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23 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Órgão Julgador

1ª Turma

Publicação

Julgamento

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Inteiro Teor

PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 13ª REGIÃO
1ª Turma
Identificação

ACÓRDÃO PROCESSO nº XXXXX-86.2024.5.13.0025 (RORSum)

RECORRENTE: ALBERTO SILVA DE SOUZA

RECORRIDA: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA.

REDATOR: EDUARDO SERGIO DE ALMEIDA

EMENTA

RELATÓRIO

FUNDAMENTAÇÃO

V O T O

ADMISSIBILIDADE

Apelo interposto a tempo e modo. Conheço-o.

MÉRITO

1. Incompetência material

A demandada alega, em contrarrazões, a incompetência absoluta da Justiça do Trabalho.

Embora as contrarrazões não sejam o meio adequado para impugnar uma matéria já apreciada e julgada na sentença, por se tratar de questão de ordem pública, passível de ser suscitada de ofício, passo a apreciá-la.

Estabelece o artigo 114, I, da Constituição Federal:

Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Portanto, está contido no âmbito de competência da Justiça do Trabalho o processamento e julgamento de todas as ações derivadas de uma relação de trabalho, em sentido amplo, mesmo que seja de natureza cível, não se limitando somente àquelas que oriundas de uma relação de emprego (espécie de relação de trabalho).

Assim, independentemente do reconhecimento, ou não, do vínculo de emprego entre as partes, é incontestável a existência de uma relação de trabalho entre elas, com prestação de serviços do demandante em favor da demandada, relação essa que originou a presente demanda, razão por que não restam dúvidas quanto à competência material da Justiça Trabalhista para apreciar a presente ação.

Nada a reformar, no ponto.

2. Relação de Trabalho. Natureza Jurídica

A controvérsia principal do presente feito, devolvida a este Tribunal por meio do recurso ordinário manejado pelo demandante, gravita em torno da caracterização, ou não, como uma relação trabalhista a estabelecida entre os aplicativos de transporte e os motoristas que dele fazem uso, em casos como esse.

À análise.

No Direito do Trabalho brasileiro, a relação de emprego, segundo a definição legal, é constituída quando presentes os elementos da pessoalidade, da não eventualidade do serviço, onerosidade e subordinação jurídica (arts. e , ambos da CLT).

Necessário dizer que, embora, em princípio, a presença de tais elementos traduza fato constitutivo do direito alegado pelo autor e, como tal, devem ser por ele demonstrados no processo (art. 818, I, da CLT), o ônus probatório se inverte caso admitida pela demandada a prestação de serviço pelo demandante. Isso porque existe em nosso ordenamento a presunção de que a prestação de serviço de uma pessoa a outra se dá em caráter subordinado, sendo casual trabalho realizado em condições diversas das previstas nos arts. e da CLT fato impeditivo do direito alegado pelo autor, passando a ser da empresa o ônus probatório (art. 818, II, da CLT).

Na hipótese dos autos, ao reconhecer a prestação de serviços pelo demandante em seu favor, embora afirmando tratar-se de mera parceira, fornecedora de tecnologia, para a prestação do serviço pelo profissional autônomo, a ré atraiu para si o ônus de fazer prova crível, segura e abalizada de suas alegações.

De tanto, porém, a demandada não se desincumbiu.

O principal argumento levantado pela ré é de que se trata de empresa de tecnologia, com atuação no transporte urbano, que desenvolveu software (aplicativo) para intermediar e facilitar a conexão entre motoristas e passageiros, sendo ambos usuários da plataforma digital.

Nesse sentido, seria uma empresa que apenas exploraria a chamada economia de compartilhamento, da espécie on demand economy (economia sob demanda), utilizando recursos tecnológicos.

A argumentação, embora impressione num primeiro momento, não se sustenta. Fosse a empresa mera parceira, criadora e gestora de tecnologia on demand, não haveria tanto compromisso com a qualidade, nem tanta ingerência sobre aspectos negociais do serviço de transporte oferecido pelos ditos "parceiros".

Basta analisarmos a dinâmica de funcionamento da plataforma para vermos que, apesar de os prestadores de serviço terem uma aparente maior flexibilidade e autonomia, se comparados com os prestadores do modelo tradicional de trabalho, a empresa mantém sob seu poder o controle dos elementos mais importantes do negócio.

Primeiramente, para fazer uso do aplicativo, o motorista deve, além de instalá-lo em seu aparelho celular, fazer o cadastro, dito pela empresa como exclusivo e intransferível, no qual informa dados pessoais e do veículo a ser utilizado e apresenta documentos, tudo a ser analisado e submetido à aprovação da empresa. Apesar de negado pela demandada, os termos de uso do aplicativo para motoristas é claro no sentido de que, após a análise dos dados e documentos, inclusive mediante eventual consulta de antecedentes criminais, a empresa pode aceitar ou recusar a solicitação de cadastro do motorista, no que difere do cadastro de passageiros, reais usuários do serviço.

Nesse ponto, já se verifica uma espécie de seleção dos motoristas que poderão prestar seus serviços utilizando-se dos recursos telemáticos e demais vantagens oferecidas pela demandada. Desta forma, a empresa impõe, de plano, padrões mínimos que entende necessários para a prestação do serviço em seu nome.

Uma vez aceito o cadastro pela demandada, enquanto o motorista estiver ativo no aplicativo, receberá propostas de corridas, com valores já definidos pela empresa, inclusive, muitas vezes, com descontos e promoções exclusivamente por ela concebidos e concedidos, cabendo a ele, apenas, aceitar, ou não, a execução do serviço.

Aceitar ou recusar a corrida proposta, todavia, não é decisão totalmente livre do motorista, pois sobre ela pesam consequências que atingem diretamente as perspectivas de lucratividade e continuidade do serviço. Embora não haja previsão expressa nos termos de uso do aplicativo para motoristas, grande parte dos depoimentos tomados como prova neste e em tantos outros processos similares, inclusive o das pessoas ouvidas a rogo da demandada, assim como informações constantes no próprio site da demandada, revelam que as recusas de corridas são registradas pelo aplicativo como dados aptos a, dependendo da frequência com que ocorrem, gerar suspensão de corridas durante alguns minutos, horas ou mesmo dias, impactando, também, no acesso do motorista a campanhas e taxas diferenciadas.

Além disso, a prestação do serviço em si é submetida, de forma ampla e perene, à avaliação pelos passageiros, o que também pode gerar suspensões e até mesmo cancelamento pela empresa.

O grau de precisão dos dados controlados pelo aplicativo é de tal monta que, além de registrar a velocidade média do motorista, identifica, computa e informa a quantidade de "aceleração" e de "frenagens" que compõem o "estilo de direção" desejado pelo sistema.

Em verdade, nesse sofisticado gerenciamento de corridas, por meio de aplicação informática que está sempre em constante atualização, tudo o que o motorista faz ou deixa de fazer enquanto está on line - dados que ingressam no aplicativo seja pelo seu avançado sistema de geolocalização, seja pelas avaliações dos usuários - gera algoritmos que influenciam, de forma automática e contínua, a forma como as corridas vão sendo distribuídas entre os motoristas e, por consequência, o padrão da remuneração que lhes é paga, num verdadeiro e complexo sistema de controle e punição em tempo real.

Ademais, a empresa, por meio de seu aplicativo, abertamente utiliza táticas de concessão de bônus, aumento de preços, campanhas periódicas, entre outras, para estimular que o motorista permaneça conectado (e, portanto, sujeito às suas regras) o maior tempo possível, bem como para aumentar a oferta de motoristas em determinado local e horário, ou para fazer frente a demanda incrementada em razão de situações específicas como eventos ou calamidades.

Dessa maneira, como bem observado pelo Grupo de Estudos do Ministério Público do Trabalho:

(...) Assim, a autonomia concedida é uma "autonomia na subordinação". Os trabalhadores não devem seguir mais ordens, mas sim a "regras do programa". Uma vez programados, na prática os trabalhadores não agem livremente, mas exprimem "reações esperadas". O algoritmo, cujos ingredientes podem ser modificados a cada momento pela sua reprogramação ("inputs"), garante que os resultados finais esperados ("outputs") sejam alcançados, sem necessidade de dar ordens diretas àqueles que realizam o trabalho.

A subordinação dos dirigidos aos dirigentes cede à ideia do controle por "stick" (porrete) e "carrots" (premiação). Aqueles que seguem a programação recebem premiações, na forma de bonificações e prêmios; aqueles que não se adaptarem aos comandos e objetivos, são cortados ou punidos.

Inserido nessa rede de dados e manipulações (técnicas que podem se enquadrar no que se tem denominado de "gamificação"), pouca liberdade sobra efetivamente ao motorista, que se vê instigado a estar sempre on line (mobilização total, que visa a dominar não apenas os corpos dos trabalhadores, mas também seus espíritos, suas mentes), como ocorre com os usuários de jogos virtuais, a fim de atingir e manter padrões mais elevados de remuneração.

Como se vê, a atuação da demandada vai muito além de uma mera intermediação ou aproximação entre quem pretende vender e quem pretende comprar bens ou serviços, como acontece, por exemplo, com outras plataformas de economia compartilhada, como Mercado Livre e Airbnb. Aqui, a dita "intermediadora" viabiliza esse encontro de vontades, mas, também, define preços, estabelece padrões mínimos, compromete-se com a qualidade do serviço prestado, gerencia o binômio demanda/oferta, controla, fiscaliza e pune os prestadores.

Portanto, o objeto social da demandada não pode ser considerado apenas intermediação, tampouco como a provisão de tecnologia voltada a viabilizar essa intermediação. O aplicativo desenvolvido e gerenciado pela demandada é apenas a sua face visível, o instrumento pelo qual ela viabiliza a forma inovadora de comunicação entre as partes interessadas. Mas o empreendimento não está contido na aplicação nem a ele se resume. Ao se imiscuir e se ocupar com os mais variados aspectos do serviço a ser prestado, a empresa inevitavelmente assume atividades e finalidades próprias das empresas de transporte de passageiros.

Nesse sentido, há importante precedente no Direito Internacional. Com efeito, no ano de 2017, a Grande Seção do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) firmou o entendimento de que as empresas de intermediação que se utilizam de aplicativos para, mediante remuneração, aproximar motoristas e passageiros não são empresas com atividade principal e final relacionada ao ramo da informação, mas sim relativas ao "serviço no domínio de transportes". Eis os exatos termos do acórdão:

um serviço de intermediação como o que está em causa no processo principal, que tem por objeto, através de uma aplicação para telefones inteligentes, estabelecer a ligação, mediante remuneração, entre motoristas não profissionais que utilizam o seu próprio veículo e pessoas que pretendam efetuar uma deslocação urbana, deve ser considerado indissociavelmente ligado a um serviço de transporte e, por conseguinte, abrangido pela qualificação de "serviço no domínio dos transportes", [...]. [http://curia.europa.eu/juris/document/document.

jsf;jsessionid=9ea7d2dc30d62d2e459f88564c1292dd9ce276a2c0f1.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxyNa3z0?text=&docid=198047&pageIndex=0&doclang=PT&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=403683 - acesso em 03/02/2023].

Por outro lado, a sucinta descrição da dinâmica do empreendimento, conforme acima narrado, nos revela a presença de todos os elementos caracterizadores da relação de emprego.

Com efeito, o motorista, ao fazer o cadastro exclusivo e intransferível no aplicativo da demandada, vincula-se pessoalmente a ela, de modo que as corridas são direcionadas a sua pessoa e devem ser por ele, e só por ele, realizadas, não sendo permitido compartilhar ou transferir o cadastro a terceiros.

Sobre a não eventualidade, importa dizer que, em nosso ordenamento jurídico-trabalhista, ao menos em regra, não é o número de dias prestados que determina a existência, ou não, da habitualidade, mas, sim, a presença de animus para a realização de serviços de forma continuada e longeva. A exceção se encontra, apenas, no caso dos empregados domésticos, por expressa previsão legal em contrário (Lei Complementar n.º 150, de 01.06.2015, art. , caput).

Nas demais situações, a prestação dos serviços habituais deve ser mensurada a partir da identificação da intenção de prolongar a prestação de serviços, e não da sua frequência.

Sobre o tema, leciona Mauricio Godinho Delgado:

[...] a eventualidade, para fins celetistas, não traduz intermitência; só o traduz para a teoria da descontinuidade - rejeitada, porém, pela CLT. Desse modo, se a prestação é descontínua, mas permanente, deixa de haver eventualidade. É que a jornada contratual pode ser inferior à jornada legal, inclusive no que concerne aos dias laborados na semana. [in Curso de Direito do Trabalho. 12ª ed. LTr. São Paulo, 2016, p.288].

No caso dos motoristas das plataformas de transporte, é notório que não existe uma exigência formal e direta acerca do número de horas ou de dias trabalhados. Entretanto, isso, por si só, não é suficiente para afastar a característica da não eventualidade na prestação do serviço, dada a potencialidade do labor. A circunstância de o motorista se inserir na atividade econômica típica e predominante dos aplicativos de transporte gera a presunção da não eventualidade na prestação do serviço, independentemente da frequência com que ele é realizado.

Além do mais, como visto acima, a forma como a prestação de serviço é engendrada por meio do aplicativo de transporte impele os motoristas a buscarem laborar de forma ininterrupta, a fim de conseguir ganhos razoáveis.

Na situação sob exame, os históricos de viagens juntados aos autos pela demandada (ID 171bb6b) se mostram suficientes para confirmar a presunção de não eventualidade, pois caracterizada a previsão de repetição atual, não se tratando de labor desempenhado para certa obra ou serviço, decorrente de algum acontecimento fortuito ou casual (teoria do evento), bem como a previsão de repetição futura, em face da essencialidade do serviço para a realização do objeto social da empresa (teoria dos fins da empresa), sempre em relação a um mesmo tomador (teoria da fixação jurídica ao empregador). Pode-se acrescentar, ainda, que não existe nenhum traço de transitoriedade na prestação do serviço, estando, assim, caracterizada a prestação não eventual de serviços.

Seguindo na análise dos elementos fundantes da relação de emprego, dúvidas não há acerca da onerosidade, na medida em que o serviço é prestado mediante remuneração. Embora exista a possibilidade de o pagamento da corrida ser efetuado em dinheiro diretamente pelo usuário, o valor é sempre fixado e gerenciado pelo aplicativo.

Em relação ao percentual devido ao trabalhador, em torno de 75%, não se pode olvidar que recaem sobre o motorista todos os custos com a aquisição, manutenção, insumos e pagamento de tributos dos veículos. Diante disso, o percentual pago ao trabalhador não traduz um predomínio econômico seu a ponto de afastar a possibilidade de existência de uma relação empregatícia.

Por outro lado, o simples fato de ser o autor da demanda o responsável pelas despesas com o veículo utilizado na prestação dos serviços não é elemento suficiente para descaracterizar a onerosidade. Na realidade, o prestador de serviços das plataformas digitais apresenta-se como um verdadeiro comissionista, a quem se atribui o valor total da transação comercial, excluídas as retenções estabelecidas pelo tomador dos serviços

Por fim, a subordinação jurídica resta caracterizada pelo estrito controle exercido, embora de forma não pessoal e muitas vezes indireta, sobre a prestação do serviço, em seus diversos aspectos. Como visto, a empresa seleciona os motoristas, verifica sua localização, direciona corridas, padroniza e controla qualidade do serviço, fixa as tarifas praticadas, gerencia pagamentos, lança campanhas estimulando determinadas condutas, penaliza outras, enfim, detém o domínio do negócio, planeja e coordena a execução de todo o serviço prestado pelos motoristas por intermédio do aplicativo.

Trata-se de autêntica subordinação por algoritmo, prevista em nosso ordenamento jurídico, embora em termos bastante amplos e gerais, desde 2011, com a inclusão do parágrafo único ao artigo da CLT.

Dentro dessa linha de raciocínio, há interessante estudo doutrinário da lavra de Ana Paula Didier Studart e Luciano Martinez, nos seguintes termos:

A ideia de uma subordinação por algoritmo parte do pressuposto de que, nesses modelos atuais de contratação, dispensa-se a atuação humana e pessoal do empregador ou de seus prepostos para o exercício das atividades de comando, direção, supervisão e fiscalização das atividades e da forma de execução do trabalho, ou seja, os algoritmos assumem o papel de direção, exercendo as atividades inerentes ao empregador. Dessa forma, o controle passa a operar mediante programação algorítmica, fixação de objetivos e medição informatizada do desempenho individual do trabalhador. [In: O Poder Diretivo Algorítmico. Revista Magister de Direito do Trabalho, Ano XVIII - Nº 105, Nov-Dez 2021, p. 46-47].

Nessa nova estruturação do trabalho, as ordens deixam de ser diretas e emanadas do empregador e passam a ser expedidas de maneira difusa, por intermédio das estruturas de aferição, controle e operacionalização executadas sem a interação humana. Com efeito, não existe um controle emanado dos superiores hierárquicos ou gestores, mas uma sistemática organização do processo produtivo por meio de algoritmos genialmente desenvolvidos e remotamente programados para coordenar a prestação dos serviços. Nessa perspectiva, a subordinação laboral não se mostra a partir da ação humana, ao menos não por meio de formulação de ordens diretas, mas sim por intermédio de programação de sistemas digitais, coordenados por instruções algorítmicas.

As diretrizes inseridas no aplicativo firmam um sistema de dependência estrutural, por meio do qual as relações de trabalho são coordenadas. Os algoritmos usados nas plataformas digitais assumem "vida própria" e, muitas vezes, com o uso de tecnologias avançadas de inteligência artificial, impõem decisões sem a participação de nenhum ser humano.

Isso, porém, não aniquila o elemento subordinação da relação travada entre motorista e empresa de transporte; ao contrário, sob o manto de uma suposta neutralidade algorítmica, a tomadora dos serviços consegue alcançar níveis até então inimagináveis de dominação sobre o prestador de serviço, fazendo com que o "indivíduo autogerenciado" esteja sempre à disposição e, portanto, sob a regência das regras da empresa, travestida de plataforma digital.

Assim, apesar de ostentar características inovadoras para o ordenamento jurídico, podemos enxergar nesse novo tipo de contratação todos os elementos constituintes da relação empregatícia.

Como se sabe, o Direito, como instrumento de organização da sociedade e regulação das relações sociais, vai sendo criado para atender necessidades observadas em uma realidade pré existente. Por isso, mudanças sociais costumam ensejar alterações legislativas ou, ao menos, releituras de textos legais vigentes.

Sob essa ótica, o Direito assume uma estrutura eminentemente dinâmica, a fim de que nenhuma relação social escape à sua fundamental força reguladora.

Não se pode negar que a relação travada entre as empresas de economia de compartilhamento de serviço de transporte de passageiros e os chamados "motoristas de aplicativo" possui caracteres próprios, que, em muitos pontos, diferem daquela que o Direito do Trabalho costuma regular.

Estamos, sem dúvida, diante de uma nova realidade, fruto do impacto da revolução tecnológica sobre a relação de trabalho, a reclamar regulação própria, atenta a todas as nuances dessa inovadora forma de prestação de serviço.

Mormente quando identificado o desequilíbrio inerente ao plano fático da relação pactuada entre as empresas e os prestadores de serviço, é cogente uma atuação do Direito do Trabalho, no plano jurídico, a fim de retificar ou atenuar as distorções observadas, protegendo a parte vulnerável e hipossuficiente.

Não por outro motivo, a Organização Internacional do Trabalho, no ano do seu centenário, destacou a necessidade de uma governança internacional para implementação efetiva da proteção laboral diante dos novos desafios decorrentes das plataformas digitais de trabalho.

No relatório para a Comissão Mundial sobre o Futuro do Trabalho, a nova modalidade de trabalho foi assim referenciada:

o trabalho é, por vezes mal remunerado, muitas vezes abaixo do salário-mínimo vigente e não existem mecanismos oficiais para lidar com a desigualdade de tratamento. Prevemos que essa forma de trabalho se dissemine no futuro, e, portanto, recomendamos o desenvolvimento de um sistema de governação internacional para plataformas de trabalho digitais que estabeleça e exija que as plataformas (e clientes) respeitem certos direitos e proteções mínimas. (OIT, in Trabalhar para um Futuro Melhor, 2019, p. 45).

Essa regulação pode se dar mediante atividade legiferante, o que se espera em um ordenamento ainda predominantemente legalista, como o nosso, ou, na sua falta, por atuação judicial consistente e reiterada, podendo acontecer, e é o que geralmente tem ocorrido, que o Judiciário abra e sugira caminhos a serem posteriormente trilhados e sedimentados pelo Legislativo.

Esse também é nosso papel, e dele não podemos nos esquivar, enquanto julgadores e legitimados intérpretes e aplicadores do Direito em sua integralidade, e não apenas de leis em sua literalidade.

Por isso, diante da realidade que ora se nos apresenta, a qual atinge mais de 1 milhão de motoristas em nosso país, segundo dados do IBGE (https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10658/1/bmt_71_trabalho.pdf), o Poder Judiciário deve, na ausência de legislação própria, fazer o enquadramento dos fatos ao Direito que melhor atenda aos princípios constitucionais e que melhor se adéque às leis já vigentes.

E, de tudo o que foi dito, especialmente em face das características com que essa nova modalidade de prestação de serviço se apresenta, observa-se, a toda evidência, que a relação entre empresa e motoristas se aproxima muito mais da relação empregatícia do que de uma mera relação civil de parceria comercial.

Ora, se os motoristas de aplicativo prestam serviços que revertem em favor da empresa, de forma pessoal e não eventual, mediante remuneração por ela gerenciada e estando subordinados às suas regras de negócio, não há espaço para tergiversar e chegar à inusitada conclusão, alegada pela demandada, de que são os motoristas os tomadores de serviços da empresa, e não o contrário.

Não se pode olvidar ser o contrato de trabalho eminentemente um contrato realidade, que não exige formalidades ou nomenclaturas específicas para ser constituído, considerando-o presente sempre que alguém presta serviços em favor de outrem, de forma pessoal, onerosa, não eventual e subordinada, não sendo relevante, para a sua configuração, a opinião, vontade ou desejo das partes.

Assim, ao menos enquanto não existente uma regulação específica que forneça a proteção social devida a esses trabalhadores, deve-se garantir aos motoristas de aplicativo os direitos trabalhistas mínimos à sua dignidade e inclusão social, econômica, profissional e institucional garantidos pela Constituição Federal (Título I e Capítulo II do Título II).

Inclusive, essa é uma posição que tem sido observada há algum tempo em outros países que possuem princípios e fundamentos parecidos com os da nossa República.

No início de dezembro de 2020, a Corte Superior Trabalhista da Alemanha (Bundesarbeitgerichts), declarou a existência de vínculo de emprego de um trabalhador com uma "plataforma de microtarefas". Embora o caso não trate especificamente de transporte de passageiros, a decisão se tornou emblemática por reconhecer a chamada subordinação por algorítimo, em uma dinâmica de trabalho bem semelhante a operada pelas empresas de economia de compartilhamento de serviços de transporte de passageiros (https://trab21blog.wordpress.com/2020/12/07/corte-superior-da-alemanha-reconhece-vinculo-de-emprego-com-plataforma-com-base-na-subordinacao-algoritmicaegamificacao/).

No Reino Unido, a Suprema Corte, em 19/02/2021, determinou sejam conferidos direitos trabalhistas aos motoristas de uma empresa de economia compartilhada de serviço de transporte de passageiros, afastando expressamente a tese de serem eles meros contratados independentes, e pondo fim a uma longa controvérsia acerca da natureza dos serviços prestados por esses motoristas (https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2021/02/19/uber-perde-batalha-na-suprema-corte-do-reino-unido-sobre-direitos-de-motoristas.ghtml).

Curioso que, apenas alguns dias após a publicação da paradigmática decisão no Reino Unido, a própria empresa ré (UBER) anunciou que passaria a conceder direitos trabalhistas a todos os seus mais de setenta mil motoristas cadastrados no Reino Unido, incluindo salário-mínimo e férias remuneradas, algo até então inédito no mundo para a empresa.

Aqui no Brasil, não obstante em um primeiro momento a maior parte dos acórdãos do TST e dos Regionais, inclusive os de minha lavra, fossem pelo não-reconhecimento do vínculo de emprego, no final do ano de 2021 e durante todo o ano de 2022 testemunhamos uma sensível alteração no panorama nacional, representada, nas instâncias superiores, pelo acórdão emanado da Terceira Turma do TST, da lavra do e. Ministro Maurício Godinho Delgado, cujos principais trechos de sua ementa peço vênia para aqui transcrever:

RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MANTIDA ENTRE OS TRABALHADORES PRESTADORES DE SERVIÇOS E EMPRESAS QUE ORGANIZAM, OFERTAM E EFETIVAM A GESTÃO DE PLATAFORMAS DIGITAIS DE DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AO PÚBLICO, NO CASO, O TRANSPORTE DE PESSOAS E MERCADORIAS. NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO HUMANA NO SISTEMA CAPITALISTA E NA LÓGICA DO MERCADO ECONÔMICO. ESSENCIALIDADE DO LABOR DA PESSOA HUMANA PARA A CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DA EMPRESA. PROJEÇÃO DAS REGRAS CIVILIZATÓRIAS DO DIREITO DO TRABALHO SOBRE O LABOR DAS PESSOAS NATURAIS. INCIDÊNCIA DAS NORMAS QUE REGULAM O TRABALHO SUBORDINADO DESDE QUE NÃO DEMONSTRADA A REAL AUTONOMIA NA OFERTA E UTILIZAÇÃO DA MÃO DE OBRA DO TRABALHADOR (ART. 818, II, DA CLT). CONFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS HUMANISTAS E SOCIAIS QUE ORIENTAM A MATÉRIA (PREÂMBULO DA CF/88; ART. 1º, III E IV; ART. 3º, I, II, III E IV; ART. 5º, CAPUT ; ART. 6º; ART. 7º, CAPUT E SEUS INCISOS E PARÁGRAFO ÚNICO; ARTS. 8º ATÉ 11; ART. 170, CAPUT E INCISOS III, VII E VIII; ART. 193, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988). VÍNCULO DE EMPREGO. DADOS FÁTICOS CONSTANTES DO ACÓRDÃO REGIONAL REFERINDO-SE A RELAÇÃO SOCIOECONÔMICA ABRANGENTE DE PERÍODO DE QUASE DOIS MESES. PRESENÇA DOS ELEMENTOS INTEGRANTES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. INCIDÊNCIA, ENTRE OUTROS PRECEITOS, TAMBÉM DA REGRA DISPOSTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. DA CLT (INSERIDA PELA LEI n. 12.551/2011), A QUAL ESTABELECE QUE "OS MEIOS TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE EQUIPARAM, PARA FINS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO ALHEIO". PRESENÇA, POIS, DOS CINCO ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO, OU SEJA: PESSOA HUMANA PRESTANDO TRABALHO; COM PESSOALIDADE; COM ONEROSIDADE; COM NÃO EVENTUALIDADE; COM SUBORDINAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO TRABALHO AUTÔNOMO NÃO CUMPRIDO, PROCESSUALMENTE (ART 818, CLT), PELA EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL QUE ARREGIMENTA, ORGANIZA, DIRIGE E FISCALIZA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS ESPECIALIZADOS DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. [...]. A solução da demanda exige o exame e a reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação da prestação laborativa, algo distintas do tradicional sistema de pactuação e controle empregatícios, e que ora se desenvolvem por meio da utilização de plataformas e aplicativos digitais, softwares e mecanismos informatizados semelhantes, todos cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por sofisticadas (e, às vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo, nacionais. [...]. Realmente, os impactos dessa nova modalidade empresarial e de organização do trabalho têm sido diversos: de um lado, potenciam, fortemente, a um custo mais baixo do que o precedente, a oferta do trabalho de transporte de pessoas e coisas no âmbito da sociedade; de outro lado, propiciam a possibilidade de realização de trabalho por pessoas desempregadas, no contexto de um desemprego agudo criado pelas políticas públicas e por outros fatores inerentes à dinâmica da economia; mas, em terceiro lugar, pela desregulamentação amplamente praticada por este sistema, gerando uma inegável deterioração do trabalho humano, uma lancinante desigualdade no poder de negociação entre as partes, uma ausência de regras de higiene e saúde do trabalho, uma clara falta de proteção contra acidentes ou doenças profissionais, uma impressionante inexistência de quaisquer direitos individuais e sociais trabalhistas, a significativa ausência de proteções sindicais e, se não bastasse, a grave e recorrente exclusão previdenciária. O argumento empresarial, em tal quadro, segue no sentido de ser o novo sistema organizacional e tecnológico tão disruptivo perante a sistemática de contratação anterior que não se fazem presentes, em sua estrutura e dinâmica, os elementos da relação empregatícia. [...]. De par com isso, a ordem jurídica não permite a contratação do trabalho por pessoa natural, com os intensos elementos da relação de emprego, sem a incidência do manto mínimo assecuratório da dignidade básica do ser humano nessa seara da vida individual e socioeconômica. Em consequência, possuem caráter manifestamente excetivo fórmulas alternativas de prestação de serviços a alguém, por pessoas naturais, como, ilustrativamente, contratos de estágio, vínculos autônomos ou eventuais, relações cooperativadas e as fórmulas intituladas de "pejotização" e, mais recentemente, o trabalho de transporte de pessoas e coisas via arregimentação e organização realizadas por empresas de plataformas digitais. Em qualquer desses casos, estando presentes os elementos da relação de emprego, esta prepondera e deve ser reconhecida, uma vez que a verificação desses pressupostos, muitas vezes, demonstra que a adoção de tais práticas se dá, essencialmente, como meio de precarizar as relações empregatícias (art. , da CLT). [...]. Em primeiro lugar, é inegável (e fato incontroverso) de que o trabalho de dirigir o veículo e prestar o serviço de transporte, em conformidade com as regras estabelecidas pela empresa de plataforma digital, foi realizado, sim, por uma pessoa humana - no caso, o Reclamante. Em segundo lugar, a pessoalidade também está comprovada, pois o Obreiro precisou efetivar um cadastro individual na Reclamada, fornecendo dados pessoais e bancários, bem como, no decorrer da execução do trabalho, foi submetido a um sistema de avaliação individualizada, a partir de notas atribuídas pelos clientes e pelo qual a Reclamada controlava a qualidade dos serviços prestados. É também incontroverso de que todas as inúmeras e incessantes avaliações feitas pela clientela final referem-se à pessoa física do motorista uberizado, emergindo, assim, a presença óbvia do elemento fático e jurídico da pessoalidade. O caráter oneroso do trabalho executado é também incontroverso, pois a clientela faz o pagamento ao sistema virtual da empresa, em geral por meio de cartão de crédito (podendo haver também, mais raramente, pagamento em dinheiro) e, posteriormente, a empresa gestora do sistema informatizado credita parte do valor apurado na conta corrente do motorista. Ora, o trabalhador somente adere a esse sistema empresarial e de prestação laborativa porque ele lhe assegura retribuição financeira em decorrência de sua prestação de trabalho e em conformidade com um determinado percentual dos valores apurados no exercício desse trabalho. Sobre a não eventualidade, o labor do Reclamante estava inserido na dinâmica intrínseca da atividade econômica da Reclamada e inexistia qualquer traço de transitoriedade na prestação do serviço. Não era eventual, também, sob a perspectiva da teoria do evento, na medida em que não se tratava de labor desempenhado para certa obra ou serviço, decorrente de algum acontecimento fortuito ou casual. De todo modo, é também incontroverso de que se trata de labor inerente à rotina fundamental da empresa digital de transporte de pessoas humanas, sem o qual tal empresa sequer existiria. Por fim, a subordinação jurídica foi efetivamente demonstrada, destacando-se as seguintes premissas que se extraem do acórdão regional, incompatíveis com a suposta autonomia do trabalhador na execução do trabalho: 1) a Reclamada organizava unilateralmente as chamadas dos seus clientes/passageiros e indicava o motorista para prestar o serviço; 2) a empresa exigia a permanência do Reclamante conectado à plataforma digital para prestar os serviços, sob risco de descredenciamento da plataforma digital (perda do trabalho); 3) a empresa avaliava continuamente a performance dos motoristas, por meio de um controle telemático e pulverizado da qualidade dos serviços, a partir da tecnologia da plataforma digital e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros ao trabalhador. Tal sistemática servia, inclusive, de parâmetro para o descredenciamento do motorista em face da plataforma digital - perda do trabalho -, caso o obreiro não alcançasse uma média mínima; 4) a prestação de serviços se desenvolvia diariamente, durante o período da relação de trabalho - ou, pelo menos, com significativa intensidade durante os dias das semanas -, com minucioso e telemático controle da Reclamada sobre o trabalho e relativamente à estrita observância de suas diretrizes organizacionais pelo trabalhador, tudo efetivado, aliás, com muita eficiência, por intermédio da plataforma digital (meio telemático) e mediante a ativa e intensa, embora difusa, participação dos seus clientes/passageiros. Saliente-se ser fato notório (art. 337, I, do CPC/15) que a Reclamada é quem estabelece unilateralmente os parâmetros mais essenciais da forma de prestação dos serviços e da dinâmica de funcionamento da atividade econômica, como, por exemplo, a definição do preço da corrida e do quilômetro rodado no âmbito de sua plataforma digital. Desse quadro, se percebe a configuração da subordinação jurídica nas diversas dimensões: a) clássica , em face da existência de incessantes ordens diretas da Reclamada promovidas por meios remotos e digitais (art. , parágrafo primeiro, da CLT), demonstrando a existência da assimetria poder de direção/subordinação e, ainda, os aspectos diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar do poder empregatício; b) objetiva , tendo em vista o trabalho executado estritamente alinhado aos objetivos empresariais; c) estrutural, mediante a inteira inserção do profissional contratado na organização da atividade econômica desempenhada pela Reclamada, em sua dinâmica de funcionamento e na cultura jurídica e organizacional nela preponderante; d) por fim, a subordinação algorítima, que consiste naquela efetivada por intermédio de aferições, acompanhamentos, comandos, diretrizes e avaliações concretizadas pelo computador empresarial, no denominado algoritmo digital típico de tais empresas da Tecnologia 4.0. Saliente-se, por oportuno, que a suposta liberdade do profissional para definir seus horários de trabalho e de folgas, para manter-se ligado, ou não, à plataforma digital, bem como o fato de o Reclamante ser detentor e mantenedor de uma ferramenta de trabalho - no caso, o automóvel utilizado para o transporte de pessoas - são circunstâncias que não têm o condão de definir o trabalho como autônomo e afastar a configuração do vínculo de emprego. [...]. (RR-XXXXX-02.2017.5.01.0066, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 11/04/2022).

Atualmente, o processo encontra-se pendente de julgamento de Embargos de Divergência no âmbito da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST. Ainda estamos distantes de uma pacificação do entendimento.

Contudo, com o devido respeito às decisões proferidas até o presente momento por algumas das Turmas do TST, e revendo posicionamento anterior, passo a me perfilhar ao entendimento majoritário internacional e ao novo posicionamento da Terceira Turma do TST, reconhecendo, no caso em análise, em atenção ao princípio da primazia da realidade sobre a forma, que a demandada atua preponderantemente no setor de transportes (e não de tecnologia ou licenciamento digital) e que os motoristas que prestam serviços em seu favor trabalham sob condições que podem ser caracterizadas como formadoras de vínculo de emprego.

No mesmo sentido, já há diversas decisões emanadas da 1ª Turma deste Regional:

ACORDA a C. 1ª TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, em Sessão Ordinária de Julgamento realizada em 31/10/2023, com a presença de Suas Excelências o Senhor Desembargador EDUARDO ALMEIDA (Presidente e Relator), da Senhora Desembargadora HERMINEGILDA LEITE MACHADO e do Senhor Juiz Convocado ARNALDO JOSÉ DUARTE DO AMARAL, bem como de Sua Excelência a Senhora Procuradora Regional do Trabalho DANNIELLE CHRISTINE DUTRA DE LUCENA, por maioria, contra o voto de Sua Excelência o Senhor Juiz Arnaldo Duarte, DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso ordinário, para, reconhecendo a existência de vínculo de emprego entre as partes, condenar a demandada 99 TECNOLOGIA LTDA. nas seguintes obrigações: 1) obrigação de fazer consubstanciada na anotação da CTPS do autor, com data de admissão em 13/11/2021, na função de motorista, com remuneração por comissão, sob pena de multa diária de R$ 100,00, até o limite de R$ 3.000,00, a título de astreintes, conforme art. 536, § 1º, do CPC; 2) obrigação de pagar os seguintes títulos: 2.1) férias simples de 2022/2023, acrescidas de 1/3; 2.2) 13º salário proporcional de 2021 e integral de 2022; 2.3) recolhimento do FGTS referente a toda a contratualidade; 2.4) indenização por danos morais de R$3.000,00. Tudo calculado utilizando a média das comissões efetivamente percebidas, com o ajuste ao salário-mínimo/hora determinado no item 1. Condena-se também da demandada a pagar honorários advocatícios sucumbenciais em favor dos patronos do demandante, fixados no percentual de 10% sobre o valor da liquidação. Tudo calculado utilizando a média das comissões efetivamente percebidas. Custas de R$ 200,00, calculadas sobre R$ 10.000,00, valor arbitrado provisoriamente à condenação. (TRT13, Proc. XXXXX-92.2023.5.13.0005, 1ª Turma, Rel. Des. Eduardo Sergio de Almeida, Data do Julgamento: 31/10/2023

ACORDA a C. 1ª TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, em Sessão Ordinária de Julgamento realizada em 31/10/2023, com a presença de Suas Excelências o Senhor Desembargador EDUARDO ALMEIDA (Presidente), da Senhora Desembargadora HERMINEGILDA LEITE MACHADO (Relatora) e do Senhor Juiz Convocado ARNALDO JOSÉ DUARTE DO AMARAL, bem como de Sua Excelência a Senhora Procuradora Regional do Trabalho DANNIELLE CHRISTINE DUTRA DE LUCENA, por unanimidade, REJEITAR a preliminar de incompetência material da Justiça do Trabalho para processar e julgar a presente lide, suscitada pela reclamada, em contrarrazões, e, no MÉRITO: por maioria, contra o voto de Sua Excelência o Senhor Juiz Arnaldo Duarte, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso ordinário interposto pelo reclamante para, reformando a sentença, reconhecer o vínculo empregatício mantido entre os litigantes, e condenar a reclamada ao cumprimento das seguintes obrigações: I - de fazer: A) anotar o contrato individual de trabalho na CTPS do reclamante (física e/ou digital), com a função de "motorista", adotando-se como remuneração aquela consignada no "Extrato de Corridas" e data de admissão em 19.10.2021, o que deve ser feito no prazo de dez dias após intimada para tal finalidade, sob cominação de a Secretaria da Vara do Trabalho de origem fazê-lo, sem prejuízo da multa diária de R$ 300,00, até o limite de R$ 9.000,00, a título de astreintes; B) efetuar os depósitos do FGTS (8%) referente ao período trabalhado, sob pena de execução; II - de pagar: 13º salário proporcional de 2021 (02/12) e integral de 2019, 2020, 2021 e 2022; férias vencidas, em dobro, dos períodos aquisitivos 2017/2018, 2018/2019, 2019/2020 e 2020/2021, acrescidas do terço constitucional. Honorários advocatícios sucumbenciais devidos aos patronos do reclamante, fixados em 10% sobre o valor da condenação. Custas invertidas, devidas pela reclamada, no importe de R$ 400,00, calculadas sobre o montante de R$ 20.000,00, valor que ora se arbitra para fins de condenação. (TRT 13, Proc. XXXXX-43.2023.5.13.0032, 1ª Turma, Rel. Des. Herminegilda Leite Machado, Data do Julgamento: 31/10/2023)

ACORDA a C. 1ª TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, em Sessão Ordinária de Julgamento realizada em 29/08/2023, com a presença de Suas Excelências o Senhor Desembargador EDUARDO ALMEIDA (Presidente), da Senhora Desembargadora RITA LEITE BRITO ROLIM (Relatora) e do Juiz Convocado RÔMULO TINÔCO DOS SANTOS bem como de Sua Excelência o Senhor Procurador Regional do Trabalho, JOSÉ CAETANO DOS SANTOS FILHO, por maioria, contra o voto de Sua Excelência o Senhor Juiz Rômulo Tinôco dos Santos, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao Recurso Ordinário do reclamante para, reformando a sentença, reconhecer o vínculo empregatício mantido entre os litigantes, condenando a reclamada ao cumprimento das seguintes obrigações: a) EFETUAR o registro do contrato na CTPS do autor, na modalidade intermitente, com início em 01/03/2019, na função de motorista, com salário médio de R$ 1.400,00 (mil e quatrocentos reais) mensais; b) PAGAR as seguintes verbas: 13º salário proporcional de 2019 (10/12), 13º salários integrais de 2020, 2021 e 2022, férias com adicional de 1/3, vencidas em dobro de 2019/2020 e 2020/2021, integrais de 2021/2022, e indenização por dano moral; c) EFETUAR os depósitos de FGTS de todo o período laborado até o ajuizamento da ação na conta vinculada da parte autora em face da permanência do vínculo; d) PAGAR os honorários sucumbenciais, em favor do advogado do reclamante, no percentual 10% da condenação. A liquidação ocorrerá na fase própria e deverá observar os parâmetros definidos na fundamentação. Custas invertidas, a serem suportadas pela reclamada, no importe de R$ 600,00, calculadas sobre o montante de R$ 30.000,00, valor que ora se arbitra para fins de condenação. (TRT13, Proc. n. XXXXX-64.2023.5.13.0022 , 1ª Turma, Rel. Des. Rita Leite Brito Rolim, Data do Julgamento: 29/8/2023)

Por esses fundamentos, entendo que a prestação de serviços de transporte de passageiros por intermédio de plataforma digital (aplicativo) operacionalizada pelo demandante em favor da demandada constitui relação de emprego entre as partes, nos moldes do artigo da CLT.

3. Anotação CPTS, 13º Salário, Férias + 1/3, FGTS

O demandante afirma o início da relação de trabalho em 5/2017 e a permanência do vínculo.

A demandada, por seu turno, afirma o início da prestação de serviços em 18/8/20217, sem contestar a informação da permanência da relação.

Assim, considerando as narrativas do autor e da defesa, bem assim os históricos de viagens contidos nos autos (ID 171bb6b), tenho por iniciado o contrato de trabalho em 18/8/2017, mantido o vínculo, porque ausente prova de bloqueio do demandante na plataforma.

Quanto à remuneração, dadas as características próprias do contrato, notadamente o fato de o recebimento de valores estar umbilicalmente atrelado à realização de corridas, bem como a possibilidade de o motorista fazer mais ou menos corridas em determinado período de tempo, o que confere irregularidade no fluxo das remunerações percebidas, entendo, por medida de justiça e equidade, deve-se considerar ser o trabalhador comissionista puro e horista.

Dessa forma, é possível conferir certa proteção social aos trabalhadores, sem impor ônus demasiados e por vezes desproporcionais à empregadora, prejudicando a continuidade e o sucesso do empreendimento, o que acaba por reverter em prejuízos à sociedade e aos próprios trabalhadores.

Por ocasião da liquidação, deve ser observada a média das comissões efetivamente recebidas pelo demandante no curso do contrato de trabalho.

Assim, a sentença merece reforma para condenar a demandada UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. na obrigação de fazer consubstanciada na anotação da CTPS do autor, com data de admissão em 1/7/2020, na função de motorista, com remuneração por comissão.

As anotações na CTPS deverão ser feitas no prazo de dez dias após a intimação da demandada para tal finalidade, sob cominação de a Secretaria da Vara do Trabalho de origem fazê-lo (artigo 39, § 1º, CLT), sem prejuízo da multa única no valor de R$ 1.500,00, a título de astreintes (art. 536, § 1º, do CPC).

Nas anotações da CTPS, a demandada não poderá fazer qualquer menção a este processo.

Quanto à prescrição, a presente demanda foi ajuizada em 7/2/2024 e o contrato de trabalho teve início em 18/8/2017, permanecendo ativo, portanto pronunciou a prescrição parcial e extingo com resolução do mérito os pedidos anteriores a 7/2/2019 (art. 7º, XXIX, CF/1988, e art. 487, II, CPC).

As férias do período aquisitivo 2022/2023 ainda estão com o seu período de gozo em aberto.

Assim, condeno a demandada UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. na obrigação de pagar os seguintes títulos: 1) férias vencidas em dobro dos períodos aquisitivos de 2018/2019 a 2021/2022, todas acrescidas do terço constitucional; 2) 11/12 de 13º salário de 2019, 13º salário integral dos anos de 2020 a 2023, e 3) recolhimento do FGTS referente a toda a contratualidade. Tudo calculado utilizando a média das comissões efetivamente percebidas.

4. Honorários Advocatícios Sucumbenciais

Procedente em parte a postulação exordial, devidos são honorários advocatícios sucumbenciais pela demandada em favor dos patronos do demandante (art. 791-A, CLT).

E, quanto ao valor, considerando os parâmetros estabelecidos no artigo 791-A, § 2º da CLT, em especial, o grau de zelo do profissional e o trabalho e o tempo exigido do profissional para o serviço, fixo-o no percentual de 10% sobre o valor que resultar da liquidação do julgado.

Mantida a sucumbência recíproca, são devidos honorários advocatícios sucumbenciais pelo demandante, cuja exigibilidade fica suspensa em razão de deferimento a si dos benefícios da justiça gratuita.

Parâmetros para a Liquidação

Para a elaboração dos cálculos, devem ser observados os índices de correção monetária na forma da Súmula n. 381 do TST e o quanto decidido pelo STF no julgamento das ADCs n. 58 e 59 e ADIs n. 5867 e 6021 pelo STF, ou seja, atualização monetária com incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir do ajuizamento da ação, a taxa Selic (juros já inclusos).

As contribuições previdenciárias sobre as verbas ora concedidas serão pagas pela demandada, ficando autorizada a dedução da parcela que cabe ao empregado, e calculadas conforme a Súmula n. 368 do TST. Não incidem contribuições previdenciárias nas verbas sem natureza salarial, conforme o art. 28, § 9º, da Lei n. 8.212/91.

E, no particular, a demandada alega, em contrarrazões, a incompetência absoluta da Justiça do Trabalho para determinar o recolhimento de verbas previdenciárias.

Embora as contrarrazões não sejam o meio adequado para impugnar uma matéria já apreciada e julgada na sentença, por se tratar de questão de ordem pública, passível de ser suscitada de ofício, passo a apreciá-la.

Pois bem.

Sem razão a recorrida.

O artigo 114, VIII, da Constituição Federal estabelece a competência da Justiça do Trabalho para execução de ofício das contribuições previdenciárias relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e acordos por ela homologados. E, essa a situação destes autos.

O imposto de renda incidirá sobre as parcelas passíveis de tributação.

A liquidação deste julgado, entretanto, ocorrerá por ocasião da fase própria, considerando que a sentença é ilíquida, sob pena de se usurpar às partes a oportunidade de impugnação à referida conta, haja vista os estreitos limites do Recurso de Revista, nos termos da exegese extraída do art. 2º da Recomendação n. 04/GCGJT, de 26 de setembro de 2018, do TST.

CONCLUSÃO

Isso posto, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao recurso ordinário, para, reconhecendo a existência de vínculo de emprego entre as partes, condenar a demandada UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. nas seguintes obrigações: 1) obrigação de fazer consubstanciada na anotação da CTPS do demandante, com data de admissão em 18/8/2017, na função de motorista, com remuneração por comissão, sob cominação de a Secretaria da Vara do Trabalho de origem fazê-lo (artigo 39, § 1º, CLT), sem prejuízo da multa única no valor de R$ 1.500,00, a título de astreintes (art. 536, § 1º, do CPC); 2) obrigação de pagar os seguintes títulos: 2.1) férias vencidas dos períodos aquisitivos de 2018/2019 a 2021/2022, acrescidas de 1/3, de forma dobrada;2.2) 11/12 de 13º salário de 2019, 13º salário integral dos anos de 2020 a 2023; 2.3) recolhimento do FGTS referente a toda a contratualidade e a indenização de 40%, e 2.4) honorários advocatícios sucumbenciais no percentual de 10% sobre o valor da condenação. Tudo calculado utilizando a média das comissões efetivamente percebidas. Custas de R$400,00, calculadas sobre R$20.000,00, valor arbitrado provisoriamente à condenação.

GDES/CF


ACÓRDÃO

Cabeçalho do acórdão

Acórdão

ACORDA a C. 1ª TURMA do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, em Sessão Ordinária de Julgamento realizada em 07/05/2024, com a presença de Suas Excelências os Senhores Desembargador EDUARDO ALMEIDA (Presidente), do Juiz ANTÔNIO CAVALCANTE DA COSTA NETO (Relator) e da Senhora Desembargadora RITA LEITE BRITO ROLIM, bem como de Sua Excelência o Senhor Procurador do Trabalho MYLLENA FORMIGA CAVALCANTE DE ALENCAR MEDEIROS, por maioria, vencido Sua Excelência o Senhor Juiz Relator, DAR PROVIMENTO ao Recurso Ordinário para, reconhecendo a existência de vínculo de emprego entre as partes, condenar a demandada UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. nas seguintes obrigações: 1) OBRIGAÇÃO DE FAZER consubstanciada na anotação da CTPS da demandante, com data de admissão em 18/08/2017, na função de motorista, com remuneração por comissão, sob cominação de a Secretaria da Vara do Trabalho de origem fazê-lo (artigo 39, § 1º, CLT), sem prejuízo da multa única no valor de R$ 1.500,00, a título de astreintes (art. 536, § 1º, do CPC); 2) OBRIGAÇÃO DE PAGAR os seguintes títulos: 2.1) férias vencidas dos períodos aquisitivos de 2018/2019 a 2021/2022, acrescidas de 1/3, de forma dobrada;2.2) 11/12 de 13º salário de 2019, 13º salário integral dos anos de 2020 a 2023; 2.3) recolhimento do FGTS referente a toda a contratualidade e a indenização de 40%, e 2.4) honorários advocatícios sucumbenciais no percentual de 10% sobre o valor da condenação. Tudo calculado utilizando a média das comissões efetivamente percebidas. Custas de R$ 400,00, calculadas sobre R$ 20.000,00, valor arbitrado provisoriamente à condenação.

Obs.: TESE VENCEDORA DE SUA EXCELÊNCIA O SENHOR DESEMBARGADOR EDUARDO ALMEIDA.

DEFERIDA JUNTADA DE TESE VENCIDA A SUA EXCELÊNCIA O SENHOR JUIZ ANTÔNIO CAVALCANTE DA COSTA NETO.

Presença do Dr. Artur Antunes Orsine Lage, advogado do recorrido.

Ausente Sua Excelência o Senhor Desembargador Paulo Maia Filho, autorizado pelo que dispõe o Artigo 30, XXXVI, do Regimento Interno deste E. Regional, conforme despacho exarado por Sua Excelência o Senhor Desembargador Presidente Thiago de Oliveira Andrade, no PROAD nº 3759/2024.

Convocado Sua Excelência o Senhor Juiz Antônio Cavalcante da Costa Neto, Titular da 1ª Vara do Trabalho de João Pessoa/PB, nos termos do ATO TRT13 SGP Nº 022/2024.

Sua Excelência a d. Representante do Ministério Público do Trabalho deixou de opinar, em razão da inexistência de matéria de interesse público.

Assinatura

VOTOS

Voto do (a) Des (a). ANTONIO CAVALCANTE DA COSTA NETO / Gabinete da Desembargadora Margarida Alves de Araújo Silva

1 - DA INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO

A reclamada, em suas contrarrazões, defende a inexistência de relação de trabalho com o recorrente e insiste na declaração de incompetência da Justiça do Trabalho para julgar a presente demanda, com a consequente extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inciso IV, do CPC (id. 3cabc73).

Aplica-se ao caso a teoria abstrata do direito de agir, segundo a qual a competência do Órgão Julgador é fixada pela natureza dos pedidos formulados pela parte autora. Em outras palavras, de acordo com a doutrina de Fredie Didier Jr. (in Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, 18ª ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016, p. 216), "é a causa de pedir que contém a afirmação do direito discutido, o dado a ser levado em consideração para a identificação do juízo competente".

Nesses termos, como as pretensões elencadas na inicial relacionam-se a suposto contrato de emprego, é certo que esta Justiça Especializada tem competência para processar e julgar o feito, em conformidade com o disposto no art. 114 da Constituição Federal.

Reputo, portanto, acertado o posicionamento do magistrado de origem, ao declarar a competência desta Justiça Especializada para analisar e julgar a demanda.

Mantenho a sentença.


2 - DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO

O recorrente pleiteia a reforma da decisão de 1º grau que julgou improcedente os pleitos por ele formulados em sua peça inicial (id. efc1d2c).

Argumenta que na relação havida entre as partes estão presentes a prestação de trabalho por pessoa física, a pessoalidade por parte do trabalhador, a não-eventualidade, a onerosidade e a subordinação, elementos caracterizadores do vínculo empregatício.

Resta incontroverso nos autos que o reclamante, motorista cadastrado na plataforma UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA., desde 05/2017, presta serviços intermediados pela referida empresa, na função de motorista, ressaltando que "continua ativo", conforme narrado na peça inicial.

Por sua vez, é cediço que a reclamada é uma empresa de tecnologia que não explora diretamente o serviço de transporte, mas fornece uma plataforma eletrônica para possibilitar a interação entre os motoristas e seus clientes, além de estabelecer os preços a serem cobrados pelas corridas, de acordo com cálculos de distância, percurso e tempo de duração das viagens.

Com efeito, seguindo a linha de coerência com o posicionamento adotado por este julgador em situações idênticas à que ora se analisa, inclusive figurando no polo passivo a mesma empresa demandada, tenho manifestado o entendimento segundo o qual a natureza do vínculo estabelecido entre as partes não envolve uma relação de emprego propriamente dita, já que não há subordinação direta do motorista aos prepostos da empresa, que tampouco exercem sobre ele uma fiscalização típica de empregador.

Na relação contratual mantida entre as partes, ao contrário do que acontece em uma relação de emprego, não era possibilitado à demandada utilizar da força de trabalho como bem lhe aprouvesse, na medida em que o reclamante detinha iniciativa própria e auto-organização na execução de suas atividades, sendo certo que a empresa não fiscalizava o modo como eram prestados os serviços pelo demandante, considerando que tal avaliação era feita pelos próprios usuários, sem interferência da reclamada.

A organização e estruturação de tarefas existem em qualquer tipo de trabalho e exigem regras mínimas, seja autônomo ou não, não sendo razoável considerar orientações e sugestões dadas para o aperfeiçoamento do serviço como um tipo de ingerência da empresa na prestação dos serviços.

Na verdade, a reclamada disponibiliza uma plataforma eletrônica virtual, cuja finalidade é facilitar, de forma recíproca, o acesso e interação entre passageiros/usuários e motoristas/prestadores de serviços, situando ambos como consumidores dessa ferramenta.

Há de se observar, também, que em audiência, as partes fixaram pontos incontroversos, nos moldes do art. 374, inciso III, do CPC, ficando registrado naquela assentada o seguinte (id.9cb6953):


As partes dispensam reciprocamente os depoimentos e, em substituição, convencionam pela ausência de controvérsia a respeito dos seguintes pontos:

1- ficava a critério do motorista o início e término do horário de utilização da plataforma;

2- o motorista poderia alterar a rota definida pelo aplicativo em comum acordo com o passageiro, o que pode ou não gerar alteração de valor;

3- não havia exigência quanto ao número mínimo de viagens diárias;

4- ficava a critério do motorista a participação ou não em promoções;

5- o motorista apenas fez o cadastro por meio do aplicativo, não sendo realizado nenhum processo seletivo;

6- é critério do motorista utilizar outras plataformas;

7- o motorista decide os dias de folga e nos dias de folga, não era necessário justificar a ausência na plataforma;

8- poderia receber o valor da viagem diretamente do passageiro, quando pago em dinheiro;

9- o motorista arca com as despesas do veículo, inclusive seguro;

10- a reclamada não garante remuneração mínima ao final do dia/mês;

11- a reclamada aceita que dois motoristas usem o mesmo carro;

12- não é obrigatório o fornecimento de água e bala, ficando a critério do motorista.


Some-se a isso o fato de que o reclamante, ora recorrente, afirma em sua peça inicial que "aderiu aos termos e condições da reclamada" (ID efc1d2c), utilizando-se de aplicativo que oferece interface entre motoristas previamente cadastrados e usuários dos serviços, sem qualquer interferência da reclamada em uma suposta contratação do empregado com vistas ao início de uma suposta relação empregatícia entre as partes.

Por todo esse quadro, entendo que não está presente o requisito da subordinação jurídica nos moldes do que estabelece o artigo da CLT, em razão de que não há que se falar na existência de vínculo empregatício.

Assim, evidenciada, no caso, a ausência de preenchimento dos requisitos para configuração da relação empregatícia, a sentença não merece nenhuma reforma.

O posicionamento adotado está em perfeita sintonia com recentes julgamentos proferidos no âmbito deste Regional, por ambas as Turmas, dos quais cito os seguintes:


RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. MOTORISTA DE APLICATIVO. UBER. PLATAFORMA DIGITAL. RELAÇÃO DE EMPREGO. SUBORDINAÇÃO JURÍDICA AUSENTE. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. O acervo probatório existente nos autos, notadamente a prova oral emprestada, conduz à conclusão de que não existia subordinação jurídica, tal como dispõe o artigo da CLT, de modo que não há como se reconhecer a existência de relação de emprego entre os litigantes. Nesse contexto, impõe-se manter a improcedência da ação. Recurso ordinário não provido. DISPOSITIVO:. (TRT 13ª R.; ROT XXXXX-97.2023.5.13.0023; Segunda Turma; Rel. Des. Francisco de Assis Carvalho e Silva; DEJTPB 27/02/2024; Pág. 96)


UBER. VÍNCULO DE EMPREGO. SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. AUSÊNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. A configuração do vínculo de emprego se dá com o preenchimento dos requisitos previstos no art. da CLT, inclusive nas relações derivadas do uso de plataformas digitais que conectam prestadores e usuários de serviços. Constatada a ausência de subordinação jurídica entre a UBER e o prestador dos serviços aos usuários finais, o vínculo empregatício não está configurado. A adesão de motorista particular à plataforma de aplicativo digital UBER consubstancia relação comercial de parceria, com os riscos inerentes à atividade e previstos em termo de adesão. Sem prova quanto à subordinação do trabalhador, a conclusão a que se chega é de ter havido uma comunhão de esforços entre as partes, não restando caracterizada a relação de emprego. Recurso ordinário desprovido. (TRT 13ª R.; ROT XXXXX-91.2023.5.13.0005; Primeira Turma; Rel. Des. Paulo Maia Filho; DEJTPB 13/12/2023; Pág. 488)

Nessa mesma linha de entendimento, há decisões do TST quanto à matéria, a exemplo dos arestos a seguir transcritos:

RECURSO DE REVISTA OBREIRO. VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE O MOTORISTA DE APLICATIVO E A EMPRESA PROVEDORA DA PLATAFORMA DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO (UBER) - IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DIANTE DA AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Avulta a transcendência jurídica da causa ( CLT, art. 896-A, § 1º, IV), na medida em que o pleito de reconhecimento do vínculo de emprego envolvendo os recentes modelos de contratação firmados entre motoristas de aplicativo e empresas provedoras de plataformas de tecnologia por eles utilizadas ainda é nova no âmbito desta Corte, demandando a interpretação da legislação trabalhista em torno da questão. 2. Ademais, deixa-se de aplicar o óbice previsto na Súmula 126 desta Corte, uma vez que os atuais modelos de contratação firmados entre as empresas detentoras da plataforma de tecnologia (Uber) e os motoristas que delas se utilizam são de conhecimento público e notório (art. 374, I, do CPC) e consona com o quadro fático delineado pelo Regional. 3. Em relação às novas formas de trabalho e à incorporação de tecnologias digitais no trato das relações interpessoais - que estão provocando uma transformação profunda no Direito do Trabalho, mas carentes ainda de regulamentação legislativa específica - deve o Estado-Juiz, atento a essas mudanças, distinguir os novos formatos de trabalho daqueles em que se está diante de uma típica fraude à relação de emprego, de modo a não frear o desenvolvimento socioeconômico do país no afã de aplicar regras protetivas do direito laboral a toda e qualquer forma de trabalho. 4. Nesse contexto, analisando, à luz dos arts. e da CLT, a relação existente entre a Uber e os motoristas que se utilizam desse aplicativo para obterem clientes dos seus serviços de transporte, tem-se que: a) quanto à habitualidade, inexiste a obrigação de uma frequência predeterminada ou mínima de labor pelo motorista para o uso do aplicativo, estando a cargo do profissional definir os dias e a constância em que irá trabalhar; b) quanto à subordinação jurídica, a par da ampla autonomia do motorista em escolher os dias, horários e forma de labor, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber ou sanções decorrentes de suas escolhas, a necessidade de observância de cláusulas contratuais (v.g.,valores a serem cobrados, código de conduta, instruções de comportamento, avaliação do motorista pelos clientes), com as correspondentes sanções no caso de descumprimento (para que se preserve a confiabilidade e a manutenção do aplicativo no mercado concorrencial), não significa que haja ingerência no modo de trabalho prestado pelo motorista, reforçando a convicção quanto ao trabalho autônomo a inclusão da categoria de motorista de aplicativo independente, como o motorista da Uber, no rol de atividades permitidas para inscrição como Microempreendedor Individual - MEI, nos termos da Resolução 148/2019 do Comitê Gestor do Simples Nacional; c) quanto à remuneração, o caráter autônomo da prestação de serviços se caracteriza por arcar, o motorista, com os custos da prestação do serviço (manutenção do carro, combustível, IPVA), caber a ele a responsabilidade por eventuais sinistros, multas, atos ilícitos ocorridos, dentre outros (ainda que a empresa provedora da plataforma possa a vir a ser responsabilizada solidariamente em alguns casos), além de os percentuais fixados pela Uber, de cota parte do motorista, entre 75% e 80% do preço pago pelo usuário, serem superiores ao que este Tribunal vem admitindo como suficientes a caracterizar a relação de parceria entre os envolvidos. 5. Já quanto à alegada subordinação estrutural, não cabe ao Poder Judiciário ampliar conceitos jurídicos a fim de reconhecer o vínculo empregatício de profissionais que atuam em novas formas de trabalho, emergentes da dinâmica do mercado concorrencial atual e, principalmente, de desenvolvimentos tecnológicos, nas situações em que não se constata nenhuma fraude, como é o caso das empresas provedoras de aplicativos de tecnologia, que têm como finalidade conectar quem necessita da condução com o motorista credenciado, sendo o serviço prestado de motorista, em si, competência do profissional e apenas uma consequência inerente ao que propõe o dispositivo. 6. Assim sendo, não merece reforma o acórdão regional que não reconheceu o vínculo de emprego pleiteado na presente reclamação, sob o fundamento de ausência de subordinação jurídica entre o motorista e a empresa provedora do aplicativo Uber. Recurso de revista desprovido. (RR-XXXXX-54.2019.5.03.0179, 4ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, DEJT 05/03/2021).


AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS NºS 13.015/2014 E 13.467/2017. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. RELAÇÃO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO. TRABALHADOR AUTÔNOMO. MOTORISTA. APLICATIVO. UBER. IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. NÃO PROVIMENTO. I. Discute-se a possibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego entre motorista profissional que desenvolve suas atividades com utilização do aplicativo de tecnologia Uber e a sua criadora, Uber do Brasil Tecnologia Ltda. II. Pelo prisma da transcendência, trata-se de questão jurídica nova, uma vez que se refere à interpretação da legislação trabalhista (arts. , , e , da CLT), sob enfoque em relação ao qual ainda não há jurisprudência consolidada no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho ou em decisão de efeito vinculante no Supremo Tribunal Federal. Logo, reconhece-se a transcendência jurídica da causa (art. 896-A, § 1º, IV, da CLT). III. Na hipótese, o Tribunal Regional manteve, pelos próprios fundamentos, a sentença em que se reconheceu a condição de trabalhador autônomo do Reclamante. No particular, houve reconhecimento na instância ordinária de que o Reclamante ostentava ampla autonomia na prestação de serviços, sendo dele o ônus da atividade econômica. Registrou-se, ainda, a ausência de subordinação do trabalhador para com a Reclamada, visto que o autor não estava sujeito ao poder diretivo, fiscalizador e punitivo da ré. Tais premissas são insusceptíveis de revisão ou alteração nessa instância extraordinária, conforme entendimento consagrado na Súmula nº 126 do TST. lV. A relação de emprego definida pela CLT (1943) tem como padrão a relação clássica de trabalho industrial, comercial e de serviços. As novas formas de trabalho devem ser reguladas por lei própria e, enquanto o legislador não a edita, não pode o julgador aplicar indiscriminadamente o padrão da relação de emprego. O contrato regido pela CLT exige a convergência de quatro elementos configuradores: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica. Esta decorre do poder hierárquico da empresa e se desdobra nos poderes diretivo, fiscalizador, regulamentar e disciplinar (punitivo). O enquadramento da relação estabelecida entre o motorista de aplicativo e a respectiva plataforma deve se dar com aquela prevista no ordenamento jurídico com maior afinidade, como é o caso da definida pela Lei nº 11.442/2007, do transportador autônomo, assim configurado aquele que é proprietário do veículo e tem relação de natureza comercial. O STF já declarou constitucional tal enquadramento jurídico de trabalho autônomo (ADC 48, Rel. Min. Roberto Barroso, DJE nº 123, de 18/05/2020), a evidenciar a possibilidade de que nem todo o trabalho pessoal e oneroso deve ser regido pela CLT. O trabalho pela plataforma tecnológica - e não para ela -, não atende aos critérios definidos nos artigos e da CLT, pois o usuário - motorista pode dispor livremente quando e se disponibilizará seu serviço de transporte para os usuários clientes, sem qualquer exigência de trabalho mínimo, de número mínimo de viagens por período, de faturamento mínimo, sem qualquer fiscalização ou punição por esta decisão do motorista, como constou das premissas fáticas incorporadas pelo acórdão Regional, ao manter a sentença de primeiro grau por seus próprios fundamentos, em procedimento sumaríssimo. VI. Sob esse enfoque, fixa-se o seguinte entendimento: o trabalho prestado com a utilização de plataforma tecnológica de gestão de oferta de motoristas usuários e demanda de clientes usuários, não se dá para a plataforma e não atende aos elementos configuradores da relação de emprego previstos nos artigos e da CLT, inexistindo, por isso, relação de emprego entre o motorista profissional e a desenvolvedora do aplicativo, o que não acarreta violação do disposto no art. 1º, III e IV, da Constituição Federal. VII. Agravo de instrumento de que se conhece e a que se nega provimento. (TST; AIRR XXXXX-88.2019.5.03.0003; Quarta Turma; Rel. Min. Alexandre Luiz Ramos; DEJT 11/09/2020; Pág. 1678)


AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. EM RAZÃO DE PROVÁVEL CARACTERIZAÇÃO DE OFENSA AO ART. , DA CLT, DÁ-SE PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO PARA DETERMINAR O PROSSEGUIMENTO DO RECURSO DE REVISTA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Destaque-se, de início, que o reexame do caso não demanda o revolvimento de fatos e provas dos autos, isso porque a transcrição do depoimento pessoal do autor no acórdão recorrido contempla elemento fático hábil ao reconhecimento da confissão quanto à autonomia na prestação de serviços. Com efeito, o reclamante admite expressamente a possibilidade de ficar off line, sem delimitação de tempo, circunstância que indica a ausência completa e voluntária da prestação dos serviços em exame, que só ocorre em ambiente virtual. Tal fato traduz, na prática, a ampla flexibilidade do autor em determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por dia. Tal autodeterminação é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação, elemento no qual se funda a distinção com o trabalho autônomo. Não bastasse a confissão do reclamante quanto à autonomia para o desempenho de suas atividades, é fato incontroverso nos autos que o reclamante aderiu aos serviços de intermediação digital, prestados pela reclamada, utilizando-se de aplicativo que oferece interface entre motoristas previamente cadastrados e usuários dos serviços. Dentre os termos e condições relacionados aos referidos serviços, está a reserva ao motorista do equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário, conforme consignado pelo e. TRT. O referido percentual revela-se superior ao que esta Corte vem admitindo como bastante à caracterização da relação de parceria entre os envolvidos, uma vez que o rateio do valor do serviço em alto percentual a uma das partes evidencia vantagem remuneratória não condizente com o liame de emprego. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (TST; RR XXXXX-89.2017.5.02.0038; Quinta Turma; Rel. Min. Breno Medeiros; DEJT 07/02/2020; Pág. 3030) (grifo acrescido)


AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. MOTORISTA DE APLICATIVO. AUTONOMIA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. VÍNCULO EMPREGATÍCIO NÃO CONFIGURADO. O TRIBUNAL REGIONAL CONSIGNOU QUE OS ELEMENTOS DOS AUTOS DEMONSTRAM AUTONOMIA DO RECLAMANTE NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS, ESPECIALMENTE PELA AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA ACERCA DA SUBORDINAÇÃO JURÍDICA. ADEMAIS, RESTANDO INCONTROVERSO NOS AUTOS QUE, PELOS SERVIÇOS PRESTADOS AOS USUÁRIOS, O MOTORISTA DO UBER, COMO O RECLAMANTE AUFERE 75% DO TOTAL BRUTO ARRECADADO COMO REMUNERAÇÃO, ENQUANTO QUE A QUANTIA EQUIVALENTE A 25% ERA DESTINADA À RECLAMADA (PETIÇÃO INICIAL. ITEM 27. ID. 47AF69D), COMO PAGAMENTO PELO FORNECIMENTO DO APLICATIVO, RESSALTOU O TRIBUNAL REGIONAL QUE, PELO CRITÉRIO UTILIZADO NA DIVISÃO DOS VALORES ARRECADADOS, A SITUAÇÃO SE APROXIMA MAIS DE UM REGIME DE PARCERIA, MEDIANTE O QUAL O RECLAMANTE UTILIZAVA A PLATAFORMA DIGITAL DISPONIBILIZADA PELA RECLAMADA, EM TROCA DA DESTINAÇÃO DE UM PERCENTUAL RELEVANTE, CALCULADO SOBRE A QUANTIA EFETIVAMENTE AUFERIDA COM OS SERVIÇOS PRESTADOS. ÓBICE DA SÚMULA Nº 126 DO TST. Incólumes os artigos 1º, III e IV, da Constituição Federal e 2º, 3º e 6º, parágrafo único, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TST; AIRR XXXXX-47.2017.5.03.0185; Oitava Turma; Relª Min. Dora Maria da Costa; DEJT 31/01/2019; Pág. 168)


Por fim, a 1ª Turma do STF, apreciando a RCL 60347, em julgamento realizado no dia 05.12.2023, cuja relatoria coube ao Ministro Alexandre de Moraes, apreciando o vínculo de emprego entre motorista e empresa por aplicativo (Cabify Agência de Serviços de Transporte de Passageiros Ltda.) "por unanimidade, julgou procedente o pedido, de forma que seja cassado o acórdão impugnado e, desde logo, julgou improcedente a Ação Trabalhista (processo XXXXX.76.2021.5.03.0023), em trâmite no Tribunal Superior do Trabalho".

Assim, evidenciada, no caso, a ausência de preenchimento dos requisitos para configuração da relação empregatícia, a sentença recorrida deve ser mantida.

Desta forma, irretocável é a decisão atacada.


IV - CONCLUSÃO

Isso posto, NEGO PROVIMENTO ao Recurso Ordinário. Custas processuais inalteradas.



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