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17 de Junho de 2024

Inaplicabilidade do prazo prescricional de cinco anos da ação popular às ações civis públicas

Publicado por Felipe Carvas
há 6 anos

1. Introdução

Antonio Gidi[1] afirma que o sistema brasileiro de ações coletivas se desenvolveu a partir dos estudos de José Carlos Barbosa Moreira, Ada Pellegrini Grinover e Waldemar Mariz Oliveira Junior na doutrina italiana, e, a partir de então, passaram a desenvolver o sistema processual coletivo brasileiro, ou mesmo a identificar os elementos já existentes[2]. Em seguida, o Brasil passou a importar o modelo norte-americano das class actions, adaptando-o às nossas peculiaridades. A isso, Gidi[3] deu o nome de “transplante responsável”.

A ação popular foi o primeiro instrumento a ser identificado como meio de defesa dos interesses difusos e coletivos. É um dos meios de participação do povo na fiscalização da coisa pública mais antigos do mundo. Sua origem remota está no direito romano, onde era tida como meio de defesa do direito do indivíduo enquanto membro da coletividade. Posteriormente, de acordo com a doutrina, não subsistiu no direito intermédio, tendo retornado no direito moderno e contemporâneo a partir das legislações francesa e belga.

A ação popular decorre diretamente do direito político do povo de participação direta na democracia, conferindo a ele a possibilidade de fiscalização dos poderes públicos, que decorre da soberania popular (CR, art. , § 1º). É, assim, forma de exercício de direitos políticos.

De acordo com Gregório Assagra de Almeida, a ação popular é “espécie de ação coletiva de dignidade constitucional colocada à disposição do cidadão como decorrência de seu direito político de participação direta na fiscalização dos poderes públicos, para o controle jurisdicional dos atos ou omissões ilegais ou lesivos: ao erário, inclusive em relação ao patrimônio de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultural, sem exclusão de tutela de outros direitos com ela compatíveis”[4].

Com a Constituição de 1988 houve a ampliação subjetiva e objetiva da ação popular (art. 5º, LXXIII da CR)[5]. Está prevista entre os direitos e garantias fundamentais elencados no art. da Constituição, reflexo da nova ordem que se instaurou após o Estado de Exceção que a antecedeu. É antiga a doutrina de que a ação popular é instrumento de tutela dos direitos difusos e coletivos, conforme se lê em artigo publicado por José Carlos Barbosa Moreira[6]:

“Parece-nos digna de especial registro a serventia da ação popular em matéria edilícia, como instrumento de proteção do ‘interesse difuso’ na preservação da racionalidade do desenvolvimento urbano. Licenças de construção, aprovação de projetos de loteamento, licenças de demolição ou reformas de prédios ou monumentos de valor artístico ou histórico, todos esses são atos que, irregularmente praticados pela autoridade administrativa, atentam contra bens cuja salvaguarda interessa à coletividade e submetem-se à censura judicial pela forma prevista na Lei nº 4.717.”

Continuando a evolução do processo coletivo, foi regulamentada, por lei infraconstitucional, em 1985, a ação civil pública. Ganhou previsão constitucional em 1988, como instrumento a ser utilizado pelo Ministério Público, e, com a elaboração do Código de Defesa do Consumidor (1990), por meio de regra que determina sua interação com a LACP (art. 117 do CDC que alterou a redação do art. 21 da LACP), compôs-se o chamado microssistema de ações coletivas[7], pois sedimentou-se a doutrina no sentido de que as normas que dispõem sobre a tutela coletiva são intercambiáveis entre si[8]. Tal microssistema tem por objeto, nos termos do parágrafo único do art. 81 do CDC, os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, todos definidos pela norma[9].

É sob este regime que a ação popular e a ação civil pública devem ser estudadas.

2. Breve análise do prazo de prescrição para ajuizamento de ação popular (art. 21 da LAP)

O art. 21 da LAP prevê prazo prescricional de cinco anos para ajuizamento de ação popular. A jurisprudência vem aplicando tal dispositivo pacificamente, sem maiores preocupações com seu conteúdo:

A) Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR CONTRA TODOS OS MAGISTRADOS DO ESTADO DO ACRE. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ART. 102, I, N, DA C.F.). CABIMENTO DA AÇÃO. MEDIDA LIMINAR. GRATIFICAÇÃO DE NÍVEL UNIVERSITÁRIO AOS MAGISTRADOS DO ESTADO DO ACRE: ATO Nº 143/89, DE 20.07.1989, BAIXADO PELO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ART. 326 DO CÓDIGO DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO (L.C. N 47, DE 22.11.1995). QUESTÕES DE ORDEM. 1. A competência originária do Supremo Tribunal Federal é de ser reconhecida, em face do disposto no art. 102, I, n, da Constituição Federal, pois a Ação é proposta contra todos os Juízes do Estado do Acre, inclusive os Desembargadores do Tribunal de Justiça. 2. A Ação Popular é cabível, já que objetiva a suspensão definitiva do pagamento da Gratificação de Nível Superior e a conseqüente condenação dos beneficiários à devolução de todas as quantias recebidas, devidamente corrigidas. Com efeito, a Ação Popular, como regulada pela Lei nº 4.717, de 29.06.1965, visa à declaração de nulidade ou à anulação de atos administrativos, quando lesivos ao patrimônio público, como dispõem seus artigos , e . Mas não é preciso esperar que os atos lesivos ocorram e produzam todos os seus efeitos, para que, só então, ela seja proposta. 3. No caso presente, a Ação Popular, como proposta, tem índole preventiva e repressiva ou corretiva, ao mesmo tempo. Com ela se pretende a sustação dos pagamentos futuros (caráter preventivo) e a restituição das quantias que tiverem sido pagas, nos últimos cinco anos, em face do prazo prescricional previsto no art. 21 da Lei da Ação Popular (caráter repressivo). 4. Cabível, pois, a Ação, como proposta. (...) (AO 506QO, Relator (a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 06/05/1998, DJ 04-12-1998 PP-00010 EMENT VOL-01934-01 PP-00022)

B) Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. TERRACAP. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. Não se configura o prequestionamento quando o Tribunal a quo, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não emite efetivamente juízo de valor sobre a questão suscitada. 2. A alienação de bem imóvel pertencente a empresa pública deve se submeter a procedimento licitatório, conforme se verifica no art. 17, I, da Lei n. 8.666/93. 3. O prazo para propositura de ação popular é de cinco anos e tem início após a publicidade do ato lesivo ao patrimônio público. 4. O art. , § 3º, da Lei da Ação Popular confere às Pessoas Jurídicas de Direito Público a opção de se abster de contestar o pedido, a juízo do seu representante legal. 5. Recurso especial de Pedro Calmon Mendes conhecido em parte e, nessa parte, não-provido. Recurso especial do Distrito Federal conhecido em parte e, nessa parte, provido. (STJ, REsp 693959/DF, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/11/2005, DJ 01/02/2006, p. 491)

Em sede doutrinária, já se questionou a natureza do prazo estabelecido neste artigo, se prescricional, propriamente dito, ou decadencial. Paulo Barbosa de Campos Filho[10], por exemplo, afirmava que o prazo é decadencial – ou preclusivo, fundando-se nas lições de Pontes de Miranda, pois, ainda sob a égide do Código Civil anterior, o prazo não comportaria as causas suspensivas de prescrição previstas no diploma, tanto porque o autor popular não estaria discutindo direito que pertença a ele, mas sim, na visão do autor, à pessoa jurídica em tese prejudicada (o doutrinador defendia que o autor popular pleiteava direito pertencente à pessoa jurídica).

Mas a maior parte da doutrina apenas cita a existência do prazo, nos termos da lei, apontando-o como prescricional e de necessária observância[11]. Entretanto, cumpre salientar que há quem defenda sua inconstitucionalidade. Por decorrer diretamente da soberania popular no Estado Democrático erigido com a Constituição de 1988 (art. 1º, § 1º), não há como negar que a ação popular é instrumento de exercício da democracia, de forma direta, pelo próprio povo.

Justamente em razão destas características é que não parece ser possível falar-se em prazo para exercício de remédio constitucional. Tanto é assim que Nelson Nery Junior[12] questiona a possibilidade de a Lei n.º 12.016/2009, em seu art. 23 (repetindo o regime da lei anterior), estabelecer o prazo decadencial de 120 dias para a impetração do mandado de segurança. O questionamento se justifica em razão de a Constituição não fazer qualquer ressalva nesse sentido, exigindo, somente, que haja direito líquido e certo, não amparado por habeas data ou habeas corpus, nos casos em que o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

Assim, o autor propõe que o writ possa ser impetrado enquanto o direito pleiteado puder ser cobrado em juízo. Assim, o legislador ordinário teria transbordado seus limites, trazendo requisito que restringe a garantia constitucional apontada. Raciocínio semelhante aplicar-se-ia à ação popular.

A norma que estabelece prazo para o ingresso com ação popular não se encontraria em consonância com a Constituição atual, pois restringe o exercício de garantia constitucional – sem que haja disposição nesse sentido na própria Constituição. O art. 21 da Lei da Ação Popular, portanto, não teria sido recepcionado[13].

Após amplo período com supressão dos direitos individuais e sociais, a Constituição de 1988 privilegiou a temática dos direitos fundamentais, sendo possível constatar-se, inclusive, uma nova topografia constitucional, onde nos primeiros capítulos encontram-se os direitos e garantias fundamentais (como cláusulas pétreas), e, posteriormente, as normas pertinentes ao Estado e sua organização. De acordo com Flávia Cristina Piovesan[14], “a nova topografia constitucional inaugurada pela Carta de 1988 reflete a mudança paradigmática da lente ex parte principe para a lente ex parte populi", ou seja, deixa o direito de ser inspirado pela ótica do Estado ao sê-lo pela ótica do cidadão. “Assim, é sob a perspectiva dos direitos que se afirma o Estado e não sob a perspectiva do Estado que se afirmam os direitos”. E mais, além de terem recebido este tratamento privilegiado na Constituição de 1988, dentre as características dos direitos e garantias fundamentais temos a imprescritibilidade, conforme ensina José Afonso da Silva[15]:

E relação a eles não se verificam requisitos que importem em sua prescrição. Vale dizer, nunca deixam de ser exigíveis. Pois prescrição é um instituto jurídico que somente atinge, coarctando, a exigibilidade dos direitos de caráter patrimonial, não a exigibilidade de direitos personalíssimos, ainda que não individualistas, como é o caso. Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição.

Vale lembrar que, nos termos do § 1º do art. da Constituição, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, ou seja, a princípio as normas que consagram as garantias fundamentais têm aplicação independentemente de regulamentação, salvo quando a própria Constituição assim o reclamar.

Ademais, a ação popular, em nível constitucional, é cláusula pétrea, e, de acordo com o regime do art. 60, § 4º, da Constituição, não pode sequer ser objeto de deliberação no Congresso Nacional proposta de emenda tendente a abolir direitos e garantias fundamentais. Ora, se assim o é em nível constitucional, o que se dirá em nível infraconstitucional.

Esse posicionamento, entretanto, é minoritário.

Uma possível interpretação, para compatibilizar esse prazo com a Constituição, seria o de considerar o § 5º do art. 37, CF, que diz que as ações de ressarcimento ao erário são imprescritíveis. Dessa forma, para a pretensão de ressarcimento ao erário, o prazo seria inaplicável (ainda que o STF, em 2016, tenha modificado seu entendimento, estendendo também a essa hipótese o prazo de cinco anos[16]). Para o pedido de desconstituição do ato ou sua nulidade, o prazo permaneceria válido[17].

3. Indevida extensão do prazo prescricional do art. 21 da LAP às ações civis públicas em razão do microssistema

Nem a LACP e nem o CDC previram prazo prescricional para a ação civil pública. Mas há doutrina e jurisprudência que, em razão da ausência e partindo da existência do microssistema, aplicam, por analogia, o ar. 21 da LAP às ações civis públicas. Nesse sentido, na obra de Hely Lopes Meirelles[18], defende-se o seguinte:

“Apesar das diferenças entre as ações civis públicas e as ações populares, que não podem ser desprezadas, é inegável, porém, que ambas fazem parte de um mesmo sistema de defesa dos interesses difusos e coletivos. As regras aplicáveis a ambas, assim, devem ser compatibilizadas e integradas numa interpretação sistemática. Dentro deste esforço de aproximação e coordenação das duas modalidades de ações, e em virtude do silêncio da Lei 7.347/1985, é de se ter como aplicável às ações civis públicas, por analogia. O prazo prescricional de cinco anos previsto para as ações populares.”

Fundamentado nessa lição, decidiu o STJ[19]:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DECORRENTE DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. POUPANÇA. COBRANÇA DOS EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. PLANOS BRESSER E VERÃO. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. 1. A Ação Civil Pública e a Ação Popular compõem um microssistema de tutela dos direitos difusos, por isso que, não havendo previsão de prazo prescricional para a propositura da Ação Civil Pública, recomenda-se a aplicação, por analogia, do prazo quinquenal previsto no art. 21 da Lei n. 4.717/65. (negritos acrescentados) 2. Embora o direito subjetivo objeto da presente ação civil pública se identifique com aquele contido em inúmeras ações individuais que discutem a cobrança de expurgos inflacionários referentes aos Planos Bresser e Verão, são, na verdade, ações independentes, não implicando a extinção da ação civil pública, que busca a concretização de um direto subjetivo coletivizado, a extinção das demais pretensões individuais com origem comum, as quais não possuem os mesmos prazos de prescrição. 3. Em outro ângulo, considerando-se que as pretensões coletivas sequer existiam à época dos fatos, pois em 1987 e 1989 não havia a possibilidade de ajuizamento da ação civil pública decorrente de direitos individuais homogêneos, tutela coletiva consagrada com o advento, em 1990, do CDC, incabível atribuir às ações civis públicas o prazo prescricional vintenário previsto no art. 177 do CC/16. 4. Ainda que o art. do CDC preveja a abertura do microssistema para outras normas que dispõem sobre a defesa dos direitos dos consumidores, a regra existente fora do sistema, que tem caráter meramente geral e vai de encontro ao regido especificamente na legislação consumeirista, não afasta o prazo prescricional estabelecido no art. 27 do CDC. 5. Recurso especial a que se nega provimento.

Se a aplicação do prazo já é questionável na própria ação popular, com maior razão dever-se-á ter reservas quanto à sua aplicação às ações civis públicas. A doutrina chega a afirmar haver um silêncio eloquente, no sentido de que se a lei não tratou da matéria, os direitos difusos e coletivos são imprescritíveis[20].

Há que se lembrar que o objeto ação civil pública é mais amplo que o da ação popular, que inclui (a) meio-ambiente; (b) consumidor; (c) bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; (d) infração da ordem econômica; (e) ordem urbanística; (f) honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos; (g) patrimônio público e social, e, por fim, como norma ampla e de fechamento, (h) qualquer outro interesse difuso ou coletivo. De acordo com o art. 83 do CDC, “para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”. Ou seja, por conta de sua interação com a LACP, são admissíveis aos objetos elencados todas as ações cabíveis.

Certo é que há casos em que o objeto da ação civil pública tangencia o da ação popular, mas é, sem dúvida, mais amplo. Por isso é que não se pode admitir um simples transplante da prescrição da ação popular para a ação civil pública.

Hugo Nigro Mazzilli[21] exemplifica algumas hipóteses de cabimento da ação civil pública em que há prazos diferenciados de prescrição: (a) 3 anos para a ação de reparação civil; (b) 5 anos para a reparação por fato do produto ou do serviço no caso de direitos transindividuais dos consumidores; (c) 5 anos, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, para reparação de danos ao patrimônio público[22]; (d) 5 anos para pedido individual em cumprimento de sentença coletiva (jurisprudência do STJ); (e) imprescritibilidade do direito ao meio ambiente sadio.

No mesmo sentido, José Maria Rosa Tesheiner[23] comentando o REsp 1.070.896, STJ, afirma que:

“(...) o acórdão pretendeu estabelecer uma regra geral, afirmando que, compondo a ação civil pública e a ação popular um microssistema de tutela dos direitos difusos, aplicável, por analogia, o prazo quinquenal previsto no art. 21 da Lei [de ação popular] (...).

Invocou-se, no acordão, lição de Hely Lopes Meirelles, no sentido da aplicação à ação civil pública do prazo quinquenal previsto na ação popular, em virtude do silêncio da Lei 7.347/1985. Mas é remota a semelhança entre as duas hipóteses. A Lei da Ação Popular estabelece prazo para a anulação de ato do Poder Público. Estabelece, em outras palavras, a incolumidade dos atos da Administração, após o prazo de cinco anos, que que nulos ou anuláveis. Isso nada tem a ver com pretensões creditórias contra instituições bancárias e outras pessoas de direito privado e, menos ainda, com o rito próprio para o seu exercício.

A ação processual não prescreve. Não há prazo sequer para a propositura da ação popular. Se o juiz pronuncia a prescrição ou a decadência, profere decisão de mérito, afirmando a incolumidade do ato impugnado.

Por isso, do silêncio da Lei 7.347/1985 não se pode extrair senão a conclusão de que a ação civil pública ou coletiva pode ser proposta sempre. Se prescrita a pretensão ou consumada a decadência é outra questão, a ser decidida de conformidade com o direito material.”

Desse modo, não parece adequado estabelecer um prazo prescricional a priori quando a lei não o fez, devendo prevalecer o quanto disposto nas leis de direito material. Houve verdadeira confusão ao se interpretar o microssistema.

4. Conclusão.

A prescrição para o ajuizamento de ação popular, prevista no art. 21 da LAP, deve ser lida com cautela, pois, como se viu, para que seja compatibilizada com a Constituição, deve-se levar em conta a imprescritibilidade das ações de ressarcimento de danos ao erário. Assim, somente é possível falar em prescrição quanto às pretensões de anulação ou invalidação de atos administrativos.

Quanto à sua extensão à ação civil pública, deve-se levar em conta que, pela diversidade de objetos e possibilidade ampla de pedidos, é inviável o simples transplante da norma, de modo que a prescrição deve considerar o direito material discutido na ação.


[1] GIDI, Antonio. Class Actions in Brazil - A Model for Civil Law Countries [English]. American Journal of Comparative Law, vol. 51, 2003; U of Houston Law Center No. 2006-A-11, p. 324-326. Disponível em http://ssrn.com/abstract=903188. Acesso em: 25 jun. 2018. p. 324-326.

[2] DIDIER JR., Fredie; ZANETI JUNIOR. Hermes. Curso de Direito Processual Civil. – Processo Coletivo. 4.ed. Salvador: Jus Podivm, 2009. p. 28, vol. 4.

[3] GIDI, Antonio. Class Actions in Brazil - A Model for Civil Law Countries [English]. American Journal of Comparative Law, vol. 51, 2003; U of Houston Law Center No. 2006-A-11, p. 324-326. Disponível em http://ssrn.com/abstract=903188. Acesso em: 25 jun. 2018. p. 324-326.

[4] ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro. Um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 389.

[5] SILVA, José Afonso da. Ação Popular Constitucional. Doutrina e Processo. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 38-39.

[6] MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Ação Popular do Direito Brasileiro como Instrumento de Tutela Jurisdicional dos Chamados ‘Interesses Difusos’, In: Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 117.

[7] GRINOVER, Ada Pellegrini. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Vol. II – Processo Coletivo. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 33, item 2.1.

[8] DIDIER JR., Fredie; ZANETI JUNIOR. Hermes. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 4 – Processo Coletivo. 4ª ed. Salvador: Juspodivm, 2009, p. 50.

[9] Ao longo dos anos, outras normas pertinentes ao tema também foram editadas, tais como: Lei n.º 8.429/1992 (Improbidade Administrativa); Lei n.º 8.625/1993 e Lei Complementar n.º 75 (relacionadas à organização do Ministério Público); Lei nº 10.671/2001 (Estatuto da Cidade); Lei n.º 11.340/2006 (Lei Maria da Penha); Lei n.º 12.016/2009 (Lei do Mandado de Segurança).

[10] Da ação popular constitucional. São Paulo: Saraiva, 1968, p. 179 e ss.

[11] Nesse sentido: SILVA, José Afonso da. Ação Popular Constitucional. Doutrina e Processo. 2ª ed. Malheiros Editores: São Paulo, 2007, p. 168. BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 2. Tomo III. Ed. Saraiva: São Paulo, 2010, p. 161.

[12] Princípios do Processo na Constituição. 10ª ed. São Paulo: RT, 2010, p. 183.

[13] Manual das Ações Constitucionais. Ed. Del Rey: Belo Horizonte, 2007, p. 401.

[14] Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 9ª ed. Ed. Saraiva. São Paulo, 2008, p. 33.

[15] Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª ed. Malheiros Editores: São Paulo, 2008, p. 181.

[16] “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. DANO DECORRENTE DE ILÍCITO CIVIL. PRESCRITIBILIDADE. SENTIDO ESTRITO DA EXPRESSÃO “ILÍCITO CIVIL”, DELIMITADO PELO ACÓRDÃO EMBARGADO. FIXAÇÃO DO TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. MODULAÇÃO DE EFEITOS DA TESE FIRMADA NO ACÓRDÃO EMBARGADO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE MOTIVO RELEVANTE DE INTERESSE SOCIAL OU DE SEGURANÇA JURÍDICA. REDISCUSSÃO DE QUESTÕES DECIDIDAS. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. (...) Contudo, fiquei vencido quanto à tese firmada, uma vez que o posicionamento majoritário desta Corte, encabeçado pelo Min. Roberto Barroso, foi no sentido de que a orientação a ser fixada, para fins de repercussão geral, deveria ser mais restrita e adstrita ao caso concreto, que consistia em ação de ressarcimento ajuizada pela União em razão de danos sofridos em decorrência de acidente de trânsito. Assentou-se, assim, a tese de que “é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil” (RE 669069 ED, Relator: Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, J. 16/06/2016)

[17] Nesse sentido: DONIZETE, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros. Curso de Processo Coletivo. São Paulo: Atlas, 2010, p. 497.

[18] Mandado de segurança e ações constitucionais. 37ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 239.

[19] REsp 1070896/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª Seção, J. 14/04/2010, DJe 04/08/2010. No mesmo sentido: AgRg no AREsp 122.031/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., J. 08/05/2012, DJe 14/05/2012

[20] LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo. 2ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 384.

[21] A defesa dos interesses difusos em juízo. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 743.

[22] O autor ressalta prescrever em cinco anos a ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público e as sanções impostas pela Lei de Improbidade Administrativa, mas que a ação de ressarcimento ao erário é imprescritível (CF, art. 37, § 5º, V).

[23] Prescrição nas ações homogeneizantes ou relativas a direitos individuais homogêneos, in GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Processo Coletivo. Do surgimento à atualidade. São Paulo: RT, 2014, p. 955. No mesmo sentido, criticando a aplicação do prazo quinquenal pelo Superior Tribunal de Justiça: ALMEIDA, João Batista de. Aspectos Controvertidos da Ação Civil Pública. 3ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 244-245. Sustentando ser possível a aplicação analógica apenas para direitos difusos (ressalvado o dano ambiental), excluindo-se os individuais homogêneos: LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações Coletivas. São Paulo: RT, 2014, p. 222-223. Sergio Cruz Arenhart também defende a necessidade de distinguir “direitos individuais de massa” e “direitos metaindividuais” para a análise da prescrição. Para os metaindividuais, nos quais “os titulares não podem exercer pretensão”, não se poderia admitir a prescrição. Nos casos de direitos individuais de massa, deve-se aplicar a solução do direito individual material (A tutela coletiva de interesses individuais. Para além da proteção dos interesses individuais homogêneos. São Paulo: RT, 2013, p. 272-275).

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