dos limites de liberdade que lhe assistiam, violando, por tal modo, os ditames normativos que assinalam os confins da liberdade discricionária.’ (Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros, 15ª Edição)

(...)

(STJ, AgRg no REsp XXXXX/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 10/04/2012, DJe 19/04/2012.)

87. Ora, a independência das agências está baseada na autonomia decisória, em relação a outros órgãos ou entidades da Administração Pública, ao menos sob o aspecto técnico. Nesse sentido não caberia sequer revisão do assunto em outra esfera federal, como bem pontua a AGU:

EMENTA: PORTO DE SALVADOR. THC2. DECISÃO DA ANTAQ. AGÊNCIA REGULADORA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DE RECURSO HIERÁRQUICO IMPRÓPRIO PELO MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES. SUPERVISÃO MINISTERIAL. INSTRUMENTOS. REVISÃO ADMINISTRATIVA. LIMITAÇÕES.

I - O Presidente da República, por motivo relevante de interêsse público, poderá avocar e decidir qualquer assunto na esfera da Administração Federal- (DL nº 200/67, art. 170).

II - Estão sujeitas à revisão ministerial, de ofício ou por provocação dos interessados, inclusive pela apresentação de recurso hierárquico impróprio, as decisões das agências reguladoras referentes às suas atividades administrativas ou que ultrapassem os limites de suas competências materiais definidas em lei ou regulamento, ou, ainda, violem as políticas públicas definidas para o setor regulado pela Administração direta. III - Excepcionalmente, por ausente o instrumento da revisão administrativa ministerial, não pode ser provido recurso hierárquico impróprio dirigido aos Ministérios supervisores contra as decisões das agências reguladoras adotadas finalisticamente no estrito âmbito de suas competências regulatórias previstas em lei e que estejam adequadas às políticas públicas definidas para o setor . IV - No caso em análise, a decisão adotada pela ANTAQ deve ser mantida, porque afeta à sua área de competência finalística , sendo incabível, no presente caso, o provimento de recurso hierárquico impróprio para a revisão da decisão da Agência pelo Ministério dos Transportes, restando sem efeito a aprovação ministerial do Parecer CONJUR/MT nº 244/2005.

(...)

(Parecer AGU nº AC-51, de 05 de junho de 2006)

88. Ante o exposto, e considerando que não há elementos de convicção nos pareceres que confirmem haver uma avaliação desarrazoada ou patente incoerência por parte do regulador nos estudos apresentados quanto à limitação ora atacada; e considerando ainda que tais estudos já foram objeto de conhecimento da Agência, conclui-se não serem procedentes as alegações referentes à inadequação técnica da restrição.

CONCLUSÃO

89. O expediente inicial (peça 1) deve ser conhecido excepcionalmente como representação, com base nos princípios do formalismo moderado e da verdade material, e por preencher os requisitos previstos nos arts. 235 e 237 do Regimento Interno/TCU c/c o art. 113, § 1º, da Lei 8.666/1993 (itens XXXXX-7).

90. No que tange ao requerimento de medida cautelar, inaudita altera pars, entende-se que este não deve ser acolhido, por não estarem presentes nos autos os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora.

91. Diante dos fatos apurados, não assiste razão ao representante na imputação de quebra dos princípios da livre concorrência e da competitividade no certame, de acordo com a interpretação dos arts. 170, caput e inciso IV, 173, § 4º, e 174, caput, todos da Constituição Federal. O art. 15 do Decreto 7.624/2011, amparado pela Lei 11.182/2011, permite o estabelecimento de regras que assegurem condições de concorrência efetivas na concorrência entre aeródromos, sem que isso ocasione ofensa ao art. , § 1º, inciso I, da Lei 8.666/1993. No mais, a possibilidade de ampliação da disputa entre os interessados somente se dá na medida em que não reste comprometido o interesse da Administração e a finalidade da contratação, entre outros aspectos (itens XXXXX-37).

92. Inexiste subjetivismo ou arbitrariedade do Poder Concedente que implique infração ao princípio da isonomia e possibilite direcionamento da licitação em apreço, tendo em vista a existência de estudos que demonstraram de maneira consistente a decisão do regulador (itens XXXXX-40).

93. Não se configura afronta ao princípio da proporcionalidade, dadas as justificativas contidas na Nota Técnica 19/2013/GERE/SRE /ANAC (itens XXXXX-46) e também não houve definição arbitrária do limite percentual, uma vez que o limite escolhido tem o condão de vedar a participação no Conselho de Administração da futura concessionária, e não copiar modelos concessórios de outros países (itens 47‑48).

94. Da mesma forma, não se observou comportamento contraditório da Administração no estabelecimento da restrição, ante a ausência da regra na rodada anterior, uma vez que não existe direito adquirido dos possíveis licitantes no tocante à definição de regras de participação em edital. Por consequência, não há que se falar em ofensa à boa-fé dos atuais concessionários (itens XXXXX-53).

95. É ainda incabível ao TCU substituir-se ao regulador no exercício de suas competências, a despeito de determinada alternativa regulatória ser ‘melhor’ ou ‘pior’, conforme precedentes desta Corte (itens XXXXX-58), sendo a Anac também plenamente competente para definir regras de proteção à livre concorrência, sem que isso implique usurpação de competência do Cade (itens XXXXX-67).

96. O parecer jurídico pela inconstitucionalidade da restrição também não se mostrou coerente em sua argumentação, sendo razoável a interpretação de que a restrição imposta aos concessionários atuais é constitucional e possui base legal (itens XXXXX-80). De maneira semelhante, nos pareceres econômicos não há também elementos de convicção que confirmem haver uma avaliação desarrazoada por parte do regulador nos estudos apresentados quanto à limitação ora atacada (itens XXXXX-88).

97. Por fim, analisando o conjunto dos elementos apresentados pelo representante, mostrou-se possível o estudo aprofundado da matéria para efetuar diretamente a análise de mérito do caso, concluindo-se pela improcedência da presente representação, razão pela qual se proporá o seu arquivamento.

BENEFÍCIOS DAS AÇÕES DE CONTROLE EXTERNO

98. Entre os benefícios do exame desta representação pode-se mencionar o aumento da expectativa de controle (item 42.6 das Orientações para benefícios do controle constantes do anexo da Portaria - Segecex 10, de 30/3/2012).

PROPOSTA DE ENCAMINHAMENTO

99. Ante todo o exposto, submetem-se os autos à consideração superior, propondo:

a) conhecer o expediente como representação, satisfeitos os requisitos de admissibilidade previstos nos arts. 235 e 237, inciso III, do Regimento Interno deste Tribunal c/c o art. 113, § 1º, da Lei 8.666/1993;

b) indeferir o requerimento de medida cautelar, inaudita altera pars, formulado pela Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, tendo em vista a inexistência dos pressupostos necessários para adoção da referida medida;

c) considerar improcedente a representação formulada pela referida Comissão;

d) comunicar à Agencia Nacional de Aviacao Civil ( Anac), à Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República (SAC/PR) e à Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados a decisão que vier a ser adotada nestes autos;

e) arquivar os presentes autos, nos termos do art. 237, parágrafo único, c/c o art. 250, inciso I, do Regimento Interno/TCU.”

É o relatório.

VOTO

Preliminarmente, registro que atuo neste processo, relativo a ofício subscrito pelo presidente da Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados – CVT/CD e autuado como solicitação do Congresso Nacional, por estar substituindo a Ministra Ana Arraes.

Por meio do referido ofício, foi encaminhado a este Tribunal, para as providências cabíveis, cópia do requerimento 244/2013, de autoria do presidente daquela comissão e por ela aprovado na reunião ordinária realizada em 9/10/2013, no qual foi solicitada a suspensão cautelar da eficácia dos subitens 3.18, 3.19 e 3.20 do edital 1/2013, da Agencia Nacional de Aviacao CivilAnac, referente à concessão para ampliação, manutenção e exploração dos aeroportos internacionais do Rio de Janeiro – Antonio Carlos Jobim/Galeão e Tancredo Neves/Confins.

Embora o requerimento aprovado seja proveniente de comissão autorizada a solicitar fiscalização ou informação ao Tribunal, seu objeto (tutela cautelar para a suspensão da eficácia de disposições de edital) não se enquadra nas classificações previstas no art. 3º da Resolução TCU 215/2008, que trata das solicitações do Congresso Nacional.

Assim, o requerimento aprovado pela CVT/CD deve ser conhecido como representação, por preencher os requisitos de admissibilidade para tanto (art. 237, inciso III e parágrafo único, c/c o art. 235, do RI/TCU).

II

Após a análise do processo, inclusive dos elementos adicionais enviados pelo presidente da CVT/CD (peça 5), a SefidTransporte propôs: conhecer do requerimento como representação; indeferir o pedido de medida cautelar formulado; considerar improcedente a representação; comunicar aos interessados a deliberação a ser adotada; e arquivar os autos.

Considerando os documentos constantes do TC XXXXX/2013-0 (acórdão 2.666/2013-TCU-Plenário) e as análises efetuadas naquele e neste processo, reputo que estão presentes os elementos necessários para pronunciamento imediato sobre o mérito da representação, uma vez que uma decisão deste Tribunal pela improcedência da representação nenhum efeito teria no cronograma de realização do leilão e, de outro lado, eventual decisão pela procedência, com determinação para exclusão das cláusulas questionadas, inviabilizaria a realização do leilão na data prevista, 22 de novembro, tendo em vista que haveria de ser fixado novo prazo, compatível com o tempo necessário para formação de novos consórcios. Portanto, visto que se decidirá de imediato o mérito da representação, resta prejudicada a análise do pedido de suspensão cautelar da eficácia dos dispositivos questionados.

III

A representação argui a ilegalidade das seguintes disposições do referido edital 1/2013:

“3.18. Os acionistas dos Acionistas Privados das concessionárias de serviço público de infraestrutura aeroportuária federal definidas pelo Leilão nº 2/2011, suas Controladoras, Controladas e Coligadas não poderão participar deste Leilão isoladamente, bem como as Controladas e Coligadas das Controladoras e das Controladas dos referidos acionistas.

3.19. É admitida a participação dos acionistas dos Acionistas Privados das concessionárias de serviço público de infraestrutura aeroportuária federal definidas pelo Leilão nº 2/2011, suas Controladoras, Controladas e Coligadas, bem como as Controladas e Coligadas das Controladoras e das Controladas dos referidos acionistas como membro de Consórcio, observadas as disposições da presente cláusula.

3.19.1. Um ou mais dos referidos acionistas não poderão ter participação igual ou superior a 15% (quinze por cento) do Consórcio, considerada a soma de suas participações.

3.19.2. Para fins do disposto no item 3.19.1 acima, serão consideradas cumulativamente, a participação no Consórcio de quaisquer das pessoas jurídicas mencionadas no item 3.19.

3.20. Em qualquer hipótese, a participação das entidades indicadas no item 3.18 estará sujeita à vedação à previsão, por qualquer forma, inclusive acordo de acionistas, de participação na administração do Acionista Privado e da Concessionária, ficando impossibilitada de eleger membros do Conselho de Administração ou da Diretoria.”

O pedido de suspensão cautelar da eficácia das referidas cláusulas está baseado, em síntese, nos seguintes fundamentos, extraídos de excertos da representação.

Qualquer tipo de restrição à participação desse conjunto de empresas é desarrazoada, ilegal e inconstitucional e a restrição não guarda fundamento em qualquer norma legal. Eventuais restrições, quando inevitáveis, devem estar atreladas à capacidade técnica ou econômico-financeira, ou seja, relacionadas à capacidade de o licitante efetivamente adimplir o contrato.

A Administração estabeleceu, de forma subjetiva, arbitrária e discriminatória, condição que limita demasiadamente a participação de agentes potencialmente interessados nos leilões, sem que se demonstre cabalmente as razões para tanto.

A restrição imposta à participação dos acionistas dos Acionistas Privados ocasionaria uma redução drástica no número de possíveis interessados no processo licitatório, o que impactaria negativamente no resultado dos leilões. Essa restrição pode indicar, até mesmo, possível direcionamento da licitação, em se tratando de mercado que conta com um número extremamente reduzido de potenciais investidores, pois as concessões aeroportuárias apresentam condições que podem ser atendidas por um número bastante restrito de agentes, sendo certo que qualquer tipo de restrição ou discriminação relacionada a alguns desses particulares implica, de forma inevitável, no favorecimento de outros interessados.

Ainda quanto ao possível direcionamento, a norma restritiva operaria em favor de um reduzido número de agentes dispostos a atuar no mercado, mas que ainda não participam de qualquer concessão. Em outras palavras, privilegia-se de forma discriminatória e desarrazoada boa parte dos particulares que foram derrotados na primeira rodada de concessões, em desfavor dos vencedores daqueles leilões, ou seja, das empresas que apresentaram as propostas mais vantajosas ao Poder Público naquela ocasião.

Essa limitação operaria justamente com respeito a potenciais concorrentes que já detêm contratos de concessão aeroportuária e que, portanto, certamente teriam condições não apenas de executar o contrato de forma satisfatória, mas também de apresentar propostas de preço vantajosas para a Administração.

A limitação de participação de acionistas de outros concessionários de aeroportos brasileiros vulnera a noção de eficiência em todas as suas vertentes, pois a eliminação da economia de escala proporcionada pela eventual concessão de aeroporto a grupo ou consórcio que já conte com acionista com outorga em outro aeródromo contraria os ditames da eficiência produtiva, não permitindo um aumento de rendimento do sistema com uma redução de custos decorrentes de tal processo de concentração.

O mercado de concessões foi criado muito recentemente em âmbito nacional e exige do investidor privado um aporte financeiro considerável e uma expertise pouco usual, de modo que o rol de players potencialmente interessados já é bastante reduzido e qualquer tipo de desincentivo à participação de agentes privados configura verdadeiro risco ao sucesso da concessão, atentando contra o propósito primeiro da licitação.

Ainda que justificável, não se poderia concluir que a limitação imposta representa a forma adequada de se proteger os interesses tutelados, pois se trata de medida desarrazoada, que viola frontalmente o princípio da proporcionalidade.

A norma limitadora não é apta a cuidar apropriadamente dos problemas decorrentes de eventuais participações cruzadas, uma vez que possíveis questões relacionadas à insuficiência de investimentos, preço de tarifas, qualidade dos serviços prestados e alocação de slots já são objeto da atuação regulatória e estão plenamente sujeitas ao controle da Anac. Não há que se falar em impedimento de participação de agentes econômicos como método capaz de realizar tais objetivos.

A limitação atinge indiscriminadamente todas as concessionárias, sem preocupação de se demonstrar quais seriam os prejuízos concorrenciais dessas participações cruzadas. E não foram sequer apresentadas demonstrações econômicas ajustadas à realidade do mercado brasileiro no sentido de que a ocorrência de participações cruzadas efetivamente iriam afetar a concorrência do setor, de modo que a inviabilização da participação das concessionárias e de seus acionistas fosse justificável.

A restrição aos concessionários vencedores da primeira rodada é contraditória com o próprio modelo de concessão implementado no País, o qual impõe participação da lnfraero em 49% (quarenta e nove por cento) em cada aeroporto. A própria Infraero inevitavelmente será detentora de relevante participação cruzada em todos os aeroportos, não havendo que ser realizada discriminação, a afetar apenas os particulares que apresentaram as melhores condições ao Poder Público em oportunidades anteriores.

A restrição em grau absolutamente desproporcional aos princípios da livre concorrência, da isonomia e da livre iniciativa não se coaduna com o valor pretensamente protegido, que configura um risco não demonstrado e muito mais abstrato do que o próximo e concreto prejuízo decorrente da não participação de potenciais interessados no certame. Não se vislumbra qualquer tipo de justificativa técnica plausível para que se limite a participação no percentual proposto (15%).

Por ocasião da primeira rodada de concessões, referente aos aeroportos de Brasília, Campinas e Guarulhos, não foi estabelecido qualquer tipo de restrição com relação a eventuais participações cruzadas.

As participantes da rodada anterior formularam indagações acerca da possibilidade de restrições – o que indica uma evidente preocupação com condições limitadoras a futuros certames –, e, ante o posicionamento taxativo da Administração, elaboraram suas propostas sem levar em conta possíveis mudanças de entendimento do Poder Público. Agindo de absoluta boa-fé, esperava-se que eventual modificação do padrão ali estabelecido deveria vir acompanhada de bem arrazoadas considerações de ordem jurídica e econômica.

Não há nada na experiência britânica que justifique impedir que operadores de outros aeroportos brasileiros, com exceção daqueles situados na mesma área de captação, participem das novas licitações. Da lição britânica também se extrai que a dimensão de concorrência entre hubs não deve pautar a restrição para operação de múltiplos aeroportos, por ser esta uma dimensão que exige coordenação pelo Poder Público, o que está previsto no edital por meio da participação minoritária da lnfraero, em percentual relevante de 49% (quarenta e nove por cento). Só faria sentido qualquer tipo de limitação voltada às concessionárias que eventualmente operassem os aeroportos de Pampulha e Santos Dumont.

A norma restritiva é amplamente desproporcional com o mero propósito de benchmarking, até mesmo porque a Anac já conta com diferentes concessionárias em aeroportos brasileiros para proceder com as devidas comparações.

Deve-se ter por certo que nenhum dos efeitos apontados (insuficiência de investimentos, o aumento no preço das tarifas, a piora na qualidade dos serviços e o favorecimento indevido na alocação de slots aeroportuários) decorreriam da mera existência de participações cruzadas. Note-se, neste sentido, que se trata de um mercado regulado pela Anac, que, inclusive, fiscaliza o programa de investimentos aplicável e a qualidade dos serviços de cada um dos aeroportos, que são definidos pelo respectivo contrato de concessão.

Não há correlação possível, portanto, entre participações cruzadas em aeroportos e eventual redução na qualidade dos serviços, aspecto ostensivamente regulado pela Anac. Todos os possíveis impactos dessas condições seriam facilmente contornados mediante a utilização de alternativas regulatórias ou concorrenciais.

O mercado aeroportuário brasileiro contorna-se como um ambiente fortemente regulado, com um papel de relevância ímpar da Anac. Neste sentido, o poder concedente dispõe de todas as ferramentas aptas a enfrentar eventuais problemas de regulação ocasionados pela participação de um mesmo grupo em mais de um aeroporto.

A Infraero, como representante do Estado com participação relevante em todos os aeroportos, poderia evitar qualquer tipo de medida anticompetitiva decorrente de participações cruzadas de agentes privados.

Podem ser aventados mecanismos regulatórios mais eficazes e razoáveis para se combater eventuais conflitos de interesse advindos de participações cruzadas, sem que se atinja de maneira frontal a competitividade do certame.

A solução mais adequada, de modo a conferir tratamento não apenas proporcional, mas também isonômico, seria a abertura do certame a todos os interessados que atendam às exigências de qualificação técnica, sendo a concorrência plena entre aeroportos amparada por mecanismos de controle regulatório, a cargo da Anac, e concorrencial, a cargo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, para que se lide de forma pontual com os possíveis conflitos de interesse ou restrições à concorrência que possam advir de participações cruzadas.

Estão à disposição do Administrador formas muito menos gravosas de se lidar com eventuais problemas oriundos de participações cruzadas do que a radical medida de alijar as empresas que já são concessionárias em aeroportos brasileiros das próximas rodadas de concessões. Um arranjo regulatório eficiente é suficiente para resguardar o mercado de quaisquer problemas, sendo possível, inclusive, aventar-se o estabelecimento de alternativas societárias, a serem contempladas no próprio acordo de acionistas.

Caso empresas que detenham participações cruzadas se utilizem de sua posição privilegiada no mercado para abusar de seu poder econômico, com efeitos deletérios à concorrência, tal hipótese será devidamente investigada e, punida pelos órgãos do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Por isso, cumpre ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) lidar com essas situações, posto que tais hipóteses não decorrem naturalmente das participações cruzadas, mas seriam eminentemente desvios ilegais, a serem punidos nos termos da Lei 12.529/2011.

IV

O assunto relativo às restrições à participação das atuais concessionárias da área aeroportuária não é novo no âmbito do Tribunal.

Por ocasião da prolação do acórdão 2.466/2013- TCU-Plenário, relatado pela Ministra Ana Arraes e referente ao 1º estágio do processo de outorga dos aeroportos do Galeão e de Confins, este Tribunal demonstrou preocupação com o tema e determinou, como condicionante para publicação do edital, a inclusão, no processo de concessão, de pareceres que apresentassem os fundamentos legais e técnicos para vedação/restrição à participação de acionistas dos acionistas privados das atuais concessionárias aeroportuárias no leilão, além do embasamento relativo à exigência de experiência prévia no processamento de passageiros.

Posteriormente, ao apreciar as justificativas apresentadas, esta Corte editou o acórdão 2.666/2013-TCU-Plenário, relatado pelo Ministro-Substituto Augusto Sherman Cavalcanti, no qual se deliberou por:

“9.1. considerar que os fundamentos legais e técnicos incluídos no processo de concessão sob apreciação, em face da determinação contida no item 9.2.1 do acórdão 2.466/2013 – Plenário, relativamente à restrição à participação dos atuais concessionários de serviços públicos de infraestrutura aeroportuária no leilão de concessão dos aeroportos de Galeão/RJ e Confins/MG, são consistentes, embasam e justificam, técnica e juridicamente, a decisão do poder concedente em proceder à referida exigência;”

Neste processo, o exame da SefidTransporte concluiu, no essencial, que:

a) não há ofensa aos princípios da livre concorrência e da competitividade do certame, de acordo com a interpretação dos arts. 170, caput e inciso IV, 173, § 4º, e 174, caput, da Constituição de 1988, notadamente porque: (i) o art. 15, inciso I, do Decreto 7.624/2011, amparado pela Lei 11.182/2011, permite o estabelecimento de regras que assegurem condições de concorrência efetivas entre aeródromos, sem que isso ocasione ofensa ao art. , § 1º, inciso I, da Lei 8.666/1993; e (ii) a possibilidade de ampliação da disputa entre os interessados somente deve se dar se não restar comprometido o interesse da Administração e a finalidade da contratação, entre outros aspectos relevantes;

b) não existe subjetivismo ou arbitrariedade do poder concedente que tenha ocasionado infração ao princípio da isonomia e possibilitado direcionamento da licitação, tendo em vista os estudos que fundamentaram, de modo consistente, a decisão adotada;

c) também não está configurada afronta ao princípio da proporcionalidade, em face das justificativas contidas na nota técnica 19/2013/GERE/SRE /ANAC e do fato de o limite percentual estabelecido ter sido escolhido com o objetivo de vedar a participação dos sócios das atuais concessionárias no conselho de administração das futuras sociedades, além de não ter derivado de simples cópia de modelos concessórios de outros países;

d) não se observa comportamento contraditório da Administração no estabelecimento da restrição, ante a ausência da regra na rodada anterior, uma vez que não existe direito adquirido dos possíveis licitantes quanto às regras de participação em edital, e, por consequência, não há que se falar em ofensa à boa-fé das atuais concessionárias;

e) não cabe a este Tribunal substituir o regulador no exercício de suas competências relacionadas à definição de eventuais alternativas regulatórias à restrição; e

f) a Anac é plenamente competente para estabelecer regras de proteção à livre concorrência, sem que isso implique usurpação de competência do Cade.

V

A partir do exame dos elementos disponíveis sobre o assunto, manifesto, desde já, concordância com o parecer da unidade técnica e adoto seus fundamentos como razões de decidir, sem prejuízo das considerações a seguir.

O tema suscita visões divergentes (contraponham-se os fundamentos da SAC /Anac aos argumentos da representação), fundamentadas em interpretações jurídicas distintas e plausíveis, em diferentes concepções regulatórias das concessões aeroportuárias e avaliações sobre as possibilidades de competição entre aeroportos.

Discussões dessa natureza se apresentaram já na apreciação do 1º estágio do processo de concessão (acórdão 2.466/2013-TCU-Plenário), quando, ante a existência de vedação total à participação no leilão das pessoas jurídicas acionistas das atuais concessionárias de serviço público de infraestrutura aeroportuária (subitem 3.15.5 da minuta de edital então apresentada), ressaltou-se a necessidade de melhor avaliar aspectos positivos e negativos de tal restrição, dada a pertinência de, ao mesmo tempo: (i) incentivar a competitividade da atividade outorgada e evitar a formação de estruturas de mercado imperfeitas e as desvantagens a elas inerentes (art. 29, inciso XI, da Lei 8.987/1995); e (ii) garantir a competitividade do certame e a obtenção da melhor proposta para a Administração.

Naquela oportunidade, lembrou-se que o ideal na situação seria haver estudo de impacto regulatório que: (i) comprovasse eventual ocorrência de concentração de mercado, caso os aeroportos de Confins e do Galeão fossem arrematados por acionistas das atuais concessionárias; e (ii) demonstrasse a inviabilidade de garantir a prestação de serviço adequado por meio do exercício do controle regulatório pelo poder concedente e do estabelecimento de outras exigências referentes às condições de liderança da empresa responsável pela sociedade de propósito específico (art. 18, inciso XIII, da Lei 8.987/1995).

Em atendimento às determinações do acórdão 2.466/2013-TCU-Plenário, foram apresentadas notas técnicas sobre o ponto. Resumo do seu teor pode ser extraído da instrução transcrita no relatório que precedeu a referida deliberação (itens 12 a 62) e do memorial elaborado pela SAC/PR e pela Anac (peça 119 daquele processo). Para não delongar mais que o necessário a abordagem do assunto, indico, a seguir, as principais conclusões daquelas notas:

a) nota técnica XXXXX/DERC/SPR/SAC-PR (peça 121): (i) há possibilidade de competição entre os aeroportos do Galeão e de Confins e os da rodada anterior (Guarulhos, Brasília e Viracopos), na maioria dos casos em relação a “tráfego de cargas” e “de conexão”; (ii) a experiência internacional corrobora a ideia de que é necessária a preservação da concorrência entre aeroportos localizados a grandes distâncias; (iii) é importante haver concessionárias independentes, sem propriedade comum, também para que o regulador identifique melhores práticas e soluções (benchmarking ) e aprimore a qualidade das decisões regulatórias; em consequência, recomendou-se a manutenção da vedação de participação cruzada ou, no caso de sua flexibilização, limitar a propriedade cruzada a uma participação minoritária, com garantias contratuais efetivas para que o detentor de um dos aeroportos não integre o conselho de administração da concessionária de outro e detenha poder de influência nas decisões relevantes;

b) nota técnica 51/2013/ASJUR/SAC-PR/AGU (peça 122): as restrições à participação cruzada são legais, com destaque para a conclusão da SAC/PR de que “eventual participação cruzada com direito de indicação para conselho de administração ou em grupo para eleição de conselheiro seria determinante e especialmente nociva para o ambiente concorrencial, o que exigiria, para a adequada prevenção e cautela, restrições adicionais e suficientes para evitar práticas anticoncorrenciais”;

c) nota técnica 19/2013/GERE/SRE /ANAC (peça 123): (i) o fato de estarem em ambiente regulado não representa empecilho para existência de ambiente competitivo entre as concessionárias; (ii) há complementariedade entre permitir uma estrutura de mercado menos concentrada (com mais operadores no mercado brasileiro) e praticar esquemas regulatórios menos interventivos (regulação por ameaça e monitoramento de preços); e (iii) “a limitação à propriedade cruzada nas concessões federais de aeroportos é uma legítima opção do Governo Federal em função de preocupações concorrenciais (concorrência no mercado) e está alinhada com diversos objetivos regulatórios (concorrência por preços, qualidade e inovação, além de instrumento de regulação - por benchmarking);” e

d) nota técnica 111/2013/DEAEX/CGU/AGU (peça 124): após demonstração de preocupação quanto a eventuais sinalizações contraditórias entre as primeiras concessões e as atuais no que concerne à restrição e quanto à consequente possibilidade de judicialização do processo e indicação de que, dentro do plano normativo e jurídico brasileiro, pode-se optar pela vedação total ou pela restrição à participação sem que haja violação ao ordenamento constitucional, sugeriu-se que, caso este Tribunal considerasse inadequadas as justificativas apresentadas, fossem utilizados no edital os parâmetros que viessem a ser sinalizados por esta Corte de Contas.

Desses documentos, destaco, em especial, a análise constante da nota XXXXX/DERC/SPR/SAC-PR, que:

a) considerou a situação do setor de aviação civil brasileiro quanto à evolução da oferta e da demanda de transporte aéreo, bem como das tarifas aéreas, e levantou características quanto ao movimento de passageiros, inclusive em conexão, de aeronaves e de cargas e quanto à distância entre aeroportos, para concluir que os do Galeão e de Confins competem entre si e com os aeroportos da rodada anterior (Guarulhos, Brasília e Viracopos) em diversas das frentes avaliadas, principalmente nas referentes a “conexões” e “cargas” (domésticas e internacionais);

b) apresentou argumentos a respeito da importância do benchmarking para a atividade regulatória e dos benefícios associados à geração de informações a partir de operadores independentes; e

c) tratou da experiência internacional na concessão de aeroportos (casos do Reino Unido, do México e da Austrália), para exemplificar a necessidade de limitar a participação de um mesmo concessionário em diferentes aeroportos, como forma de assegurar a competitividade do sistema aeroportuário.

Vale dizer que, ao avaliar o caso do Reino Unido, o relator do acórdão 2.666/2013-TCU-Plenário destacou que:

“A propriedade comum de aeroportos tende a limitar investimentos em infraestrutura, diminuir a qualidade dos serviços e não incentivar a redução de custos de operação. É tudo que não desejamos para o serviço de infraestrutura aeroportuária no Brasil. Com as devidas precauções, não podemos deixar de considerar a experiência alheia e, assim, evitar cometer erros semelhantes.”

Diante do conjunto de argumentos constante nas notas técnicas, o Tribunal concluiu, naquela deliberação, pela existência de diversas razões que legitimam a decisão do poder concedente de vedar/limitar a participação de acionistas das atuais concessionárias de serviço público de infraestrutura aeroportuária no certame, com o objetivo tanto de melhorar a qualidade das decisões regulatórias, mediante utilização de benchmarking, quanto de estimular a concorrência no mercado e colocar à disposição da sociedade todos os benefícios a ela inerentes (melhores resultados em termos de preço e qualidade dos serviços). Em sentido contrário, evitar-se-iam os prejuízos relativos às práticas anticoncorrenciais (limitação de investimentos, não implementação de inovações tecnológicas e operacionais, diminuição da qualidade do serviço, não redução das tarifas aeroportuárias etc.).

Efetivamente, como destacado naquela deliberação, “os modelos internacionais apresentados mostraram a prevalência de restrições mesmo para aeroportos mais distantes, indicando a efetiva possibilidade de competição no caso concreto – que envolve distâncias menores, em média – se as concessões forem assumidas por grupos diferentes.” O potencial de competição, na maioria dos aeroportos envolvidos nas concessões, restou evidente quando se avaliou os nichos “tráfego de cargas” e “de conexão”.

Também não passou despercebida naquele julgado a aplicação dos dispositivos constitucionais atinentes à matéria, como se segue:

“75. Em consequência, poderia ser ventilada, na forma do parecer da Advocacia-Geral da União – AGU (peça 124), a existência de um aparente conflito quando se busca evitar a concentração de mercado e o abuso do poder econômico, dando-se efetividade ao princípio da livre concorrência (art. 170, inciso IV, da Constituição de 1988; art. 29, inciso XI, da Lei 8.987/1995; e art. 15, inciso I, do Decreto 7.624/2011), e, ao mesmo tempo, restringe-se sua aplicação, a livre iniciativa e a competitividade do certame com a vedação tratada. A solução, consoante as lições de doutrinadores do Direito Constitucional (a exemplo de Paulo Bonavides e Luís Roberto Barroso), está na esfera da ponderação de valores.

76. Apesar das dificuldades envolvidas em decisões dessa natureza, as circunstâncias indicadas no caso concreto permitem inferir ser adequada, razoável, aconselhável e proporcional a vedação de participação no certame imposta a poucos grupos interessados em prol da existência de concorrência na operação dos aeroportos concedidos.

77. Essa conclusão é respaldada não só nos benefícios já mencionados (item 67, alínea ‘b’, retro) como também (...) nos possíveis efeitos deletérios a serem evitados com práticas anticoncorrenciais (...).”

Sobre o ponto, a SefidTransporte também destacou que o próprio Texto Constitucional consagra que a lei pode criar restrições ao princípio da livre concorrência em caso de abuso de poder econômico voltado à dominação de mercados (art. 173, § 4º, da Constituição Federal).

A unidade técnica argumentou que o Decreto 7.624/2011 (que dispõe sobre condições de exploração, pela iniciativa privada, da infraestrutura aeroportuária por meio de concessão) indica, expressamente, a existência do poder de impor regras limitadoras da concorrência quando explicita o alcance das atribuições da Anac previstas nos incisos XXI (regular e fiscalizar a infraestrutura aeronáutica e aeroportuária) e XXIV (conceder ou autorizar a exploração da infraestrutura aeroportuária) do art. 8º da Lei 11.182/2011 (que criou a entidade), nos seguintes termos:

“Art. 15. A fim de assegurar as condições de concorrência, o poder concedente poderá estabelecer as seguintes restrições quanto à obtenção e à exploração da concessão, dentre outras, observadas as atribuições do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência:

I - regras destinadas a preservar a concorrência entre aeródromos;

(...)” (destaquei)

Essas disposições se amoldam perfeitamente aos artigos , inciso IV, da Lei 9.491/1997 (que dispõe sobre o Programa Nacional de DesestatizacaoPND) e 29, incisos X e XI, da Lei 8.987/1995 (que trata do regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos):

- Lei 9.491/1997:

“Art. O Programa Nacional de DesestatizacaoPND tem como objetivos fundamentais:

(...)

IV - contribuir para a reestruturação econômica do setor privado, especialmente para a modernização da infra-estrutura e do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia, inclusive através da concessão de crédito;” (destaquei)

- Lei 8.987/1995

“Art. 29. Incumbe ao poder concedente:

(...)

X - estimular o aumento da qualidade, produtividade, preservação do meio-ambiente e conservação;

XI - incentivar a competitividade;” (destaquei)

Destarte, conforme a doutrina e a jurisprudência colacionadas pela SefidTransporte, o ordenamento jurídico brasileiro permite que limitações à regra da ampla participação em licitações públicas sejam impostas, com efeito sobre o princípio da competitividade do certame, quando razões técnicas evidenciarem a necessidade de atender o interesse público.

Nesse aspecto, ressalto que as licitações relativas à concessão de serviços públicos não são reguladas exatamente pelas mesmas normas e princípios pertinentes às licitações destinadas à aquisição de bens, execução de obras. Nestas, a possibilidade de estabelecer condições restritivas à participação é balizada pelo art. 37, XXI, da Constituição Federal e pelos dispositivos correlatos da Lei 8.666/1993 (mas não somente). Naquelas, a esses balizamentos se reúnem outros, como os definidos na legislação anteriormente mencionada (artigos 174 e 175 da Constituição, Lei 8.987/1995, Lei 9.491/1997, Lei 11.182/2005, Decreto 7.624/2011).

No que diz respeito às eventuais vantagens da participação das concessionárias atuais, decorrentes, entre outros fatores, da experiência acumulada e da possível maior eficiência, a avaliação desse juízo, como também indicou a unidade técnica, é da alçada do poder concedente, que, neste caso, optou por privilegiar os ganhos decorrentes da concorrência futura na operação dos aeroportos em detrimento desses possíveis benefícios.

O eventual prejuízo decorrente da perda dessas vantagens, aparentemente, pode ser mitigado, em parte, por outras exigências fixadas no certame: experiência prévia no processamento de passageiros e limitação à participação societária do operador aeroportuário (25% do consórcio licitante).

A primeira teve por finalidade garantir qualidade na operação de infraestruturas complexas, “com elevadas necessidades de investimentos e de fundamental importância para as economias locais e nacionais”, e foi materializada pela fixação de limites com potencial de atrair operadoras de maior porte, que detenham expertise na administração dessas infraestruturas, assim como, obviamente, capacidade para viabilizar os investimentos requeridos.

A segunda exigência buscou “garantir um maior comprometimento da atuação da empresa responsável pela operação do aeroporto concedido com os resultados econômico-financeiros da concessionária” e “um maior alinhamento entre as atividades gerenciais e operacionais do aeroporto e seus resultados”. Consoante o voto condutor do acórdão 2.666/2013-TCU-Plenário, as justificativas para essa exigência são aceitáveis, considerando que a decisão adotada integra o exercício do poder discricionário do concedente e que o requisito, aparentemente, não tem potencial de restringir a competitividade do certame.

Isso se aplica ao caso em tela, em que se optou por não vedar integralmente a participação das atuais concessionárias, mas por se impor limites à composição societária.

O ponto referente aos limites fixados para essa participação, caso se deliberasse por permiti-la, de igual forma, foi abordado no voto que precedeu o acórdão 2.666/2013-TCU-Plenário. Além de referenciar, no item 67, alínea j, as conclusões dos pareceres técnicos de que, se permitida, a participação deveria ser inferior a 15% da futura concessionária, com o acréscimo de vedação expressa à representação no conselho de administração da sociedade, aduziu-se o seguinte (grifos nossos):

“80. (...) observo que, na rodada que envolveu a concessão de Guarulhos, Brasília e Viracopos, já houve vedação para impedir que um mesmo consórcio vencesse mais de uma concessão. Nesse sentido, a imposição de vedação na etapa atual não inova e, de fato, é coerente com a rodada anterior.

(...)

82. Desse modo, e tendo em vista, em especial, que: i) como houve restrição na etapa anterior quanto à possibilidade de operador assumir a concessão de mais de um aeroporto, a vedação analisada não constitui propriamente inovação; ii) essa vedação está amparada em estudos que a justificam e a têm como benéfica em termos de prestação de serviço adequado ao usuário; e iii) há indícios, materializados, por exemplo, no caso do processo de desestatização do Reino Unido, de que a ausência de vedação pode vir a ser prejudicial e comprometer a competitividade do sistema aeroportuário, entendo que o Tribunal deve considerar que tais estudos demonstram, tecnicamente, que a vedação é adequada e pertinente, consoante proposta de encaminhamento do item 138, alínea ‘c’, da instrução.

83. Anoto que, na hipótese de o poder concedente optar por, em vez de vedar, limitar a participação dos atuais concessionários, é de todo aconselhável que essa participação, nos termos dos pareceres, seja inferior a 15%, de forma a mitigar a influência na administração do negócio e evitar práticas anticoncorrenciais. Para tanto, é importante que se implementem as restrições adicionais ventiladas nos pareceres, notadamente no constante da peça 122.”

Como se vê, o percentual estipulado visou restringir a participação no conselho de administração da futura concessionária, a fim de evitar influência em suas decisões estratégicas.

Acrescento que mesmo o limite de 15% não impede essa participação, porque, como demonstrado nos estudos técnicos, os acionistas que não alcancem esse percentual podem agregar suas participações para elegerem, em conjunto, um membro e seu suplente para o conselho de administração (art. 141, § 5º, da Lei 6.404/1976, incluído pela Lei 10.303/2001). Não por outra razão, o subitem 3.20 da minuta do edital vedou, em qualquer hipótese, a participação no conselho de administração ou na diretoria, inclusive mediante acordo de acionistas.

Assim, as justificativas formuladas pelo poder concedente neste ponto não são desarrazoadas e não refletem uma “apressada importação do modelo australiano”, além de o limite estabelecido não ter sido arbitrário.

Ante esse contexto, é possível ver que o assunto foi tratado com a profundidade necessária por este Tribunal e, com base na análise efetuada por este Colegiado no acórdão 2.666/2013-TCU- Plenário e pela unidade técnica neste processo, não vejo como concluir pela existência de violação aos princípios do interesse público, da livre concorrência, da competitividade do certame, da isonomia e da proporcionalidade, muito menos que a restrição fixada seja “subjetiva, arbitrária e discriminatória” e tenha potencial de direcionar o certame aos licitantes vencidos nas rodadas anteriores, ainda mais quando se tem em conta que não foram apresentados quaisquer elementos indicativos de que os únicos interessados na concessão dos aeroportos de Confins e Galeão seriam os mencionados “licitantes vencidos nas rodadas anteriores”.

Os trechos do voto transcritos no item 57 também indicam que não existiu comportamento contraditório da Administração em relação à rodada anterior de concessões de aeroportos (Guarulhos, Viracopos e Brasília). No caso, cabe levar em conta que se tratava da segunda iniciativa nesse sentido (antes, só houve a concessão do aeroporto de São Gonçalo do Amarante).

O representante alegou, ainda, que a Anac, ao ser indagada sobre a participação dos vencedores do leilão 2/2011 em futuras concessões, teria respondido que “não havia qualquer restrição a empresas ou consórcios que se sagrassem vencedores de participar efetivamente de outras licitações similares para a malha aeroportuária”. Sobre isso, destaco que, de acordo com a transcrição da resposta contida no requerimento que originou este processo (peça 1, p. 27/8), a Anac informou não haver vedação naquele edital para essa participação, porque eventuais futuras licitações seriam regidas pelos seus próprios instrumentos convocatórios, que estabeleceriam as devidas restrições.

Quanto à possível obrigatoriedade de respeitar a “boa-fé” dos concessionários, reporto-me à conclusão da SefidTransporte de que “não há possibilidade de renúncia de direitos ou interesses públicos (no caso, o de a Anac abrir mão da restrição aos atuais concessionários) para privilegiar a ‘boa-fé’ dos potenciais interessados em detrimento do interesse da coletividade, porquanto qualquer cláusula nesse sentido seria a priori contrária ao interesse da sociedade”.

Está implícita na arguição de desrespeito à “boa-fé” a presunção de que os atuais concessionários não teriam disputado essas concessões se soubessem que, vencendo-as, não poderiam disputar Confins e Galeão. Na verdade, nesse ponto estamos no campo da mera especulação, que direito algum assegura: o que teriam decidido os atuais concessionários se a restrição fosse dada a conhecer com a certeza que desejavam? (1) Teriam desistido de disputar os aeroportos de Brasília, Viracopos e Guarulhos? Ou (2) teriam, ainda assim, preferido disputar essas concessões, optando por vencê-las e ficar impedidas de disputar as que ora estão em leilão, em vez de correr o risco de não as disputar e não se sagrarem vencedoras nos futuros leilões? Nada há que indique que seria a primeira opção.

Em acréscimo, não há que se falar em rompimento do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos anteriores em decorrência da eventual majoração do custo de oportunidade dos negócios anteriormente firmados pela restrição ora em exame, haja vista que, desde o princípio, a licitante não poderia ter certeza de que poderia participar de futuros certames, muito menos de que se sagraria vencedora¸ embora fosse bastante plausível assumir, com base nas regras do leilão anterior que essa vedação poderia vir a ser estabelecida, conforme se registrou no voto do acórdão 2.666/2013:

“80. (...) observo que, na rodada que envolveu a concessão de Guarulhos, Brasília e Viracopos, já houve vedação para impedir que um mesmo consórcio vencesse mais de uma concessão. Nesse sentido, a imposição de vedação na etapa atual não inova e, de fato, é coerente com a rodada anterior.

A respeito das alternativas regulatórias à restrição tratada (como o controle de tarifas, da qualidade dos serviços prestados e da alocação de slots, por exemplo), o tema foi abordado nos documentos técnicos apresentados pela Anac, notadamente naquele que integra a peça 123 do TC XXXXX/2013-0, onde se indicou, na forma referenciada no voto do acórdão 2.666/2013-TCU-Plenário, que:

a) as tarifas aeroportuárias submetidas aos tetos fixados pelo poder público corresponderam, em 2012, a aproximadamente apenas 2,33% dos custos das empresas aéreas, e há, portanto, atividades não reguladas (arrendamento de áreas aeroportuárias, entre outras) que possibilitam ao gestor aeroportuário exercer poder de mercado, sendo a concorrência meio hábil para mitigar o abuso do poder;

b) o modelo de regulação por preço teto (price cap), presente no Brasil, não elimina a existência de competição entre aeroportos, pois seria concebível um cenário em que os aeroportos praticassem preços inferiores àqueles determinados como máximos pelo regulador; e

c) na execução dos contratos de concessão, foi estabelecida a regulação “por ameaça e monitoramento de preços”, instrumento que permite a regulação de preços a posteriori e para o qual é importante o uso de benchmarking, que possibilita ao regulador utilizar comparações e implementar incentivos para estimular a eficiência das concessionárias.

A propósito, destaco aspecto relevante, indicado pela SefidTransporte, que tem norteado a ação deste Tribunal na fiscalização de concessões: a competência exclusiva do poder concedente na definição das melhores alternativas regulatórias. Não cabe a este Tribunal de controle externo substituir as agências reguladoras no exercício das suas atribuições. Consoante reiterada jurisprudência sobre o assunto, a fiscalização desta Corte, no caso, deve ser de segunda ordem e preservar, ao máximo, o âmbito de competência dessas instituições, sem prejuízo da formulação de recomendações, a partir do exame de atos discricionários legais em que se verifiquem oportunidades de melhorias, ou mesmo de determinações, se não forem observados os requisitos/pressupostos/elementos de validade do ato (acórdãos 2.023/2004, 602/2008, 1.201/2009, 2.927/2011 e 2.241/2013 do Plenário).

É certo, como apontado no requerimento 244/2013, que o eventual surgimento de problemas relativos às práticas anticoncorrenciais pode não derivar exclusivamente de participações cruzadas na administração dos aeroportos, bem como que a Anac pode se valer mecanismos para exigir a manutenção da qualidade dos serviços e a realização dos investimentos previstos (peça 1, p. 31/2).

Todavia, isso não implica desvincular a participação cruzada de problemas dessa natureza, pois são até favorecidos nas estruturas de mercado imperfeitas. Portanto, para evitar os malefícios referidos, são salutares as medidas adotadas pelo poder concedente, no âmbito de seu espaço discricionário e desde que devidamente fundamentadas, como no caso em análise.

No requerimento 244/2013, ainda se alegou que: (i) a restrição aos concessionários vencedores da rodada anterior seria contraditória com o próprio modelo de concessão, que impõe participação da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – Infraero em 49% da futura concessionária (permissão de participação cruzada ao ente público, mas não ao particular); e (ii) a entidade, como representante do Estado, poderia atuar para evitar qualquer tipo de medida anticompetitiva decorrente de participações cruzadas de agentes privados.

A respeito desse assunto, foi consignado no voto do acórdão 2.666/2013-TCU-Plenário o seguinte:

“78. Também poderia ser alegado que a participação da Infraero nas sociedades constituídas para exploração dos aeroportos mitigaria, em certa medida, o alcance dos propósitos do estabelecimento da restrição em análise. Porém, não obstante este Tribunal reiteradamente critique essa participação e recomende o reexame da sua necessidade ou a adoção de mecanismos que contribuam para sua diminuição gradativa, na situação específica, essa participação não traz prejuízos para a fundamentação apresentada, uma vez que, para a Infraero (da mesma forma como ocorria anteriormente, quando detinha praticamente o monopólio da exploração dos aeroportos), a competição entre os aeroportos é indiferente, justamente por estar presente em todas as sociedades.”

Justamente por ser indiferente para a Infraero a concorrência entre concessionários, não vejo como inferir que a entidade possa atuar de modo suficiente para evitar as práticas anticompetitivas.

Ademais, vale aqui o mesmo raciocínio de que, em atos inseridos na esfera discricionária do poder concedente, como a definição dessa participação, resta apenas ao Tribunal recomendar a adoção das medidas que entende ser apropriadas, como já foi feito em diversas oportunidades, inclusive no presente caso (subitem 9.6.2 do acórdão 2.466/2013-TCU-Plenário).

Quanto ao trato das questões concorrenciais, a unidade técnica também mostrou apropriadamente, com fundamento na jurisprudência deste Tribunal, na doutrina e na nota 51/2013/ASJUR/SAC-PR/AGU, que a atuação do Cade não exclui a competência da agência reguladora para prevenir e reprimir eventuais infrações praticadas contra a ordem econômica, a exemplo do que decidiu esta Corte no caso das agências nacionais de regulação dos transportes terrestre e aquaviário (acórdão 2.023/2004 -TCU-Plenário).

Olhando a questão por outro ângulo, percebo que a restrição à propriedade cruzada mais do que tender a controlar o poder de mercado, em atuação preventiva e repressiva de eventuais infrações contra a ordem econômica, visa essa restrição regulatória fomentar o desenvolvimento do mercado, estimulando a inovação, a realização de investimentos além dos mínimos contratualmente requeridos, a redução de tarifas (em valores inferiores aos máximos permitidos), a oferta de melhores serviços aos usuários (em nível de qualidade superior aos mínimos exigidos), objetivos esses compatíveis com as finalidades precípuas das concessões de serviços públicos, com os poderes de regulação da atividade econômica do Estado e com o objetivo de ampliar a concorrência na operação das concessões.

Por fim, relativamente aos estudos e às contribuições à audiência pública 5/2013 da Anac encaminhados ao Tribunal pelo eminente deputado federal Rodrigo Maia (peça 5), destaco, entre outras conclusões já expostas anteriormente, os seguintes apontamentos da instrução:

a) a restrição imposta fundamenta-se no ordenamento jurídico (arts. 174 da Constituição de 1988; 29, inciso XI, da Lei 8.987/1995; 3º e 8º, inciso XXIV, da Lei 11.182/2005; e 15, inciso I, do Decreto 7.624/2011) e na doutrina;

b) essa restrição não importa ofensa ao art. 219 da Constituição de 1988 (“o mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal”), mormente em face da interpretação sistemática da nossa Carta Magna (arts. 173, § 4º, e 74, caput);

c) compete ao Tribunal verificar se o estudo apresentado pelo poder concedente possui “a necessária coerência entre a fundamentação exposta e o resultado obtido com a manifestação de vontade da Administração Pública”, e não avaliar estudos alternativos;

d) no caso em tela, não há elementos que indiquem ter ocorrido avaliação desarrazoada ou incoerente, por parte do regulador, quanto à restrição.

De qualquer sorte, cabe considerar que esses estudos e contribuições foram apresentados ao poder concedente na audiência pública realizada em junho de 2013. Além de terem sido avaliados pelos entes competentes, chamam a atenção os seguintes fatos: (i) foram elaborados quando se previa a vedação total da participação das atuais concessionárias; e (ii) não levaram em conta os novos estudos constantes das peças 121/124 do TC XXXXX/2013-0, que, como abordado, foram tidos como satisfatórios por este Tribunal.

VI

Acrescento à argumentação anteriormente exposta alguns adendos tópicos para consolidar as análises que empreendi.

Sobre a restrição em exame, o próprio parecer jurídico anexado à representação a entende justificável, nos seguintes termos (página 26 do parecer constante da peça 5):

“A mera preocupação com a concorrência, sem estudos sólidos, preparados especificamente para o mercado brasileiro, como a alegada existência de uma suposta “nota técnica”, não justifica a exclusão dos concessionários de serviços de infraestrutura aeroportuária do direito de participarem das concorrências públicas de novas concessões. Esta proibição de concessionários de serviços de infraestrutura aeroportuária seria justificável apenas se efetivamente os aeroportos que estão sendo concedidos fossem concorrentes diretos. No entanto, os dados econômicos não demonstram essa relação de concorrência indiscriminada dos aeroportos de Confins e do Galeão com os demais aeroportos concedidos no país”. (não grifado no original)

As notas técnicas acostadas aos autos demonstram fundamentadamente haver, em pelo menos uma das vertentes de mercado analisadas, potencial concorrência direta entre os aeroportos de Brasília, Viracopos e Guarulhos e os de Confins e Galeão. Portanto, na linha do que expressado no parecer, e seguida por esta Corte anteriormente, a restrição estaria justificada.

No mesmo parecer, p. 32, escreve-se:

“As concessões públicas, especialmente no campo da infraestrutura, são, na atualidade, um dos principais incentivadores do desenvolvimento do mercado interno, com forte atração de investimentos nacionais e estrangeiros. Ora, na medida em que o Edital de concessão dos Aeroportos do Galeão e Confins proíbe a participação de acionistas de atuas concessionárias de aeroportos no país opera-se um verdadeiro desincentivo ao mercado interno”. (não grifado no original)

Aceita a premissa de que “as concessões públicas, especialmente no campo da infraestrutura, são, na atualidade, um dos principais incentivadores do desenvolvimento do mercado interno”, a proibição de propriedade cruzada, potencialmente indutora da competição entre aeroportos, operaria no sentido do incentivo ao mercado interno, e não do desincentivo, sendo integralmente compatível com o artigo 219 da Constituição:

“O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal”.

No parecer econômico (peça 5, p. 2) também se opinou ser correta a restrição à propriedade cruzada, em certas condições:

“Este parecer atende ao propósito de avaliar as consequências concorrenciais da restrição constante no edital de operações em múltiplos aeroportos por uma ou mais empresas. Conclui-se que a medida é apropriada apenas para os casos de aeroportos que operem em uma mesma área de captação de passageiros, normalmente definida por uma região metropolitana estendida, em que é possível identificar efetiva concorrência entre aeroportos. Tal conclusão assenta-se na prolífica literatura empírica sobre o assunto, bem como na paradigmática experiência britânica de intervenção na estrutura de propriedade dos aeroportos”. (não grifado no original)

Ou seja, o entendimento implícito no parecer é o de que, havendo efetiva concorrência entre aeroportos, justifica-se a restrição de “operações em múltiplos aeroportos por uma ou mais empresas”.

A nota técnica da Secretaria de Aviação Civil (peça 121) sustentou, com base em literatura técnica, que os aeroportos concorrem em uma mesma área de captação de passageiros (mercado local compartilhado) e também por tráfego de cargas e de conexões (além da competição por destino e por contratos):

"57. Vários trabalhos recentes buscaram identificar potenciais nichos nos quais a competição entre aeroportos pode ser significante (ACI, 1999; Forsyth et al., 2010; Starkie, 2002; Tretheway e Kincaid, 2005). Com base nesses trabalhos, podem-se identificar os seguintes nichos de competição aeroportuária:

i) Competição para servir um mercado local compartilhado;

ii) Competição por tráfego de conexão;

iii) Competição por tráfego de carga;

iv) Competição por destino;

v) Competição por serviços não aeronáuticos (lojas, praças de alimentação, etc.); e

vi) Competição com outros modais de transporte.

58. Discutiremos mais detalhadamente as quatro primeiras formas de competição entre aeroportos, uma vez que as duas últimas não dizem respeito à competição entre aeroportos, mas à competição de aeroportos com outros modais de transporte ou outros serviços/lojas/alimentação (ex. shopping centers). Discutiremos, ainda, outra forma de competição entre aeroportos identificada por Starkie (2010): a competição por contratos."

O estudo empírico conduzido pela Anac evidencia haver potencial competição entre os aeroportos em diversos nichos, resumidamente:

Galeão com Confins: tráfego de cargas e de conexões para algumas rotas;

Confins com Guarulhos, Viracopos e Brasília: tráfego de cargas e de conexões;

Galeão com Viracopos: tráfego de cargas e de conexões;

Galeão com Guarulhos: tráfego internacional de passageiros e tráfego de conexões e cargas;

Confins com Brasília e Viracopos: tráfego de conexões;

Confins e Galeão com Guarulhos, Viracopos e Brasília: competição por destino e competição por contratos (hubs logísticos, entre outras possibilidades).

Mostrou-se que esses resultados são compatíveis com os reportados em estudos divulgados na literatura internacional.

Dessa forma, evidenciado o potencial de competição entre os aeroportos para além da vertente da captação de passageiros em uma região metropolitana estendida, justificar-se-ia a restrição de propriedade cruzada, na linha do parecer econômico.

Promover a competição entre os aeroportos é um propósito relevante da agência reguladora sob dois aspectos: prestação de serviços e eficiência da regulação (benchmarking).

O parecer econômico anexado à representação esclarece bem esses pontos, em concordância com a posição da SAC:

A regulação de monopólios naturais, em particular, dificilmente prescinde de alguma forma de regulação de preços, a qual deve lidar com a tensão entre prover os adequados incentivos para que as empresas reguladas busquem constantemente a redução de seus custos e, ao mesmo tempo, tenham incentivo para ofertar serviços em quantidade e qualidade compatíveis com as condições tecnológicas e de demanda.

A solução de regulação direta de preços e de qualidade encontra limites na incapacidade de a agência de regulação monitorar precisamente o comportamento das empresas reguladas (i.e. há informação assimétrica entre a agência e as empresas reguladas). As agências também não raro têm constrangimentos de recursos e expertise que as impedem de exercer o controle direto de preços e demais estratégias empresariais de modo pleno e efetivo, seja por restrições de ordem política, seja pela incerteza tecnológica. Por conta desses limites regulatórios, quando possível pelas condições tecnológicas e de mercado, pode-se utilizar a concorrência entre empresas reguladas como um instrumento disciplinador de suas estratégias de preço e de qualidade.

Essas condições não são, obviamente, fáceis de serem observadas em mercados regulados, visto que o próprio pressuposto e fundamento da regulação é a ausência de um mercado eficiente, suficiente por si só para coordenar as ações de ofertantes e demandantes em níveis de eficiência e equidade. Há casos, contudo, em que a concorrência pode atuar de modo complementar à regulação, contribuindo com incentivos adicionais à modicidade de preços e melhoria da qualidade. (...)

Este mecanismo - de utilizar a concorrência como apoio à regulação – parece ter inspirado a restrição constante nos editais de licitação dos aeroportos de Confins e do Galeão. Se houver concorrência entre aeroportos concedidos à operação privada, mantidas constantes todas as demais variáveis, há um possível ganho de qualidade regulatória se for assegurado que os aeroportos estejam sob o controle de grupos econômicos distintos e, desta forma, tenham interesse em disputar clientes, por meio de tarifas mais baixas e serviços mais atraentes. A restrição à participação de concessionárias de outros aeroportos nas próximas licitações, portanto, é pertinente somente se aeroportos competirem entre si.

A literatura econômica é pródiga em estudos empíricos sobre a possível concorrência entre aeroportos. (...). Em síntese, é plausível que, em algumas circunstâncias, aeroportos concorram entre si, havendo potencial ganho de se alocar as concessões de operação privada para grupos econômicos distintos. A fim de se avaliar a pertinência dessa espécie de restrição, deve-se responder, portanto, qual é o grau de concorrência entre os diferentes aeroportos. (não grifado no original)

Sobre o benchmarking, viabilizado por um ambiente de múltiplos operadores, a SAC enfatizou que tal instrumento de regulação “não é importante somente sob o ponto de vista da atividade regulatória, mas tem potencial de gerar externalidades positivas em todo o sistema aeroportuário”, podendo diferentes atores se beneficiarem desse processo:

“A gestão de aeroportos exige a comparação, em termos de eficiência, com outros negócios semelhantes de forma a melhorar suas operações e, consequentemente, a posição do aeroporto em um ambiente competitivo;

A gestão de empresas aéreas está interessada na identificação de aeroportos eficientes para suas atividades operacionais;

Municípios exigem aeroportos eficientes para atração de negócios e turismo à sua região;

Formuladores de políticas necessitam do benchmarking entre aeroportos de forma a criar programas de melhoramentos do setor e para a tomada de decisões ótimas sobre a alocação de recursos”.

Em outros termos, a ampliação do número de operadores aeroportuários, além dos benefícios derivados da ampliação da concorrência em si mesma, visa também viabilizar a regulação mais eficiente do setor e promover externalidades como as anteriormente descritas, cuja importância não pode ser desprezada.

VII

Em síntese, na linha proposta pela instrução, concluo que é improcedente a alegação de serem ilegais as cláusulas estabelecidas nos subitens 3.18 a 3.20 do edital 1/2013, da Anac.

Contudo, devo registrar que há uma questão, afeta à discricionariedade no desenho das condições de participação, suscitada na representação e nos pareceres que a acompanham, que merece a atenção do poder concedente: o impacto da restrição sobre o universo de potenciais interessados e o possível risco de fracasso ou de realização de um certame não competitivo.

A representação sustenta que o mercado de concessões aeroportuárias conta com um número extremamente reduzido de potenciais investidores, pois apresenta condições que podem ser atendidas por um número bastante restrito de agentes, e que a restrição imposta à participação dos acionistas dos Acionistas Privados ocasionaria uma redução drástica no número de possíveis interessados no processo licitatório, o que impactaria negativamente no resultado dos leilões.

O parecer econômico que acompanha a representação também levanta essa questão:

"Há, portanto, um perfil típico dos consórcios vencedores das licitações anteriores. Todos eles reúnem expertises complementares e, até o momento, ausentes em uma única empresa: a experiência e conhecimento acumulado em operação aeroportuária e a capacidade de realização de obras de infraestrutura, o que requer conhecimento de construção civil e de engenharia financeira necessária a projetos desse porte. Portanto, o número potencial de participantes nos certames licitatórios é certamente pequeno, dado pelo número limitado de operadores aeroportuários qualificados para a concessão e dispostos a investir no Brasil, pela existência de grupos domésticos capacitados para investimento em obras civis de infraestrutura e pela afinidade negocial entre operador privado e empresa de construção civil.

A restrição concorrencial constante no edital de licitação, ao impedir que empresas que já tenham participação nas concessionárias de outros aeroportos brasileiros participem das próximas licitações, retira ao menos quatro pares de operadores aeroportuários e construtoras da concorrência pela concessão dos aeroportos de Confins ou do Galeão, três pares listados na Tabela 1 e o consórcio vencedor do segundo aeroporto no edital corrente." (grifos nossos)

Segundo o parecer, os três pares de operadores retirados da competição seriam:

“Invepar-ACSA, composto pela ACSA-Airport Company South Africa (operador portuário sul-africano) e pela Invepar Investimenros e Participações em Infraestrutura S.A. (empresa especializada em infraestrutura, parte do Grupo Invepar, que tem como acionista o Grupo OAS – infraestrutura e construção civil pesada”;

“Consórcio Aeroportos Brasil Viracopos, composto pela Egis Airport Operation (operadora aeroportuária francesa), pela Triunfo Participações e Investimenros S.A. –TPI (empresa especializada em investimentos em infraestrutura) e pela UTC Participações S.A. (empresa parte do Grupo UTC, que atua na construção civil pesada, dentre outros setores)”;

“Consórcio Inframérica Brasil, composto por Corporación América (operador aeroportuário argentino) e por Infravix Empreendimentos S.A. (empresa especializada em obras de infraestrutura e obras de grande porte do Grupo Engevix do Brasil)”.

No entanto, nem a representação nem o parecer apresentam dados sobre o potencial universo de licitantes na ausência de restrições, bem assim sobre o universo resultante da proibição imposta nas mencionadas cláusulas. Limitam-se a suscitar o problema, não havendo evidenciação efetiva da extensão em que a restrição da competitividade poderia ocorrer.

De outro lado, os estudos oriundos do Poder Executivo não se manifestaram expressamente sobre o risco de a licitação ser malsucedida em razão das restrições impostas aos atuais concessionários (até porque isso não lhe foi solicitado). Presume-se que tal risco foi avaliado pelos órgãos competentes, não se cogitando a hipótese de o poder concedente não ter procedido à avaliação prévia da possibilidade de não haver interessados na concessão de um ou ambos os aeroportos em razão da mencionada proibição, o que corresponderia a uma condução temerária do processo de concessão.

VIII

Por fim, é importante dar especial destaque ao fato de que ainda que se possa ter entendimento diverso daquele concretizado pela agência reguladora quanto á proibição em exame, com os objetivos de aumentar a competição na operação das concessões e viabilizar atuação regulatória mais eficiente, não se está diante de um caso em que a opção técnico-regulatória da agência tenha sido feita desarrazoadamente, sem os necessários e suficientes estudos técnicos e jurídicos, hipótese em que se imporiam e se justificariam juridicamente, com amparo nas leis e na Constituição, determinações corretivas e até cautelares. Mas não é essa a situação que emana dos autos. Muito pelo contrário: como decidiu anteriormente o Tribunal ao prolatar o já mencionado acórdão 2.666/2013, os fundamentos legais e técnicos incluídos no processo de concessão sob apreciação, relativamente à participação dos atuais concessionários de serviços públicos de infraestrutura aeroportuária são consistentes, embasam e justificam, técnica e juridicamente, a decisão do poder concedente.

Similarmente, especialistas na matéria podem divergir sobre a existência e a relevância das possibilidades de competição entre os aeroportos (parecer econômico da representação versus notas técnicas da SAC /Anac), pois nem sempre se baseiam nos mesmos dados empíricos e nos mesmos estudos técnico-científicos, assim como não se valem das mesmas hipóteses de evolução do setor. Nessa seara, considerando a autoridade técnico-regulatória de que está investida o poder concedente e as limitações intrínsecas ao alcance do controle externo, não há como este Tribunal arbitrar essa disputa desfavoravelmente à agência reguladora quando as conclusões de suas análises se revelem consistentes com o conjunto de dados, estudos e hipóteses plausíveis de que se valeu e não exista referencial definido que possa ser utilizado para avaliar a qualidade desses estudos sobre competição setorial.

De qualquer modo, as preocupações manifestadas pelo deputado federal Rodrigo Maia, por intermédio da Comissão de Viação e Transporte, concernentes aos efeitos da restrição no resultado da licitação, podem, ainda que não tenham tido o efeito pretendido de obter deste Tribunal deliberação pela suspensão do leilão, pelas razões já expostas, ser consideradas pelos órgãos competentes do Poder Executivo, se assim desejarem, para, em conjunto com uma avaliação do risco de insucesso (baseada em prospecção atualizada do interesse do mercado), reavaliarem a ponderação anteriormente feita sobre os custos e benefícios da restrição em análise, na extensão em que foi estabelecida no edital, decisão essa que lhes compete unicamente, inexistindo qualquer determinação impeditiva dessa possibilidade emanada desta Corte de Contas.

Ante todo o exposto, enalteço a equipe da Secretaria de Fiscalização de Desestatização e Regulação de Transportes pela qualidade do trabalho elaborado e VOTO por que o Colegiado aprove a minuta de acórdão que submeto a sua consideração.

TCU, Sala das Sessões, em 13 de novembro de 2013.

WEDER DE OLIVEIRA

Relator

DECLARAÇÃO DE VOTO

Aprecia-se novamente as restrições impostas pelos itens 3.18, 3.19 e 3.20 do Edital nº 1/2013, da Agencia Nacional de Aviacao Civil ( Anac), referente à Concessão para Ampliação, Manutenção e Exploração dos Aeroportos Internacionais do Galeão (RJ) e Confins (MG). De acordo com o citado edital, os acionistas privados integrantes das concessionárias dos aeroportos de Guarulhos (SP), Viracopos (SP) e Brasília (DF) poderão participar da atual rodada de concessões desde que não tenham participação igual ou superior a 15% no consórcio licitante, considerada a soma de suas participações.

Essa matéria foi objeto de discussão na sessão de 2 de outubro passado, quando este Plenário deliberou sobre o 1º estágio das concessões em apreço. Na oportunidade, efetuei as seguintes considerações sobre o assunto:

“Compulsando o relatório apresentado a este Colegiado, não vislumbro argumentos, fundamentados em estudos técnicos e econômicos, que possam justificar a contento o referido percentual de 15% imposto aos acionistas privados das atuais concessionárias daqueles aeroportos. Não há evidências de que esse limite seja necessário e suficiente para garantir a plena e saudável competição entre aeroportos (situação que se configura benéfica para os usuários), seja por mercado local compartilhado, por tráfego de conexão ou por tráfego de cargas.

Não se pode olvidar que o mercado brasileiro é amplamente regulado, onde a Agencia Nacional de Aviacao Civil ( Anac) desempenha relevante papel no que diz respeito à qualidade dos serviços, às tarifas aeroportuárias e à alocação de slots (faixa horária atribuída a uma determinada empresa aérea para pouso e decolagem de aeronaves) nos aeroportos brasileiros. Ou seja, o poder decisório e discricionário do concessionário é limitado e controlado pela agência reguladora e pautado pela legislação respectiva. Ademais, há que se considerar que, segundo o modelo de concessão atual, a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), como representante do Estado, deterá 49% da participação em cada aeroporto, e representará importante papel no sentido de evitar medidas anticompetitivas porventura adotadas por agentes privados, decorrentes de participações cruzadas (participação do mesmo agente em mais de um aeroporto). Ademais, possíveis conflitos de interesse ou restrições à concorrência derivados da participação cruzada de agentes privados na administração de aeroportos nacionais também podem ser resolvidos pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

Além disso, a meu ver, a atual minuta do edital deixa transparecer um certo controle estatal no setor privado, que se quer ver partícipe do desenvolvimento nacional, mas com a liberdade prevista na Constituição Federal, art. 170, inciso IV, que é a livre concorrência, cabendo ao Estado, como já dito, apenas o papel regulador. Também não se pode surpreender um setor fundamental para o País, limitando as suas ações, pois se as atuais concessionárias soubessem que participando do Leilão nº 2/2011 estariam proibidas ou limitadas nos futuros certames, certamente se resguardariam para aquelas que melhor lhes aprouvessem.

Assim, amparado por mecanismos de controle regulatório e concorrencial, é imperativo que a atual rodada de concessões tenha como pilar o tratamento isonômico entre os licitantes, o que somente será atingido estendendo o certame à participação de todos os interessados que atendam às exigências de qualificação técnica, a exemplo do ocorrido quando das concessões dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília.”

Diante desses argumentos, propus recomendação à Anac para que excluísse da minuta de edital os itens em discussão.

Mantenho a mesma opinião nesta oportunidade. A existência de um número reduzido de potenciais investidores que podem atender às condições do mercado de concessões aeroportuárias, aliada

à aludida restrição criada, em princípio, para evitar a concentração das operações do setor, pode levar ao fracasso do leilão pela ausência de interessados, notadamente em relação ao terminal mineiro, a exemplo do ocorrido quando da concorrência relativa a trecho rodoviário da BR-262. Lembro, também, a concessão do campo petrolífero de Libra, cuja exploração foi garantida a um consórcio formado somente após intensa intervenção governamental.

A atual limitação editalícia se constitui em um inequívoco desestímulo à participação de grupos vencedores em outros aeroportos no leilão em discussão, bem como vai de encontro ao princípio da livre concorrência previsto no art. 170 da Constituição Federal.

A insuficiência de investimentos, o aumento no preço das tarifas, a piora na qualidade dos serviços e o favorecimento indevido na alocação de slots (faixa horária atribuída a uma determinada empresa aérea para pouso e decolagem de aeronaves) nos aeroportos brasileiros, argumentos utilizados em desfavor da participação do mesmo agente em mais de um aeroporto, não decorrem simplesmente da existência da participação cruzada na administração dos aeroportos. Ademais, os possíveis impactos dessas condições podem ser contornados pela Administração mediante a utilização de alternativas regulatórias e/ou concorrenciais previstas na legislação específica, visto ser o mercado aeroportuário brasileiro fortemente regulado.

O relator do processo, a par de considerar que não há nos autos elementos que indiquem ter ocorrido uma avaliação desarrazoada por parte da Administração ao fixar as regras do leilão, consignou em seu voto que os efeitos da restrição imposta pelo edital (itens 3.18 a 3.20) no resultado da licitação podem ser considerados pelo Poder Executivo para subsidiar estudos que, inclusive, levem a uma reavaliação dos termos atualmente estabelecidos no edital, “inexistindo qualquer determinação impeditiva dessa possibilidade emanada desta Corte de Contas”.

Concordo. De fato, não existe, por parte do TCU, qualquer impedimento para que a Administração proceda a uma eventual alteração das restrições impostas pelo Edital nº 1/2013 aos acionistas privados integrantes das concessionárias dos aeroportos de Guarulhos (SP), Viracopos (SP) e Brasília (DF), as quais foram estabelecidas pelo Administrador no uso do poder discricionário a ele conferido.

Dessa forma, entendo que este Tribunal deve conhecer da presente representação para, nos termos do art. 250, inciso III, do Regimento Interno, “informar à Comissão de Viação e Transporte da Câmara dos Deputados - CVT/CD,visando à contribuir para a melhoria da Administração Pública, que inexiste qualquer determinação impeditiva emanada desta Corte de Contas relativamente às restrições de que tratam os itens 3.18 a 3.20 do Edital nº 1/2013 da Agencia Nacional de Aviacao Civil ( Anac), referente à Concessão para Ampliação, Manutenção e Exploração dos Aeroportos Internacionais do Galeão (RJ) e Confins (MG), as quais se inserem na esfera de discricionariedade do Administrador, competindo a este efetuar qualquer alteração que julgar conveniente sobre o assunto.”

É como voto, Senhor Presidente.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 13 de novembro de 2013.

RAIMUNDO CARREIRO

Ministro

TC XXXXX/2013-6

Natureza: Solicitação do Congresso Nacional.

Entidades: Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República – SAC/PR e Agencia Nacional de Aviacao CivilANAC.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Aprecia-se nesta oportunidade Solicitação do Congresso Nacional, decorrente de requerimento de autoria do Presidente da Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, no qual foi pleiteada a suspensão cautelar de subitens do Edital elaborado pela Agencia Nacional de Aviacao CivilANAC, relativo à concessão para ampliação e exploração dos Aeroportos Internacionais do Rio de Janeiro – Antonio Carlos Jobim/Galeão e de Belo Horizonte - Tancredo Neves/Confins.

2. O Ministro Weder de Oliveira propõe o indeferimento da cautelar e o arquivamento da própria representação.

3. Aderiria a tal proposta não por seus fundamentos, mas tão somente pelo periculum in mora invertido. Entendo, contudo, que a solução apresentada pelo Ministro Raimundo Carreiro deixa mais evidente o estado da questão.

4. Este Tribunal de Contas viu-se diante do seguinte paradoxo criado pela solução governamental de limitar a participação de empresas na licitação, cuja motivação seria a de impedir a formação de oligopólios e, supostamente, melhorar a qualidade dos serviços.

5. O paradoxo está em retirar, a priori, a liberdade de participação livre na “concorrência” para salvar a livre concorrência. Tal remédio, se não for muito bem dosado, pode matar o valor que se quer proteger.

6. Reafirmo minhas convicções externadas na Sessão de 02 de outubro deste ano. Para as empresas privadas a livre concorrência, posta como princípio da ordem econômica (inciso IV do art. 170), é similar ao direito fundamental de ir e vir das pessoas naturais. O direito de atuar no mercado configura-se como emanação direta da cidadania. O direito à livre participação no mercado requer o pleno conhecimento das condições do “jogo”. Alterá-las após as primeiras rodadas de concessões não permite arrependimentos de quem não mais poderá participar, como ressaltado pelo Ministro José Múcio na sessão onde este tema veio à discussão.

7. O balanceamento dos princípios em jogo (as ações contra oligopólios e a liberdade de concorrer, corolário direto do próprio fundamento constitucional da ordem econômica - a livre iniciativa) poderia ser alcançado com outras soluções mais consentâneas com o princípio da razoabilidade. Por exemplo, abrir caminho à livre participação nas licitações, inclusive das atuais concessionárias, para, em um segundo momento, verificar a ocorrência de oligopólio, adotando-se, nesse caso, medidas corretivas diante de uma situação concreta e não apenas temida.

8. Ademais, não vejo como a restrição constante do edital garanta, por si mesma, a qualidade do serviço aeroportuário na prestação ao público, não podendo ser utilizada no juízo de ponderação como critério de decisão.

9. Entendo que a virtude da proposta do Ministro Raimundo Carreiro está em demonstrar que as restrições postas nos itens 3.18 a 3.20 do Edital nº 1/2013 não se originam de determinações deste Tribunal, portanto, foram mantidas por opção dos gestores, que possivelmente podem se mostrar inconstitucionais (inciso IV do artigo ; caput do artigo 170, seu inciso IV e seu parágrafo único, da Constituição Federal), merecendo sua revisitação por esta Corte.

Ante tais considerações acompanho a proposta apresentada pelo Ministro Raimundo Carreiro.

Sala das Sessões, em 13 de novembro de 2013.

AROLDO CEDRAZ

Relator

ACÓRDÃO Nº 3026/2013 – TCU – Plenário

1. Processo TC XXXXX/2013-6.

2. Grupo I – Classe II – Solicitação do Congresso Nacional.

3. Interessada: Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados – CVT/CD.

4. Unidades: Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República – SAC/PR e Agencia Nacional de Aviacao CivilAnac.

5. Relator: ministro-substituto Weder de Oliveira.

6. Representante do Ministério Público: não atuou.

7. Unidade Técnica: Secretaria de Fiscalização de Desestatização e Regulação de Transportes – SefidTransporte.

8. Advogado: não há.

9. Acórdão:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de expediente autuado como solicitação do Congresso Nacional, por meio do qual foi encaminhado ao Tribunal, para as providências cabíveis, cópia do requerimento 244/2013, de autoria do presidente da Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, em que se pleiteou a suspensão cautelar dos subitens 3.18 a 3.20 do edital 1/2013, da Agencia Nacional de Aviacao CivilAnac, referente à concessão para ampliação, manutenção e exploração dos Aeroportos Internacionais do Rio de Janeiro – Antonio Carlos Jobim/Galeão e Tancredo Neves/Confins.

ACORDAM os ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo relator e com fundamento nos arts. 235, 237, inciso III e parágrafo único, 250, inciso I, e 276 do Regimento Interno deste Tribunal, em:

9.1. conhecer o expediente como representação;

9.2. indeferir o requerimento de medida cautelar, tendo em vista a inexistência do pressuposto do indício do bom direito;

9.3. considerar improcedente a representação;

9.4. enviar cópia deste acórdão, bem como do relatório e do voto que o fundamentaram, à Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados, à Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República e à Agencia Nacional de Aviacao Civil, informando à mencionada Comissão, visando à contribuir para a melhoria da Administração Pública, que inexiste qualquer determinação impeditiva emanada desta Corte de Contas relativamente às restrições de que tratam os itens 3.18 a 3.20 do Edital nº 1/2013 da Agencia Nacional de Aviacao Civil ( Anac), referente à Concessão para Ampliação, Manutenção e Exploração dos Aeroportos Internacionais do Galeão (RJ) e Confins (MG), as quais se inserem na esfera de discricionariedade do Administrador, competindo a este efetuar qualquer alteração que julgar conveniente sobre o assunto; e

9.5. arquivar os autos.

10. Ata nº 45/2013 – Plenário.

11. Data da Sessão: 13/11/2013 – Ordinária.

12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-3026-45/13-P.

13. Especificação do quorum:

13.1. Ministros presentes: Augusto Nardes (Presidente), Valmir Campelo, Walton Alencar Rodrigues, Benjamin Zymler, Aroldo Cedraz, Raimundo Carreiro, José Jorge e José Múcio Monteiro.

13.2. Ministro-Substituto convocado: Weder de Oliveira (Relator).

13.3. Ministros-Substitutos presentes: Marcos Bemquerer Costa e André Luís de Carvalho.

(Assinado Eletronicamente)

JOÃO AUGUSTO RIBEIRO NARDES

(Assinado Eletronicamente)

WEDER DE OLIVEIRA

Presidente

Relator

Fui presente:

(Assinado Eletronicamente)

PAULO SOARES BUGARIN

Procurador-Geral

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