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Comentários à Lei 14.181/2021: A Atualização do Cdc em Matéria de Superendividamento

Comentários à Lei 14.181/2021: A Atualização do Cdc em Matéria de Superendividamento

5. Do Crédito Responsável: A Prevenção ao Superendividamento do Consumidor e os Novos Paradigmas no Crédito ao Consumidor

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5.1. Introdução Geral do Capítulo VI-A da Prevenção e do Tratamento do Superendividamento

Claudia Lima Marques

1. Foco na prevenção ao superendividamento: prevenir é iniciar o tratamento

Prevenir e tratar, eis os objetivos do novo capítulo VI-A do Título I (“Dos direitos do Consumidor”) do CDC, incluído pela Lei 14.181/2021, intitulado “Da prevenção e do tratamento do superendividamento”. Sim, tratar... termo médico (tratamento), 1 pois, como ensinou a experiência da legislação francesa, o superendividamento é a “doença” da sociedade de consumo, que não mais tem capacidade de poupar para gastar, mas acaba dependendo do crédito para terminar, mês a mês, os gastos familiares e individuais de consumo. E prevenir o problema é sempre o melhor, é a vacina para o futuro. 2

No Anteprojeto da Comissão de Juristas e no consequente PL 281/2012 apresentado pelo senador José Sarney, o capítulo VI-A era só uma secção no atual capítulo VI, “Da proteção contratual”, e visava somente à “prevenção do superendividamento”, mas já continha os artigos 54-A a 54-G, com os mesmos objetivos que os agora aprovados na Lei 14.181/2021. No PL 3515/2021, reconhecendo que o capítulo já “tratava” ou previa “remédios práticos” ao superendividamento – por exemplo, trazendo sanções para o descumprimento dos deveres de boa-fé na concessão do crédito, no art. 54-D, parágrafo único, e, inclusive processuais, com a inversão do ônus da prova, no depois suprimido § 1º do art. 54-C –, 3 o título passou a ser “prevenção e tratamento”, se bem que a conciliação para a repactuação ficou em capítulo separado, como previa o Anteprojeto.

Em texto com Fernando Martins, defendi que são essas as três “diretrizes fundamentais” da Lei 14.181/2021 e que resumem esse novo capítulo da prevenção e do tratamento do superendividamento no CDC, a saber:

“(...) Em primeiro, destaca-se o crédito responsável, como direito fundamental (e básico) do consumidor. Neste ponto, impõe-se ao fornecedor do serviço de crédito ‘avaliar a capacidade de reembolso do consumidor antes da celebração do contrato, a fim de evitar o superendividamento’. Cumpre ao agente financeiro, rigorosa avaliação quanto à solvabilidade do consumidor, especialmente o idoso. Em segundo, a boa-fé como princípio fundamental e ordenador do tráfego jurídico, especialmente no direito privado (...) tem por escopo a promoção do superendividado e idoso pelo acúmulo de débitos passivamente derivados de fatos inesperados (acidentes da vida: desemprego, morte, divórcio etc.) ou ativamente assumidos em decorrência de abusos e assédios originados das práticas de marketing que leva à contratação de forma reiterada e inconsciente. Isso equivale dizer que a proposição legislativa não protege o consumidor que se sobreendivida conscientemente e de má-fé. Em terceiro, o patrimônio mínimo como bem fundamental a ser preservado na consecução dos limites ao sacrifício. É tarefa primordial do sistema jurídico concretizar a realização da pessoa, guardando a compatibilidade entre a liberdade e a inserção comunitária e neste ponto salvaguardar entre os objetos ‘valiosos’ aqueles que compõem o núcleo incindível da dignidade humana.” (grifos do original) 4

Realmente, o princípio do crédito responsável é a mudança de Copérnico 5 que a Lei 14.181/2021 introduz no CDC. A atualização do CDC como um todo (incluindo o PL 3514/2015 para o mundo digital, que ainda não foi aprovado na Câmara de Deputados) visa reforçar a boa-fé, 6 especialmente na concessão do crédito ao consumo, na oferta, na publicidade, na cobrança de dívidas, temas tratados neste capítulo. E, por fim, o capítulo visa preservar o mínimo existencial, como afirmava o art. 54-A do PL 283/2012. Portanto, esse capítulo novo “tem a finalidade de prevenir o superendividamento da pessoa física, promover o acesso ao crédito responsável e à educação financeira do consumidor, de forma a evitar a sua exclusão social e o comprometimento de seu mínimo existencial, sempre com base nos princípios da boa-fé, da função social do crédito ao consumidor e do respeito à dignidade da pessoa humana”.

Interessante que foi o lobby dos bancos que retirou a parte final do atual art. 54-A, que limitava os princípios da boa-fé, da função social do crédito e do respeito à dignidade da pessoa humana, transferindo esses princípios para a parte principiológica antes comentada.

Se hoje o art. 4º da Política Nacional de Defesa do Consumidor erigiu a princípios a prevenção e o tratamento do superendividamento, podemos dizer que são três os princípios-guias (mais do que diretrizes) desse capítulo da prevenção e do superendividamento do consumidor pessoa natural: o princípio da boa-fé objetiva – sempre aceito como princípio na doutrina brasileira 7 –, o princípio do crédito responsável – como afirma a doutrina brasileira 8 e o Anteprojeto argentino 9 – e o novo princípio da preservação do mínimo existencial.

Como sempre repetimos, 10 a boa-fé objetiva é um standard de comportamento leal, com base na confiança despertada na outra parte cocontratante, respeitando suas expectativas legítimas e contribuindo para a segurança das relações negociais. O princípio da boa-fé no direito privado brasileiro, 11 além da função de concreção e interpretação (art. 113 do CC/2002 ), apresenta também uma dupla função: tem função criadora (pflichtenbegrundende Funktion), seja como fonte de novos deveres (Nebenpflichten), deveres de conduta anexos aos deveres de prestação contratual, como o dever de informar, de cuidado e de cooperação; seja como fonte de responsabilidade por ato lícito (Vertrauenshaftung), ao impor riscos profissionais novos e indisponíveis e uma função limitadora (Schranken-bzw. Kontrollfunktion), reduzindo a liberdade de atuação dos parceiros contratuais ao definir algumas condutas e cláusulas como abusivas, seja controlando a transferência dos riscos profissionais e libertando o devedor em face da não razoabilidade de outra conduta (pflichenbefreinde Vertrauensunstände). 12

Relembrem-se as quatro funções potenciadoras da boa-fé, segundo Jauernig e Vollkommer: 13 “a) função de complementação ou concretização da relação; b) função de controle e de limitação das condutas; c) função de correção de adaptação em caso de mudança das circunstâncias; d) função de autorização para a decisão por equidade”. 14 Aqui interessa frisar inicialmente a função de correção de adaptação em caso de mudança das circunstâncias “a repetir que o julgador adapte e modifique os conteúdos dos contratos para que o vínculo permaneça (...) apesar da quebra objetiva do negócio (...)”. 15 A quebra positiva do negócio ocorre justamente quando sua base econômica (a “economia do contrato”) é abalada por fatores externos. Nesse momento, duas são as possibilidades: 1) dilatar voluntariamente os prazos de pagamento e congelar ou retirar as sanções, usando a boa-fé – e a exceção da ruína, pois não pode estar de boa-fé quem sabe das dificuldades do outro e não atua para minimizar suas perdas e para tentar minimizar as perdas do outro, dilatando seus prazos –, como se tem visto na legislação estadual de tantos estados, como o do Rio Grande do Sul, que congelou por 90 dias as contas de água e luz, impedindo cortes dos inadimplentes, no caso em contratos entre consumidores e fornecedores do setor privado, renegociando as dívidas para adaptar-se às novas circunstâncias, sem quebra ou rescisão do contrato. E 2) pedir a adaptação pelo magistrado ou a rescisão da relação de consumo, caso não seja possível a “correção” do contrato.

Segundo o Código de Defesa do Consumidor (art. 4.º, III), o princípio da boa-fé objetiva é princípio orientador de todas as relações de consumo. 16 Não poderia ser diferente no que se refere ao crédito, em especial na concessão e na execução desse contrato “sentimental” e pouco racional.

2. Vetos: vetos à publicidade do crédito e à regulamentação do crédito consignado

No capítulo da prevenção e tratamento do superendividamento foram vários os vetos presidenciais que passamos a analisar, esperando que possam vir a ser revertidos pelo parlamento.

a. Veto à proteção contra oferta ou publicidade enganosa sobre juros

Foram vetados o Inciso I e o parágrafo único do art. 54-C sobre a proteção contra oferta ou publicidade enganosa sobre juros, que vedava na oferta de crédito ao consumidor:

Art. 54-C....

I – fazer referência a crédito ‘sem juros’, ‘gratuito’, ‘sem acréscimo’ ou com ‘taxa zero’ ou a expressão de sentido ou entendimento semelhante;

Parágrafo único. O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica à oferta de produto ou serviço para pagamento por meio de cartão de crédito.

As razões do veto foram: “A propositura legislativa estabelece que seria vedado expressa ou implicitamente, na oferta de crédito ao consumidor, publicitária ou não, fazer referência a crédito ‘sem juros’, ‘gratuito’, ‘sem acréscimo’ ou com ‘taxa zero’ ou expressão de sentido ou entendimento semelhante. Entretanto, apesar da boa intenção do legislador, a propositura contrariaria o interesse público ao tentar solucionar problema de publicidade enganosa ou abusiva com restrição à oferta, proibindo operações que ocorrem no mercado usualmente e sem prejuízo ao consumidor, em que o fornecedor oferece crédito a consumidores, incorporando os juros em sua margem sem necessariamente os estar cobrando implicitamente, sem considerar que existem empresas capazes de ofertar de fato ‘sem juros’, para o que restringiria as formas de obtenção de produtos e serviços ao consumidor. O mercado pode e deve oferecer crédito nas modalidades, nos prazos e com os custos que entender adequados, com adaptação natural aos diversos tipos de tomadores, o que constitui em relevante incentivo à aquisição de bens duráveis, e a Lei não deve operar para vedar a oferta do crédito em condições específicas, desde que haja regularidade em sua concessão, pois o dispositivo não afastaria a oferta das modalidades de crédito referidas, entretanto, limitaria as condições concorrenciais nos mercados. Por fim, impõe-se veto por arrastamento ao parágrafo único deste artigo”.

Data maxima venia, como explica a Ordem dos Economistas do Brasil, em texto elaborado pelo Prof. José Dutra Vieira Sobrinho, o juro “0” é um engano, que embute juros e prejudica a todos na sociedade, inclusive os que pagam à vista; sendo assim, é o veto que contraria o interesse público e, portanto, deveria ser revertido. Vejamos os argumentos da Ordem dos Economistas do Brasil:

A base do estudo de finanças é a matemática financeira. E a base da matemática financeira é o valor do dinheiro no tempo. E para este estudo é fundamental o conhecimento de três variáveis: o valor do capital, valor do juro e o prazo. (...) Assim, o juro pode ser justificado como uma compensação que o possuidor do capital exige pelo seu não uso durante o tempo do empréstimo: quanto maior o tempo, maior o valor dos juros. Originalmente, as pessoas que emprestavam dinheiro eram, em sua maioria, homens bem-sucedidos nas atividades comerciais, de navegação e rural. Com o tempo, esses agentes, pessoas físicas, foram sendo gradativamente substituídos por empresas especializadas na concessão de crédito. Como consequência surgiram os bancos cuja atividade principal é promover a intermediação dos recursos disponíveis na sociedade, tomando emprestado daqueles que os tem, e emprestando para aqueles que o necessitam. E com isso apareceram dois tipos distintos de juros, embora inter-relacionados: o juro pago pelo banco na captação dos recursos e o juro cobrado pelo banco no empréstimo concedido. O tamanho do juro pago pelo banco aos aplicadores de recursos normalmente é fixado pelo mercado, enquanto o juro cobrado dos tomadores de crédito depende deste e de outros fatores. Assim, em resumo, a taxa de juro cobrada pelo banco na concessão de empréstimos ou financiamentos depende basicamente dos seguintes elementos:

• Custo de capitação: juro pago pelo banco ao aplicador ou investidor.

Risco: probabilidade de o tomador do empréstimo não resgatar o dinheiro.

Custo operacional: todas as despesas operacionais, administrativas e tributárias decorrentes do empréstimo e efetivação da cobrança.

Perda do poder aquisitivo dos recursos emprestados devido ao processo inflacionário previsto para o prazo do empréstimo.

Ganho (ou lucro): fixado em função das demais oportunidades de aplicação dos recursos capitados.

Face ao exposto e à realidade atual do mercado financeiro mundial, a expressão ‘prestações sem juros’ representa uma agressão a racionalidade... Como todos nós temos uma noção muito clara do valor do dinheiro no tempo, a prática do pagamento sem juros é seguramente uma grande farsa. Nesse tipo de operação existe uma engenharia financeira que esconde os juros contidos no pagamento a prazo. Uma instituição financeira nunca concede um empréstimo sem juros para os seus clientes; e até para os seus diretores e acionistas essa prática é proibida por representar distribuição indevida de lucro.

Assim, o que se proíbe ou veda na regra vetada é o juro enganosamente denominado “juro 0” quando ele está embutido ou escondido. Se o juro ou a taxa for “0” mesmo, não há nada a temer – por exemplo, nos 30 dias do pagamento com cartão de crédito –, mas essa não é a prática. O interesse público deveria ser o de informar sobre os “ônus” do crédito e não embuti-los ou disfarçá-los com ofertas “enganosas”, que, para atrair clientela, subestimam os perigos do superendividamento, que é um risco sistêmico para todo o mercado e a sociedade brasileira, beneficiando fornecedores não leais e transparentes, sob prejuízo dos outros e da sociedade como um todo.

b. Veto ao limite de consignação para preservar o mínimo existencial

O mais importante veto a ser revertido é o do art. 54-E, que afeta o regime do crédito consignado e prejudica o novo direito de arrependimento de 7 dias no crédito consignado, mesmo que contratado no estabelecimento comercial. O texto do artigo vetado era o seguinte:

Art. 54-E. Nos contratos em que o modo de pagamento da dívida envolva autorização prévia do consumidor pessoa natural para consignação em folha de pagamento, a soma das parcelas reservadas para pagamento de dívidas não poderá ser superior a 30% (trinta por cento) de sua remuneração mensal, assim definida em legislação especial, podendo o limite ser acrescido em 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente à amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou a saque por meio de cartão de crédito.

§ 1º O descumprimento do disposto neste artigo dá causa imediata à revisão do contrato ou à sua renegociação, hipótese em que o juiz poderá adotar, entre outras, de forma cumulada ou alternada, as seguintes medidas:

I – dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, de modo a adequá-lo ao disposto no caput deste artigo, sem acréscimo nas obrigações do consumidor;

II – redução dos encargos da dívida e da remuneração do fornecedor;

III – constituição, consolidação ou substituição de garantias.

(...)

§ 5º O disposto no § 1º deste artigo não se aplica quando o consumidor houver apresentado informações incorretas.

§ 6º O limite previsto no caput deste artigo poderá ser excepcionado no caso de repactuação de dívidas que possibilite a redução do custo efetivo total inicialmente contratado pelo consumidor e desde que essa repactuação seja submetida à aprovação do Poder Judiciário.” 17

As razões do veto do artigo como um todo foram: “Entretanto, apesar da boa intenção do legislador, a propositura contrariaria interesse público ao restringir de forma geral a trinta por cento o limite da margem de crédito já anteriormente definida pela Lei nº 14.131, de 30 de março de 2021, que estabeleceu o percentual máximo de consignação em quarenta por cento, dos quais cinco por cento seriam destinados exclusivamente para amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou de utilização com finalidade de saque por meio do cartão de crédito, para até 31 de dezembro de 2021, nas hipóteses previstas no inciso VI do caput do art. 115 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, no § 1º do art. e no § 5º do art. da Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, e no § 2º do art. 45 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, bem como em outras leis que vierem a sucedê-las no tratamento da matéria, trazendo instabilidade para as operações contratadas no período de vigência das duas legislações. Mister destacar que o crédito consignado é uma das modalidades mais baratas e acessíveis, só tendo taxas médias mais altas que o crédito imobiliário, conforme dados do Banco Central do Brasil. Assim, a restrição generalizada do limite de margem do crédito consignado reduziria a capacidade de o beneficiário acessar modalidade de crédito, cujas taxas de juros são, devido à robustez da garantia, inferiores a outras modalidades. A restrição acabaria, assim, por forçar o consumidor a assumir dívidas mais custosas e de maior dificuldade de pagamento. Ademais, em qualquer negócio que envolva a consignação em folha de pagamento, seja no âmbito das relações trabalhistas ou fora delas a informação sobre a existência de margem consignável é da fonte pagadora. Diante disso, a realização de empréstimos em desacordo com o disposto no caput do art. 54-E poderia ocorrer por culpa exclusiva de terceiro, no caso a pessoa jurídica responsável pelo pagamento dos vencimentos do consumidor”.

Data maxima venia, as razões do veto não se sustentam. É necessário mudar a cultura da dívida, de concessão irresponsável de créditos que comprometem todo o mínimo existencial da pessoa e seu salário, para créditos que podem e devem ser pagos. Assim, é importante limitar o máximo de “crédito consignado”, como o fazem a França e muitos países desenvolvidos e de mercados bancários saudáveis, pois esse crédito parece mais barato para os consumidores, mas acaba os levando ao superendividamento; desse modo, o único que sai lucrando é o banco, pois acaba retirando todo o salário ou a pensão da pessoa antes que ela receba e possa escolher a quem pagar. 18 Também é necessário mencionar que o artigo não colide ou vai ao encontro do estabelecido pela Lei nº 14.131, de 30 de março de 2021, que estabelece o limite de 40% de consignação, pois essa é uma lei temporária e excepcional de emergência, com prazo de validade certo, logo, segundo o art. 2º da LINDB, não é revogada e terá validade até seu prazo final – se não for prorrogado novamente –, assim como aquelas sobre espetáculos, transporte aéreo e outras de emergência já finalizadas (Lei 14.010/2020). Portanto, até o fim de sua vigência, não há nenhum perigo que afete as “operações contratadas no período de vigência” e nem as futuras.

Destaque-se que houve enunciado da I Jornada de Pesquisa CDEA sobre Superendividamento e Proteção do consumidor quanto aos efeitos do veto e foi o seguinte: “Enunciado 9. Apesar do veto ao Art. 54-E que se refere a capacidade de consignação, para evitar o superendividamento do consumidor e garantir a preservação do mínimo existencial na concessão de crédito é necessário manter a limitação do crédito consignado em 30%” (autora: Prof. Dra. Rosângela Lunardelli Cavallazzi). Concorde-se com o enunciado, pois a noção de mínimo existencial (art. 6, XII) continua a determinar essa limitação, assim como o espírito da Lei 14.181/2021.

c. Veto ao direito de arrependimento e reflexão no crédito consignado para combater as fraudes

Ainda no art. 54-E, houve veto por arrastamento desnecessário (até a Febraban pedia a continuidade desse texto de consenso entre o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e a FEBRABAN) dos parágrafos sobre o novo direito de arrependimento no crédito consignado, que hoje já pode alcançar 84 MESES (7 anos!). Esse veto deve ser revertido, pois o crédito consignado afeta em muito o endividamento dos consumidores, especialmente idosos, analfabetos, doentes e pessoas com vulnerabilidade agravada, e esse era um dos mecanismos mais fortes para instituir no mercado brasileiro um freio às fraudes e às pressões indevidas, enganos de que são vítimas os idosos e analfabetos. O novo direito de arrependimento seria o de 7 dias no crédito consignado, mesmo que contratado no estabelecimento comercial e com devolução completa dos valores recebidos. O texto do artigo vetado era o seguinte:

Art. 54-E (veto por arrestamento)

§ 2º O consumidor poderá desistir, em 7 (sete) dias, da contratação de crédito consignado de que trata o caput deste artigo, a contar da data da celebração ou do recebimento de cópia do contrato, sem necessidade de indicar o motivo, ficando a eficácia da rescisão suspensa até que haja a devolução ao fornecedor do crédito do valor total financiado ou concedido que tiver sido entregue, acrescido de eventuais juros incidentes até a data da efetiva devolução e de tributos, e deverá:

I – remeter ao fornecedor ou ao intermediário do crédito, no prazo previsto neste parágrafo, o formulário de que trata o § 4º deste artigo, por carta ou qualquer outro meio de comunicação, inclusive eletrônico, com registro de envio e de recebimento; e

II – devolver o valor indicado neste parágrafo em até 1 (um) dia útil contado da data em que o consumidor tiver sido informado sobre a forma da devolução e o montante a devolver.

§ 3º Não será devida pelo fornecedor a devolução de eventuais tarifas pagas pelo consumidor em razão dos serviços prestados.

§ 4º O fornecedor facilitará o exercício do direito previsto no § 2º deste artigo mediante disponibilização de formulário de fácil preenchimento pelo consumidor, em meio físico ou eletrônico, anexo ao contrato, com todos os dados relativos à identificação do fornecedor e do contrato, e mediante indicação da forma de devolução das quantias.

As razões do veto foram as anteriores e nada mencionam sobre o tema do arrependimento. Data maxima venia, esses artigos tratam de tema diferente do caput e dos vetados parágrafos, assim, não havia motivo para o arrastamento. Ainda, as razões do veto não se sustentam. Quanto ao direito de arrependimento, já vimos que ele poderia trazer mais eficiência ao mercado, ao permitir ao consumidor que sofreu pressão ou assédio de consumo refletir, fazendo valer em 7 dias (com as devoluções devidas) o novo direito de reflexão e proteção da pressão do consumidor pessoa natural. Espera-se que os vetos sejam revertidos, e, se não, pelo menos o arrastamento que ocorreu nos parágrafos 2º, 3º e 4º do art. 54-E.

Repita-se que é necessário regular melhor o crédito consignado para, assim, evitarem-se fraudes.

Conforme comunica a SENACON-MJ, os contratos de crédito consignado são os campeões de reclamação dos consumidores, especialmente idosos, analfabetos e em vulnerabilidade agravada. Informando que:

“(...) em 2019 e 2020 foram abertos procedimentos sancionatórios em face de diversas instituições financeiras como Banco B.M.G, Itaú Consignados, Cetelem, Pan, Safra, Banco C6 Consig,dentre outros. Os processos versam sobre a responsabilidade de tais instituições em suas operações envolvendo dados de consumidores, em desobediência aos arts. , incs. I, VII, VIII, IX, X, 10, caput e § 1º, e 11, todos do Marco Civil da Internet, bem como aos arts. , caput, I e III; , incisos II, III e IV; 39, inciso IV; 43 (especialmente o seu § 2º) e 52, do CDC. As seguintes sanções pecuniárias já foram aplicadas:

08012.001462/2019-35 – Banco Pan S.A. – Multa aplicada: R$ 8.800.000,00

08012.001476/2019-59 – Banco Cetelem S.A. – Multa aplicada: R$ 4. 000.000,00

08012.001470/2019-81 – Banco Itaú Consignado S.A. – Multa aplicada: R$ 9.600.000,00

08012.001478/2019-48 – Banco BMG S.A. – Multa aplicada: R$ 5.100.000,00

08012.001486/2019-94 – Banco Safra S.A. – Multa aplicada: R$ 2.400.000,00

Em 2020 publicamos, também, a Nota Técnica nº 28/2020/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ (14496399) por meio da qual emitimos avaliação técnica sobre os graves problemas na oferta do cartão de crédito consignado, propondo soluções. Objetivando equacionar problemas do produto ‘crédito consignado’, elaboramos um importante ‘Guia de Corregulação do Crédito Consignado’ (14496432)que tem auxiliado no cumprimento de regras pelas instituições financeiras, sendo que muitas fizeram os ajustes solicitados por essa Secretaria.

Entretanto, diante de reclamações que recebemos, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), por meio do Processo Administrativo 08012.003236/2020-22, notificou as quinze instituições financeiras mais reclamadas (Sabemi, Olé, Crefisa, Itaú, BV, Mercantil, Banco do Brasil, Daycoval, Pan, Caixa, BMG, Bradesco, Cetelem, Safra, Santander e C6 Bank), duas associações representativas de instituições financeiras e uma associação representativa dos correspondentes bancários, para responderem a questionamentos acerca do tema, em especial sobre o trabalho dos correspondentes bancários, que realizam intermediação na oferta de crédito consignado e concluiu novo estudo sobre o tema com propostas para aperfeiçoar a regulação do crédito consignado no Brasil.

Continuamos, portanto, envidando esforços para a redução dos problemas relacionados ao tema e informamos que continua em curso também a articulação junto ao Banco Central do Brasil e ao Instituto Nacional do Seguro Social para monitoramento e avaliação de medidas já implementadas, além de solicitações de aprimoramentos regulatórios.

No que se refere a promoção da educação financeira, participamos da 7ª Semana Nacional de Educação Financeira que ocorreu de 23 a 29 de novembro de 2020, oportunidade em que contribuímos para realização do evento online ‘Crédito Consignado e Superendividamento’ que tratou dos efeitos do crédito consignado para o público superendividado. Nesse particular, o tema da proteção financeira do consumidor, merece destaque a articulação conjunta com o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor para apoio a aprovação do PL do superendividamento, que resultaram na Lei 14.181/21... Por fim, na 25ª Reunião do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, definiu-se a formação de um Grupo de Trabalho sobre fraudes financeiras. …

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jusbrasil.com.br
16 de Maio de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/5-do-credito-responsavel-a-prevencao-ao-superendividamento-do-consumidor-e-os-novos-paradigmas-no-credito-ao-consumidor/1440738913