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23 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça de Santa Catarina
há 11 meses

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Quinta Câmara de Direito Público

Julgamento

Relator

Hélio do Valle Pereira
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Inteiro Teor











Agravo de Instrumento Nº XXXXX-43.2023.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA


AGRAVANTE: LUIZ MARCOS BORA JUNIOR E OUTROS AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA INTERESSADO: REGINA RAMOS ANTUNES INTERESSADO: FUNDACAO DE SAÚDE DE LAURO MULLER INTERESSADO: MUNICÍPIO DE LAURO MULLER/SC


RELATÓRIO


Saionara Corrêa de Carvalho Bora apresentou agravo de instrumento em relação à decisão proferida pela Comarca de Lauro Müller - em ação de improbidade administrativa que lhe move o Ministério Público -, a qual contou com estes fundamentos:
2. Sabe-se que a Lei n. 14.230/2021 alterou significativamente a Lei de Improbidade Administrativa, tanto em seu aspecto material, quanto processual.
Dentre essas mudanças, estabeleceu que, "após a réplica do Ministério Público, o juiz proferirá decisão na qual indicará com precisão a tipificação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu, sendo-lhe vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor".
Por fim, no § 10-D, também do art. 17 da Lei de improbidade, consignou que, "para cada ato de improbidade administrativa, deverá necessariamente ser indicado apenas um tipo dentre aqueles previstos nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei" (grifo nosso).
Analisando a exordial, o item f, mais precisamente, verifica-se que o órgão ministerial - até mesmo por ter ajuizado a ação antes das mudanças citadas - indicou mais de um tipo previsto no art. 10 da Lei de improbidade, para capitular uma mesma conduta.
Contudo, posteriormente, ao ser instado por este Juízo, retificou a peça exordial, atribuindo aos demandados apenas a conduta prevista no art. 10, inciso VII, da Lei n. 8.429/92, a seguir descrita:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:
[...] VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva; [...].
De fato, em observância à jurisprudência pátria, verifica-se que a suposta conduta praticada pelos demandados amolda-se à capitulação acima descrita.
A propósito, extrai-se da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. CONTRATAÇÃO. EXCEPCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. DANO IN RE IPSA. RECONHECIMENTO. PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. RESSARCIMENTO. DESCABIMENTO. 1. "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2). 2. Segundo entendimento consolidado no âmbito do STJ, o prejuízo decorrente da fraude a certame licitatório é presumido (dano in re ipsa), consubstanciado na impossibilidade da contratação pela Administração da melhor proposta. 3. A jurisprudência de ambas as Turmas que compõem a Seção de Direito Público deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de serem imprescindíveis à contratação de advogado com inexigibilidade de licitação os requisitos da singularidade do serviço e da inviabilidade da competição. 4. Hipótese em que a Corte de origem não vislumbrou tais pressupostos a autorizar a contratação dos serviços sem o respectivo procedimento licitatório, sendo certo que, na hipótese, o acolhimento da pretensão recursal para modificar tal entendimento implicaria necessariamente o reexame do conjunto fático-probatório, impossível na via estreita do recurso especial, a teor do disposto na Súmula 7 do STJ. 5. O STJ entende que é indevido o ressarcimento ao Erário dos valores gastos com contratações ainda que ilegais quando efetivamente houve contraprestação dos serviços, de modo a evitar o enriquecimento ilícito da Administração, sem que tal circunstância tenha o condão de desqualificar a infração inserida no art. 10, VIII, da Lei 8.429/1992. 7. Agravo interno parcialmente provido. (AgInt no AgRg no REsp n. 1.328.789/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 1/9/2020, DJe de 20/10/2020).
Portanto, para os fins do art. 17, § 10-C, da nova LIA, tipifica-se a conduta em tese praticada pelos réus na hipótese do art. 10, VII, da Lei nº. 8.429/92.
3. O art. 14 do CPC estabelece que "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".
O art. da Lei de Introdução ao Código de Processo Penal, por sua vez, prevê que "à prisão preventiva e à fiança aplicar-se-ão os dispositivos que forem mais favoráveis".
As normas relativas ao processo de improbidade administrativa, por tratarem de direito sancionador, assemelham-se mais às normas processuais penais.
Nesse contexto, quanto à retroatividade da nova LIA, o TJSC vem decidindo que "a Lei 14.230/21 alterou substancialmente a Lei 8.429/92 (a Lei de Improbidade Administrativa). As modificações foram tão representativas, alterando-se valorativamente o regramento anterior, que surge, pode ser dito, uma 'Nova Lei de Improbidade Administrativa'. Há tendência nas instâncias ordinárias de considerar que (a) a atual disciplina tem aplicação retroativa quanto ao direito material, se favorável ao acusado - derivação constitucional, que assim prega quanto ao direito penal, mas que vale identicamente ao direito administrativo sancionador; e (b) a regulamentação de caráter processual valerá apenas para o futuro, preservando-se o que se deu perante o regramento revogado. Adere-se a esse posicionamento, ressalvando-se que nos casos de pontos de estrangulamento (Cândido Rangel Dinamarco) entre direito material e processual (condições da ação, provas, coisa julgada e regime econômico) a questão mereça maior reflexão. O STF ainda cuidará da aludida retroatividade em repercussão geral, mas não há, por ora, ordem de suspensão" (TJSC, Apelação n. XXXXX-21.2018.8.24.0035, rel. Des. Hélio do Valle Pereira, Quinta Câmara de Direito Público, j. em XXXXX-06-2022).
O STF, no julgamento do ARE nº. 843.989 (Tema nº. 1199), no entanto, não se pronunciou especificamente sobre a controvérsia aqui instaurada: se o novo § 10 do art. 16 da LIA retroage para que sejam levantadas as constrições que recaiam sobre "os valores a serem eventualmente aplicados a título de multa civil ou sobre acréscimo patrimonial decorrente de atividade lícita".
Adianta-se que a resposta é negativa.
Isso porque entende-se, aqui, que a nova disposição não tem caráter material, mas sim processual e, por isso, não retroage.
Com efeito, a indisponibilidade de bens dos réus em ação civil pública em que se apura improbidade administrativa não diz respeito ao direito de ir e vir - como ocorre com a prisão preventiva e com a (in) afiançabilidade da infração penal ( LICPP, art. )-, tratando-se de medida cautelar, assecuratória, estritamente patrimonial e, portanto, de natureza processual.
De acordo com Nucci, "a aplicação imediata da norma processual penal, ainda que mais rigorosa, é a regra, desde que não envolva questão de direito material ou o status libertatis do indivíduo" (NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direit processual penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 1670).
Em sentido análogo, ou seja, em relação à irretroatividade da lei processual penal (ainda que mais benéfica, mas que não diz respeito ao status libertatis do indivíduo), a jurisprudência do STJ orienta-se no sentido de que "a alteração legislativa acerca da necessidade de representação da vítima nos delitos de estelionato - § 5º do art. 171 do Código Penal, com a nova redação dada pela Lei n. 13.964/2019 - não retroage para alcançar os processos cujas denúncias já tinham sido ofertadas antes da sua entrada em vigor" (STJ, AgRg no HC n. 742.966/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 20/6/2022).
Enfim, uma vez levada a efeito a indisponibilidade de bens sob a vigência da lei antiga, incabível o levantamento da constrição pelo advento de lei nova, ainda que mais benéfica.
Daí por que indefiro os pedidos formulados por Saionara Corrêa de Carvalho Bora e Luiz Marcos Bora Sociedade Individual de Advocacia e Luiz Marcos Bora Júnior no evento 137 (item 7) .
4. Quanto à arguição de ilegitimidade passiva da pessoa física, basta dizer que, embora a nova LIA tenha limitado a responsabilidade dos sócios, quotistas, diretores e colaboradores de pessoa jurídica, o fez nos seguintes termos:
"Art. 3º. § 1º. Os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação".
Como se vê, não se afastou, por completo, a possibilidade de se responsabilizar as pessoas físicas, mas apenas se exigiu a prova de "participação e benefícios diretos".
Essa limitação não interfere na legitimidade passiva ad causam do réu Luiz Marcos Bora Júnior, sobretudo porque é titular de uma sociedade unipessoal, mas pode influenciar, por óbvio, no julgamento do mérito, caso não se comprove essa "participação e benefícios diretos" exigidos pela nova LIA.
Portanto, rejeita-se a arguição de ilegitimidade passiva.
5. Indefiro, igualmente, o pedido formulado no item 1 da petição do evento 142, na medida em que é certo que as alegações ali expendidas pela parte ré confundem-se com o mérito.
Além do mais, o fato de outro representante do Ministério Público ter promovido o arquivamento de fatos análogos, não induz, necessariamente, ao arquivamento do presente feito, até porque há independência funcional entre os integrantes do Parquet.
Justamente por isso, ou seja, por não haver relação de prejudicialidade entre um arquivamento de caso semelhante e esse processo, não há que se falar, outrossim, em expedição de Ofício ao Conselho Superior do Ministério Público para que encaminhe casos em que fatos análogos foram arquivados.
6. Defiro o pedido de intimação da Seccional da OAB deste Estado para que, querendo, intervenha no processo na condição de amicus curiae (item 2 do evento 142). Oficie-se, se necessário.
7. Certifique-se nos autos acerca do resultado da sindicância administrativa instaurada perante este Juízo e, após, cientifiquem-se as partes.
8. No mais, fixo, como ponto (s) controvertido (s) ( CPC, art. 357, II e IV): a) a legalidade da dispensa do processo licitatório e, consequentemente, se a contratação direta se deu em conformidade com a lei; b) se todos os demandados participaram do suposto ato ilegal; c) se houve participação e benefícios diretos a Luiz Marcos Bora Júnior, na qualidade de titular da Luiz Marcos Bora Júnior Sociedade Individual Advocacia; d) se houve ou não a efetiva contraprestação do serviço contratado.
9. Para a elucidação do (s) ponto (s) controvertido (s) fixado (s), defiro o pedido de produção de prova oral, consistente no depoimento pessoal das partes (se assim requerido) e na oitiva de testemunhas, cujo rol deverá ser apresentado no prazo de 15 (quinze) dias ( CPC, art. 357, § 4º).
Designo, para a realização de audiência de instrução e julgamento presencial, o dia 03/07/2023 às 14h.
Nos termos do art. 455 do CPC, caberá aos procuradores das partes a intimação das testemunhas, por carta com aviso de recebimento, sob pena de preclusão.
No mais, "ao réu será assegurado o direito de ser interrogado sobre os fatos de que trata a ação, e a sua recusa ou o seu silêncio não implicarão confissão" ( LIA, art. 17, § 18).
Autorizo, desde logo, a participação dos procuradores das partes por videoconferência, bem como das testemunhas que residirem fora da Comarca, ficando as partes advertidas que arcarão com as consequências processuais decorrentes de problemas de conexão das partes/testemunhas (lentidão, instabilidade, impossibilidade de habilitação do áudio/vídeo etc.) não causados pelo Poder Judiciário.
Questionou o indeferimento do pedido de desbloqueio de seus bens, haja vista que, cuidando-se de aspecto de direito material, as novas regras trazidas pela Lei 14.230/21 devem ser aplicadas, em especial o previsto nos §§ 3º, 5º, 10 e 13 do art. 16, de sorte que o somatório dos valores bloqueados não pode superar o montante apontado na petição inicial, tanto mais que o autor nem sequer fundamentou qual seria o risco ao resultado útil do processo, chamando atenção ainda para o fato de que o bloqueio considerou a cogitável multa civil, o que não se permite mais, e ignorou a proteção que agora se confere aos depósitos de até quarenta salários-mínimos.
Criticou também a falta de individualização das condutas narradas na inicial (não tendo nem sequer o saneador especificado isso), a qual é a seu ver inepta. "Não há descrição individual de cada conduta, de que forma cada réu, através dos seus próprios atos, supostamente praticou ou influenciou o resultado. Não há nem descrição dos atos. HÁ APENAS O RESULTADO E UMA TIPIFICAÇÃO DO RESULTADO." Houve, ainda, confusão entre os conceitos de inexigibilidade e dispensa de licitação. Com isso, equivocada a fundamentação de que a causa esteja arrimada no inc. VII do art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa.
Por fim atacou a negativa de seu pleito de produção de prova no sentido de que fosse oficiado ao Conselho Superior do Ministério Público a fim de que informasse casos de arquivamento envolvendo certames dessa natureza. Não se cuida de prova protelatória, mas essencial ao desfecho de improcedência - o que inclusive se adequa perfeitamente ao previsto no § 8º do art. da Lei de Improbidade Administrativa -, sendo ilógico o indeferimento, que caracteriza cerceamento de defesa. "A diferença de ENTENDIMENTO de um promotor para outro está fazendo três cidadãos responderem processo de improbidade administrativa, terem seus bens bloqueados, terem seus nomes arrastados para lama, tudo por causa da independência funcional (...). Forçar os requeridos a responderem esse processo quando o próprio órgão hierarquicamente superior a promotoria de Lauro Muller (Conselho Superior do Ministério Público do Estado de Santa Catarina) não se opôs ao arquivamento do mesmo caso concreto na promotoria de Pescaria Brava, em razão da independência funcional tem lógica? (...). Não é justo, e fere fundamentalmente direito dos requeridos, já que há conhecimento de outro caso que os fatos não se transformaram em ação de improbidade, requerer do próprio Conselho, os documentos que embasariam sua inocência ou improcedência da ação?"
Pediu (a) o desbloqueio de bens, (b) que se permita a produção da aludida prova e (c) a declaração de inépcia da inicial (ou ao menos que se determine a descrição dos fatos de cada réu).
Neguei o efeito suspensivo.
Houve contrarrazões em que o Curador da Moralidade defendeu os termos da decisão recorrida (a regra pertinente ao bloqueio é de natureza processual e por isso as alterações não repercutem quanto aos atos já consumados; houve adequada individualização das condutas; inexiste erro quanto à indicação do procedimento licitatório, o qual foi perfeitamente apontado como dispensa; desnecessária a informação por parte do CSMP, pois prepondera a independência funcional dos membros do Ministério Público e assim é possível compreensão diversa sobre os fatos).
A Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo desprovimento.

VOTO


1. Em precedente agravo de instrumento interposto pela mesma ré Saionara Corrêa de Carvalho Bora, também no âmbito desta ação de improbidade administrativa, ratificamos o recebimento da inicial com base nesta ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - RECEBIMENTO - CONFLITO DE LEIS NO TEMPO - SUPRESSÃO DA FASE INAUGURAL DO PROCEDIMENTO - DECISÃO HAVIDA PERANTE A LEI PRIMITIVA - ANÁLISE DO RECURSO, TANTO MAIS QUE SE TRATA DE REGRA DE PROTEÇÃO DO RÉU - DISPENSA DE LICITAÇÃO - FUNDAÇÃO MUNICIPAL - SERVIÇOS DE ADVOCACIA - FILHO DA PREFEITA - INDICATIVOS DE MÁ CONDUTA MESMO PERANTE AS NOVAS DEFINIÇÕES DE DIREITO MATERIAL (QUE, MAIS FAVORÁVEIS, RETROAGEM) - RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL - COGNIÇÃO SUMÁRIA - TESE PLAUSÍVEL - DESPROVIMENTO.
1. A Lei 14.230/21 alterou substancialmente a Lei 8.429/92 (a Lei de Improbidade Administrativa). As modificações foram tão representativas, modificando-se valorativamente o regramento anterior, que surge, pode ser dito, uma "Nova Lei de Improbidade Administrativa".
Há tendência nas instâncias ordinárias de considerar que (a) a atual disciplina tem aplicação retroativa quanto ao direito material, se favorável ao acusado - derivação constitucional, que assim prega quanto ao direito penal, mas que vale identicamente ao direito administrativo sancionador e (b) a regulamentação de caráter processual valerá apenas para o futuro, preservando-se o que se deu perante o regramento revogado.
Adere-se a esse posicionamento, ressalvando-se que nos casos de pontos de estrangulamento (Cândido Rangel Dinamarco) entre direito material e processual (condições da ação, provas, coisa julgada e regime econômico) a questão mereça maior reflexão.
O STF ainda cuidará da aludida retroatividade em repercussão geral, mas não há por ora ordem de suspensão.
2. Nem sempre os atos processuais podem ser vistos de maneira departamentalizada, esgotando-se certa etapa em única conduta das partes ou do juízo. A solução estará em não desprezar o procedimento já concretizado, atentando-se quanto aos casos em que a lei nova, inovando, possa efetivamente incidir de imediato. Aquilo que estiver em desenvolvimento deve ser respeitado, a menos que se digladie com os valores da nova regulamentação.
3. A Lei 8.429/92, a partir da Medida Provisória 2.180/2001, previu uma fase preliminar: o réu era notificado para apresentar defesa prévia, cabendo ao juiz decidir se receberia a petição inicial. Isso desapareceu, mas se os processos principiaram mediante tal regulamentação e já houve decisão de recebimento, continua admissível o agravo de instrumento, que deve ser julgado pelo Tribunal (sem prejuízo da eventual atenção à nova disciplina de direito material eventualmente mais favorável).
4. O recebimento de petição inicial em ação de improbidade era ato fundado em cognição sumária. Quer dizer, nessa fase processual, o juízo a ser feito era mediante apreciação rarefeita (uma deliberação quanto à presença de indicativos que ao menos propiciem a sequência natural da demanda). Apurava-se um mínimo de probabilidade e juízos definitivos (a menos que seja para a inocência) não eram cabíveis em tal instante.
5. Da narrativa ministerial se retira um delineamento lógico e bem concatenado de fatos que levaram o órgão a imputar aos réus conduta revestida de caráter ímprobo, de modo que não é possível beneficiar a autora pela absolvição de plano.
A contratação sem licitação dos serviços de advocacia do filho da Prefeita Municipal (a agravante) por entidade da administração indireta é fato em si que causa perplexidade e pode se manter enquadrado mesmo nas regras mais suaves da Lei 14.230/2021.
Não cabe a este Tribunal perquirir, neste momento e quase que de forma definitiva, se a agravante agiu ou não de forma a afrontar a probidade. Noutros termos, saber se efetivamente a agravante praticou ato ímprobo é assunto a ser tratado em cognição exauriente.
O certo é que há indícios desfavoráveis à agravante, muito longe de se caracterizar deliberação fundada em in dubio pro societate.
6. Recurso desprovido. ( AI XXXXX-54.2021.8.24.0000)
No corpo do acórdão, ao que mais importa, constou isto relativamente ao reconhecimento da adequação da exordial quanto à descrição dos fatos imputados à ré:
(...) os fatos apresentados no presente caso são incapazes de colocar a recorrente em um status de sumária inocência.
Neste estágio processual, a exigência de justa causa reclama que se identifiquem indícios de autoria e da materialidade do ilícito, ou seja, aspectos que concretamente possam apontar para uma perspectiva de responsabilização. Da narrativa do autor, retira-se um delineamento lógico e bem concatenado de fatos que levaram o órgão a imputar aos réus conduta revestida de caráter ímprobo.
Cito alguns pontos (acontecimentos que possuem intrigante grau de proximidade) utilizados para municiar tal posicionamento:
A) a Fundação Hospitalar Henrique Lage mantém contrato de gestão com o Município de Lauro Müller;
B) a Prefeita, ora recorrente, assinou Termo de Colaboração e Termo de Ajuste Financeiro com a fundação de saúde em fevereiro de 2021;
C) logo após a recorrente assumir o mandato no Executivo em janeiro de 2021, seu filho, Luiz Marcos Bora Junior, prestou serviço de assessoria jurídica para a Fundação de Saúde em fevereiro de 2021 por meio de dispensa de licitação;
D) foram realizados orçamentos para a prestação do serviço jurídico, dentre os quais dois eram de sociedades de advogados em Municípios a mais de 50km de distância da cidade.
Já se vê, portanto, que mesmo que se aplicasse retroativamente o § 6º do art. 17 entenderia como atendida a individualização da conduta da ré, além das evidências mínimas da possível ocorrência de uma das hipóteses do art. 11. Sendo mais claro, há necessidade de instrução para aprofundamento da polêmica, pois não se pode meramente tomar a agravante, nesse quadro delicado e de forma tão incipiente, como absolutamente inocente - e o dolo necessário à caracterização do ato ímprobo, mesmo que precise ser comprovado à frente, foi suficientemente apontado pelo Parquet, de maneira que muito menos se pode podar, de antemão, o prosseguimento.
Percebo, ademais, que a recorrente nem sequer polemiza quanto aos impressionantes fatos em si expostos pelo Curador da Moralidade. O que há, na verdade, é uma oposição ao entendimento da magistrada de primeiro grau no que diz respeito à existência de indícios da sua participação ou envolvimento na contratação, demonstrações estas que, existente lastro lógico mínimo na inicial, poderão ser melhor exploradas oportunamente.
A partir daí, estou com a Juíza de Direito Maria Augusta Tonioli (evento 77 da origem):
Sustentou a demandada Saionara Corrêa de Carvalho, ainda que implicitamente, que é parte ilegítima para figurar no polo passivo da presente demanda, na medida em que não teria promovido qualquer ato, tampouco teria assinado qualquer documento relacionado à contratação do escritório de advocacia pertencente a Luiz Marcos Bora Júnior.
Requereu, em consequência, que a inicial deixe de ser recebida em relação à sua pessoa e que seja procedido o levantamento da indisponibilidade que recaiu sobre seus bens.
Considerando, no entanto, que a tese em questão claramente confunde-se com o mérito - e, portanto, demanda dilação probatória -, deverá ser com este analisada.
Até mesmo porque, foram carreados ao feito, conforme mencionado na decisão que deferiu o pedido liminar (evento 3), indícios suficientes de que a demandada pode ter participado de alguma forma da contratação, supostamente irregular, do escritório pertencente a seu filho. De fato, como referido na ocasião, a firma de advocacia contratada tem como sócio Luiz Marcos Bora Júnior, que é filho da Prefeita Municipal eleita no último pleito, o que, por si só, já levanta suspeitas acerca da legalidade do ato.
Logo, no mínimo, os fatos devem ser apurados através da presente ação civil pública.
Por consectário, rechaço a tese em questão, e, por consequência lógica, indefiro o pedido de levantamento da indisponibilidade que recaiu sobre os bens/valores de propriedade da demandada Saionara Corrêa de Carvalho.
Em casos aproximados, relacionados a contratos administrativos e licitações, esta Câmara já decidiu no mesmo sentido:
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL - TESE PLAUSÍVEL - AGRAVO DESPROVIDO.
1. O recebimento de petição inicial em ação de improbidade, a ser feito após a notificação que permita defesa prévia, é ato fundado em cognição sumária. Deseja-se impedir que perdurem acusações levianas, que, por exemplo, indiquem atipicidade, evidente inocência ou absoluta falta de culpa. Não será, então, a regra (ou seja, o ordinário será a garantia do devido processo legal também em favor da acusação). Situação concreta que não aponta situação excepcional que justifique o encerramento de plano do feito.
2. Discute-se a contratação de empresa para locação de relógios de ponto. Não há demonstração contundente de que a agravante não estivesse à frente das negociações. Pelo contrário, ela mesma constituiu procurador pouco tempo antes da contratação, o qual teve por fim subscrever o contrato havido com o Poder Público - aquele mesmo que agora é questionado pelo Ministério Público. Há fortes indicativos da participação da agravante, o que exige que essa apuração se dê no decorrer da instrução.
3. Recurso desprovido. ( AI XXXXX-25.2019.8.24.0000, de Laguna, rel. o signatário).
B) AGRAVO DE INSTRUMENTO - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PETIÇÃO INICIAL - RECEBIMENTO - CONTRATO ADMINISTRATIVO - DISPENSA DE GARANTIA - EXECUÇÃO INCOMPLETA - TESES RAZOÁVEIS - AGRAVO DESPROVIDO.
1. O recebimento de petição inicial em ação de improbidade, a ser feito após a notificação que permita defesa prévia, é ato fundado em cognição sumária. Deseja-se impedir que perdurem acusações levianas, que, por exemplo, indiquem atipicidade, evidente inocência ou absoluta falta de culpa. Não será, então, a regra (ou seja, o ordinário será a garantia do devido processo legal também em favor da acusação). Situação concreta que não aponta situação excepcional que justifique o encerramento de plano do feito.
2. Ainda que o art. 56 da Lei de Licitações permita discricionariedade quanto à exigência de garantias, nunca existe na Administração arbitrariedade, ou se admitiria que o agente público pudesse decidir levado por conveniências pessoais. Aqui, exigida - nos termos do contrato - caução para a execução de contrato, quando de prorrogações houve pura omissão, sem que se perceba, de imediato, uma compreensão racional para essa mudança de postura, muito menos que se estivesse rente ao interesse público.
3. Aspectos técnicos relacionados à inexecução de obra pública via de regra demandam análise de provas, devendo, bem por isso, ser objeto de esclarecimento na fase oportuna. Agora, nesta etapa de cognição sumária, é inviável firmar convicção, tanto de um lado quanto de outro: o Município afirma que houve alteração na forma de execução inicialmente prevista (galerias moldadas in loco), sem que o novo modelo fosse igualmente satisfatório (galerias pré-moldadas, sem rejuntamento). Já a agravante sustenta que a possibilidade de alteração estava prevista formalmente. A exigência de rejuntamento, todavia, não havia sido antes cogitada. São perpectivas que haverão de ser melhor apuradas no decorrer da instrução.
4. Recurso desprovido. ( AI XXXXX-65.2017.8.24.0000, de São João Batista, rel. o signatário).
(...)
10. Destaco, aliás, quanto à tese apresentada pela recorrente em face da Lei 14.230/21 - de que não há ato ímprobo por mera divergência interpretativa -, que o Ministério Público apresenta um enredo no sentido de que pode ter havido um, por assim dizer, direcionamento, privilegiando-se, mesmo que indiretamente, o filho da prefeita.
Nesse contexto, pode-se cogitar, também em tese, de que o fator preponderante para o enquadramento do ato como improbidade administrativa seja aquele, ou seja, o desvio ético pelo favorecimento pessoal, não simplesmente a forma de contratação levada a efeito.
Como se pode perceber, ainda que se estivesse na fase de recebimento, foi reconhecida a adequação formal da inicial, podendo-se dizer, então, que o presente recurso essencialmente repete a mesma tese de antes - ainda que mediante inserção de outros ingredientes -, o que é impróprio na medida em que o tema está superado. Sendo mais claro, a questão processual pertinente a uma possível inépcia da inicial ou mesmo falta de individualização das condutas são questões preclusas e não poderiam ter vindo novamente para discussão.
(Isso, claro, já repetindo o que disse antes, não representa que se esteja reconhecendo efetivamente que a conduta imputada à parte realmente se deu, ou seja, se a agravante agiu ou não de forma a afrontar a probidade da Administração. Saber se efetivamente ela praticou ato ímprobo é assunto a ser tratado pela sentença.)
Como reforço, trago o descrito na inicial para demonstrar que está muito clara a descrição dos fatos quanto à ré, narrativa que permite o exercício pleno da ampla defesa (e não há nulidade se não há prejuízo):
Assim, conforme demonstram os documentos que instruem a presente Ação Civil Pública, após SAIONARA CORRÊA DE CARVALHO BORA assumir o mandato como Prefeita Municipal, o requerido LUIZ MARCOS BORA JUNIOR, seu filho, já no mês de fevereiro de 2021, passou a exercer serviços técnicos especializados de assessoria jurídica à Fundação Hospitalar Henrique Lage, por meio da Sociedade Individual de Advocacia Luiz Marcos Bora, através de compra direta n. 10/2021, por dispensa de licitação, conforme documentação anexa.
Nesse sentido, traz-se à colação a ordem de pagamento n. 45/21, o empenho n. 38/21, bem como a respectiva transferência dos valores à requerida (documentos também anexos à Notícia de Fato n. 01.2021.00006979-0) LUIZ MARCOS BORA SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA:
(...) Conforme se verifica, o empenho foi autorizado pela requerida REGINA RAMOS ANTUNES, Diretora Geral da Fundação Hospitalar Henrique Lage, cuja fonte de recurso foi proveniente de transferência financeira do Município de Lauro Müller, atualmente administrado pela requerida SAIONARA CORRÊA DE CARVALHO BORA, Prefeita Municipal e genitora do requerido LUIZ MARCOS BORA JÚNIOR.
Nesse contexto, tem-se que a requerida SAIONARA CORRÊA DE CARVALHO BORA recentemente (em 18/2/2021) assinou o Termo de Colaboração n. 001/2021 (ANEXO - fls. 159-162 do Procedimento) que entre si celebraram a Fundação de Saúde de Lauro Müller/SC e o Município de Lauro Müller, por seu Fundo Municipal da Saúde, bem como assinou Termo de Ajuste Financeiro (ANEXO - fls. 163-166 do Procedimento) (em 16/2/2021) que entre si celebraram o Município de Lauro Müller, por intermédio da sua Secretaria Municipal de Saúde, e a Fundação de Saúde de Lauro Müller, oriundo do Contrato de Gestão n. 001/2018. Assim é que, nitidamente, a responsabilidade da Prefeita Municipal emerge.
(...)
Portanto, não há que se cogitar afastar-se a responsabilidade da Prefeita por ato da Diretora Geral da Fundação Hospitalar Henrique Lage porque quem recebeu do povo o mandato para gerir os recursos públicos foi a Prefeita. Ela não pode simplesmente substabelecer seus poderes. Será responsável, sim, posto que titular da responsabilidade que lhe foi atribuída pela vontade popular, por meio do sufrágio universal.
Não é crível que a Prefeita imaginasse que seu próprio filho poderia ser contratado com recursos provenientes do Município e, mais ainda, sem licitação.
Dessa forma, emerge clara e cristalina a intenção de SAIONARA CORRÊA DE CARVALHO BORA e de REGINA RAMOS ANTUNES de garantir a prestação dos serviços pela SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA do filho da requerida SAIONARA CORRÊA DE CARVALHO BORA.
Por outro lado, ainda que se tenha por legítima a dispensa em dado contexto, ela deve, evidentemente, observar a impessoalidade. Nesse ponto, é óbvio ter ocorrido direcionamento em face da contratação que ora se analisa. A SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA do filho da requerida SAIONARA CORRÊA DE CARVALHO BORA está sediada em Lauro Müller e, sem dúvidas, não é a única sociedade desse ramo com sede nesta Comarca.
Veja-se, a propósito, que as sociedades Brogni & Garda Advogados Associados e Rafael Dagostin da Silva Sociedade Individual de Advocacia, às quais se pediram orçamentos para o mesmo serviço, estão sediadas em Criciúma/SC e Içara/SC, respectivamente (fls. 24-37 do Procedimento) .
Aliás, a sociedade Rafael Dagostin da Silva Sociedade Individual de Advocacia fora contratada, também de modo direto (compra direta n. 35/2021), por meio de dispensa de licitação, pelo Município de Lauro Müller, conforme documentos anexos. E, nesse ponto, surpreendentemente, apresentou-se, naquela contratação, três orçamentos de sociedades também sediadas fora desta Comarca e, uma delas, foi a Brogni & Garda Advogados Associados, que também apresentara orçamento à Fundação Hospitalar Henrique Lage.
O que se tem na prática então, no caso concreto, são dois orçamentos apresentados por sociedades sediadas em cidades distantes a esta Comarca, em nítido jogo para burlar a lisura de um procedimento licitatório.
A opção escolhida foi solicitar orçamentos a Sociedades de Advocacia distantes desta Comarca, em que pese existir no Município inúmeros advogados regularmente inscritos na OAB/SC e até mesmo na cidade vizinha de Orleans/SC, certamente também capacitados e sedentos pela oportunidade.
Aliás, as sociedades sediadas em Criciúma/SC e Içara/SC são afastadas desta Comarca por aproximadamente 51,4 Km e 57,2 Km, respectivamente. Logo, conclui-se que os orçamentos seriam naturalmente mais elevados porquanto no valor certamente estariam incluídas eventuais despesas com deslocamentos necessários a este Município quando da execução do objeto contratado.
Daí é evidente o conluio de furtar-se à contratação pela melhor proposta à Administração Pública, direcionando-a. Afinal, procurou-se sociedades situadas em cidades longínquas, como já se expos, e, de outro vértice, fez-se com que a sociedade de propriedade do filho da Prefeita, com sede nesta Cidade, fosse a contratada, fraudando-se a compra sem nenhum refinamento ou sofisticação.
Quanto ao prejuízo financeiro atualmente causado ao erário, pelos documentos acostados à Notícia de Fato, verifica-se que o pagamento realizado pela Fundação Hospitalar Henrique Lage, com recursos financeiros provenientes do Município de Lauro Müller, para a contratação ilícita de LUIZ MARCOS BORA SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA perfaz o montante de R$ 7.200,00 (sete mil e duzentos reais).
(...)
Por consequência, tem-se inegavelmente configurados os atos de improbidade administrativa que causaram prejuízo ao erário e atentaram contra os princípios que regem a Administração Pública, em especial os da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, visto que, mediante dispensa indevida de licitação, os demandados impossibilitaram a ampla concorrência da qual deflui a proposta mais vantajosa à Administração.
Plenamente configurados, pois, os atos de improbidade administrativa previstos no art. 10, caput, e incisos I, VIII e XII, e pelo art. 11, caput e inciso I, todos da Lei n. 8.492/92, razão pela qual necessário o ajuizamento da presente ação.
(...)
No presente caso, a contratação direta de serviço de assessoria jurídica e a frustração da licitude do processo licitatório, mediante manifesta pessoalidade adotada pela Diretora Geral da Fundação Hospitalar Henrique Lage e pela Prefeita Municipal, caracterizou ato de improbidade administrativa lesivo ao erário, na forma do art. 10, caput e incisos I, VIII e XII, e afrontou os princípios da Administração Pública, nos termos descritos no art. 11, caput, e inciso I, da Lei 8.429/92 (...).
Ou seja, o procedimento licitatório foi verdadeiramente desatendido e os serviços foram contratados sem as formalidades legais em flagrante violação à obrigatoriedade constitucional de realização de licitações como medida prévia à celebração do contrato pela Fundação Hospitalar Henrique Lage.
Tudo isso como mecanismo garantidor de um esquema articulado pela prefeita SAIONARA CORRÊA DE CARVALHO BORA e o auxílio da Diretora REGINA RAMOS ANTUNES, que violou integralmente o caráter competitivo da licitação com o escopo de garantir que a sociedade beneficiada no certame fosse aquela de propriedade do filho da agente política requerida
Depois ainda houve nova manifestação do autor, por determinação do juízo, para que indicasse precisamente a tipificação do ato de improbidade (evento 149):
(...) No presente caso, a contratação direta de serviço de assessoria jurídica e a frustração da licitude do processo licitatório, mediante manifesta pessoalidade adotada pela Diretora Geral da Fundação Hospitalar Henrique Lage e pela Prefeita Municipal, caracterizou ato de improbidade administrativa lesivo ao erário, na forma do art. 10, inciso VIII (...).
No caso em comento, como visto, manobras fraudulentas foram engendradas para garantir que LUIZ MARCOS BORA SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA fosse beneficiada na contratação em questão.
Ou seja, o procedimento licitatório foi verdadeiramente desatendido e os serviços foram contratados sem as formalidades legais em flagrante violação à obrigatoriedade constitucional de realização de licitações como medida prévia à celebração do contrato pela Fundação Hospitalar Henrique Lage.
Tudo isso como mecanismo garantidor de um esquema articulado pela prefeita SAIONARA CORRÊA DE CARVALHO BORA e o auxílio da Diretora REGINA RAMOS ANTUNES, que violou integralmente o caráter competitivo da licitação com o escopo de garantir que a sociedade beneficiada no certame fosse aquela de propriedade do filho da agente política requerida.
Portanto, ao invés de se utilizarem dos processos licitatórios para selecionar a melhor proposta, os demandados valeram-se deste expediente para legitimar a fraude adredemente planejada, mediante a realização de certame direcionado que frustrou de forma flagrante os fins da licitação, viciando, pois, o contrato administrativo firmado.
2. A recorrente, é verdade, busca avançar nessa discussão formal (quanto à regularidade da inicial) sob a alegação de que se fez confusão entre dispensa e inexigibilidade de licitação.
Ocorre que, além de já ter sido reconhecida a regularidade da acusação (sob o ponto de vista da formalidade) feita pelo Ministério Público - o que não representa, reafirmo, que a asserção em si seja admitida, devendo-se antes aguardar a instrução e a análise pela sentença -, não há na petição inicial nem sequer o uso da expressão inexigibilidade, tendo sempre e sempre sido feita menção à dispensa, como se pode perceber nestes trechos em negrito que pinço daquela peça:
Assim, conforme demonstram os documentos que instruem a presente Ação Civil Pública, após SAIONARA CORRÊA DE CARVALHO BORA assumir o mandato como Prefeita Municipal, o requerido LUIZ MARCOS BORA JUNIOR, seu filho, já no mês de fevereiro de 2021, passou a exercer serviços técnicos especializados de assessoria jurídica à Fundação Hospitalar Henrique Lage, por meio da Sociedade Individual de Advocacia Luiz Marcos Bora, através de compra direta n. 10/2021, por dispensa de licitação, conforme documentação anexa.
(...)
Por outro lado, ainda que se tenha por legítima a dispensa em dado contexto, ela deve, evidentemente, observar a impessoalidade. Nesse ponto, é óbvio ter ocorrido direcionamento em face da contratação que ora se analisa.
(...)
Aliás, a sociedade Rafael Dagostin da Silva Sociedade Individual de Advocacia fora contratada, também de modo direto (compra direta n. 35/2021), por meio de dispensa de licitação, pelo Município de Lauro Müller, conforme documentos anexos. E, nesse ponto, surpreendentemente, apresentou-se, naquela contratação, três orçamentos de sociedades também sediadas fora desta Comarca e, uma delas, foi a Brogni & Garda Advogados Associados, que também apresentara orçamento à Fundação Hospitalar Henrique Lage.
(...)
Por consequência, tem-se inegavelmente configurados os atos de improbidade administrativa que causaram prejuízo ao erário e atentaram contra os princípios que regem a Administração Pública, em especial os da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, visto que, mediante dispensa indevida de licitação, os demandados impossibilitaram a ampla concorrência da qual deflui a proposta mais vantajosa à Administração.
(...)
Quando se trata de licitação, a impessoalidade requisita que não se dê preferências e que se permita concorrência e competição, predicados esses não garantidos no procedimento de dispensa de licitação ora analisado.
(...)
O Requerido LUIZ MARCOS BORA JUNIOR, filho da Prefeita Municipal SAIONARA CORRÊA DE CARVALHO BORA, em conluio com os demais Requeridos e dolosamente, prestou, indevidamente, os serviços para a Fundação Hospitalar Henrique Lage, mesmo tendo conhecimento da prática ilícita, uma vez que os valores pagos pela sua contratação, com dispensa de licitação, foram provenientes do Município de Lauro Müller, administrado por sua genitora e Prefeita.
(...)
Além disso, não obstante a regra de licitar, a Lei n. 8.666/93 prevê hipóteses em que a Administração Pública, observados alguns requisitos indispensáveis, possa contratar diretamente com dispensa de licitação, conforme preceitua o art. 24.
(...)
Diante dessa norma, os Requeridos utilizaram como fundamento jurídico o art. 24 da Lei 8.666/93, que trata dos casos de dispensa de licitação, para contratar o filho da Prefeita, ferindo frontalmente o princípio da impessoalidade e da moralidade administrativa, tornando a Administração Pública do município de Lauro Müller uma verdadeira empresa familiar.
(...)
Agrava-se a conduta ilícita dos Requeridos envolvidos, uma vez que se utilizaram do procedimento de dispensa de licitação para contratar pessoa intimamente ligada à Prefeita Municipal, com a única finalidade de buscarem interesses pessoais, sem contudo se preocuparem com a qualidade e eficiência dos serviços prestados, configurando um favorecimento intolerável ao princípio da impessoalidade.
Veja-se, aliás, que ao imputar a prática desonesta com base no art. 10 da LIA o autor inicialmente se apegou aos incisos I, VIII e XII, que preveem:
I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei;
(...)
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva;
(...)
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
É verdade que por conta das modificações provenientes da Lei 14.230/21 o juízo permitiu, como visto, que o Curador da Moralidade adequasse seu pedido nos termos do § 10-D do art. 17 ("Para cada ato de improbidade administrativa, deverá necessariamente ser indicado apenas um tipo dentre aqueles previstos nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei"), a fim de que fosse feita decisão saneadora na esteira do § 10-C ("Após a réplica do Ministério Público, o juiz proferirá decisão na qual indicará com precisão a tipificação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu, sendo-lhe vedado modificar o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor"), tendo o acionante feito constar apenas a conduta do inc. VIII do art. 10. Só que não houve problema algum com esse conserto, pois tampouco ali se prevê hipótese de inexigibilidade, senão de dispensa mesmo - podendo-se dizer, sob todos os ângulos que se veja, que a ação tramita até aqui perfeitamente; saber se os fatos imputados em si realmente se passaram no plano concreto é assunto para ser tratado em cognição exauriente, não havendo espaço aqui para alguma sorte de antecipação de pena.
Aliás, ainda que assim não fosse, mesmo que realmente Ministério Público e juízo tivessem se equivocado quanto à utilização dos termos (dispensa e inexigibilidade), o preponderante é que a acusação está substancialmente fundada num possível direcionamento do certame, privilegiando-se, mesmo que indiretamente, o filho da prefeita. É dizer, pode-se cogitar, em tese, que o fator preponderante para o enquadramento do ato como improbidade administrativa seja aquele, ou seja, o desvio ético pelo favorecimento pessoal que causou prejuízos à Fazenda, não simplesmente a forma de contratação levada a efeito (e o inc. VIII é muito direto, podendo-se retirar dos fatos em tese cometidos pela ré adequação perfeita à ideia de frustração à licitude de processo licitatório, que está na primeira parte do referido dispositivo, não apenas quanto à dispensa indevida em si presente na segunda parte do tipo).
Foi bem isso, aliás, já sendo cansativo, o que constou da inicial:
Tudo isso como mecanismo garantidor de um esquema articulado pela prefeita SAIONARA CORRÊA DE CARVALHO BORA e o auxílio da Diretora REGINA RAMOS ANTUNES, que violou integralmente o caráter competitivo da licitação com o escopo de garantir que a sociedade beneficiada no certame fosse aquela de propriedade do filho da agente política requerida.
Portanto, ao invés de se utilizarem dos processos licitatórios para selecionar a melhor proposta, os demandados valeram-se deste expediente para legitimar a fraude adredemente planejada, mediante a realização de certame direcionado que frustrou de forma flagrante os fins da licitação, viciando, pois, o contrato administrativo firmado.
3. É dito, ainda, que a inicial não teria exposto o grau de culpabilidade de cada réu, só que da versão trazida pelo Parquet, como visto nos trechos transcritos acima, retira-se narrativa suficientemente clara e que permite entender qual a participação de cada agente no contexto alegadamente indecente.
Quer dizer, está claro, relativamente à agravante, que a tese é no sentido de que houve um conluio, com sua participação saliente nesse processo de direcionamento, a fim de que seu filho fosse favorecido financeiramente - valendo frisar que o juízo cumpriu o previsto no § 10-C do art. 17 ao indicar a tipificação que em tese estão incursos os réus, não sendo momento propício ali para que adentrasse nas minúcias dos fatos imputados, sob pena de se correr risco de se estar adiantando responsabilidades sem nem se permitir instrução (o que certamente propiciaria o legítimo questionamento da recorrente, que viria a ser condenada antecipadamente e sem chances reais de se defender).
Dito de outro modo, a inicial é perfeita sob todas as frentes. Seguiu-se o rito com as modificações promovidas pela Lei 14.230/21. Não há irregularidade, devendo a hipotética indicação de "como foi realizada a suposta conduta ímproba" (este trecho é reprodução das razões deste agravo de instrumento) ser tratada à frente, digo pela última vez, pela sentença.
4. A parte ainda clama para que seja permitida a produção de prova no sentido de se oficiar ao Conselho Superior do Ministério Público a fim de que informe casos de arquivamento envolvendo certames dessa natureza ("de arquivamento nas situações de dispensa de licitação envolvendo escritórios de advocacia ou pessoa física do advogado, inclusive o procedimento completo que originou o documento anexo, concedendo prazo não inferior a 120 (cento e vinte) dias para análise da documentação").
Cuida-se, porém, de um falso problema; questão vencível independentemente de deliberação judicial: é em tese possível que a própria recorrente postule administrativamente as informações que deseja perante o Conselho Superior do Ministério Público, de modo que a falta de demonstração de algum óbice no fornecimento evidencia a falta de interesse processual quanto à pendência.
Não fosse o bastante, estou de acordo com a fundamentação da decisão recorrida: não é porque em outros casos análogos houve arquivamento que isso representaria um absoluto impedimento para que o Curador da Moralidade, tendo interpretação diversa - decorrente de sua independência funcional -, buscasse responsabilização pela conduta que a seu ver era ofensiva à moralidade administrativa, o que torna de todo ociosa a vinda das informações pretendidas pela recorrente. É dizer, há direito à prova; mas não há prerrogativa cogente de a parte ver atendidos seus pleitos de instrução. As provas devem ser necessárias e úteis. Se as coisas fossem da forma como a parte sustenta, qualquer arquivamento feito pelo Ministério Público se tornaria, no fim das contas, uma espécie anômala de súmula vinculante que exigiria intransponível observação; ninguém poderia mais questionar a posição, nem mesmo judicialmente - o que, no ordenamento vigente, não faz sentido algum.
5. Soma-se a isso, ainda, outro elemento.
A parte faz menção ao § 8º do art. da LIA ("Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário") para defender que na existência de divergência entre posições de membros do Ministério Público não há que se falar em improbidade.
Dá-se, contudo, que por força de medida cautelar deferida na ADI XXXXX/DF (Min. Alexandre de Moraes), ad referendum do Plenário do Supremo Tribunal Federal, a referida inovação trazida pela Lei 14.230/21 teve sua eficácia suspensa. Nesse contexto, então, fica ainda mais sem sentido a diligência postulada pela recorrente (que pode, repito, ser buscada por suas próprias forças).
6. Por fim a agravante contesta os bens que lhe foram bloqueados, surgindo debate a respeito da retroatividade ou não da Lei nova a respeito do tema.
Quando decidimos o Agravo de Instrumento precedente, deixamos claro que o Supremo Tribunal Federal ainda não tinha fixado tese a propósito do Tema 1.199 e que nossa posição era no sentido de que "(a) a atual disciplina tem aplicação retroativa quanto ao direito material, se favorável ao acusado e (b) a regulamentação de caráter processual valerá apenas para o futuro, preservando-se o que se deu perante o regramento revogado". Na mesma oportunidade, fez-se ressalva quanto aos casos de "pontos de estrangulamento (Cândido Rangel Dinamarco) entre direito material e processual (condições da ação, provas, coisa julgada e regime econômico)" que merecesse maior reflexão.
Quanto ao Tema 1.199, de lá para cá a Corte definiu:
1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos , 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO;
2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo , inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;
3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;
4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.
Quer dizer, ainda que se tenha proposto tese quanto à (i) rretroatividade das novas regras, não se chegou a tratar exaustivamente da questão processual ora abordada, como inclusive salientou o magistrado na decisão ora recorrida.
A partir daí, estimo que a medida de indisponibilidade de bens deve ser tratada como providência situada em um, por assim dizer, bifurcamento jurídico: se por um lado está posicionada essencialmente no campo instrumental, tratada pelo CPC e pelas regras específicas da LIA, por outro traz reflexos eloquentes e inevitáveis no âmbito do direito material, em bem da vida - eis aí um ponto de estrangulamento, na expressão, repito, de Cândido Rangel Dinamarco, evidenciando que tal instituto tem perfil híbrido; situa-se numa intersecção, num cruzamento entre os direitos substantivo e adjetivo. (O processualista, destaco, não menciona a tutela cautelar nesse campo limítrofe, mas creio que a construção também valha para lá.)
Creio que seja mais adequado dar destaque àquilo que parte da doutrina define como um direito substancial de cautela. Não é realmente posição unânime. José Frederico Marques, por exemplo, dizia: "não há um direito material de cautela, de caráter potestativo, como quer parte da doutrina processual" (Manual de direito processual civil, v. IV, Saraiva, 1979, n. 1.021, p. 331).
Ora, a indisponibilidade, ainda que provisória e instrumental, tem como objeto a constrição patrimonial, de modo que, mesmo não sendo pena - a qual, claro, está localizada no plano do direito material -, carrega consigo caráter aflitivo e restringe direito individual (de propriedade), daí por que não pode ser tratada enclausuradamente, como se estivesse estritamente na esfera processual e completamente alheia às sequelas que traz no terreno substantivo.
Sendo mais claro, tomo a medida de bloqueio como expoente do direito processual material, como bem tratada por Cândido Rangel Dinamarco, que discorre em termos gerais essa situação:
A autonomia do direito processual e sua localização em plano distinto daquele ocupado pelo direito material não significam que um e outro se encontrem confinados em compartimentos estanques. Em primeiro lugar, porque o processo é uma das vias pelas quais o direito material transita rumo à realização da justiça em casos concretos; é um instrumento a serviço do direito material. Depois, porque existem significativas faixas de estrangulamento, ou momentos de intersecção, entre o plano substancial e o processual do ordenamento jurídico.
(...) percebe-se uma proximidade muito significativa entre certos institutos francamente processuais e a situação de direito substancial em relação à qual o processo atuou ou deve atuar. Esses institutos - ação, competência, fontes e ônus da prova, coisa julgada e responsabilidade patrimonial - são responsáveis por situações que se configuram fora do processo e dizem respeito diretamente à vida das pessoas em sociedade, em suas relações com as outras ou com os bens que lhes são úteis ou desejados; e só em um segundo momento eles são objeto das técnicas do processo, a saber, quando um processo se instaura e então se pensa nas atividades a serem desenvolvidas para sua atuação.
A ação, a competência, a prova, a coisa julgada e a responsabilidade patrimonial, recebendo do direito processual parte de sua disciplina (em sua técnica), mas também dizendo respeito a situações dos sujeitos fora do processo (às vezes, até antes dele), compõem um setor a que a doutrina já denominou de direito processual material (Chiovenda). Elas são, portanto, institutos bifrontes: só no processo aparecem de modo explícito em casos concretos, mas são integrados por um intenso coeficiente de elementos definidos pelo direito material e - o que é mais importante - de algum modo dizem respeito à própria vida dos sujeitos e suas relações entre si e com os bens da vida. Constituem pontes de passagem entre o direito e o processo, ou seja, entre o plano substancial e o processual do ordenamento jurídico (Calamandrei). "
(...)
São processuais substanciais as que outorgam ao sujeito certas situações exteriores ao processo e que nele repercutirão de algum modo se vier a ser instaurado. São processuais puras, ou processuais formais, as que operam exclusivamente pelo lado interno do processo e nele exaurem sua eficácia, disciplinando os atos e relações inerentes ao processo e não lançando efeitos direto para o lado externo, ou seja, sobre a vida das pessoas (p. ex., normas sobre a forma dos atos processuais, prazos, meios de prova e valoração desta, procedimentos adequados, recursos, etc.).
(...)
É inerente ao direito processual material a convergência de normas substanciais e processuais a disciplinar os institutos, em si mesmos processuais, que preenchem as faixas de estrangulamento existentes entre os dos planos do ordenamento jurídico. Ele é, pois, o conjunto de normas e princípios de direito material e de direito processual disciplinadores dos institutos processuais que diretamente se relacionam com o direito à tutela jurisdicional (ação, competência, fontes e ônus da prova, coisa julgada material, responsabilidade patrimonial). Seu objeto material é integrado por esses institutos que, embora processuais em razão de sua direta participação na vida do processo, são diretamente influenciados pelos elementos e pela disciplina da relação jurídica material a ser efetivada mediante este. (Instituições de Direito Processual Civil, vol. I, Malheiros, p. 45-48)
A indisponibilidade, é claro, não satisfaz direito, não resolve, por assim dizer, a lide. Mas implica gravame severo no patrimônio que não pode mais alienar os bens afetados e tem de preservá-los. A aspiração é processual: permitir que futuramente se leve a bom termo cumprimento de sentença. Mas as consequências imediatas são materiais, obstaculizando a plenitude do direito de propriedade - instituto de caráter constitucional e civil. Quem pede arresto ou sequestro, como estavam no CPC de 1973, não veria o direito de crédito satisfeito, pois não"se proferia ali decisão que tivesse efeitos diretos de liberação ou de satisfação", destacava Pontes de Miranda. Mas havia" pretensão à tutela jurídica de segurança "(Tratado das ações, v. VI, 1999, Bookseller, § 27, n. 2, p. 342-343). Pretensão, portanto, de caráter substantivo, como uma emanação do direito material em si, do direito de crédito. Como diz Alcides Munhoz da Cunha, deve ocorrer a" aceitação de que efetivamente existe um direito material de cautela, com fundamento constitucional que legitima a parte a obter medidas conservativas ou antecipatórias ". Por isso que o autor também fala abertamente de um" direito substancial de cautela "(Comentários ao Código de Processo Civil, v. XI, RT, 2011, p. 233-234).
A consequência disso é que, havendo saliente grau de aspecto de direito material envolvido, as novas regras da LIA quanto às medidas de indisponibilidade de bens que beneficiem o réu devem ser aplicadas de forma retroativa.
O Tribunal de Justiça do Mato Grosso já decidiu nesse caminho em situação idêntica em decisão recente:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DOS BENS - AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES PARA DECRETAÇÃO DA MEDIDA DE INDISPONIBILIDADE DE BENS - NOVA LEGISLAÇÃO - OBSERVÂNCIA - PRELIMINAR DE IMPENHORABILIDADE - NÃO CONHECIMENTO - RECURSO PROVIDO.
A Lei 14.230, de 25/10/2021, alterou substancialmente a Lei 8429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa. A nova lei deixa explícito no art. 16, § 3º que para que seja decretada a medida de indisponibilidade de bens deve haver a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução. Desta feita, é indispensável para que haja o bloqueio de bens regulado pela Lei 8429/92 ( LIA) a configuração não somente do fumus boni iuris, mas também do periculum in mora. No presente caso, existem fortes indícios da prática de ato de improbidade administrativa pelos agravantes, todavia não restou comprovado o perigo concreto de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, a justificar a indisponibilidade de bens. A indisponibilidade deve recair sobre valores que assegurem exclusivamente o integral ressarcimento do dano ao erário, conforme disposto no artigo 16, § 10º, da Lei 8.429/92 (incluído pela Lei nº 14.230/2021), estando vedada a postulação de tutela provisória visando a indisponibilizar bens para garantir eventual pagamento de multa civil. ( AI XXXXX-31.2021.8.12.0000, de Rio Brilhante, re. Des. Divoncir Schreiner)
A Corte de Justiça do Mato Grosso do Sul, idem:
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - SUPOSTA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE INDISPONIBILIDADE DE BENS EM RELAÇÃO À UM DOS CORRÉUS - ALTERAÇÕES NA DISPOSIÇÃO DA LEI N. 8.429/92 EM DECORRÊNCIA DA VIGÊNCIA DA LEI N. 14.230/2021 - DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR - RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA - NORMA PROCESSUAL - APLICABILIDADE IMEDIATA AOS PROCESSOS EM CURSO - PRECEDENTES DO STJ - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS EXIGIDOS PELO ART. 16, §§ 3º E 10, DA LEI N. 8.429/92, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 14.230/2021 - AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO NA INICIAL - IMPOSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO DA PRETENSÃO, SOB PENA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO OU CORRELAÇÃO - DECISÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.
1. Nos termos do § 4º do art. da Lei n. 8.429/92 com a redação dada pela Lei 14.230/2021, ao sistema da improbidade administrativa aplica-se o regime jurídico do Direito Administrativo Sancionador, segundo o qual, as normas materiais que regem a improbidade administrativa devem retroagir às ações em curso, sempre que mais favoráveis ao réu.
2. Inobstante a pretensão inicial tenha se baseado nas disposições do art. da Lei 8.429/92 e no precedente do STJ, julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos ( Recurso Especial n.º 1.366.721/BA), que pacificou o entendimento de que, a indisponibilidade de bens é cabível quando o julgador entender presentes fortes indícios de responsabilidade na prática de ato de improbidade que cause dano ao erário, estando o periculum in mora implícito no referido dispositivo, não se pode desconsiderar, as alterações decorrentes da Lei n. 14.230/2021, em especial dos §§ 3º e 10 do art. 16, os quais estabelecem que, o pedido de indisponibilidade de bens poderá ser formulado para garantir a recomposição do erário ou do acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito, quando demonstrado no caso concreto o perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, sem incidência sobre os valores a serem eventualmente aplicados a título de multa civil.
3. Em observância ao princípio da congruência ou adstrição (artigos 141 e 492, ambos do CPC/2015), segundo o qual, o Magistrado deve decidir a lide dentro dos limites em que foi proposta, o que se aplica inclusive em relação à causa de pedir, é defeso ao magistrado proferir decisão de natureza diversa do que foi pretendido pela parte autora, devendo haver correlação entre o pedido e o decisum.(AI 1010851-69.2021.8.11.0000, rel.ª Des.ª Helena Maria Bezerra Ramos)
B) AGRAVO DE INSTRUMENTO - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - INDISPONIBILIDADE DE BENS - PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE QUE CAUSA PREJUÍZO AO ERÁRIO E QUE ATENTA CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINSITRAÇÃO PÚBLICA - ALTERAÇÕES NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA PELA LEI Nº 14.230/2021 - RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA - PERIGO CONCRETO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO - NÃO COMPROVADO - VALOR DO PREJUÍZO NÃO MENSURADO - INDISPONIBILIDADE LIMITADA AO RESSARCIMENTO DO DANO AO ERÁRIO - IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA SOBRE EVENTUAL MULTA CIVIL OU ACRÉSCIMO PATRIMONIAL - INDISPONIBILIDADE AFASTADA - RECURSO PROVIDO.
1. A Lei nº 14.230/2021 alterou diversos dispositivos da Lei nº 8.429/92, em especial no que tange à indisponibilidade de bens que visam assegurar o integral ressarcimento ao erário.
2. O sistema da Improbidade Administrativa adotou expressamente os princípios do Direito Administrativo Sancionador, dentre eles o da legalidade, segurança jurídica e retroatividade da lei benéfica. Assim, tratando-se de diploma legal mais favorável ao acusado, de rigor a aplicação da Lei nº 14.230/2021, porquanto o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no artigo , XL, da Constituição da Republica, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador.
3. De acordo com o artigo 16, § 3º da Lei de Improbidade Administrativa, incluído pela Lei nº 14.230/2021, a indisponibilidade de bens visando a garantia de integral ressarcimento do dano ao erário ou do acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito exige a comprovação de perigo concreto de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo.
4. Na hipótese, não restou comprovado o perigo concreto de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, a justificar a indisponibilidade de bens, bem como não foi precisado o valor do dano ao erário.
5. Nos termos do artigo 16, § 10º, da Lei 8.429/92 (incluído pela Lei nº 14.230/2021), incabível a incidência de indisponibilidade sobre valores a serem eventualmente aplicados a título de multa ou acréscimo patrimonial decorrente de atividade lícita.
( AI XXXXX-59.2017.8.11.0000, rel. Des. Gilberto Lipes Bussiki)
Em julgamento recente no âmbito desta Quinta Câmara de Direito Público, decidimos neste caminho em feito de minha relatoria:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - INDISPONIBILIDADE DE BENS - MUDANÇAS NA LEI - CARÁTER AFLITIVO DA MEDIDA CAUTELAR - DIREITO SUBSTANCIAL DE CAUTELA - APLICAÇÃO IMEDIATA - NOVA DISCIPLINA FAVORÁVEL AOS RÉUS -DESPROVIMENTO.
1. A Lei 14.230/21 alterou substancialmente a Lei 8.429/92 (a Lei de Improbidade Administrativa). As modificações foram tão representativas, alterando-se valorativamente o regramento anterior, que surge, pode ser dito, uma"Nova Lei de Improbidade Administrativa".
2. Com as limitações ditadas pelo Supremo Tribunal Federal a propósito do Tema 1.199, haverá aplicação imediata da lei nova aos casos pendentes, se mais favorável aos réus o direito material.
Já a regulamentação de caráter processual valerá apenas para o futuro, preservando-se o que se deu perante o regramento revogado.
Adere-se a esse posicionamento, ressalvando-se que nos casos de pontos de estrangulamento (Cândido Rangel Dinamarco) entre direito material e processual (como as condições da ação, provas, coisa julgada e regime econômico) a questão mereça maior reflexão.
2. A indisponibilidade não satisfaz direito, não resolve, por assim dizer, a lide em si. Mas implica gravame severo no patrimônio da pessoa, que não pode mais alienar os bens afetados e tem de preservá-los. A aspiração é processual: permitir que futuramente se leve a bom termo cumprimento de sentença. Mas as consequências imediatas são materiais, obstaculizando a plenitude do direito de propriedade, instituto de caráter constitucional e civil.
Defesa da existência de um direito substancial de cautela, que vê a pretensão cautelar como uma emanação do direito material em si, do direito de crédito, criando mais um ponto de sobreposição entre os dois campos (do direito processual e do direito material) e reconhecendo-se a existência de uma lide cautelar.
3. Aplicação imediata do novo regramento, que dificultou a concessão da indisponibilidade, reclamando comprovação concreta do prejuízo ao erário (o que não está presente no caso), além de impedir o bloqueio para preservação da hipotética multa civil.
4. Recurso desprovido, prejudicado o efeito suspensivo ativo que havia sido deferido monocraticamente perante a Lei de Improbidade Administrativa em seus termos originais. ( AI XXXXX-09.2019.8.24.0000)
7. Estabelecida essa ideia - de que é possível a Lei 14.230/21 retroagir para beneficiar o réu também quanto às medidas de bloqueio -, importante expor o que de novidade surgiu sobre o tema:
Art. 16. Na ação por improbidade administrativa poderá ser formulado, em caráter antecedente ou incidente, pedido de indisponibilidade de bens dos réus, a fim de garantir a integral recomposição do erário ou do acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito.
§ 1º-A O pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput deste artigo poderá ser formulado independentemente da representação de que trata o art. 7º desta Lei.
§ 2º Quando for o caso, o pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput deste artigo incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.
§ 3º O pedido de indisponibilidade de bens a que se refere o caput deste artigo apenas será deferido mediante a demonstração no caso concreto de perigo de dano irreparável ou de risco ao resultado útil do processo, desde que o juiz se convença da probabilidade da ocorrência dos atos descritos na petição inicial com fundamento nos respectivos elementos de instrução, após a oitiva do réu em 5 (cinco) dias.
§ 4º A indisponibilidade de bens poderá ser decretada sem a oitiva prévia do réu, sempre que o contraditório prévio puder comprovadamente frustrar a efetividade da medida ou houver outras circunstâncias que recomendem a proteção liminar, não podendo a urgência ser presumida.
§ 5º Se houver mais de um réu na ação, a somatória dos valores declarados indisponíveis não poderá superar o montante indicado na petição inicial como dano ao erário ou como enriquecimento ilícito.
§ 6º O valor da indisponibilidade considerará a estimativa de dano indicada na petição inicial, permitida a sua substituição por caução idônea, por fiança bancária ou por seguro-garantia judicial, a requerimento do réu, bem como a sua readequação durante a instrução do processo.
§ 7º A indisponibilidade de bens de terceiro dependerá da demonstração da sua efetiva concorrência para os atos ilícitos apurados ou, quando se tratar de pessoa jurídica, da instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, a ser processado na forma da lei processual.
§ 8º Aplica-se à indisponibilidade de bens regida por esta Lei, no que for cabível, o regime da tutela provisória de urgência da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 ( Código de Processo Civil).
§ 9º Da decisão que deferir ou indeferir a medida relativa à indisponibilidade de bens caberá agravo de instrumento, nos termos da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 ( Código de Processo Civil).
§ 10. A indisponibilidade recairá sobre bens que assegurem exclusivamente o integral ressarcimento do dano ao erário, sem incidir sobre os valores a serem eventualmente aplicados a título de multa civil ou sobre acréscimo patrimonial decorrente de atividade lícita.
§ 11. A ordem de indisponibilidade de bens deverá priorizar veículos de via terrestre, bens imóveis, bens móveis em geral, semoventes, navios e aeronaves, ações e quotas de sociedades simples e empresárias, pedras e metais preciosos e, apenas na inexistência desses, o bloqueio de contas bancárias, de forma a garantir a subsistência do acusado e a manutenção da atividade empresária ao longo do processo.
§ 12. O juiz, ao apreciar o pedido de indisponibilidade de bens do réu a que se refere o caput deste artigo, observará os efeitos práticos da decisão, vedada a adoção de medida capaz de acarretar prejuízo à prestação de serviços públicos.
§ 13. É vedada a decretação de indisponibilidade da quantia de até 40 (quarenta) salários mínimos depositados em caderneta de poupança, em outras aplicações financeiras ou em conta-corrente.
§ 14. É vedada a decretação de indisponibilidade do bem de família do réu, salvo se comprovado que o imóvel seja fruto de vantagem patrimonial indevida, conforme descrito no art. 9º desta Lei.
Como se vê, a Lei nova restringiu de forma significativa a possibilidade de constrição patrimonial. Além de afastar a perspectiva de inclusão da multa para o respectivo cálculo - caminho que, via reflexa, tornou superada a tese firmada pelo STJ por conta do Tema 1.055 - e impor, como regra, a oitiva prévia do réu (só superável em situações específicas), estabeleceu que só será possível o deferimento se o autor demonstrar, concretamente, o periculum in mora. É dizer, se antes sempre tínhamos como dispensável a análise da urgência, nos termos do que se consolidou a jurisprudência do STJ, esse fator passou a ser um requisito para a medida, não podendo mais ser presumido.
8. A partir daí, independentemente de maiores aprofundamentos a respeito da presença daquele requisito (urgência), já se vê ao menos que não se pode tolerar, para fins de bloqueio, o valor pertinente à cogitável multa civil, de modo que no máximo se poderia aqui ter havido constrição patrimonial equivalente a R$ 7.200,00, conforme dimensão financeira do dano trazida na inicial.
Mais que isso, não se permite mais a decretação de indisponibilidade de quantia de até quarenta salários-mínimos, de modo que a constrição patrimonial sofrida pela recorrente deve mesmo ser levantada pelo juízo.
9. Assim, voto por conhecer e dar provimento em parte ao recurso para determinar o levantamento dos valores bloqueados da recorrente.

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Agravo de Instrumento Nº XXXXX-43.2023.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA


AGRAVANTE: LUIZ MARCOS BORA JUNIOR E OUTROS AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA INTERESSADO: REGINA RAMOS ANTUNES INTERESSADO: FUNDACAO DE SAÚDE DE LAURO MULLER INTERESSADO: MUNICÍPIO DE LAURO MULLER/SC


EMENTA


AGRAVO DE INSTRUMENTO - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - DISPENSA DE LICITAÇÃO - INDICATIVOS DE MÁ CONDUTA - TESE PLAUSÍVEL - INICIAL JÁ RECEBIDA DE ACORDO COM A REDAÇÃO PRIMITIVA DA LEI 8.429/92 - INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS SUFICIENTEMENTE CLARA - ADEQUAÇÃO FORMAL RATIFICADA - INSTRUÇÃO - PEDIDO DE INFORMAÇÕES AO CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO - PROVA INÚTIL E AO ALCANCE DA PARTE - INDISPONIBILIDADE DE BENS - MUDANÇAS NA LEI - CARÁTER AFLITIVO DA MEDIDA CAUTELAR - DIREITO SUBSTANCIAL DE CAUTELA - APLICAÇÃO IMEDIATA - NOVA DISCIPLINA FAVORÁVEL AOS RÉUS - LEVANTAMENTO DOS VALORES - PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.
1. Recebida petição inicial em ação de improbidade administrativa (fase abolida a partir da Lei 14.230/21), está superada eventual discussão a respeito da adequação formal da acusação, tanto mais que inclusive houve recurso anterior em que foi chancelada a decisão de recebimento da exordial - e mesmo que a parte apresente outros ingredientes para sustentar a presença de vício formal, todos eles vêm apenas requentados.
Situação, ademais, em que a descrição apresentada pelo Curador da Moralidade veio de forma especialmente clara e discriminada - permitindo a exata compreensão a respeito da participação de cada agente no contexto alegadamente ímprobo -, permitindo o exercício pleno da defesa pela ré.
2. Por conta das modificações provenientes da Lei 14.230/21 o juízo saneou o feito na esteira do § 10-C do art. 17, indicando a tipificação imputável (inc. VIII do art. 10) à prefeita ora agravante, que figura no processo por ter, em tese, atuado para direcionar certame público e beneficiar indiretamente o próprio filho.
Impertinência da alegação da ré a respeito de uma suposta confusão entre os termos dispensa e inexigibilidade, pois o tipo é mais amplo do que a limitação sugerida e nem sequer se cogitou da segunda espécie ao longo do feito, tendo sempre e sempre se falado em dispensa.
3. Há direito à prova; mas não há prerrogativa cogente de a parte ver atendidos todos os pleitos de instrução. As provas devem ser necessárias e úteis.
É ociosa a postulação para que seja oficiado ao Conselho Superior do Ministério Público (a fim de que informe casos de arquivamento envolvendo certames públicos da mesma natureza daquela tratada nesta ação de improbidade administrativa), pois além de se cuidar de uma questão vencível independentemente de deliberação judicial - é em tese possível que a própria recorrente postule administrativamente as informações que deseja, de modo que a falta de demonstração de algum óbice no fornecimento evidencia a falta de interesse processual quanto à pendência -, mesmo que a instituição trouxesse dados que confirmassem a alegação da ré isso não representaria um absoluto impedimento para que o Curador da Moralidade, tendo interpretação diversa (decorrente de sua independência funcional), buscasse responsabilização pela conduta que a seu ver era ofensiva à moralidade administrativa, tampouco que o juízo tivesse a mesma visão dos fatos.
4. Com as limitações ditadas pelo Supremo Tribunal Federal a propósito do Tema 1.199, haverá aplicação imediata da lei nova aos casos pendentes, se mais favorável aos réus o direito material.
Já a regulamentação de caráter processual valerá apenas para o futuro, preservando-se o que se deu perante o regramento revogado.
Adere-se a esse posicionamento, ressalvando-se que nos casos de pontos de estrangulamento (Cândido Rangel Dinamarco) entre direito material e processual (como as condições da ação, provas, coisa julgada e regime econômico) a questão mereça maior reflexão.
5. A indisponibilidade não satisfaz direito, não resolve, por assim dizer, a lide em si. Mas implica gravame severo no patrimônio da pessoa, que não pode mais alienar os bens afetados e tem de preservá-los. A aspiração é processual: permitir que futuramente se leve a bom termo cumprimento de sentença. Mas as consequências imediatas são materiais, obstaculizando a plenitude do direito de propriedade, instituto de caráter constitucional e civil.
Defesa da existência de um direito substancial de cautela, que vê a pretensão cautelar como uma emanação do direito material em si, do direito de crédito, criando mais um ponto de sobreposição entre os dois campos (do direito processual e do direito material) e reconhecendo-se a existência de uma lide cautelar.
6. Aplicação imediata do novo regramento, que dificultou a concessão da indisponibilidade, impedindo o bloqueio para preservação da hipotética multa civil e preservando depósitos bancários de até quarenta salários-mínimos - situação dos autos.
7. Recurso provido em parte para se determinar o levantamento dos valores bloqueados da agravante.

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, conhecer e dar provimento em parte ao recurso para determinar o levantamento dos valores bloqueados da recorrente, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 04 de julho de 2023.

Documento eletrônico assinado por HELIO DO VALLE PEREIRA, Desembargador, na forma do artigo , inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador XXXXXv26 e do código CRC XXXXXdb.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): HELIO DO VALLE PEREIRAData e Hora: 4/7/2023, às 17:16:37














EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 04/07/2023

Agravo de Instrumento Nº XXXXX-43.2023.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

PRESIDENTE: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

PROCURADOR (A): ONOFRE JOSE CARVALHO AGOSTINI
AGRAVANTE: LUIZ MARCOS BORA JUNIOR ADVOGADO (A): LUIZ MARCOS BORA JUNIOR (OAB SC032446) AGRAVANTE: LUIZ MARCOS BORA SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA ADVOGADO (A): LUIZ MARCOS BORA JUNIOR (OAB SC032446) AGRAVANTE: SAIONARA CORREA DE CARVALHO BORA ADVOGADO (A): LUIZ MARCOS BORA JUNIOR (OAB SC032446) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 04/07/2023, na sequência 5, disponibilizada no DJe de 19/06/2023.
Certifico que a 5ª Câmara de Direito Público, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 5ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER E DAR PROVIMENTO EM PARTE AO RECURSO PARA DETERMINAR O LEVANTAMENTO DOS VALORES BLOQUEADOS DA RECORRENTE.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRAVotante: Desembargador ARTUR JENICHEN FILHOVotante: Desembargador VILSON FONTANA
ANGELO BRASIL MARQUES DOS SANTOSSecretário
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sc/1887550680/inteiro-teor-1887550682