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17 de Junho de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça do Paraná TJ-PR - Apelação: APL XXXXX-58.2020.8.16.0001 Curitiba XXXXX-58.2020.8.16.0001 (Acórdão)

Tribunal de Justiça do Paraná
há 2 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

18ª Câmara Cível

Publicação

Julgamento

Relator

Fernando Antonio Prazeres

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-PR_APL_00041405820208160001_6a3eb.pdf
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Ementa

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO AO CARGO/FUNÇÃO DE COOPERADOR DO OFÍCIO MINISTERIAL DO QUADRO DA CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL – AUTOR DESTITUÍDO DO CONSELHO DE ANCIÃES POR REALIZAR PREGAÇÃO DE CUNHO POLÍTICO, O QUE VAI DE ENCONTRO AO ESTATUTO DA CONGREGAÇÃO, QUE TEM CARÁTER APOLÍTICO – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIARECURSO DO AUTOR. QUESTÃO REFERENTE À ILEGITIMIDADE DOS RÉUS, PESSOAS FÍSICAS, QUE FOI DEIXADA PARA O MÉRITO, EM VIRTUDE DO BENEFÍCIO QUE A SENTENÇA DE MÉRITO LHES APROVEITARIA – CONDIÇÃO DA AÇÃO QUE SE CONFUNDE COM O MÉRITO, E DEVE SER ASSIM ANALISADA – TEORIA DA ASSERÇÃO. ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS SÃO PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO (ART. 44, IV E § 1º, DO CC) E TÊM LIBERDADE DE CULTO, CRENÇA, E ASSOCIAÇÃO, GARANTIDOS PELA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA (ART. 5º, VI E XVIII) – OUTROSSIM, A VEDAÇÃO À PROPAGANDA DE CUNHO ELEITORAL EM ENTIDADES RELIGIOSAS ESTÁ DESCRITA NO ART. 37, § 4º, DA LEI N. 9.504/1997 – DIANTE DESSE CONTEXTO, TEM-SE COMO PREMISSAS, DE UM LADO, QUE É LIVRE A CRENÇA, O CULTO E A RELIGIÃO POR ORGANIZAÇÕES RELIGIOSAS, E DE OUTRO, QUE HÁ LIMITES À VEICULAÇÃO POR ESTAS ENTIDADES DE CUNHO COMERCIAL, ENSINO, JORNALISTÍCO E POLÍTICO – DESTARTE, EM QUE PESE NÃO SEJA DADO AO JUDICIÁRIO SE IMISCUIR EM QUESTÕES RELATIVAS ÀS ATIVIDADES ESPIRITUAIS E RELIGIOSAS DESENVOLVIDAS PELAS IGREJAS, PODE EXERCER CONTROLE DE REGULARIDADE DOS ATOS PRATICADOS EM CONFRONTO COM A LEI OU COM SEU PRÓPRIO ESTATUTO – ENTENDIMENTO RECONHECIDO NO ENUNCIADO 143 DA III JORNADA DE DIREITO CIVIL –LIMITE COGNITIVO DA TUTELA RECURSAL QUE SE VOLTA À REGULARIDADE DO AFASTAMENTO DO RECORRENTE DO CONSELHO DE ANCIÃES, NÃO SENDO POSSÍVEL ANALISAR QUESTÕES REFERENTES À ORDEM DIVINA E PESSOAL MENCIONADAS PELO RECORRENTE – ART. DO ESTATUTO DA CONGREGAÇÃO CRISTÃO NO BRASIL QUE DEIXA CLARO SEU CARÁTER APOLÍTICO – ART. , VI E ART. 22 DO ESTATUTO DA CCB QUE ESTABELECEM COMO COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE ANCIÃES A DELIBERAÇÃO COLEGIADA SOBRE ASSUNTOS PERTINENTES À COMUNIDADE, COMO A QUEBRA DA FIDELIDADE OU À DISCIPLINA MINISTERIAL – APELANTE QUE NÃO NEGA, EM ABSOLUTO, QUE DEIXOU DE FAZER REFERÊNCIA AO CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, NO PERÍODO ELEITORAL DO ANO DE 2018, DURANTE O CULTO POR ELE DIRIGIDO – ALUSÃO À QUANTIDADE DE LETRAS DE CADA UM DOS NOMES DO CANDIDATO (AGORA PRESIDENTE, JAIR MESSIAS BOLSONARO), QUE IMPRESSIONARAM OS FIÉIS E VAI DE ENCONTRO AOS FINS DA CONGREGAÇÃO – ALUSÃO FEITA PELO PRÓPRIO RECORRENTE, EM SUA INICIAL, DE QUE TERIA SIDO CHAMADO PELO CONSELHO PARA REUNIÃO, EM QUE LHE FOI EXPLICADO O MOTIVO DE SEU AFASTAMENTO DO MINISTÉRIO – INEXISTÊNCIA DE ATA QUE NÃO AFASTA SUAS PRÓPRIAS ALEGAÇÕES, INCLUSIVE PORQUE NO ESTATUTO NÃO HÁ REFERÊNCIA À NECESSIDADE DE DOCUMENTAÇÃO DAS REUNIÕES E DELIBERAÇÕES COLEGIADAS TOMADAS PELOS ANCIÃES – CONQUANTO CONVICTO DE QUE FALA POR DESÍGNIO DIVINO, É FATO QUE A REFERÊNCIA AO CANDIDATO FOI EXPRESSAMENTE REALIZADA – POR ISSO TUDO, VERIFICA

-SE QUE (i) existiu ato de cunho polÍTICO realizado durante culto celebrado nas dependências da Congregação, o que foi reconhecido pelo próprio apelante; houve (ii) deliberação pelo Conselho, com possibilidade de contraditório e defesa por parte do recorrente; e (iii) tendo o Conselho considerado o ato praticado pelo recorrente durante a celebração do culto contrário às premissas da entidade, a destituição do ora apelante foi realizada em conformidade com a previsão estatutária, sendo, no mais, atividade discricionária e interna corporis, O QUE AFASTA A POSSIBILIDADE DE o Estado adentrar e interferir no funcionamento, assim como na conveniência e na oportunidade do ato emanado pelo Conselho superior da Congregação – ASSIM, TANTO A PRETENSÃO DE REINTEGRAÇÃO, QUANTO A DE RECONHECIMENTO DE QUE A PALAVRA PROFERIDA DURANTE OS CULTOS é ato de serviço espiritual, emanado em resposta às orações secretas dos fiéis, não merecem guarida. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 18ª C.Cível - XXXXX-58.2020.8.16.0001 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR FERNANDO ANTONIO PRAZERES - J. 16.03.2022)

Acórdão

I – RELATÓRIO. Trata-se de apelação cível interposta contra sentença proferida em “ação de reintegração ao cargo/função de cooperador do ofício ministerial do quadro do ministério da Congregação Cristã do Brasil” (mov. 77.1), condenando o autor ao pagamento das custas e despesas processuais, e de honorários advocatícios, no importe de 10% sobre o valor atualizado da causa. Inconformado com a sentença, o autor, 57911b25, requer sua reforma (mov. 83.1), sob o fundamento de que: a) A “Congregação Cristã no Brasil, igreja de matriz pentecostal, organização religiosa fundada em 1910, que tem atualmente uma rede de 20.454 templos próprios espalhados pelo Brasil padronizados em estilo arquitetônico, atua em mais de 70 países. O escalão principal é constituído por revelação de Deus de um CORPO MINISTERIAL ESPIRITUAL que são compostos atualmente de 4.222 anciães, 20.216 cooperadores do ofício ministerial, 5.922 diáconos, 11.399 cooperadores de jovens e menores, sendo estes os membros registrados que participam das reuniões ESPIRITUAIS da organização religiosa”; b) os anciães são responsáveis por diversas atividades do ofício ministerial, e formam o Conselho de Anciães, órgão máximo da organização religiosa, cada qual com suas funções internas à congregação, sendo a escolha baseada na reputação do escolhido e de sua família, no seio da comunidade, e por indicação dos membros do ministério; c) “O culto religioso da apelada é uma prática e experiência performática espiritual. Tem ali o conjunto de artistas, o público e um lugar específico. O momento mais aguardado do espetáculo do culto é A PALAVRA (sermão), neste momento abre a leitura bíblica e é considerado que não é mais o homem humano que fala ao público, mas segundo a fé de cada expectador é DEUS que fala através do “ANJO””; d) o ponto alto da celebração espiritual dos cultos e a chancela de que é Deus quem fala por intermédio do Anjo, na figura do ancião, cooperador, diácono, no púlpito da organização religiosa, e é a manifestação da Igreja na linguagem celestial; d.1) “VANDIR ROCHA DA SILVA / CLEONIME MOREIRA DA SILVA adquiriram o lote em meados de 2009 da pessoa de Vitor Celso Seidel, e que os Requerentes construíram uma casa de madeira logo após a aquisição do imóvel, onde mantém residência, possuindo água e energia elétrica instalada” e) o apelante teve uma vida dedicada dentro da Organização religiosa, tendo sido escolhido em 2012 para ancião local, em reunião ministerial do Conselho de Anciães, os quais, por unanimidade, aprovaram seu nome, conforme o ritual espiritual para o Ministério de Cooperador do Ofício Ministerial, e em 7/09/2012, o apelante fez o aceite voluntário perante toda a organização religiosa, em culto específico, “...com todas as formalidades e anúncio que foi orado a Deus e por Deus o seu nome aprovado/confirmado para cuidar do rebanho do templo da apelada no bairro da planta americana da cidade de Curitiba-Pr”, tendo conduta ilibada dentro da comunidade religiosa, o que provam diversos depoimentos do mov. 58 dos autos; f) “O apelante entre 2012 e 2018, 6 anos completos no desempenho de MINISTÉRIO ESPIRITUAL, em uma ministração de culto na data de 01/10/2018 das 14hrs em uma segunda-feira, na semana que antecediam as eleições presidenciais do Brasil do ano de 2018, no templo do bairro planta americana em Curitiba, com plateia aproximada de 500pessoas de maioria idosas, no momento DA PALAVRA que normalmente é de duração de trinta minutos, foi gravado clandestinamente e o áudio se espalhou na comunidade local, que na distribuição do áudio, pessoas anônimas e mal intencionadas editam partes e trechos e repassa coma duração de 7m16s (tira parte de um contexto e sobrepõe) de uma PALAVRA que durou mais de 30 minutos, e ainda fazem edição escrita DA PALAVRA distribuindo para toda a membresia”; g) essa gravação não é fidedigna, pois não está contextualizada com a “...PALAVRA QUE FOI LIDA NO TEMPLO; b) O início da contextualização da dissertação da PALAVRA; c) Não tem a conclusão da PALAVRA”, sendo que a edição feita, por pessoa anônima, e “...chegando o “burburinho” ao conhecimento do Ancião mais antigo da Regional Curitiba, Sr. Jair Mendes Moraes considerou aplicar o rigor do art. 9 do Estatuto sem analisar com cautela e observar as demais normas estatutárias, destituindo sumariamente o cargo ministerial do apelante. No preâmbulo do Estatuto diz: Na parte ESPIRITUAL não existe nenhum governo humano, pois só o Divino prevalece”; h) o contexto e o raciocínio do que foi dito pelo apelante foram completamente deturpados, e ficaram fora do conteúdo da pregação, adulterando-se a verdade da fala do apelante, como se estivesse induzindo os fieis a votarem no candidato a Presidente da República em 2018, sendo que não mencionou o nome de qualquer candidato a presidente, não procurava angariar votos em uma quantidade ínfima de ouvintes, e nem mesmo influenciou o resultado da votação final da presidência da república, “...eis que o resultado final já estava determinado por Deus”; i) o tópico de ensinamento n. 16 da Assembleia de 2012 deixa claro que é vedada a participação e o envolvimento do membro de cargo ou ministério com a política, seja por candidatura ou cabo eleitoral, sendo, ainda, vedado o uso da organização religiosa para a prática de propaganda política, o que também vem estabelecido no art. 37, § 4º, art. 24, VIII, art. 41-A, § 4º, da Lei n. 9.504/1997; j) o apelante juntou uma série de diferentes entendimentos jurisprudenciais sobre a proibição da realização de propaganda política nos templos religiosos, assim como o papel do Ministério Público na apuração de tais circunstâncias, e informa que “A gravação da Palavra, conselho e quaisquer atos praticados durante o santo culto, bem como a sua postagem em sites sem autorização expressa dada por aquele que ministra, constitui desobediência aos ensinamentos ministrados ao povo, além de ferir a CONSTITUIÇÃO de 1988, em seu Art. inciso X, e o art. da Lei 9.610/98 que protege especificamente as pregações religiosas. Assim, o Art. 29 da mesma Lei determina que a utilização (gravação, filmagem e ou postagem)... depende de autorização prévia e expressa do autor. Portanto, instruímos a nossa irmandade a usar de prudência, pois essa prática implica em grave violação legal àquele que durante os santos cultos grava, filma e também posta em sites, sem a devida autorização do autor. A extensão do dano é ainda maior em se tratando da exposição do servo de Deus que ministra os cultos, às críticas das pessoas que através dos sites, tomam conhecimento e banalizam a pregação da santa Palavra de Deus”; k) “Como a pregação foi considerada “ato político” e configurada “delito imperdoável” imputado unicamente pelo ancião (chefe) mais antigo de Curitiba Sr. Jair Mendes de Moraes alegando que o apelante influenciou as pessoas a votarem no candidato Bolsonaro infringindo assim as normas estatutárias da organização religiosa que considera-se apolítica, com pouca clareza do que realmente se trata o termo”; l) a sentença deve ser reformada com base no fundamento de inexistência da ata competente, pois o magistrado concorda com o argumento da autonomia do Conselho de Anciães e se equivoca ao aceitar o fundamento de inexistir procedimento forma de registro de ata, devendo-se determinar a reintegração do apelante ao Ministério de Cooperador de Ofício Ministerial, pois “...a personalidade jurídica da organização religiosa se sujeitará dentro dos termos legais o cabimento de análise do controle de legalidade e da compatibilidade dos atos praticados por seus administradores com a lei e com seus estatutos”; m) aplicam-se os arts. 47 e 48 do CC à organização religiosa, porquanto se trata de pessoa jurídica, e possui estatuto próprio – Estatuto da Congregação Cristão do Brasil – e o apelante foi chamado para assinar uma carta de renúncia previamente preparada para a decisão do ancião Jair Mendes, a qual recusou-se a assinar por se tratar de “arapuca armada”; n) o apelante não aceita a injustiça imposta por um ancião, fora dos ditames das regras do Estatuto da Organização Religiosa, bem como comprovou por suas alegações que não houve finalidade política em sua pregação, estando amparado no direito à liberdade de culto e de manifestação, “...fica perfeitamente demonstrado o direito do Apelante que não cometeu nenhuma afronta ao estatuto da organização religiosa, ao contrário, o ancião Sr. Jair Mendes que em INOBSERVÂNCIA ao estatuto da própria organização religiosa deixou de HONRAR ao apelante conforme preceitua o tópico de ensinamento n. 27 da 81ª Assembleia/2016 – “Convém também, honrarem uns aos outros”. Por fim, pede: - “Que seja determinado a REINTEGRAÇÃO DO APELANTE aos quadros ministeriais da Organização Religiosa Congregação Cristã no Brasil, na cidade de Curitiba/Pr com o cargo/ministério de Cooperador do Ofício Ministerial, por ser de Direito e Justiça, em razão da inobservância dos representantes da apelada em referência ao Estatuto e Tópicos de Ensinamentos”; - “Que seja julgado o objeto da lide “A PREGAÇÃO DA PALAVRA” (mov. 58.3) considerando pela lógica do ritual de culto e ministração de SERVIÇO ESPIRITUAL que A PALAVRA é a resposta das orações secretas dos FIÉIS, não havendo FINALIDADE POLÍTICA ou qualquer interesse político do apelante, fundamentada por todas as alegações trazidas a luz do entendimento, considerando por consequência a INVALIDADE da imputação de cunho político pelo representante da Apelada ancião Sr. Jair Mendes de Moraes”. O apelante é beneficiário da gratuidade judiciária. Contrarrazões no mov. 87.1, em que a parte apelada esclarece a ilegitimidade das pessoas físicas, como restou decidido na sentença; enfatizam a pregação de cunho político realizada; a congregação respeitou seu direito ao contraditório e à ampla defesa, só sendo afastado depois de sua oitiva; a Congregação tem cunho apolítico e a pregação do apelado influenciou os fiéis, sendo que o modo como o apelante falou “...votar no candidato a que o pregador se referiu dizendo o número de letras que compõem o seu nome, o que só se encaixava em Jair Messias Bolsonaro”, e o pregador, quando fala, tem sim controle sobre sua fala, não se tratando de “transe” houve respeito ao contraditório e à ampla defesa, assim como à prova dos autos. O autor ainda pediu a juntada de documentos já em fase recursal (mov. 15.1). É o relato do essencial. II – VOTO. Preenchidos os pressupostos extrínsecos e intrínsecos à sua admissibilidade, conheço do recurso. Ab initio, afasto o pedido do apelante para apresentação de documentos incidentalmente ao presente recurso, uma vez que a ata que o apelante pretende juntar é prescindível para análise do objeto recursal (e à própria pretensão inicial), o que se demonstrará no transcurso do julgamento. O autor e apelante, 57911b25, ajuizou ação com o intuito de ser reintegrado na CONGREGAÇÃO CRISTÃO DO BRASIL, porquanto era Cooperador do Ofício Ministerial (Ancião local) desde o ano de 2012, mas, no ano de 2018, foi destituído do Conselho de Anciães, pois teria, durante o processo eleitoral para a Presidência da República, induzido os fiéis a votarem no candidato Jair Bolsonaro, o que vai de encontro ao caráter apolítico da entidade religiosa, tendo sido deliberado pelo Conselho seu afastamento do ministério. A sentença foi de improcedência da pretensão inicial e, agora, o autor repisa seu direito à reintegração ao posto que outrora ocupava, uma vez que injustamente destituído do ofício ministerial. De início, esclareça-se que a questão da ilegitimidade das pessoas físicas não foi decidida como preliminar ao mérito da sentença, pois o magistrado entendeu que, no caso, a improcedência da pretensão inicial – ou seja, a decisão de mérito favorável aos réus – lhes aproveitaria e, consoante disposição do art. 488 do CPC, prosseguiu no julgamento da demanda. Outrossim, e à luz da teoria da asserção, a ilegitimidade das partes até mesmo se confunde com o mérito do processo, não sendo aferível in status assertionis, sendo que sua análise deveria, mesmo, ser realizada conjuntamente. Pois bem. Como bem se sabe, as organizações religiosas são pessoas jurídicas, consoante expressa disposição legal do art. 44, IV, do CC. E a proteção dos cultos, crenças, da liberdade religiosa, assim como para a criação de associações, vem expressamente delineado na Constituição Federal de 1988, no seu art. , VI e XVIII; estes, aliás, que possuem claramente natureza apolítica, conforme disposição do art. 19, I, também da CF, o qual veda aos entes da Administração Pública tanto o estabelecimento de cultos religiosos, como o embaraço de seu funcionamento. Ainda, o art. 37, e § 4º, da Lei 9.504/1997, também proíbe que sejam realizados, em templos, propaganda eleitoral de qualquer natureza. Sobre as organizações religiosas, Nelson Rosenvald e Felipe Braga Netto, assim ensinam: “Com relação a elas [organizações religiosas] o Código Civil reconheceu – e não poderia ser diferente – serem livres sua criação, organização, estruturação interna, e funcionamento, vedando-se ao Estado negar reconhecimento ou registro aos seus atos constitutivos ( CC, art. 44, § 1º). De qualquer maneira, essa liberdade de funcionamento não afasta o controle da legalidade e legitimidade constitucional de seu registro, nem a possibilidade de reexame, pelo Judiciário, da compatibilidade de seus atos com a lei e com seus estatutos, como afirma o Enunciado 143, das Jornadas de Direito Civil. Além isso, a liberdade religiosa consagrada constitucionalmente ( CF, art. 1 restringe-se ao culto e sua liturgia, não sendo admitido o desenvolvimento de atividades empresariais, jornalísticas e educacionais, ainda que os resultados econômicos sejam voltados para dar sustentação a projetos desenvolvidos pela respectiva comunidade religiosa.” (in: Código civil Comentado, artigo por artigo, ed. Ed. JusPODIVM, 2021). Ou seja, claro está que, se de um lado é livre a liberdade de crença, culto e religião, de outro, é vedado que as igrejas professem ou veiculem qualquer espécie de comércio, ensino e, inclusive, de propaganda eleitoral. Aliás, e no específico caso sob apreciação, o art. 1º do Estatuto da Congregação Cristã no Brasil dispõe expressamente sobre esse caráter desvinculado da política, como se lê: Art. A CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL é uma comunidade religiosa fundamentada na doutrina apostólica (Atos 2:42 e 4:33), organizada nos termos do art. 44, inciso IV, da Lei 10.406/02, apolítica, sem fins lucrativos, constituída de número ilimitado de membros, sem distinção de sexo, nacionalidade, raça, ou cor, tendo por finalidade propagar o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor a Deus, tendo por cabeça só a Jesus Cristo e por guia o Espírito Santo... Vai daí que, se o Estado não pode intervir nas atividades religiosas e espirituais desenvolvidas pelas igrejas, pode-se analisar a compatibilidade de seus atos com a lei e os seus próprios estatutos, o que vem reconhecido no enunciado 143 da III Jornada de Direito Civil: A liberdade de funcionamento das organizações religiosas não afasta o controle de legalidade e legitimidade constitucional de seu registro, nem a possibilidade de reexame, pelo Judiciário, da compatibilidade de seus atos com a lei e com seus estatutos. Aqui, estabelece-se com nitidez – e como bem ponderado pelo d. magistrado – o limite cognitivo da demanda posta, agora, em grau recursal: a regularidade do ato de afastamento do apelante dos quadros de Anciães da apelada, não cabendo ao Poder Judiciário se imiscuir nas ponderações de ordem pessoal e mesmo divinas apresentadas pelo recorrente, cuja apreciação judicial é impertinente, não sendo possível ao Estado ingressar no debate de decisões internas da organização religiosa. No caso, como se vê, o Estatuto da CCB (mov. 40.2) dispõe no seu art. que: “9º. Os membros da CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL, ocupantes de quaisquer cargos ou funções, ministeriais ou não, só poderão ser demitidos ou afastados do exercício deles, por deliberação do Conselho de Anciães (artigo 22 e parágrafos) que, sob a guia de Deus, decidirá soberanamente a respeito, nos seguintes casos: (...) VII – quebra da fidelidade à doutrina ou à disciplina ministerial da CONGREGAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL, a juízo do Conselho de Anciães.” E o mencionado art. 22 do Estatuto referido elucida que: Art. 22 O Ministério da CONGREGAÇÃO CRISTÃO NO BRASIL é composto de Anciães que em seu conjunto formam o Conselho de Anciães, Cooperadores do Ofício Ministerial e Diáconos.§ 1º O Conselho de Anciães se reunirá em Reuniões Regionais de Ministério, compondo o Conselho Regional de anciães, integrado por XXXXXfe os anciães das localidades da respectiva Região ou do respectivo Estado e deliberará sobre as questões espirituais regionais, bem como as materiais, estas, em conjunto com a Administração, dando cumprimento ao artigo 32 deste Estatuto.(...)§ 3º. Os Conselhos de Anciães previstos nos parágrafos 1º e 2º poderão indicar alguns de seus membros para a apreciação e resolução de questões urgentes. Tem-se, portanto, que é de competência do Conselho de Anciães deliberar sobre questões urgentes e relevantes, sendo esse órgão colegiado da organização religiosa o responsável pelas deliberações sobre os assuntos pertinentes à comunidade. Apesar da insistência do apelante em querer a “ata” da reunião que deliberou pela sua exclusão da qualidade de membro Ancião, não se denota do Estatuto referido qualquer exigência de que todas as deliberações deverão ser registradas em atas ou em qualquer outro meio de consignação das decisões tomadas em conjunto. Além do mais, e não se olvidando da íntima convicção do apelante – de que fala sob manto de proteção divina – é fato que ele não nega, em absoluto, que fez menção ao candidato à Presidência da República do ano de 2018; pelo contrário, afirma que mencionou a quantidade de letras de cada nome do presidente eleito (à época candidato), mas insiste que não falou o nome expressamente. Paralelamente a isso, o próprio autor referiu, com a inicial, que: Em 11 de novembro pelo ancião João Alves Taborda foi pedido para que o Autor comparecesse as 08 hrs na matriz para uma rápida reunião. Conforme combinado, o Autor se apresentou na matriz, e como praxe é servido café antes do início da reunião, quando foi abordado por membro da administração Sr. João que o chamou para uma sala reservada, onde se encontrava o Sr. Jair Mendes de Moraes, Sr. Nicolau Ferreira Quintas, Sr. Sebastião Marcondes, Sr. João Alves Taborda, Sr. Sérgio Roberto de Oliveira e Sr. Dircionil Pereira Campos. Nesta reunião paralela informaram ao Autor que a causa do afastamento era em razão de um sermão de autoria do Autor que tinha incentivado membros da comunidade a votar no candidato a presidência Jair Bolsonaro e pressionaram o Autor a assinar uma Carta de Renúncia emitida pelo próprio Conselho, na qual o Autor recusou-se a assinar. Não obtendo o objetivo da assinatura na carta pré-formatada, encerraram o encontro rapidamente e o Autor informou aos presentes que não renunciaria ao seu CARGO DE COOPERADOR OFICIAL desta maneira tão sórdida. Informa o Autor que pediu perdão ao Conselho de Anciães, pois caso a interpretação dos que estavam presentes foi feita fora da contextualização, ele não teria nenhum problema em explicar o caso publicamente em outro atendimento de culto, portanto, obteve uma resposta severa do Sr. Jair Mendes de Moraes que não adiantava pedir perdão para eles, pois tinha que pedir perdão para o “mundo inteiro”, pois o Autor teria influenciado as pessoas da comunidade evangélica em apoio político ao candidato Jair Bolsonaro. No dia 16 de novembro, dia de reunião setorial do Bairro Planta Americana, o ancião Sr. Dircionil Pereira Campos avisou a XXXXXfe os presentes naquela reunião: anciães, cooperadores, diáconos e administradores locais que os cultos das 14 hrs das segundas-feiras seriam CANCELADOS, passando o AUTOR por uma humilhação sem precedentes, pois XXXXXfe os presentes ficaram perplexo pela decisão informada. Esta foi a forma ardil que o Conselho de Anciães encontrou para AFASTAR/DEMITIR DO CARGO o Autor, cancelando os serviços de culto da comunidade evangélica Bairro Planta Americana das 14hrs das segundas-feiras. Logo, (i) existiu ato de cunho politizado realizado durante culto celebrado nas dependências da Congregação, o que foi reconhecido pelo próprio apelante; houve (ii) deliberação pelo Conselho, com possibilidade de contraditório e defesa por parte do recorrente; e (iii) tendo o Conselho considerado o ato praticado pelo recorrente durante a celebração do culto contrário às premissas da entidade, a destituição do ora apelante foi realizada em conformidade com a previsão estatutária, sendo, no mais, atividade discricionária e interna corporis, não se possibilitando ao Estado adentrar e interferir no funcionamento, assim como na conveniência e na oportunidade do ato emanado pelo Conselho superior da Congregação. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem precedente, em semelhante sentido: AÇÃO ORDINÁRIA. ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO QUE AFASTOU O AUTOR DA CONDIÇÃO DE PASTOR E PRESIDENTE DE IGREJA. SENTENÇA PELA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. INCONFORMISMO MANIFESTADO. DESCABIMENTO. AUTOR QUE DEIXOU DE CUMPRIR COM PRESSUPOSTO NECESSÁRIO AO DESEMPENHO DA FUNÇÃO. AFASTAMENTO QUE SE FAZIA DE RIGOR, NOS TERMOS DO ESTATUTO. NULIDADE QUE NÃO RESTOU VERIFICADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. (TJSP; Apelação Cível XXXXX-36.2019.8.26.0554; Relator (a): Vito Guglielmi; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santo André - 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/08/2021; Data de Registro: 12/08/2021) APELAÇÃO. Associação civil. Organização religiosa. Ação de anulação de decisão assemblear. Falta disciplinar. Determinação de afastamento do autor da presidência da igreja. Suspensão dos direitos de pastor por dois anos e um ano de suspensão dos direitos de membro da instituição. Sentença de procedência. Inconformismo. Réu que ingressou com ação condenatória em obrigação de fazer cumulada com danos morais. Tramitação em conjunto. Julgamento nos mesmos autos. Pretensão à verba indenizatória; reintegração dos autores como membros da igreja e acesso à Santa Ceia, bem como às demais atividades relacionadas à instituição. Sentença de improcedência. Manobras irregulares a fim de manter-se na presidência da igreja. Descumprimento da disciplina imposta. Suscitada preliminar de cerceamento de defesa. Desacolhimento. Suficiência de provas. Autos bem instruídos. Princípio do livre convencimento motivado. Exegese do artigo 370 do Código de Processo Civil. Ilegitimidade de parte do segundo requerido. Correção. Mero representante da primeira requerida. No mais, a disciplina empreendida afigura-se razoável e proporcional à falta cometida. Legalidade da assembléia que elegeu a nova diretoria. Penalidade que deve alcançar tão somente o réu, mantendo os direitos da esposa referentes à membresia inatingíveis. Recurso parcialmente provido. (TJSP; Apelação Cível XXXXX-40.2013.8.26.0428; Relator (a): José Rubens Queiroz Gomes; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de Paulínia - 1ª Vara; Data do Julgamento: 30/08/2017; Data de Registro: 30/08/2017) Por conseguinte, os pedidos feitos pelo apelante, tanto de reintegração ao Conselho de Anciães, quanto para reconhecimento de que a pregação da palavra é ato de serviço espiritual, emanado em resposta às orações secretas dos fiéis, não merecem guarida. Por isso tudo, meu voto é no sentido de negar provimento ao recurso. Ainda, considerando o contido no art. 85, § 11, do CPC, e o trabalho adicional dos patronos dos apelados em grau recursal, majoro os honorários advocatícios para 15% sobre o valor atualizado da causa.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-pr/1422050419

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