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6 de Maio de 2024

STJ Jan22 - Revogação de Prisão Preventiva - Tipo do Tráfico - Restabelecer Medidas Cautelares Anteriormente Impostas

ano passado

HABEAS CORPUS Nº 792600 - ES (2022/0401626-6)

DECISÃO Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de DAVI DICKSON MEROTO LAMAS PEREIRA contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo ( HC n. 5011692-43.2022.8.08.0000).

Consta dos autos que o paciente é advogado e está preso preventivamente desde 4/11/2022, denunciado pela suposta prática dos crimes tipificados no art. 33 c/c artigo 40, inciso III, ambos da Lei n. 11.34/2006, na forma do art. 29 do Código Penal, e no art. , §§ 2º e , incisos I e IV, da Lei n. 12.850/2013, nos moldes do artigo 69, com a incidência da agravante de pena do art. 61, inciso II, alínea g, ambos do Código Penal.

Contra a referida decisão, a defesa impetrou habeas corpus perante a Corte estadual, alegando, em síntese, a falta de contemporaneidade do decreto preventivo e a ausência de fundamentação idônea para a determinação da segregação cautelar.

Todavia, a ordem foi denegada pelo Tribunal a quo, em acórdão assim ementado (e-STJ fls. 34/35): HABEAS CORPUS - ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA - ASSOCIAÇÃO PARAO TRÁFICO DE DROGAS - OPERAÇÃO "TIES II" - JUSTA CAUSA CARACTERIZADA - PRESENÇA DOS REQUISITOS DOS ARTS. 312 E 313 DO CPP - FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA - PERICULOSIDADE DO AGENTE - AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE DO DECRETO PRISIONAL - NÃO CONFIGURADO - APLICAÇÃO DAS DEMAIS MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS - INVIABILIDADE - CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO - ORDEM DENEGADA. 1. Em vista da natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos nos arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal - CPP. 2. No caso dos autos, a prisão preventiva foi adequadamente motivada, tendo sido demonstradas com base em elementos concretos, a gravidade da conduta e os indícios de periculosidade do paciente (advogado), evidenciadas pela atuação do paciente na organização criminosa, que era encarregado em transmitir mensagens entre os faccionados que se encontram em liberdade e aqueles que fazem parte do sistema prisional ("pombo-correio"), valendo-se das prerrogativas da advocacia, facilitando a comunicação entre os líderes presos e soltos no interesse da facção e, por conseguinte, a necessidade da custódia cautelar para garantia da ordem pública. 3. Considerando o razoável período das investigações procedidas, em conjunto com a gravidade das condutas, em tese, perpetradas, não há que se falar em ausência de contemporaneidade do decreto. 4. Julga-se ser inadequada e insuficiente a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do CPP, mormente quando a segregação encontra-se fundada na gravidade efetiva do delito, indicando que as providências menos gravosas seriam insuficientes para acautelar a ordem pública. As medidas cautelares diversas da prisão são ineficazes, pois de efeitos insuficientes para brecar a ORCRIM, a estruturação do tráfico de drogas e prática de outros crimes. 5. A jurisprudência da Suprema Corte "é assente no sentido de que se justifica a decretação de prisão de membros de grupo criminoso como forma de interromper suas atividades" ( AgRg no HC 577.598/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em02/06/2020, DJe 15/06/2020; sem grifos no original). 6. ORDEM DENEGADA. No presente writ (e-STJ. fls 3/17), o impetrante alega a ilegalidade da prisão preventiva, tendo em vista que, apesar de as medidas cautelares não terem sido descumpridas e serem suficientes para impedir a reiteração delitiva, foi decretada a segregação cautelar do paciente 73 dias após a decisão que as aplicou. Sustenta a ausência de fundamentação idônea para a manutenção da segregação cautelar, vez que se trata de réu primário e não restou demonstrado o periculum libertatis ou a gravidade concreta do delito. Diante do exposto, requer, liminarmente e no mérito, a revogação da prisão preventiva, mediante a expedição do alvará de soltura, sendo restabelecidas as medidas cautelares anteriormente impostas.

A liminar foi indeferida (e-STJ fls. 413/417). Intimado, o Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (e-STJ fls. 420/422).

É o relatório. Decido.

O presente habeas corpus não merece ser conhecido por ausência de regularidade formal, qual seja, a adequação da via eleita. De acordo com a nossa sistemática recursal, o recurso cabível contra acórdão do Tribunal de origem que denega a ordem no habeas corpus é o recurso ordinário, consoante dispõe o art. 105, II, a, da Constituição Federal.

Do mesmo modo, o recurso adequado contra acórdão que julga recurso em sentido estrito é o recurso especial, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal. Acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.

Nesse sentido, encontram-se, por exemplo, estes julgados: HC 313.318/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro FELIX FISCHER, julgamento em 7/5/2015, DJ de 21/5/2015; HC 321.436/SP, Sexta Turma, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, julgado em 19/5/2015, DJ de 27/5/2015.

No entanto, nada impede que, de ofício, este Tribunal Superior constate a existência de ilegalidade flagrante, circunstância que ora passo a examinar. No caso, busca-se a revogação da prisão preventiva do paciente, acusado pela suposta prática do crime de associação para o tráfico de drogas.

A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. , LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF).

Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal, que assim dispõe: A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.

Embora a nova redação do referido dispositivo legal tenha acrescentado o novo pressuposto - demonstração do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado -, apenas explicitou entendimento já adotado pela jurisprudência pátria ao abordar a necessidade de existência de periculum libertatis.

Portanto, caso a liberdade do acusado não represente perigo à ordem pública, econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal, não se justifica a prisão ( HC nº 137.066/PE, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 21/02/2017, DJe 13/03/2017; HC n. 122.057/SP, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 02/09/2014, DJe 10/10/2014; RHC n. 79.200/BA, Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 22/06/1999, DJU 13/08/1999; e RHC n. 97.893/RR, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019; HC n. 503.046/RN, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019).

Exige-se, ainda, na linha inicialmente perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, e agora normatizada a partir da edição da Lei n. 13.964/2019, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime ( HC n. 321.201/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe 25/8/2015; HC n. 296.543/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 02/10/2014, DJe 13/10/2014).

In casu, o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo denegou a ordem impetrada e manteve a segregação cautelar imposta pelo juízo de piso. Em seu voto, o Relator, reiterando os fundamentos do decreto prisional, ponderou que os requisitos para a manutenção da prisão preventiva estão presentes e que as medidas cautelares diversas são insuficientes para evitar a continuidade delitiva.

Senão, vejamos (e-STJ fls. 18/36): Verifico, de pronto, conforme constam dos documentos acostados e das informações prestadas pela dita autoridade coatora, que o Ministério Público Estadual procedeu com a devida individualização das condutas do ora paciente, senão vejamos: "(...) A partir de análise de todo o material alcançado durante as investigações, especialmente pelos dados extraídos do aparelho celular de aponta a atuação de DAVI DICKSON MEROTO LAMAS PEREIRA na transmissão de ordens ilícitas (mensagens de conteúdo criminoso) entre os integrantes da facção"PCV". Aqui, o acusado Davi Dickson Meroto Lamas Pereira, é denominado"Davi Adv/Frajola"- usuário da linha nº (27) 99694-9946 e com o afastamento telemático observou-se que o denunciado transmitia mensagens entre faccionados presos e em liberdade, viabilizando-se a gestão continuada da organização criminosa. Identifica-se um" catuque "localizado em dados telemáticos do denunciado DAVI junto ao e-mail: davi_meroto@hotmail. com, denominado" Meu MN desenho Veja bem meu parceiro.pdf ", cujo remetente seria um fornecedor de armas do Rio de Janeiro (estado em que o PCV guarda estreitos laços de comércio e aliança criminosa, principalmente com a facção CV - Comando Vermelho), o que só reforça os indícios de como o PCV tem se estruturado com armas de alto potencial lesivo e adquirido outras armas e drogas com tamanha facilidade, com a indicação expressa dos integrantes da organização criminosa, especialmente o seu" braço armado ". Nas mensagens trocadas, ao que tudo indica claro receio de DAVI ser preso. Corroborando os elementos acima, reforça-se que no grupo no aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp denominado"ADVOGADOS UNIDOS", foi o denunciado DAVI quem demonstrou grande preocupação quando registrou:"o problema é quando pegam o celular", bem como orientou os demais participantes a não se descuidarem com a nuvem. Após pesquisa nos registros da SEJUS, por meio do sistema INFOPEN e relatórios requisitados, constatou-se que o denunciado DAVI realizou demasiadas visitas aos membros do PCV na Penitenciária de Segurança Máxima de Viana, já que visitou aproximadamente 154 vezes o faccionado CLEUTON GOMES PEREIRA; aproximadamente 92 vezes o faccionado LUCAS HENRIQUE SOARES DA SILVA; aproximadamente 131 vezes o interno DJALMA LEITE VASCONCELLOS, dentre outros. Do exame dos registros das visitas de advogados em determinadas unidades prisionais do ES, conclui-se que o denunciado DAVI realizou no mínimo 886 visitas a 145 internos distintos, no período de abril de 2020 a agosto de 2022, em pleno período de pandemia e com restrições sanitárias. Outro número que chama a atenção nessa análise é o tempo de duração dessas visitas, já que diversas delas perduraram por mais de 06 horas. Somadas, essas visitas alcançaram o total de 1.403 horas. Ademais, muitas dessas visitas foram realizadas no período noturno, ou até mesmo durante a madrugada, e com outros faccionados de uma vez (...)". (grifei). Neste ínterim, não há que se falar em ausência de individualização das condutas do paciente. (...) Por sua vez, o MM. Juiz a quo, ao analisar o requerimento Ministerial e a partir da descrição fática contida nos autos, assim decidiu: "[...] percebe-se a gravidade dos crimes, em tese, praticados pelos denunciados, todos escorados em cristalinos indícios de autoria e materialidade ou mesmo em robustas provas já constituídas pelas diligências até então desenvolvidas, em especial, ante as transcrições e cópias de documentos constantes dos autos. Para a decretação da prisão preventiva, exige a legislação, além da existência de prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, que a mesma seja aplicada visando a garantia da ordem pública ou econômica, a conveniência da instrução criminal e a eficiência da aplicação da lei penal, consoante disciplina do art. 312 do Estatuto Processual Penal. Conforme se extrai da denúncia, os fatos apurados pelo Ministério Público na Operação"Ties"decorrem da existência de um grupo criminoso conhecido por Primeiro Comando de Vitória - PCV e que dispõe de um grupo de advogados que, valendo-se de suas prerrogativas, atuam como informantes, facilitando a comunicação entre os detentos e criminosos que estão do lado de fora das unidades prisionais, por meio de bilhetes ("catuques") que lhes são levados durante as visitas aos presos, o que permite, de fato, atos de gestão acerca do funcionamento da facção, em especial, voltadas ao tráfico de drogas. Quando do cumprimento dos mandados de busca e apreensão, foram apreendidos aparelhos celulares e notebooks e, diante da extração de dados, foram verificados diversos bilhetes de conteúdo criminoso, conhecido vulgarmente como" catuques "e que seriam dirigidos aos presos que se encontravam presos ou pelos faccionados em liberdade por intermédio dos advogados MARCO AURÉLIO DE SOUZA RODRIGUES, DIEGO DO AMARAL LEAL, DANIEL FERREIRA DE SOUZA, MATEUS CANIZIO MARINHO DE OLIVEIRA, DAVI DICKSON MEROTO LAMAS PEREIRA, MAILA HERING, THATIANE DOS SANTOS SILVA, MAYCON NEVES REBONATO, BÁRBARA MARCARINI VON RANDOW, GUILHERME NUNES MORAES e ESTER MORAIS DIAS, valendo-se inadvertidamente das prerrogativas da advocacia para permear a comunicação criminosas entre os diversos membros da facção criminosa. Na análise dos diálogos diversos extraídos nestes autos, observa-se ajustes acerca da comercialização de drogas, e sobre contas voltadas ao tráfico de drogas e distribuição de armas nas comunidades e favelas. Todavia, o caso vertente ostenta grande complexidade face a visível articulação dos envolvidos entre si e para os diversos membros da facção criminosa denominada Primeiro Comando de Vitória - PCV e suas diversas ramificações, tenho que, no momento, impõe-se a medida extrema como garantia da ordem pública, em especial pelos últimos acontecimentos, públicos e notórios (fatos ocorridos em 11/10/2022 - queimas de ônibus coletivos), que trazem insegurança a sociedade, bem como para a conveniência da instrução processual e a garantia da aplicação da lei penal. Após exaustiva análise das condutas individualizadas pelo Parquet, tenho que existe a indicação, descrição e demonstração por meio de documentos (WhatsApp, cartas, bilhetes, etc) de comunicações entre os próprios acusados e entre detentos do sistema prisional, supostamente integrantes da facção denominada Primeiro Comando de Vitória - PCV, relatando acerca da contabilidade do tráfico de drogas, valores provenientes da lucratividade da venda de drogas, comercialização e distribuição de armas nas favelas e comunidades, incluindo recomendações sobre a gestão de pontos de drogas, inclusive, reposição de drogas, além de diversos outros comandos e crimes de natureza diversa sob a administração da organização criminosa. Constantes interlocuções entre os acusados e detentos ou faccionados em liberdade com gerência em nível operacional acerca de ataques de grupos rivais cometidos em razão da disputa de controles de tráfico de drogas, além de considerável preocupação entre os advogados pertentes ao mesmo grupo com o nível das conversas e pelo receio de responderem criminalmente ou virem a ser presos. Da leitura das diversas mensagens, vê-se que não há propriamente a finalidade de tratar de direitos defensivos dos faccionados, mas para a transmissão de mensagens entre os faccionados que se encontram em liberdade e aqueles que fazem parte do sistema prisional, valendo-se das prerrogativas da advocacia, facilitando a comunicação entre os líderes presos e soltos. Além disso, o Ministério Público indica de forma clara e minuciosa o relatório das diversas visitas realizadas pelos acusados para tais detentos. Em última análise, resta nítido que crimes são arquitetados e cometidos por organizações criminosa (Orcrim) exatamente em razão da transmissão de mensagens de maior interesse da cúpula da organização. Assim, os acusados extrapolaram os limites de sua profissão, atuando de forma proativa, aderindo, colaborando com o tráfico de drogas e crimes conexos, alimentando, retroalimentando e fomentando a escalada criminosa e optando em fazer parte da organização. Merece destaque o fato de que, uma vez em liberdade, não tardarão a estreitar novos laços com a organização criminosa, sendo imprescindível embargar eventuais ligações existentes entre referidos acusados (profissionais de advocacia) e os diversos líderes e integrantes da facção criminosa. [...] Decreto a prisão preventiva dos acusados MARCO AURÉLIO DE SOUZA RODRIGUES, DIEGO DO AMARAL LEAL, DANIEL FERREIRA DE SOUZA, MATEUS CANIZIO MARINHO DE OLIVEIRA, DAVI DICKSON MEROTO LAMAS PEREIRA, MAILA HERING, THATIANE DOS SANTOS SILVA, MAYCON NEVES REBONATO, BÁRBARA MARCARINI VON RANDOW, GUILHERME NUNES MORAES e ESTER MORAIS DIAS, para garantir a ordem pública e a conveniência da instrução processual e, também, para assegurar a aplicação da lei penal, visto que os acusados em liberdade demonstram elevado risco para a sociedade em razão da gravidade dos delitos atribuídos aos mesmos. [...]"
Neste ponto, é cristalino que em qualquer fase da investigação criminal ou do processo penal caberá a decretação da prisão preventiva pelo magistrado competente, em especial quando a requerimento do Ministério Público, nos moldes do art. 311 do CPP. Ademais, é evidente que o douto magistrado apresentou-se atento às particularidades do caso, não havendo que se falar em ausência de requisito autorizativo da segregação. O posicionamento revela-se acertado e está lastreado em elementos concretos, extraídos das circunstâncias colhidas nos autos. Ressalta-se que já existia uma extensa investigação em curso denominada OPERAÇÃO TIES - PIC/GAECO nº 002/2022. Nesse sentido, sobressai o contexto fático, notadamente levando em conta a atuação do paciente na organização criminosa, que era encarregado em transmitir mensagens entre os faccionados que se encontram em liberdade e aqueles que fazem parte do sistema prisional, valendo-se das prerrogativas da advocacia, facilitando a comunicação entre os líderes presos e soltos. Com relação ao periculum libertatis, o magistrado motivou sua análise tendo por base especialmente o risco à ordem pública. Destacou indícios de periculosidade concreta das condutas dos advogados, reforçando a necessidade de embargar eventuais ligações existentes entre o paciente e os demais líderes da facção criminosa.
Ademais, tem-se que, no presente caso, o crime de tráfico de drogas de que é acusado o paciente se revela de elevada gravidade concreta, eis que este integra, conforme já exarado, organização criminosa autointitulada "PCV - Primeiro Comando de Vitória", que exerce o controle do tráfico de drogas na região, o que demonstra peculiar reprovabilidade da conduta, a demandar pronta atuação estatal por meio da segregação cautelar do acusado.
Destarte, ainda que a prisão cautelar seja uma medida extrema, certo é que em casos excepcionais, como o dos presentes autos, prevalece sobre a liberdade individual. Já sobre o exame de contemporaneidade da prisão, saliento que é feito não apenas com base no tempo entre os fatos e a decisão que decretou a cautelar, como também pela permanência de elementos que indicam que os riscos aos bens que se buscam resguardar com sua aplicação, ainda existem.
Nesse sentido, a gravidade das condutas, aliadas à periculosidade do paciente (lembro: integrante da organização criminosa PCV - Primeiro Comando de Vitória, valendo-se indevidamente de prerrogativas próprias da advocacia, para fins de transmissão de mensagens ilícitas ("pombo-correio") no interesse da facção), evidenciam a contemporaneidade da cautelar.
Certo é que, por se tratar de operação de extrema complexidade, que necessitou de profundas diligências e teve como consequência o oferecimento de denúncia em desfavor de 11 (onze) pessoas, incluindo o paciente, tenho que a prisão preventiva foi decretada contemporaneamente ao avanço das investigações e ao consequente oferecimento da peça acusatória. Assim, considerando o razoável período das investigações procedidas, em conjunto com a gravidade das condutas, em tese, perpetradas, não há que se falar em ausência de contemporaneidade do decreto. (...) Vislumbra-se, portanto, não apenas a presença dos pressupostos e requisitos fáticos (artigo 312 do Código de Processo Penal), a saber, a garantia da ordem pública, mas também de um dos requisitos instrumentais (artigo 313, I, do mesmo diploma processual), qual seja, prática de crime doloso punido com pena máxima privativa de liberdade superior a 04 (quatro) anos, mostrando-se necessária a manutenção da prisão preventiva.
Dessa forma, entendo não só que a decisão do juízo a quo está fundamentada nas circunstâncias do caso concreto, bem como estão presentes os requisitos necessários para a segregação cautelar do paciente.
Por fim, no que tange ao pleito de restabelecimento das medidas cautelares outrora impostas, tenho que as medidas cautelares diversas da prisão são ineficazes, pois de efeitos insuficientes para brecar a ORCRIM, a estruturação do tráfico de drogas e prática de outros crimes. Do mesmo modo, as outras medidas cautelares são inefetivas, uma vez que não atingem a finalidade de proteção da ordem pública, dos processos em andamento, a permitir que os denunciados continuem a utilizar o vasto conhecimento da ORCRIM como estratégia para perpetuação das atividades criminosas. (...) Sendo assim, na esteira do pensamento ministerial, DENEGO A ORDEM DE HABEAS CORPUS IMPETRADA.

Cumpre verificar se o cárcere preventivo foi decretado em afronta aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal e sem fundamentação idônea, como aduz a inicial.

Ora, é da jurisprudência pátria a impossibilidade de se recolher alguém ao cárcere se inexistentes os pressupostos autorizadores da medida extrema, previstos na legislação processual penal. No ordenamento jurídico vigente, a liberdade é a regra.

A prisão antes do trânsito em julgado, cabível excepcionalmente e apenas quando concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, deve vir sempre baseada em fundamentação concreta, não em meras conjecturas.

Note-se ainda que a prisão preventiva se trata propriamente de uma prisão provisória; dela se exige venha sempre fundamentada, uma vez que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente ( Constituição da Republica, art. , inciso LXI), mormente porque a fundamentação das decisões do Poder Judiciário é condição absoluta de sua validade ( CRFB, art. 93, inciso IX).

Assiste razão ao impetrante. Conforme se extrai dos autos, o paciente supostamente integra o setor jurídico à disposição da organização criminosa conhecida como "PCV - Primeiro Comando de Vitória" e, valendo-se das suas prerrogativas de advogado, promovia a comunicação entre os faccionados presos e os membros em liberdade.

Em suma, durante visitas aos detentos no sistema prisional, os advogados denunciados levavam informações aos líderes por meio de bilhetes e recebiam ordens ilícitas que deveriam ser transmitidas aos integrantes em liberdade, viabilizando, portanto, a ingerência dos chefes da organização criminosa, mesmo presos, nos atos de gestão relacionados ao tráfico de drogas e no funcionamento da facção.

Nesse contexto, as instâncias ordinárias fundamentaram a prisão preventiva do paciente com base no risco à ordem pública gerado pela sua liberdade, evidenciado pela gravidade concreta do delito, vez que este integra a organização criminosa PCV, que exerce o controle do tráfico de drogas na região, bem como pela necessidade de desarticular o vínculo existente entre o paciente e os líderes da facção e evitar a reiteração delitiva.

Não se ignora que esta Corte Superior possui jurisprudência no sentido de que se justifica a decretação de prisão preventiva de membros de grupo criminoso como forma de interromper suas atividades ( HC n. 329.806/MS, Quinta Turma, Relator Ministro JORGE MUSSI, julgado em 5/11/2015, DJe de 13/11/2015), contudo, o fato imputado ao paciente não se reveste de maior gravidade, tendo em vista que não se trata de crime cometido com violência ou grave ameaça.

Com efeito, o paciente é acusado de valer-se das suas prerrogativas de advogado para transmitir mensagens e ordens ilícitas entre os líderes da facção presos e os integrantes em liberdade, ou seja, não participa das principais e mais graves atividades ilícitas promovidas pela organização criminosa, notadamente o tráfico de drogas e a distribuição de armas nas comunidades.

Ademais, cabe destacar que as medidas cautelares alternativas impostas pelo juízo de piso foram cumpridas e não há notícias de novos delitos cometidos pelo paciente, que, de acordo com a denúncia do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, sequer desempenha função de liderança no setor jurídico da organização criminosa.

É evidente, portanto, que as medidas cautelares anteriormente impostas - de suspensão do exercício da advocacia, de proibição de entrar em estabelecimentos prisionais e de contato com os internos e demais investigados -, que em nenhum momento foram tidas por descumpridas, são suficientes para interromper a prática delitiva.

A propósito: HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. NECESSIDADE DE INTERRUPÇÃO DO CICLO DELITIVO. RELEVÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DO PACIENTE. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. SUFICIÊNCIA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. 1. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos nos arts. 282 e 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis. 2. Na espécie, a prisão preventiva foi decretada visando impedir a subsistência da organização criminosa e a reiteração dos delitos, diante dos elementos colhidos, especialmente pelas interceptações telefônicas, os quais revelaram que o paciente e os demais os investigados estariam, em tese, vinculados a facção criminosa autodenominada Comando Vermelho. Nesse cenário, o paciente estaria se valendo da condição de advogado para viabilizar a comunicação entre as lideranças do grupo e repassando as ordens dos líderes presos aos demais traficantes. 3. Com efeito, a necessidade de interrupção do ciclo delitivo de associações e de organizações criminosas é fundamento idôneo para justificar a custódia cautelar, com fulcro na garantia da ordem pública. 4. Contudo, considerando o cenário descrito pelas instâncias ordinárias, entende-se não estar devidamente demonstrada a relevante participação do paciente dentro da estrutura criminosa, uma vez ser a ele imputada apenas a conduta de utilizar-se "da condição de advogado para viabilizar a comunicação entre as lideranças do grupo e repassando as ordens dos líderes presos aos demais traficantes". Ademais, deve ser ressaltado tratar-se de agente primário. 5. Assim, conclui-se haver constrangimento ilegal a ser sanado na espécie, sendo mais proporcional e adequada às circunstâncias do caso concreto, nos termos do art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal, a imposição de medidas cautelares alternativas, a fim de resguardar a ordem pública, notadamente a suspensão do exercício da advocacia e a proibição de frequentar estabelecimentos prisionais. 6. Ordem concedida para determinar a substituição da prisão preventiva do paciente, salvo se por outro motivo estiver preso, por outras medidas cautelares constantes do art. 319 do Código de Processo Penal, quais sejam: a) suspensão do exercício da advocacia; b) proibição de manter contato com qualquer pessoa vinculada aos fatos objeto da investigação em questão; e c) proibição de frequentar estabelecimentos prisionais, sem prejuízo da decretação de outras medidas cautelares diversas do cárcere pelo Juízo local, caso entenda necessárias. ( HC n. 528.889/RJ, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe de 19/12/2019.)

Por todas essas razões, entendo que o paciente sofre constrangimento ilegal, tendo em vista que não estão presentes os requisitos necessários para a manutenção da segregação cautelar, nos termos do art. 312 do CPP.

Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do RISTJ, não conheço do presente habeas corpus. Contudo, concedo a ordem, de ofício, para revogar a prisão preventiva do paciente e reestabelecer as medidas cautelares originalmente impostas pelo juízo de origem, de suspensão do exercício da advocacia, de proibição de entrar em estabelecimentos prisionais e de contato com os internos e demais investigados, a serem fixadas detalhadamente pelo juízo de primeiro grau. Intimem-se. Brasília, 18 de janeiro de 2023. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA Relator

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(STJ - HC: 792600 ES 2022/0401626-6, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Publicação: DJ 19/01/2023)

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