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12 de Maio de 2024
  • 1º Grau
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TRT12 • Ação Trabalhista - Rito Ordinário • XXXXX-83.2019.5.12.0035 • 5ª VARA DO TRABALHO DE FLORIANÓPOLIS do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região - Inteiro Teor

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

5ª VARA DO TRABALHO DE FLORIANÓPOLIS

Partes

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PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO
5ª VARA DO TRABALHO DE FLORIANÓPOLIS
ATOrd XXXXX-83.2019.5.12.0035
RECLAMANTE: RENATA OURIQUES
RECLAMADO: ORBENK ADMINISTRACAO E SERVICOS LTDA., FUNDACAO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE DE FLORIANOPOLIS

SENTENÇA

RELATÓRIO

RENATA OURIQUES qualificada nos autos, aforou ação trabalhista em face de ORBENK ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇOS e FUNDAÇÃO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE DE FLORIANÓPOLIS, requerendo, em face do articulado na inicial:

a) o reconhecimento judicial, por meio da tutela antecipada, da rescisão indireta do contrato de trabalho, por estarem presentes os requisitos do art. 483, a, d e e e § 1º da CLT, com baixa na CTPS, saldo salarial, aviso prévio indenizado e reflexos, 13º salário e proporcional, férias+1/3 e proporcional, FGTS+40% e INSS, além do levantamento do FGTS, acrescido de 40%, a entrega das guias CD/SD ou a indenização equivalente e, ainda, a sua confirmação por Sentença; b) o reconhecimento da responsabilidade solidária das reclamadas; c) a diferença salarial decorrente da equiparação salarial, correspondente às prestações vencidas e seus reflexos (salários desde 14/01/2015 até 28/01/2019, férias mais 1/3 constitucional, 13º salário, FGTS + 40%, INSS), com reajuste do salário da Autora para o valor de R$ 2.779,03, acrescido de juros e atualização monetária, e no ensejo que se proceda à alteração dos assentos constantes na CTPS; alternativamente, pugna a Autora pelo reconhecimento do desvio de função e o respectivo pagamento da multa em valor não inferior a 50% sobre o valor do salário base, acrescidos dos reflexos; d) a condenação das Reclamadas ao pagamento de indenização por danos morais, decorrente do assédio moral e atos que ofenderam a dignidade da Autora, estes sugeridos em R$30.000,00, além da diferença da verba previdenciária e e) honorários advocatícios.

Juntou documentos.

Citado, o réu ofertou defesa alegando, prefacialmente, prescrição e inépcia da inicial, e, no mérito, impugnando especificamente os pedidos exordiais.

Juntou documentos.

Tutela antecipada rejeitada às fl . 585.

Citados, a Fundação Municipal do Meio Ambiente ofertou defesa às fl. 627 e seguintes, alegando a regularidade do pedido de demissão da autora e ausência de assédio moral, e, ainda, alegando que a atribuição de novas tarefas ao trabalhador na mesma jornada não configura acúmulo de funções, invocando a seu favor o teor da Súmula 51 do TST.

ORBENK, por seu turno, apresenta contestação às fl. 640 e seguintes, impugnando especificamente os pedidos exordiais.

Procedeu-se à colheita da prova oral às fl 928/929.

A instrução processual foi encerrada.

Razões finais remissivas, reiterados os protestos.

Inexitosas as tentativas de conciliação.

É o relatório.

DECIDO:

EQUIPARAÇÃO SALARIAL/DESVIO DE FUNÇÃO

A autora narra na peça exordial que foi contratada pela primeira reclamada para exercer a função de recepcionista, mas, desde o primeiro dia de trabalho na 2a ré foi designada para realizar as atividades de assessora na área jurídica da FLORAM, sendo que, na época,a autora cursava o curso de Direito.

Relata que realizava a mesma função que o assessor técnico Sr. Luiz Roberto Schlikmann Junior.

Aduz que tem direito à equiparação ante o teor do artigo 461 da CLT, ou à isonomia conforme OJ 383 da SDI-1 do TST.

Sucessivamente, requer seja reconhecido o desvio de função.

Nas defesas, a primeira ré nega o desvio de função e a 2a ré invoca a seu favor a Súmula 51 do TST.

Isto posto,a análise da prova documental e oral nos autos mostra que a autora foi contratada como recepcionista pela primeira reclamada, mas, desde o primeiro dia, exerceu a função de assessora na área jurídica.

De fato às fl. 28 dos autos consta a CTPS da autora, onde figura o contrato com a 1a ré e está bem claro a função de recepcionista.

Já os relatórios anexados às fl 35 a 39 dão conta que a autora julgava processos administrativos da entidade.

Os documentos de fl. 40 e seguintes mostram que a autora dava pareceres jurídicos, apostando carimbo "Renata Ouriques

/ Órgão Julgador/ FLORAM"

As fl. 215 e seguintes constam despachos e pareceres.

A prova oral é uníssona nos mesmo sentido:

-do preposto da 2a ré FLORAM:

"1. o depoente faz assessoria ao superintendente, trabalhando com os autos de infração há dois anos; 2. a autora integrou a força tarefa que foi reunida para atender aos autos de infração da Floram por aproximadamente dois anos; 3. a autora analisava processos para verificar se faltava alguma documentação, sendo que se faltasse algum documento baixava o processo em diligência para ser saneado; 4. desconhece se durante o período da autora houve uma chefe de nome Suzana; 5. a autora descrevia o que havia no processo e submetia à procuradoria (...) 7. a autora nunca trabalhou como recepcionista na Floram" - ( fl. 929)

-da 1a testemunha da autora, o então superintendente da FLORAM, ALVARO AUGUSTO PORTELLA TRENTO CASAGRANDE:

"1. o depoente foi superintendente da Floram de setembro de 2017 a dezembro de 2018 e uma das atividades era julgar os autos de infração ambiental; 2. a autora era assessora do depoente e fazia o relatório referente à ata de julgamento; 3. a autora e o depoente realizavam uma reunião onde eram apresentados os processos e o depoente assinava os que estavam de acordo com seu julgamento; 4. o depoente solicitava que a autora lançasse em letras pequenas o seu nome na peça, para saber quem era o assessor que havia elabora do o relatório de julgamento; 5. havia muitos processos parados na época e chegaram a julgar 80 autos de infração por mês (fl. 929)

- da 2a testemunha da autora ANTONIO CARLOS SIMAS:

" 1. o depoente trabalha na Floram desde 2013 e Depoimento: na prefeitura desde 1998; 2. a autora ingressou como estagiária e após começou a assessorar os superintendentes no julgamento dos processos de auto de infração ambiental; 3. a autora analisava os processos administrativos e auto de infração, e emitia os pareceres e relatórios que serviriam para julgamento pelo superintendente" (fl. 930)

Inclusive, a testemunha arrolada pela própria FLORAM PATRICIA REGINA RAMOS reconhece que:

"1. trabalha para a primeira reclamada, prestando Depoimento: serviços na Floram como recepcionista; 2. a autora não prestava serviços junto com a depoente (fl. 930)

Resta extreme de dúvida, pois, que a autora, embora contratada como recepcionista, nunca trabalhou nessa função e desde o primeiro dia de prestação de serviços desempenhava a atividade de assessoria de natureza jurídica.

O contrato de trabalho caracteriza-se como contrato sinalagmático, no sentido de que existe reciprocidade entre as obrigações das partes, que devem se equivaler no conjunto da prestação de serviços.

Nesta linha, o acúmulo de função representa uma quebra no sinalagma do contrato, uma vez que o empregado passa, em meio ao contrato, a desempenhar atividades distintas das que integram o conteúdo ocupacional da função contratada, que demandem maior grau de qualificação ou maior responsabilidade, compatíveis com função melhor remunerada, sem a devida contraprestação.

O desvio de função ocorreu no caso em face da quebra do sinalagma do pacto laboral, já que a autora foi contratada para uma função menos complexa, de remuneração inferior, a saber, a de recepcionista, e, na prática, passou a realizar uma função de mais complexa, de remuneração superior - de onde se visualiza o locupletamento indevido das empresas rés com a prestação de serviços da autora, a qual foi prestado sem remuneração compatível.

Não se aplica ao caso ora em exame o teor da Súmula 51 do TRT da 12a Região, pois as funções designadas com a autora não são compatíveis com aquelas para que a autora foi contratada: a autora foi contratada para recepcionista e realizava funções de assessora jurídica, inclusive com fundo técnico diferenciado, de onde se vê que houve, sim, desvio de função , com locupletamento empresarial ás custa da obreira.

O artigo 460 da CLT faz muitos anos corrobora o entendimento de que o empregador deve pagar salário efetivamente compatível com o que é de mercado para a função exercida pelo empregado.

É de se notar que a Reforma Trabalhista, ao regular o instituto da terceirização, expressamente proibiu o desvio de função:

De fato, dispõe o art. da Lei n.º 13.429/2017 deu nova redação à Lei n.º 6.019/1974 cujo Art. 5º-A foi fixado da seguinte forma:

"§ 1º É vedada à contratante a utilização dos trabalhadores em atividades distintas daquelas que foram objeto do contrato com a empresa prestadora de serviços".

Mesmo antes da Reforma Trabalhista, jurisprudência trabalhista, com supedâneo no artigo 12 , a, da Lei n.º 6.019/1974, além do princípio da isonomia insculpido no artigo , incisos XXX, XXXI e XXXII da Constituição Federal repudiava o tratamento salarial diferenciado para trabalhadores terceirizados que exercem funções idênticas ou similares a dos regulares da empresa tomadora.

A questão inclusive já foi pacificada pelo Tribunal Superior do Trabalho pela OJ 383 da SDI-I do TST, que se transcreve:

383.TERCEIRIZAÇÃO. EMPREGADOS DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS E DA TOMADORA. ISONOMIA. ART. 12, A, DA LEI Nº 6.019, DE 03.01.1974. (mantida) - Res. 175/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com ente da Administração Pública, não afastando, contudo, pelo princípio da isonomia, o direito dos empregados terceirizados às mesmas verbas trabalhistas legais e normativas asseguradas àqueles contratados pelo tomador dos serviços, desde que presente a igualdade de funções. Aplicação analógica do art. 12, a, da Lei nº 6.019, de 03.01.1974.

Registra essa juíza que já existem diversos precedentes desse Tribunal Catarinense sobre o assunto, nos casos envolvendo os trabalhadores que prestam serviços no sistema prisional em face dos agentes penitenciários públicos, de onde se extrai a título exemplificativo a seguinte ementa:

"SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO PRISIONAL. TERCEIRIZAÇÃO. ATIVIDADE-FIM DA TOMADORA do SERVIÇO. ISONOMIA SALARIAL COM AGENTES PENITENCIÁRIOS CONCURSADOS. RECONHECIMENTO DO DIREITO. Impõe-se reconhecer a isonomia salarial entre os trabalhadores das instituições terceirizantes e das prestadoras de serviços nos sistemas de administração prisional, de modo a elidir e/ou minorar o caráter de precarização do trabalho que pode advir da terceirização, sem o qual pode esta última transformar-se em" veículo de discriminação e aviltamento do valor da força de trabalho, rebaixando drasticamente o já modesto padrão civilizatório alcançado no mercado de trabalho do país ". Essa garantia isonômica se dá ao serem asseguradas todas as parcelas de caráter salarial cabíveis aos empregados originários da entidade tomadora. Precedentes no TST. Incidência, por analogia, do previsto Lei nº 6019/1974 e, bem assim, do preconizado na OJ TST SBDI-1 nº 383 e na Constituição Federal (art. 5º, caput e inc. I; art. 1º, incs. III e IV; art. 3º, incs. I, III e IV; art. 4º, inc. II; art. 6º; art. 7º, incs. VI, VII, X; art. 100 e art. 170, inc. III), que consagram o princípio da igualdade e proíbem o tratamento discriminatório." (RO XXXXX-86.2011.5.12.0050, Relator Desembargador Hélio Bastida Lopes, Publicado no TRTSC/DOE em XXXXX-09-2012).

Por fim, registro que não houve impugnação específica quanto a alegação de que também desempenha funções de assessoria técnica Sr. Luiz Roberto Schlikmann Junior.

Pelo que ante a realidade dos autos reconheço que:

a) a autora exerceu a função assessora na área jurídica desde a admissão;

b) em face do teor do artigo 460 da CLT, bem como dos artigos 5o -A e 12, a, da Lei nº 6.019, de 03.01.1974, bem como OJ SBDI-1 nº 383 e com supedâneo no artigo , incisos XXX, XXXI e XXXII da Constituição Federal , a autora faz jus ao pagamento das diferenças entre o salário de assessor técnico na ré no valor de R$ 2.779,03 e aquele de recepcionista no importe de R$ 1.176,31 pago à autora, mês a mês com reflexos para RSR, aviso prévio, férias com o terço, 13o salário e FGTS com multa.

DA RESCISÃO INDIRETA E DANO MORAL

A autora sustenta na peça exordial que:

"(...) com a chegada do prefeito Gean Loureiro, mudou-se a composição da diretoria da casa e, com isso, a Autora passou a ser assediada pelos novos gestores, de todas as formas. A situação piorou no final de 2018, quando a Autora retornou de um período de férias e passou a ser perseguida pelo então Diretor Geral da Floram, o Sr. Marcos Leandro Gonçalves da Silva, o" Marquinhos ". Após o retorno do período de férias, Marquinhos começou a realizar cobranças de horários e serviços que não havia antes, mesmo a Autora desempenhando suas atividades com zelo e responsabilidade, como sempre o fez. Acredita-se que tais atos eram uma represália por ter a Autora reclamado com outras pessoas sobre os assédios sexuais que sofreu dentro da Floram, por outros integrantes. Em um dos casos, o então Diretor Geral adentrou na sala em que a Autora trabalhava e começou a gritar com ela e proferir ameaças de demissão, dizendo que os dias dela estavam contados. Noutro caso, em época de Natal, houve confraternização na Floram, da qual a Autora sequer soube que iria acontecer, e todos os funcionários da casa, incluindo os demais terceirizados que lá trabalham também em desvio de função, foram dispensados do trabalho assinando o ponto em outros dias para não haver desconto. Tudo autorizado pelo Diretor Geral da Floram. Vendo a Floram vazia e sabendo o que teria acontecido, o sentimento de marginalização tomou conta da Autora que não teve outra opção, senão fazer imagens de vídeo de todas as situações a que estava sendo exposta de forma vexatória.(...) sso virou um verdadeiro tormento para a Autora, que não teve mais paz de espírito para continuar exercendo suas funções (não pelas quais foi contratada) na Floram. Recentemente, o Sr. Marcos, exonerado do cargo pelo Prefeito de Florianópolis, e realocado nos quadros funcionais da Floram, encontrou uma nova forma de atingir a Autora. Desta vez, o Sr. Marcos conseguiu a demissão da sobrinha da Autora que trabalhava na Floram como estagiária, além de remanejar a Autora para um local isolado sob" os seus cuidados ". Diante deste cenário, não restou alternativa à Autora senão vir pleitear seus direitos suprimidos pelas Requeridas, perante a tutela jurisdicional do Estado."

A 2a ré nega a ocorrência de assédio moral nas suas dependências.

Pois bem.

A prova oral produzida é que, efetivamente, a autora era tratada de forma não impessoal pelo referido diretor Marcos Leandro Gonçalves da Silva, o qual a perseguia, realizava cobranças despropositadas, e gritava com a autora nas dependências da FLORAM.

Nesse diapasão o depoimento do então superintendente da FLORAM sr .ALVARO AUGUSTO COLLE CASAGRANDE:

"7. as nomeações e exonerações eram realizadas pelo prefeito, de tal sorte que o depoente não tinha ingerência sobre as atitudes do diretor; 8. o diretor era o sr. Marcos e não tinha perfil para gestão de RH e direção geral, sendo que com relação à autora o mesmo começou a persegui-la sob o fundamento de que não cumpria o horário, o que não era realidade; 9. o sr. Marcos havia sido eleito como suplente com 1.400 votos e o cargo era político, sendo que o perfil mais adequado seria de um administrador, e o referido diretor agia como político, sendo que não tratava impessoalmente a autora; 10. não ficou sabendo de uma situação que todos os funcionários foram dispensados às 16h30/17h, sem ser comunicado o fato a autora; 11. o depoente presenciou o sr. Marcos berrando com a autora no corredor e achou completamente despropositado"

De forma mais contundente, esclarece ANTONIO CARLOS SIMAS:

"5. o sr. Marcos perseguia a autora, fazendo cobranças descabidas de horário e outras coisas; 6. uma oportunidade presenciou o sr. Marcos gritar com a autora enquanto estava subindo o corredor; 7. o próprio depoente já foi perseguido pelo sr. Marcos, assim como outros funcionários, ameaçando os funcionários de demissão" (fl. 930)

É de se notar que o depoimento do preposto e da testemunha da 2a ré não infirmam os anteriores, pois esses funcionários trabalhavam em outro setor na época em que o diretor Marcos Leandro Gonçalves da Silva exerceu suas funções.

Sobre o tema, esclarece SONIA MASCARO NASCIMENTO: "o assédio moral é caracterizado por uma conduta abusiva, seja do empregador que se utiliza de sua superioridade hierárquica para constranger seus subalternos, ou seja, dos empregados entre si com a finalidade de excluir alguém indesejado do grupo, o que pode se dar, aliás muito comumente, por motivos de competição ou de discriminação pura e simples." (in: O Assédio Moral no Ambiente de Trabalho. Artigo publicado na Internet, site www.jus.com.br, consultado em 16 de fevereiro de 2005).

Ora, claro está que a autora foi assediada moralmente pelo

tratada com rigor excessivo por seu superior hierárquico diretor Marcos Leandro Gonçalves da Silva , pois atestado pelo então superintendente da FLORAM que a autora era tratada de forma não impessoal, e, pela outra testemunha, confirmando o contexto de cobranças excessivas, gritos pelo corredor e ameaça de demissão.

Ora, é consabido que o assédio moral conduz à depressão do trabalhador e traz prejuízos a sua saúde.

A Consolidação das Leis do Trabalho, em que pese na época ainda não tivesse cunhada a expressão assédio moral, autoriza a rescisão indireta do contrato de trabalho quando o empregado for tratado com rigor excessivo, considerável ou contra ele foem praticados atos lesivos da honra e da boa fama (artigo 483 e incisos da CLT).

A propósito do rigor excessivo, disserta VALENTIN CARRION que são "repreensões ou medidas disciplinares que por falta de fundamento, repetição injustificada ou desproporção com o ato do empregado evidenciem perseguição ou intolerância; implicância ao dar ordens ou a exigência anormal em sua execução" (CARRION, Valentin. Comentários à CLT.São Paulo, Saraiva, 2019, fl. 436)

A lesão à honra se refere à violação de direitos da personalidade, notadamente o respeito ao empregado como pessoa, como, por exemplo, de não ser tratado aos gritos.

Pelo que, ante a realidade do ocorrido e da prova, entendo que a 2a reclamada cometeu ato ilícito de assédio moral contra a autora, o que autoriza o despedimento indireto com relação à 1a reclamada.

De onde converto o pedido de demissão realizado em dispensa indireta e defiro à trabalhadora o pagamento de saldo salarial, aviso prévio indenizado e reflexos, 13º salário e proporcional, férias+1/3 e proporcional, FGTS+40% e INSS, além do levantamento do FGTS, acrescido de 40% e recebimento do seguro desemprego.

Como consequência das razões expostas em sentença, RECONSIDERO a decisão em tutela antecipada, e defiro a expedição de alvará para imediato levantamento do FGTS depositado e recebimento pela autora do seguro desemprego. Observe a Secretaria.

Segundo Yussef Said, o dano moral " é a dor resultante da violação de um bem juridicamente tutelado, sem repercussão patrimonial. Seja dor física - dor-sensação, como a denomina Carpenter - nascida de uma lesão material; seja a dor moral - dor-sentimento, de causa imaterial" (Dano e Indenização. São Paulo: RT, 1980, p. 7).

No presente caso, é extreme de dúvida que a autora sofreu danos morais decorrentes do assédio, pois o tratamento não impessoal, cobranças excessivas, gritos e ameaça de demissão mostram desrespeito com a pessoa do trabalhador e diminuem os sentimentos pessoais de estima e consideração, além de colocar o trabalhador numa situação vexatória perante terceiros.

Isto posto, e considerando a necessidade de que se pare de tolerar o abuso pelos políticos no exercício dos cargos da Administração Pública, e que se deve pautar o serviço público pelos princípios da moralidade e impessoalidade, mesmo com relação aos terceirizados (considerando que muito se fala em terceirizar diversos setores do serviço público) fixo a indenização por danos morais devida à autora no importe de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

DA RESPONSABILIDADE DAS RÉS

Dispõe o artigo 187 do Código Civil:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Nos dizeres de FABIO ULHOA COELHO:

"Em princípio, o exercício de um direito corresponde a ato lícito e não pode, por isso, implicar a responsabilidade aquiliana do sujeito que o titulariza. Ao contrário, o titular de um direito deve ser assegurado pelo Estado a oportunidade de exercê-lo plenamente. Faltando segurança, falta o próprio direito, já que o seu titular não poderá opor-se aos que eventualmente o impedem de praticar os atos em que faculdade ou a prerrogativa jurídica se manifestam. Para merecer a tutela do Estado, contudo, o direito subjetivo deve ser exercido regularmente. Quem exerce direito extravasando os limites da regularidade - ditados pelo fim econômico ou social deste, pela boa-fé e bons costumes - não pode buscar amparo aos seus atos. Mais: se causar danos, será responsável por indenizá-los" (COELHO, Flavio Ulhoa. Curso de Direito Civil. 7a edição. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 291/292)

Dissertando sobre o direito que é exercido em excesso aos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, os dizeres do doutrinador:

"Os direitos subjetivos não são tutelados pela ordem jurídica com atenção apenas aos interesses do titular.Evidentemente, esses interesses não são desconsiderados, visto representarem a razão de ser da atribuição dos direitos subjetivos. É na compatibilização dos interesses do titular do direito subjetivo com os dos demais sujeitos com que interage e a própria comunidade que se encontra o limite ditado pela finalidade econômica ou social dele" (COELHO, Flavio Ulhoa. Curso de Direito Civil. 7a edição. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2016 p. 293)

Sobre o direito exercido com violação à boa-fé:

"A harmoniosa convivência em sociedade pressupõe a boa-fé de todos em qualquer interação. Mentir, ocultar a verdade, não explicitar intenções claramente ou buscar proveitos ilegítimos induzindo outros sujeitos em erro são condutas qualificadas pela má-fé, ainda que tenham a aparência de regular direito" (COELHO, Flavio Ulhoa. Curso de Direito Civil. 7a edição. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2016 p. 294)

Pois bem.

Colaciona-se a doutrina supra porque o presente caso se trata de cometimento de ato ilícito pelos réus, por abuso de direito de terceirização, o que atrai a responsabilidade solidária entre os agentes causadores do dano - e, portanto, não se trata da responsabilidade subsidiária da tomadora na terceirização face não pagamento das parcelas trabalhistas pela tomadora prevista na Súmula 331 do TST, ou artigo 5o-A, parágrafo 5o Lei n.º 6.019/1974 com a redação dada pela da Lei n.º 13.429/2017 (Reforma Trabalhista).

De fato, não se olvida - e como mencionou a ré FLORAM em defesa - que houve uma licitação e a celebração de um contrato de terceirização entre a 2a ré e a 1a ré para a prestação de serviços de apoio, especialmente recepção.

Porém, o quê aconteceu não foi falta de cumprimento de obrigações trabalhistas contratuais pela 2a ré Orbenk - o que levaria, no máximo, à responsabilidade subsidiária da Administração.

Com efeito, de forma suis generis, quem praticou os atos ilícitos de desvio de função e assédio moral sobre a pessoa da autora foi diretamente a 2a ré a FLORAM .

A ORBENK se limitou a consentir com o desvio de função - o qual era de conhecimento dos seus prepostos - sendo que não foi nenhum de seus supervisores que cometeu assédio moral à pessoa da autora

E esses atos são ilícitos porque, em que pese a 2a reclamada possua o direito de realizar a terceirização - o que, atualmente, se compreende, alcançaria até sua atividade fim por dicção do caput do artigo 5o-A da Lei n.º 6.019/1974 com a redação dada pela da Lei n.º 13.429/2017 (Reforma Trabalhista) - o fato é que deve fazê-lo no exercício regular do direito subjetivo a si reconhecido, dentro dos fins econômicos e sociais da norma e observando o critério da boa-fé.

No caso, é de se notar que o desvio de função da autora importou em locupletamento sobre os serviços prestados da obreira, porquanto dela foram exigidas atividades não contratuais sem remuneração correspondente.

É considerado desvio da finalidade econômica e social da terceirização utilizar desse tipo de contratação para empregar pessoas para uma função, e utilizá-la para outra, pagando menos. O objetivo é que o contrato corresponde a uma realidade, e não sirva para mascarar uma mentira.

Também se constitui abuso de direito o fato de a terceirização ter sido utilizada no caso com má-fé, buscando proveitos ilegítimos.

É de se notar que, atualmente, o artigo 5o - A, parágrafo 1o da Lei n.º 6.019/1974 com a redação dada pela da Lei n.º 13.429/2017 (Reforma Trabalhista) é expresso ao vedar o desvio de função, sendo que, de qualquer forma, o desvio no caso sem remuneração é ilícito - até porque não é aceito em nosso ordenamento jurídico que a prestação subordinada não seja remunerada de forma correspondente.

Igualmente o assédio moral também se constitui um ilícito, por provar dano moral à pessoa do trabalhador -e, no caso, restou comprovado que o dano moral foi provocado, não por um supervisor da ORBENK, mas diretamente por um dos diretores da FLORAM.

Inclusive, ao fixar o valor da indenização pelo dano moral sofrido pela trabalhadora, essa juíza salientou que a sociedade como um todo deve parar de tolerar o abuso pelos políticos no exercício dos cargos da Administração Pública, e que se deve procurar pautar o serviço público pelos princípios da moralidade e impessoalidade, mesmo com relação aos terceirizados - considerando que muito se fala em terceirizar diversos setores do serviço público.

De onde, pela realidade do processo, tecnicamente, a tomadora FLORAM é que foi a autora dos ilícitos civis cometidos contra a trabalhadora, sendo que se aproveitou indevidamente do contrato de terceirização em contexto de abuso de direito, visando causar com ele prejuízos a terceiro (no caso à trabalhadora).

Pelo que não me parece correto que à FLORAM seja aplicada a responsabilidade subsidiária da Súmula 331 do TST, e, sim a solidária do artigo 942 do Código Civil.

Isso porque a responsabilidade subsidiária presume que quem foi o autor do descumprimento contratual ou do ato ilícito extracontratual foi a prestadora, ou seja, seria ela a responsável principal , e, portanto, apenas subsidiariamente responderia a tomadora.

E esse não é o caso dos autos, pois quem foi a responsável primária pelo desvio de função e o assédio moral foi a tomadora, o que, no sentir dessa juíza, acarreta sua responsabilidade em iguais condições a da prestadora.

Conforme ensina SERGIO CAVALIERI FILHO, a responsabilidade civil constitui-se no dever de reparar o dano causado pela violação de um dever jurídico (CAVALIERI FILHO, Sérgio Programa de Responsabilidade Civil, 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010 p. 1-2.)

A responsabilidade civil subdivide-se tradicionalmente na responsabilidade contratual que é tratada no artigo art. 389 e seguintes do Código Civil de 2002, e na extracontratual, que é tratada nos títulos dos atos ilícitos nos artigos 186 e seguintes e da responsabilidade civil no artigo 927 e seguintes.

A responsabilidade civil extracontratual, aquiliana ou absoluta advém do dever geral de não causar danos (neminem laedere), prescindindo, outrossim, de relação jurídica prévia entre causador do dano e vítima.

Isto posto, o dever de reparar o dano na responsabilidade contratual é do agente causador no dano, e, se tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

É o que dispõe o artigo 942 do Código Civil:

Artigo 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

É de se salientar que a FLORAM, enquanto órgão da Administração Pública, é responsável objetivamente pelos atos cometidos com dolo ou culpa por seus agentes ante o teor do artigo 37 da Constituição.

Além disso está comprovada a culpa direta da Administração Pública, pois os atos foram cometidos diretamente pelos seus agentes em abuso de direito pelo regramento do artigo 187 do Código Civil.

No caso, a ORBENK, embora não tenha praticado diretamente os atos, é responsável enquanto empregador, pois consentiu que houvesse a extrapolação do contrato de terceirização pela 2a reclamada a FLORAM com desvio de função de sua empregada, além de não ter fiscalizado corretamente o cumprimento do contrato, permitindo o assédio moral da trabalhadora pela tomadora sem nada obstar.

Pelo que, ante a realidade do feito, e com supedâneo nos artigos 187 e 942 do Código Civil declaro a responsabilidade solidária entre as rés.

PARÂMETROS DE LIQUIDAÇÃO

Os valores devidos serão apurados em liquidação por cálculos. Autorizo as deduções dos valores pagos a idênticos títulos para evitar o enriquecimento ilícito, desde que comprovados até o encerramento da instrução.

As parcelas deferidas serão corrigidas a partir do vencimento da obrigação, nos termos do artigo 459, § 1º, da CLT e da Súmula 381 do TST, inclusive os valores relativos ao FGTS (OJ SBDI-I TST número 302).

Deverá ser aplicado o índice IPCA-E, conforme recentes decisões do E. STF.

Sobre o montante devidamente corrigido incidirão juros de mora, a partir da data de ajuizamento da ação, na forma do artigo 883 da CLT e da Súmula 200/TST, à razão de 1% ao mês, não capitalizados, pro rata die, consoante artigo 39, § 1º, da Lei 8.177/91.

Para os efeitos do § 3º do artigo 832 da CLT, a ré deverá recolher as contribuições previdenciárias sobre as parcelas deferidas, na forma do inciso I do artigo 28 da lei nº 8.212/91, com exceção daquelas descritas no § 9º do artigo 214 do decreto nº 3.048/99. A contribuição do reclamante será descontada de seus créditos.

No tocante ao imposto de renda autorizo a sua retenção na fonte observada sua incidência mês-a mês e a tabela progressiva, na forma da IN 1127 da SRFB. Não há tributação sobre juros de mora, na forma da OJ 400 da SDI-1.

JUSTIÇA GRATUITA

Considerando que o salário recebido pela autora à época em que prestava serviços para a FLORAM era inferior a 40% do teto de benefícios da Previdência Social, defiro o pedido de assistência judiciária gratuita com base no artigo 790 da CLT.

HONORÁRIOS ADVOCATICIOS

A Lei 13.467/2017 incluiu o art. 791-A na CLT, a fim de inaugurar os honorários de sucumbência no processo do trabalho, no seguintes termos:

Artigo 791 - A Ao advogado, ainda que atue em causa própria, serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

Condeno, pois, as rés no pagamento dos honorários advocatícios no importe de 10% do valor da condenação, observada a OJ 348 da SDI-1 do TST.

DISPOSITIVO

DIANTE DO EXPOSTO, e o mais que consta nos autos, julgo PROCEDENTES os pedidos da ação trabalhista aforada por RENATA OURIQUES para condenar solidariamente (artigos 187 c/c 942 do Código Civil) ORBENK ADMINISTRAÇÃO E SERVIÇOS e FUNDAÇÃO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE DE FLORIANÓPOLIS:

a) em face do teor do artigo 460 da CLT, bem como dos artigos 5o -A e 12, a, da Lei nº 6.019, de 03.01.1974, bem como OJ SBDI-1 nº 383 e com supedâneo no artigo , incisos XXX, XXXI e XXXII da Constituição Federal, ao pagamento das diferenças entre o salário de assessor técnico na ré no valor de R$ 2.779,03 e aquele de recepcionista no importe de R$ 1.176,31 pago à autora, mês a mês com reflexos para RSR, aviso prévio, férias com o terço, 13o salário e FGTS com multa;

b) converto o pedido de demissão em rescisão indireta na forma do artigo 483, b e c da CLT;

c) ao pagamento de saldo salarial, aviso prévio indenizado e reflexos, 13º salário e proporcional, férias+1/3 e proporcional, FGTS+40% e INSS, além do levantamento do FGTS, acrescido de 40% e recebimento do seguro desemprego;

d) ao pagamento de indenização por danos morais arbitrada em R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e

e) ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da condenação.

Como consequência das razões expostas em sentença, RECONSIDERO a decisão em tutela antecipada, e defiro a expedição de alvará para imediato levantamento do FGTS depositado e recebimento pela autora do seguro desemprego. Observe a Secretaria.

Tudo na forma da fundamentação supra, que passa a integrar o presente dispositivo para todos os efeitos de lei e acrescido de juros e correção monetária ex lege.

Em relação ao dano moral deverá ser observada a Súmula 439 do TST.

Autorizo a dedução dos valores pagos a idêntico título a fim de evitar o enriquecimento sem causa.

Contribuições previdenciárias e fiscais conforme fundamentação.

Custas, fixadas sobre o valor da condenação, ora arbitrada em R$100.000,00, no importe de R$2.000,00, pelo primeiro reclamado.

A 2a reclamada, como fundação municipal, goza das prerrogativas da Fazenda Pública e está isenta de custas.

Intimem-se.

FLORIANOPOLIS, 24 de Janeiro de 2020


DESIRRE DORNELES DE AVILA BOLLMANN
Juiz (a) do Trabalho Titular

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