Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
24 de Maio de 2024
  • 2º Grau
Entre no Jusbrasil para imprimir o conteúdo do Jusbrasil

Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

QUARTA TURMA

Julgamento

Relator

VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Entre no Jusbrasil para imprimir o conteúdo do Jusbrasil

Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro

Inteiro Teor

Poder Judiciário TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº XXXXX-59.2016.4.04.7204/SC

RELATOR: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

APELANTE: ANDERSON GRIBELER (AUTOR)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: JOSE ANTONIO DIAS TOFFOLI (RÉU)

APELADO: ALCIDES DINIZ DA SILVA (RÉU)

APELADO: CARMEN LUCIA ANTUNES ROCHA (RÉU)

APELADO: ENGETEC TECNOLOGIA S.A. (RÉU)

APELADO: FIXTI SOLUCOES EM TECNOLOGIA DA INFORMACAO LTDA (RÉU)

APELADO: SMARTMATIC BRASIL LTDA. (RÉU)

RELATÓRIO

Julgamento conjunto da Apelação Cível/Remessa Oficial nº XXXXX-19.2015.4.04.7204, da Remessa Oficial nº XXXXX-59.2016.4.04.7204 da Remessa Oficial nº XXXXX-62.2016.4.04.7204, da Remessa Oficial nº XXXXX-60.2015.4.04.7204 e da Remessa Oficial nº XXXXX-47.2015.4.04.7204.

Cuida-se de remessa oficial e de apelações interpostas por Matheus Faria Carneiro, Alessandro Schlemper Kiquio e Gustavo Trigueiros e Guilherme contra sentença proferida pelo Juízo Substituto da 4ª Vara Federal de Criciúma/SC, de forma conjunta nos autos das Ações Populares nº XXXXX-19.2015.4.04.7204XXXXX-47.2015.4.04.7204XXXXX-60.2015.4.04.7204, XXXXX-62.2016.4.04.7204 e XXXXX-59.2016.4.04.7204, na qual foi: (i) extinto o processo sem análise de mérito em relação a José Antônio Dias Toffoli, Carmem Lúcia Antunes Rocha e Alcides Diniz da Silva, com fulcro no artigo 485, incisos IV e VI, do CPC; (ii) extinto o processo sem análise de mérito quanto aos pedidos de proibição de contratação com o Poder Público e de indenização por danos morais coletivos, por inadequação da via eleita, com fulcro no artigo 485, inciso IV, do CPC; (iii) extinto o processo sem análise de mérito quanto ao pedido de ressarcimento, diante da manifesta inépcia da petição inicial, com fulcro no artigo 485, inciso I, do CPC; (iv) julgado improcedente o pedido de decretação de nulidade dos contratos administrativos decorrentes dos Pregões Eletrônicos nº 37/2012, 42/2012 e 16/2014/TSE, extinguindo o feito com resolução do mérito quanto a esse pedido, com base no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil; e (v) imposta aos autores a condenação de pagamento do décuplo das custas e de honorários advocatícios fixados em R$ 10.000,00 (dez mil reais) para a defesa de cada um dos réus, uma vez que configurada a má-fé e a manifesta temeridade da lide.Â

Em suas razões (evento 455 [todas as citações a eventos, salvo se indicado de forma contrária, referem-se aos autos da Ação Popular XXXXX-19.2015.4.04.7204]), Matheus Faria Carneiro e Alessandro Schlemper Kiquio, preliminarmente, alegam: a adequação da ação popular para os pedidos de proibição dos réus de contratar com o Poder Público e pagamento de indenização por danos morais coletivos; que não há falar em inépcia da inicial quanto ao pleito de ressarcimento ao erário; que deve ser reformada a sentença no ponto em que afirmou a ilegitimidade passiva dos servidores responsáveis pelos atos lesivos; a nulidade da sentença, porque o Juízo não requisitou às autoridades indicadas na inicial os documentos ali solicitados, e recusou a utilização de sistemas eletrônicos disponibilizados pelo CNJ para localizar testemunhas; que a sentença revela-se extra petita, na medida em que julgou lícita conduta rejeitada por pregoeiro, relativa ao pedido apresentado por uma das empresas, de desoneração da contribuição patronal devida ao INSS; que a sentença é citra petita, porquanto não foram apreciados os argumentos deduzidos na inicial, referentes à falta de habilitação de empresa estrangeira e a irregularidades apontadas no balanço patrimonial apresentado; e que a sentença não apreciou os fundamentos de direito do pedido, incorrendo em error in judicando. No mérito, afirmam: a ilicitude da participação da empresa estrangeira Smartmatic International Corporation; e que duas das empresas participantes das licitações apresentavam patentes sinais de inidoneidade técnica, o que não foi levado em consideração pelo Juízo. Em relação aos consectários, alegam que: não se pode imputar aos recorrentes qualquer sucumbência quanto aos réus Alcides Diniz da Silva e Cármen Lúcia Antunes Rocha, razão pela qual descabe a condenação ao pagamento de honorários em favor desses demandados; e a imputação de má-fé em lide popular é medida extrema, que só deve ser aplicada quando restar clara a intenção dolosa do autor, o que não se verificou na hipótese.

Gustavo Trigueiros e Guilherme, por sua vez, afirma (evento 456): que a ré Fixti havia tido sua falência decretada em XXXXX-10-2014, e que diversas ações trabalhistas e fiscais tramitavam em seu desfavor durante o curso do contrato, o que evidencia a existência de irregularidades no certame; que não agiu com má-fé durante a instrução do feito, razão pela qual descabe a condenação que lhe foi imposta a esse título; que acostou aos autos diversas matérias jornalísticas que indicavam a existência de suspeitas em relação à empresa Smartmatic; e que a apelada Engetec foi condenada em ações trabalhistas com trânsito em julgado, portanto não poderia participar das licitações.

Apresentaram contrarrazões a União e José Antônio Dias Toffoli (evento 478), Alcides Diniz da Silva (evento 483) e Smartmatic Brasil Ltda. e Smartmatic International Corporation (evento 484), todos postulando a manutenção da sentença recorrida.

Nesta instância, o Ministério Público Federal apresentou parecer pelo desprovimento das apelações (evento 06).

É o relatório.

VOTO

1. Contextualização da controvérsia:

Trata-se, na origem, de ações populares sentenciadas conjuntamente, propostas por diversos autores - entre eles os ora apelantes -, nas quais foram, em síntese, impugnados os resultados dos procedimentos licitatórios nº 37/2012, 42/2012 e 16/2014, conduzidos pelo Tribunal Superior Eleitoral para a contratação dos serviços de exercitação de urnas e transmissão de dados das eleições.

A fim de bem elucidar a controvérsia instaurada nos autos, transcrevo, a seguir, o relatório da sentença ora combatida (destaques no original):

- Decisão conjunta nas ações populares nºs XXXXX-19.2015.4.04.7204XXXXX-47.2015.4.04.7204XXXXX-60.2015.4.04.7204XXXXX-62.2016.4.04.7204 e XXXXX-59.2016.4.04.7204

I. RELATÓRIO

Trata-se de ação popular ajuizada por ALESSANDRO SCHLEMPER KIQUIO, ANDERSON GRIBELER, CLAUDIO CEZAR ROSATON TONELLI, DANIELA DUO, GUSTAVO TRIGUEIROS E GUILHERME, JOAO GERMANO TEIXEIRA, JOAO MAXMILLIANO OTTO KUMMER SOUZA DE LORETO, JUSSARA DE ALMEIDA, MARLON LELIS CANDIDO PEREIRA, MATHEUS FARIA CARNEIRO e THOMAS RAYMUND KORONTAI em face de ALCIDES DINIZ DA SILVA, CARMEN LUCIA ANTUNES ROCHA, ENGETEC TECNOLOGIA S.A., FIXTI SOLUCOES EM TECNOLOGIA DA INFORMACAO LTDA, JOSE ANTONIO DIAS TOFFOLI, SMARTMATIC BRASIL LTDA., SMARTMATIC INTERNATIONAL CORPORATION e UNIÃO.

Em sede liminar requereram "a suspensão dos contratos celebrados pelo Tribunal Superior Eleitoral com as empresas vencedoras dos Pregões Eletrônicos ns. 37/2012, 42/2012 e 16/2014, que não podem ter seus termos ratificados ou prorrogados pelo prazo legal de até 60 meses, em eventuais eleições gerais, consultas públicas, plebiscitos etc", bem como a apresentação, por parte do TSE, de "cópias integrais dos processos de licitações Pregões Eletrônicos ns. 37/2012, 42/2012 e 16/2014".

Ainda em sede liminar, postularam a "expedição de ofícios por via diplomática aos Governos dos USA, do Estado da Flórida, Governo das Filipinas aptas a corroborar com a comprovação da transnacionalidade dos ilícitos perpetrados pelo Grupo SMARTMATIC e cotejar sua inidoneidade" e a "proibição das empresas vencedoras dos Pregões Eletrônicos ns. 37/2012, 42/2012 e 16/2014 de realizar novos contratos com o Tribunal Superior Eleitoral, até a apuração das irregularidades apontadas e provadas liminarmente na presente ação". No mérito pleitearam, confirmando-se a liminar, a declaração de nulidade dos "contratos administrativos realizados pelas empresas por meio dos Pregões Eletrônicos ns. 37/2012, 42/2012 e 16/2014", assim como a "condenação solidária das partes a ressarcir os prejuízos causados à União, a serem apurados em liquidação de sentença" e, também, "a condenação dos réus em danos morais coletivos".

Para tanto alegaram, em síntese, a ocorrência de uma série de irregularidades nos procedimentos licitatórios nºs 37/2012, 42/2012 e 16/2014, conduzidos pelo Tribunal Superior Eleitoral. Disseram que os serviços de exercitação de urnas eletrônicas e transmissão de dados das eleições deveriam ser realizados pelo Tribunal Superior Eleitoral ou por entidades da Administração Pública Federal Indireta, como o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) ou a Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev). Afirmaram que não poderia ser utilizada a modalidade pregão para licitações destinadas à contratação dos serviços de exercitação de urnas e transmissão de dados das eleições. Aduziram que as sociedades empresárias rés, nos Pregões Eletrônicos nºs 37/2012, 42/2012 e 16/2014, deixaram de apresentar documentos relativos à habilitação jurídica, à qualificação técnica, à qualificação econômico-financeira e à regularidade trabalhista, motivo pelo qual haveria nulidade nos procedimentos e nas contratações. Sustentaram que a sociedade empresária ré Smartmatic International Corporation não poderia participar de licitações no Brasil, pois as atividades do grupo estariam suspensas na Venezuela e investigadas nas Filipinas e nos Estados Unidos da América, o que caracterizaria a inidoneidade da licitante (evento 1).

Antes de examinar o pedido liminar, determinou-se a intimação dos réus já indicados na petição inicial e do Ministério Público Federal para pronunciarem-se acerca do referido pedido, sem prejuízo da oportuna citação e abertura de prazo para resposta, bem assim a requisição, ao TSE, de relação informando o nome e endereço dos servidores supostamente responsáveis pelos atos ilícitos imputados nesta ação (evento 3).

Os autores juntaram documentos (eventos XXXXX-19) e, após, reiteraram o pedido liminar (evento 30).

As rés Smartmatic Brasil e Smartmatic International Corporation apresentaram breve manifestação, requerendo a dilação do prazo para manifestarem-se sobre o pedido liminar (evento 31).

Sobreveio a manifestação do MPF, na qual requereu, em suma, a decretação de sigilo dos documentos anexados ao evento 13 e a intimação dos autores para justificarem a utilidade e a relevância desses documentos, bem como para informarem como eles foram conseguidos. Postulou, ainda, o declínio da competência para a Subseção Judiciária de Blumenau/SC e, não ocorrendo o declínio, o indeferimento do pedido liminar (evento 33).

Decretou-se o sigilo dos documentos anexados ao evento 13 (evento 38).

Os autores vieram aos autos, ocasião em que reiteraram o pedido liminar, assim como manifestaram-se contrariamente ao "deslocamento da competência deste juízo para o julgamento do feito" e pugnaram "pelo levantamento do sigilo decretado, no evento 38, quanto aos documentos juntados" (evento 39).

Em sua manifestação, a ré União arguiu, preliminarmente, a litispendência. Em relação ao pedido liminar, defendeu, em resumo, a regularidade dos procedimentos licitatórios, a inexistência de periculum in mora e a ausência de interesse processual quanto aos pedidos de suspensão dos contratos celebrados e de decretação de proibição das sociedades empresárias rés realizarem novos contratos com o TSE. Requereu, ainda, "o reconhecimento da inépcia da petição inicial quanto ao pedido de condenação de “SERVIDORES PÚBLICOS DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL” e, por esse motivo, que não seja deferida a citação dos servidores" (evento 44).

A ré União veio aos autos anexar cópias dos procedimentos licitatórios em debate (eventos 45, 46 e 52).

Os autores manifestaram-se sobre a petição da ré União (eventos 47 e 48).

A ré União interpôs agravo de instrumento, autuado sob o nº XXXXX-89.2015.4.04.0000, em face da decisão que determinou a requisição, ao TSE, de relação informando o nome e endereço dos servidores supostamente responsáveis pelos atos ilícitos imputados nesta ação (evento 53).

Sobreveio a manifestação das rés Smartmatic Brasil e Smartmatic International Corporation, na qual, em síntese, rebateram os argumentos autorais, requerendo o indeferimento do pedido liminar (evento 54).

Os autores vieram aos autos reiterar o pedido liminar (evento 55).

Ao agravo de instrumento foi atribuído efeito suspensivo (evento 57).

Deferiu-se o ingresso de Bruno Constante Goedert nos autos, como assistente litisconsorcial dos autores (evento 59).

A ré Smartmatic International Corporation apresentou as traduções, efetuadas por tradutores públicos juramentados, de sua procuração e de documentos societários (evento 64).

Os autores indicaram endereço para citação da ré Fixti e, não sendo esta localizada, requereram a citação por edital (evento 66).

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região deu provimento ao agravo de instrumento, que transitou em julgado e foi baixado (eventos 74 e 75).

Determinou-se o cadastramento, nestes autos, dos autores das ações populares oriundas da Seção Judiciária de São Paulo (autos nº XXXXX-60.2015.4.04.7204 e nº XXXXX-47.2015.4.04.7204), o que foi cumprido (eventos 77 e 78, respectivamente).

Os autores vieram aos autos requerer a inclusão de José Antônio Dias Toffoli no polo passivo da demanda, bem como a citação dos réus (evento 80).

O juízo desta Vara Federal, "em razão da redistribuição dos autos das ações populares nºs XXXXX-47.2015.4.04.7204 e XXXXX-60.2015.4.04.7204 a este juízo, uma vez reconhecida a sua prevenção, e, ainda, diante da extinção da ação popular nº XXXXX-76.2015.4.04.7205, que tramitava perante o juízo da da 2ª VF de Blumenau/SC", deu-se por competente para processar e julgar o presente feito e os que a ele estão anexos. Na mesma oportunidade, indeferiu o pedido liminar e determinou a inclusão de José Antônio Dias Toffoli no polo passivo da ação, bem como a citação e a intimação dos réus, sendo a ré Fixti por edital. Determinou, ainda, a intimação dos autores, inclusive para informarem "a quem ou a qual órgão ou instituição e precisamente que documentos ou informações pretendem sejam solicitados aos EUA (Estado da Flórida) e às Filipinas" (evento 82).

O assistente litisconsorcial dos autores, Bruno Constante Goedert, requereu a desistência do feito (evento 131).

Os autores teceram considerações e requereram "seja encaminhada cópia da presente ação ao Juízo Federal de Curitiba" (evento 132).

Em sua contestação, a ré União reiterou, em resumo, os argumentos expendidos em sua manifestação preliminar, requerendo a improcedência dos pedidos iniciais (evento 135).

Sobreveio a contestação das rés Smartmatic Brasil e Smartmatic International Corporation, na qual igualmente reiteraram os argumentos lançados na respectiva manifestação preliminar, pugnando pela improcedência dos pedidos iniciais (evento 136).

Foram anexados aos autos cópias dos procedimentos licitatórios em discussão (eventos XXXXX-139).

Homologou-se a desistência da ação de Bruno Constante Goedert e consignou-se que, "havendo interesse dos autores populares (...) na remessa de cópias de peças destes autos ao juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, não há óbice a que o façam por conta própria, não havendo razão para que este juízo substitua a parte em tal diligência" (evento 145).

José Antônio Dias Toffoli interpôs agravo de instrumento, autuado sob o nº XXXXX-89.2016.4.04.0000, em face da decisão que o incluiu no polo passivo da demanda. O referido recurso, contudo, não foi conhecido (eventos 156 e 157, respectivamente).

Sobreveio a contestação de José Antônio Dias Toffoli, na qual arguiu, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, a ausência de interesse processual quanto ao pleito de suspensão dos contratos em debate, o não cabimento da ação popular e a inadequação da via eleita em relação ao pedido de proibição das sociedades empresárias rés realizarem novos contratos com o TSE. No mérito reiterou, em suma, muitos dos argumentos expendidos na contestação da ré União. Discorreu, ainda, sobre o pedido de condenação solidária dos réus ao ressarcimento de prejuízos materiais causados à União, bem assim sobre a validade dos atos administrativos e a impossibilidade de o Poder Judiciário rever o mérito dos atos em questão (evento 158).

Deu-se vista aos autores da contestação do réu José Antônio Dias Toffoli (evento 160).

Houve réplica, oportunidade em que os autores pugnaram pela procedência dos pedidos iniciais e requereram o julgamento antecipado da lide (evento 168).

Determinou-se a intimação das partes para informarem as questões de fato que necessitassem da produção de outras provas além das já produzidas nos autos, bem como para delimitarem as questões de direito que entendessem relevantes para a decisão de mérito (evento 173).

As rés Smartmatic Brasil e Smartmatic International Corporation manifestaram-se sobre a réplica e requereram a produção de provas oral e documental (evento 186).

O réu José Antônio Dias Toffoli e a ré União informaram não possuir outras provas a produzir (eventos 189 e 190, respectivamente).

O autor Gustavo Trigueiros e Guilherme informou, igualmente, não possuir outras provas a produzir (evento 191); os demais autores quedaram-se inertes (eventos 174 e 177-178).

Deferiu-se o requerimento de produção de prova testemunhal, formulado pelas rés Smartmatic Brasil e Smartmatic International Corporation, bem como facultou-se às partes a juntada de documentos novos (evento 194).

O réu José Antônio Dias Toffoli opôs embargos de declaração, requerendo "seja imediatamente analisada a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam". Os embargos, todavia, não foram conhecidos (eventos 211 e 213, respectivamente).

Os autores Matheus Faria Carneiro e Alessandro Schlemper Kiquio apresentaram rol de testemunhas (evento 226).

O autor Gustavo Trigueiros e Guilherme também apresentou rol de testemunhas e juntou documentos (evento 227).

Determinou-se a intimação dos autores para qualificarem e informarem o endereço completo das testemunhas arroladas (evento 230).

Os autores Matheus Faria Carneiro e Alessandro Schlemper Kiquio requereram a utilização do sistema INFOSEG, ao passo que o autor Gustavo Trigueiros e Guilherme desistiu da oitiva de uma das testemunhas e qualificou as demais, requerendo, ainda, esclarecimentos sobre se Alcides Diniz da Silva e Cármen Lúcia Antunes Rocha integrariam ou não a presente lide, uma vez que ainda não tinham sido citados (eventos 235 e 236, respectivamente).

Indeferiu-se o pedido de utilização do sistema INFOSEG e determinou-se a intimação dos autores Matheus Faria Carneiro e Alessandro Schlemper Kiquio para fornecerem o endereço das testemunhas, sob pena de indeferimento da produção da prova (evento 238).

Os autores Matheus Faria Carneiro e Alessandro Schlemper Kiquio reiteraram o pedido de utilização do sistema INFOSEG, mas a decisão proferida no evento 238 foi mantida pelos seus próprios fundamentos, concedendo-se mais 15 dias para os autores fornecerem o endereço das testemunhas, sob pena de indeferimento da produção da prova (eventos 246 e 250, respectivamente).

Este juízo, observando que as ações populares nºs XXXXX-59.2016.4.04.7204, XXXXX-62.2016.4.04.7204XXXXX-60.2015.4.04.7204 e XXXXX-47.2015.4.04.7204 foram suspensas para processamento e julgamento conjuntos nestes autos, chamou o feito à ordem para determinar o correto cadastramento de todas as partes e dos respectivos procuradores, bem como a intimação das partes que ainda não estavam adequadamente cadastradas de todo o processado até o momento (evento 260), o que foi cumprido (eventos XXXXX-278).

Após, este juízo, considerando que, citada, a ré Engetec Tecnologia deixou o prazo para resposta transcorrer em branco, decretou a revelia da ré em questão. Determinou, também, fosse feito o traslado, a estes autos, das iniciais e de eventuais contestações e réplicas apresentadas nas ações populares nºs XXXXX-59.2016.4.04.7204, XXXXX-62.2016.4.04.7204XXXXX-60.2015.4.04.7204 e XXXXX-47.2015.4.04.7204. Por fim, uma vez que a ré Fixti foi citada por edital e não constituiu advogado, este juízo determinou a intimação da DPU para apresentar defesa (evento 295).

Foram feitos os traslados determinados (eventos XXXXX-301).

Em sua contestação, Alcides Diniz da Silva suscitou, preliminarmente, a existência de prevenção e litispendência, a inépcia da inicial quanto ao pedido de ressarcimento, sua ilegitimidade passiva e a carência de ação. No mérito defendeu, em resumo, a higidez dos atos administrativos atacados (evento 307).

Sobreveio a contestação da ré Fixti, representada pela Defensoria Pública da União (DPU), na qual sustentou a nulidade da citação por edital e teceu comentários sobre a curadoria especial e a contestação por negativa geral (evento 311).

Os autores foram intimados para, querendo, apresentarem réplica às contestações (evento 312); nada, entretanto, veio aos autos (evento 327).

Após a apresentação das contestações e de réplicas, determinou-se a intimação do MPF para manifestar-se acerca da continuidade do feito (evento 329).

Os autores Matheus Faria Carneiro e Alessandro Schlemper Kiquio requereram ao MPF fosse observado o § 4º do art. 6º da Lei nº 4.717/65 (evento 332).

O MPF veio aos autos manifestar-se, oportunidade em que afirmou que "não dispõe de condições para formular qualquer pedido instrutório, tendo em vista que não vislumbra clareza na tese formulada pelos autores populares, que não conseguiram apontar com especificidade qual ato ilegal foi praticado e qual dano foi produzido. Some-se a isso o fato de que investigações realizadas pelo Ministério Públicos Federal, em outras Procuradorias do País, não produziram, até o presente momento, qualquer elemento indiciário de fraude praticado pelas empresas rés (IPL 1010/2014 DF; NF 1.16.000.001553/2014-78; NF 1.34.004.000621/2016-95)". Aduziu que "teorias conspiratórias, documentos e boatos oriundos de internet não são hábeis e suficientes para demonstrar ilegalidade praticadas e, no presente caso, sequer permitem estabelecer linha de investigação útil. Por fim, há que se lamentar a postura dos autores populares, que ao invés de fazerem análise e descrição técnica, buscam constranger o juízo, o Ministério Público Federal e a Advocacia da União, em uma argumentação radical que não aceita a independência desses órgãos e não admite que eles possam discordar da tese inicial aventada. A percepção que se tem é que os autores populares estabeleceram uma cruzada, em que o direito, os fatos e a produção probatória é irrelevante, e todos aqueles que não concordam consigo seriam inimigos a serem combatidos por estarem adotando postura partidarizada". Concluiu que "os autores populares, ao invés de buscarem recorrer de decisão judicial insatisfatória, agridem esse juízo e os demais órgãos processuais, em nítida violação ao princípio da boa-fé processual" (evento 334).

Este juízo chamou o feito à ordem, determinando "o cumprimento integral da determinação do evento 295, a fim de que a Secretaria traslade, a estes autos, as contestações (e os documentos que as acompanham) dos réus Alcides Diniz da Silva (ação popular nº XXXXX-59.2016.4.04.7204, evento 1 - PROCJUDIC269, p. 65-94) e Cármen Lúcia Antunes Rocha (ação popular nº XXXXX-59.2016.4.04.7204, evento 1 - PROCJUDIC269, p. 151-177)", bem como "a citação, com urgência, da ré FIXTI SOLUCOES EM TECNOLOGIA DA INFORMACAO LTDA, na pessoa do administrador judicial, Nelson Garey" (evento 336).

Efetuou-se o traslado determinado (evento 338).

Em sua contestação, Cármen Lúcia Antunes Rocha arguiu, preliminarmente, a inépcia da inicial, a litispendência e a conexão. No mérito sustentou, em síntese, a higidez dos atos administrativos atacados (evento 338, p. 152-178).

 Procedeu-se à citação da ré Fixti (evento 354).

Determinou-se a intimação do MPF para trazer aos autos cópias das investigações realizadas pela polícia federal e por outras procuradorias da República (IPL 1010/2014 DF; NF 1.16.000.001553/2014-78; NF 1.34.004.000621/2016-95), mencionadas na manifestação ministerial do evento 334 (evento 356).

O MPF cumpriu a determinação (eventos 359 e 363).

O réu Alcides Diniz da Silva teceu considerações sobre os documentos anexados aos autos pelo MPF (evento 389).

Este juízo, ao considerar a causa madura para julgamento, encerrou a instrução processual. Ademais, considerando que, devidamente citada para contestar, a ré Fixti quedou-se inerte, decretou-se a sua revelia, determinando fosse dada ciência à DPU e, após, que se procedesse ao descadastramento desta dos autos. Ainda, determinou-se a intimação das partes para apresentarem alegações finais (evento 392).

Em suas alegações finais, os réus União e José Antônio Dias Toffoli suscitaram, preliminarmente, a impossibilidade de ajuizamento desta ação diretamente contra o servidor público, a ilegitimidade passiva deste e a inadequação da via eleita. No mais, rebateram os argumentos autorais, requerendo a improcedência dos pedidos iniciais (evento 416).

Já os autores Matheus Faria Carneiro e Alessandro Schlemper Kiquio, em suas alegações finais, sustentaram que fato superveniente ao ajuizamento da ação - o edital de licitação nº 53/2015 do TSE - confirmou "tudo o que plasmado na peça vestibular". Postularam a procedência dos pedidos iniciais (evento 418).

Por seu turno, as rés Smartmatic Brasil e Smartmatic International Corporation, em suas alegações finais, arguiram, preliminarmente, a perda superveniente do objeto da ação. Ainda, combateram as alegações iniciais, requerendo a improcedência dos pedidos autorais (evento 419).

Em suas alegações finais, por sua vez, o réu Alcides Diniz da Silva suscitou, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, a carência de ação e a inépcia da inicial quanto ao pedido de ressarcimento. No mais, rebateu os argumentos autorais, postulando a improcedência dos pedidos iniciais (evento 420).

Por outro lado, o autor Gustavo Trigueiros e Guilherme, em suas alegações finais, asseverou que "princípios basilares em direito público administrativo foram violados, como o da moralidade e eficiência, por exemplo e o objeto da presente demanda se restringiu à apenas isso, e não à eventuais assertivas de fraude nas urnas ou como taxou o ilustre procurador de ‘boatos’’ relativos à eventual fraude nos equipamentos". Reiterou os argumentos anteriormente expostos, requerendo a procedência dos pedidos autorais (evento 421).

Os autos vieram conclusos para sentença.

Feita essa contextualização inicial, passo a examinar as razões recursais e a remessa oficial.

2. Preliminares:

2.1. Adequação da ação popular para os pedidos de proibição dos réus de contratar com o Poder Público e pagamento de indenização por danos morais coletivos:

Na sentença, a matéria foi assim examinada:

Restou suscitada a preliminar no sentido de que o pedido de proibição das sociedades empresárias rés realizarem novos contratos com o TSE "não se afigura adequado para a ação popular, haja vista que deveria ser formulado em ação por ato de improbidade administrativa, na conformidade do estatuído no artigo 12 da Lei 8.429/1992 – “proibição de contratar com o Poder Público”". Foi referido, ainda, que "o pedido destinado à proibição das sociedades empresárias rés de contratarem com o Tribunal Superior Eleitoral, haja vista a impertinência procedimental, não foi reproduzido nos pedidos finais. A medida almejada carece, pois, da instrumentalidade (eventual e de segundo grau) que define a tutela cautelar" (ev. 158).

Com efeito, consoante já salientado, a ação popular tem por escopo, unicamente, a anulação de ato lesivo (art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal e art. 11 da Lei nº 4.717/65) e a condenação dos responsáveis ao pagamento de perdas e danos e à restituição de bens e valores indevidamente obtidos (arts. 11 e 14, § 4º, da Lei nº 4.717/65).

A ação popular não se presta, potanto, a impedir que sociedades empresárias sejam proibidas de realizarem novos contratos com a Administração Pública. Na mesma linha, não há para pedido [sic] de condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. Tais pedido, em verdade, são próprios de outras modalidade de ações coletivas - quais sejam, ação de improbidade administrativa e ação civil pública.

Destarte, reconheço a inadequação da via eleita quanto aos pedidos de proibição de contratar com o Poder Público e quanto ao pedido de indenização por danos morais coletivos.

Acerca do tema, dispõe o artigo 11 da Lei da Ação Popular:

Art. 11. A sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa.

Como se vê, o objeto da demanda popular restrige-se à decretação de invalidade do ato lesivo ao patrimônio público e à condenação dos responsáveis pelo pagamento das perdas e danos decorrentes da ilicitude reconhecida.

De fato, não há espaço, portanto, no âmbito dessa espécie de lide, para a proibição de contratação com o Poder Público, pena estabelecida unicamente para as hipóteses de condenação por atos de improbidade administrativa (artigo 12 da Lei 8.429/1992).

Da mesma forma, em relação ao pedido de condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, já se decidiu no âmbito desta Corte que tal pleito não pode ser deduzido em ação popular. Confira-se (destaques meus):

ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. HIPÓTESES DE CABIMENTO. IMPOSSIBILIDADE JUR�DICA DO PEDIDO. - A Ação Popular, como regulada pela Lei nº 4.717, de 29.06.1965, visa à declaração de nulidade ou à anulação de atos administrativos, quando lesivos ao patrimônio público, como dispõem seus artigos 1º, 2º e 4º. - A condenação que pretende "obrigação de não-fazer" e "pagamento de indenização pelo dano moral coletivo", revela-se pedido juridicamente impossível, na espécie. (AC XXXXX-1, 3ª Turma, Rel.ª Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, j. 24-4-2007)

Sendo assim, entendo que nada há a reformar na sentença, nesse particular.

2.2. Inépcia da inicial quanto ao pleito de ressarcimento ao erário:

Acerca do tema, consta da sentença:

O réu Alcides Diniz da Silva suscitou a preliminar em questão sob o argumento de que na inicial "não há qualquer inferência sobre diminuição de patrimônio público, contestação sobre serviço prestado e pagamento efetivado, ou mesmo discussão de economicidade. Em tais circunstâncias, note-se que os autores não apontam nenhuma linha sequer relacionada a prejuízo econômico (ou lesão patrimonial) aos fatos tidos por ilegais, apesar de – incompreensivelmente – postularem “condenação solidária das partes a ressarcir os prejuízos causados à União”. Referido pedido é inepto, porquanto, despido de qualquer causa de pedir (art. 330, I, NCPC)".

De fato, há inépcia da inicial quanto ao pedido de ressarcimento, uma vez que, conforme exposto pelo réu, na inicial "não há qualquer inferência sobre diminuição de patrimônio público, contestação sobre serviço prestado e pagamento efetivado, ou mesmo discussão de economicidade", bem como "os autores não apontam nenhuma linha sequer relacionada a prejuízo econômico (ou lesão patrimonial) aos fatos tidos por ilegais".

Ora, nos moldes do art. 330, § 1º, I, do CPC, a inicial é inepta quando lhe faltar causa de pedir, exatamente como no tópico em análise.

Comungo do entendimento adotado na origem. Na petição inicial, os autores nada referem acerca de efetivo prejuízo financeiro que teria sido imposto ao erário, seja decorrente do pagamento de serviços não prestados ou de valores cobrados em quantia superior ao que seria devido em razão da espécie de contraprestação oferecida.

Compreendo, portanto, que o recurso não merece acolhida, nesse ponto.

2.3. Ilegitimidade passiva dos servidores ditos responsáveis pelos atos lesivos:

Sobre o tema, colhe-se da sentença:

Acerca da legitimidade passiva na ação popular, assim dispõe o art. 6º, da Lei 4.17:

Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.

Logo, teoricamente, é possível a presença, no polo passivo, "das autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado".

Tal dispositivo, entretanto, deve ser lido em consonância com o próprio objeto da ação popular, com a Teoria do Órgão e com disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Explico.

No que concerne ao objeto da ação popular, assim esclarece Maria Sylvia Zanella di Pietro 1:

Pela ação popular, o que se pleiteaia do órgão jurisdicional é:

1. a anulação do ato lesivo;

2. a condenação dos responsáveis ao pagamento de perdas e danos ou à restituição de bens ou valores, conforme artigo 14, § 4º, da Lei nº 4.717/65.

Daí a dupla natureza da ação, que é, ao mesmo tempo, constitutiva e condenatória.

Já a Teoria do Órgão, desenvolvida com o fim de explicar a relação do Estado com os agentes público, estrutura-se no sentido de que "a pessoa jurídica manifesta a sua vontade por meio dos órgaõs, de tal modo que quando os agentes que os compõem manifestam a sua vontade, é como se o próprio Estado o fizesse; substituindo-se a ideia de representação pela de imputação" 2.

Isso posto, tem-se que, no que tange ao pedido de anulação do ato lesivo, nada exige a presença do funcionário público que o praticou no polo paasivo, na medida em que o ato administrativo nada mais é do que a manifestação da vontade do próprio Estado (administrativa direta ou indireta).

A legitimidade passiva do agente público toma corpo a partir do momento em que se visualiza o segundo objetivo da Ação Popular: uma vez reconhecida a ilegalidade do ato impugnado, abre-se lugar a um segundo momento da ação, qual seja, a análise do pedido de condenação dos responsáveis ao pagamento de perdas e danos ou à restituição de bens ou valores (14, § 4º, da Lei nº 4.717/65).

É nessa perspectiva que deve ser entendida a legitimidade do servidor responsável pela prática do ato. Dito de outro modo, esta só de justifica no que tange ao pedido de restituição ou condenação por perdas e danos.

Posta essas premissas, relembro que a responsabilidade do servidor público - ao contrário da regra geral no que tange à responsabilidade civil do Estado - é subjetiva, exigindo, portanto, a presença do elemento subjetivo (dolo ou culpa). Cuida-se de regra expressa inserida no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, in verbis:

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Não só, é claro que, consoante argumentado pela União, o parágrafo transcrito, mais do que disciplinar o modelo de responsabilidade dos servidores públicos, igualmente traz a consagrada regra da "dupla garantia", derivada do princípio da impessoalidade, segundo a qual o Estado possui responsabilidade civil direta e primária pelos danos que seus agentes, no exercício de atividade pública, causem a terceiros. Eventual responsabilização do próprio agente exigirá ação regressiva do próprio Estado, na qual o elemento subjetivo será essencial.

Ocorre que a tese da dupla garantia (ajuizamento da ação apenas contra o Estado e posterior ação de regresso movida por este) não se aplica à ação popular,  haja vista que (i) nesta ação não se objetiva a reposição de um direito individual violado pelo Estado, mas a reposição do próprio interesse público, do qual, o Estado, inclusive, pode ser considerado vítima; (ii) há norma legal permitindo o ajuizamento contro aquele que praticou o ato.Â

De qualquer forma, mesmo que se entenda pela não aplicação da dulpa garantia à ação popular, sendo possível e legalmente prevista a presença do agente público no polo passivo, não se prescinde da indicação de sua atuação dolosa ou culposa.

Estabelecida essa premissa teórica (possibilidade teórica de ajuizamento da ação diretamente contra servidor público), bem como os seus contornos (legitimidade passiva para fins do pedido condenatório e necessidade de conduta dolosa ou culposa) passo à  análise do caso concreto.

Pois bem.Â

A simples leitura da petição inicial demonstra que os próprios autores não tinham certeza quanto a quem demandar, tanto que assim referiram na inicial (ev. 1, INIC1):

AÇÃO POPULAR, com pedido de LIMINAR, em face de:

(...)

f) SERVIDORES PÚBLICOS DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, a serem indicados pela própria Corte e que foram os responsáveis pelos atos ilícitos imputados nesta ação, tudo em obséquio ao que determina o § 4º do art. 1º da Lei. Com efeito, a parte autora requer ao réu Tribunal Superior Eleitoral (União) informações sobre quem são os servidores que devam responder a demanda, em litisconsórcio passivo, e seus respectivos endereços para citação.

Diante da acórdão proferido no âmbito do Agravo de Instrumento nº XXXXX-89.2015.4.04.0000, no sentido de ser "inexigível das entidades envolvidas que indiquem os servidores que devam compor o polo passivo", os autores, não sabendo em face de qual "servidor público do TSE" propor a ação, indicaram o Ministro Dias Toffoli, a Ministra Carmém Lúcia e o servidor Alcides Dias Diniz (evento 80 e evento 1, PROCJUDIC48, p. 52/54, da AP nº XXXXX-59.2016.4.04.7204), sem nem mesmo apontar o ato específico praticado por cada um deles - e muito menos os fatos e fundamentos jurídicos que levariam à conclusão da presença do elemento subjetivo para fins de responsabilização do servidor público.

Assim:

(a) não há respaldo legal para legitimar a indicação de José Antônio Dias Toffoli para compor o polo passivo, porquanto, quando da sua posse como Presidente do Tribunal Superior Eleitoral na data de 13.05.2014, o Procedimento Licitatório nº 16/2014 já estava concluído e a ata de registro de preços já assinada e publicada. Ademais, os autores não fizeram qualquer menção de qual teria sido o ato ou a omissão ilegal por ele praticada e muito menos referiram a presença de dolo ou culpa;

(b) igualmente não há respaldo legal para a legitimar a indicação de Carmem Lúcia Antunes Rocha para compor o polo passivo, na medida em que (i) seu mandato como Presidente da Corte Superior Eleitoral compreendeu o período de 18 de abril de 2012 até 20 de novembro de 2013; (ii) os procedimentos administrativos cuja declaração de nulidade se requer tiveram início na gestão anterior; (iii) não houve qualquer indicação, pelos autores, de qual ato cuja anulação se requer teria sido por ela praticado; (iv) não houve qualquer indicação de elemento subjetivo (dolo ou culpa);

(c) a mesma ausência de respaldo legal atinge a indicação de Alcides Diniz da Silva para compor o polo passivo, visto que não houve a indicação do ato ou omissão por ele praticado, nem referência à atuação culposa ou dolosa.

Forçoso concluir, portanto, que a presença dos servidores públicos indicados pelos autores para figurar no polo passivo desta ação popular carece de um mínimo de descrição dos fatos por eles praticados, atrealada à imprescindível fundamentação jurídica acerca da presença da atuação/omissão dolosa ou culposa. Nada, porém, foi sequer mencionado pelos autores.

Do exposto, em que pese, teoricamente, a lei de regência da ação popular admita a presença de servidores públicos responsáveis pela prática do ato impugnado - com a imperiosa indicação do ato praticado por cada um deles, bem como do seu agir culposo/doloso -, a ação popular ora em julgamento passou ao largo desses requisitos mínimos. De rigor, portanto, a exclusão de José Antônio Dias Toffoli, Carmem Lúcia Antunes Rocha e Alcides Diniz da Silva do polo passivo quer por inépcia da inicial, quer por ilegitimidade.

Não vejo razões para proceder a qualquer alteração nesse capítulo da decisão recorrida.

Conforme destacado pelo Juízo de origem, os demandantes não apontaram concretamente quais teriam sido os atos ou as omissões atribuídas aos servidores indicados para compor o polo passivo da ação popular, ou seja, ainda que a tese dos autores seja examinada in status assertionis, não há como se afirmar a legitimidade passiva daqueles réus a quem não são imputadas quaisquer participações específicas nos fatos descritos na peça vestibular.

Entendo que o recurso não merece trânsito, portanto.

2.4. Alegação de nulidade da sentença por cerceamento do direito de defesa:

Postulam os apelantes que seja reconhecida a nulidade da sentença, porque o Juízo não requisitou às autoridades indicadas na inicial os documentos ali solicitados, e recusou a utilização de sistemas eletrônicos disponibilizados pelo CNJ para localizar testemunhas.

Como é consabido, é pacífica a jurisprudência no sentido de que não se reconhece nulidade processual sem comprovação de que a parte que a alega tenha sofrido algum prejuízo efetivo. Nesse sentido (destaques meus):

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. BEM IMÓVEL. INDIVIS�VEL. PENHORA. NULIDADE. NÃO CONFIGURADA. MEAÇÃO. RESERVA DO PRODUTO DE ARREMATAÇÃO. CASAMENTO PELO REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. ART. 1.667 DO CÓDIGO CIVIL. I. Garantida pela decisão agravada a meação do cônjuge sobre o produto da alienação dos bens, não houve prejuízo efetivo e concreto ao recorrente, eis que este pôde exercer (e está exercendo) plenamente sua defesa, através da oposição dos presentes embargos de terceiro, aliás, tardiamente apresentados, mais de 1 (um) ano e meio após a sua devida intimação da penhora ora atacada. II. Não havendo prejuízo em concreto ao recorrente em decorrência da alegada irregularidade, há que se aplicar o princípio processual de que não há nulidade sem prejuízo (concretizado legalmente no § 1º, do art. 282 do CPC), já reconhecido pelo STJ ( RESP XXXXX/MG e RESP XXXXX/RS). III. Sendo a embargante casada com o executado pelo regime da comunhão universal de bens, isto importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas (art. 1.667 do Código Civil), razão pela qual é irrelevante sua alegação acerca da falta de participação econômica de seu marido na aquisição do apartamento penhorado. ( AG XXXXX-35.2022.4.04.0000, 4ª Turma, Rel.ª Desembargadora Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, j. 22-6-2022)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. NULIDADE. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO. OCORRÊNCIA DE PREJU�ZO. 1. De acordo com o princípio do pas de nullité sans grief, a nulidade dos atos processuais só ocorre quando comprovado prejuízo ao suscitante. (...) ( AG XXXXX-80.2022.4.04.0000, 3ª Turma, Rel.ª Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida, j. 05-7-2022)

Sendo assim, o simples argumento de que teriam sido obstadas pretensões apresentadas pelos autores, relativas à requisição de documentos ou informações de testemunhas, não justifica o reconhecimento da cogitada nulidade, uma vez que os apelantes não indicam, concretamente, quais seriam os dados especificamente buscados e os fatos que teriam sido demonstrados com tais elementos de prova.

Com efeito, a alegação de nulidade foi elaborada, nas razões recursais, de modo absolutamente genérico, sem a indicação precisa, como dito, da forma como a obtenção de determinada informação teria alterado o encaminhamento dado à controvérsia na primeira instância.

Diante desse cenário, entendo que não cabe o reconhecimento da nulidade aventada.

2.5. Alegação de que a sentença é extra petita:

Os recorrentes sustentam que a sentença revela-se extra petita, na medida em que julgou lícita conduta rejeitada por pregoeiro, relativa ao pedido apresentado por uma das empresas, de desoneração da contribuição patronal devida ao INSS.

A matéria em questão foi assim abordada na sentença:

(...) Afirmaram [os autores] que, "conforme se pode verificar das informações prestadas pela Senhora Pregoeira Maria Angélica Borges da Silva, mediante mensagem postada pela licitante em 20 de junho a empresa manifestou a sua intenção em renegociar o valor ofertado, desde que fosse considerada a desoneração da alíquota do INSS patronal de 20%. Ora pugnar perante a administração solicitando vantagem indevida, contra legem, na tentativa de subtrair tributo devido é tentativa de fraude, mediante ajuste com o intuito de obter vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação. Tal comportamento consubstancia-se, em tese, em crime previsto no art. 90 da Lei 8.666/93".

(...)

Como argumentado pelo réu Alcides Diniz da Silva, "não houve negociação ou renegociação, mas adequação da proposta de forma transparente e pautada nas disposições legais de regência. São atos distintos. A proposta foi ajustada para atender ao disposto na Lei 12.546/2011, para desoneração da contribuição previdenciária. Deu-se por intermédio do COMPRASNET conforme registrado na Ata de Realização do Pregão Eletrônico nº 42/2012, fls. 4467/4468 do PA nº 8.396/2012. Todo o ajuste para adequação da proposta ocorreu no sistema durante a sessão do pregão, sendo acompanhada pelos licitantes, conforme o que determina o art. 24, § 9, do Decreto nº 5.450/2005. Teve por motivo manifestação da área técnica no Memorando nº 54 SECOP/COMAP/SAD, de fl. 4112 do PA nº 8396/2012. Como se observa, a proposta de adoção das disposições da Lei 12.546/2011 não partiu da licitante, mas de manifestação de integrante da Comissão de Assessoramento Técnico – CAT, constituída pela Portaria TSE 347/2012 (cópia fl. 6.953 do PA 8.396/2012). Não se há falar em tentativa de fraude, que pressupõe dolo em conduta tipificada como crime. No caso da Licitação nº 42/2012, a conduta do pregoeiro pautou-se na legalidade. Ainda que se tratasse de negociação do preço, tratar-se-ia de obrigação legal do pregoeiro, consoante o disposto na Lei 10.520/2002".

De fato, a Lei nº 12.546/11 alterou a incidência das contribuições previdenciárias devidas pelas empresas. Conforme aduzido pela ré Cármen Lúcia Antunes Rocha, "não houve qualquer irregularidade, uma vez que, nos termos da Lei nº 12.546/2011, houve desoneração tributária e previdenciária, entro dos programas de recuperação da economia, quando esses valores deveriam ser deduzidos das aquisições pelos órgãos federais ou quando tomadores de serviços, que é o caso presente, dentro do programa de desoneração fiscal". Já a Lei nº 10.520/02 preceitua (grifei):

Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:

XI - examinada a proposta classificada em primeiro lugar, quanto ao objeto e valor, caberá ao pregoeiro decidir motivadamente a respeito da sua aceitabilidade;

(...)

XVI - se a oferta não for aceitável ou se o licitante desatender às exigências habilitatórias, o pregoeiro examinará as ofertas subseqüentes e a qualificação dos licitantes, na ordem de classificação, e assim sucessivamente, até a apuração de uma que atenda ao edital, sendo o respectivo licitante declarado vencedor;

XVII - nas situações previstas nos incisos XI e XVI, o pregoeiro poderá negociar diretamente com o proponente para que seja obtido preço melhor;

(...)

E o Decreto nº 5.450/05 dispõe (grifei):

Art. 24. Classificadas as propostas, o pregoeiro dará início à fase competitiva, quando então os licitantes poderão encaminhar lances exclusivamente por meio do sistema eletrônico.

(...)

§ 8º Após o encerramento da etapa de lances da sessão pública, o pregoeiro poderá encaminhar, pelo sistema eletrônico, contraproposta ao licitante que tenha apresentado lance mais vantajoso, para que seja obtida melhor proposta, observado o critério de julgamento, não se admitindo negociar condições diferentes daquelas previstas no edital.

§ 9º A negociação será realizada por meio do sistema, podendo ser acompanhada pelos demais licitantes.

(...)

Exsurge dos autos, portanto, a inexistência de ilegalidade na desoneração fiscal ocorrida.

A sentença extra petita é aquela que decide sobre tema não trazido à apreciação do Juízo, incidindo, assim, em violação à regra da congruência.

Não é esse o caso, no entanto, pois, como se vê, a matéria em debate foi alegada pelos próprios autores. O que se percebe, em verdade, é um descontentamento com o fato de que a tese dos demandantes não foi acolhida, o que, a toda evidência, não configura nulidade da decisão.

Rejeito, portanto, a alegação.

2.6. Alegação de que a sentença é citra petita:

Afirmam os apelantes que a sentença é citra petita, porquanto não foram apreciados os argumentos deduzidos na inicial, referentes à falta de habilitação de empresa estrangeira e a irregularidades apontadas no balanço patrimonial apresentado.

Não assiste razão aos recorrentes, pois a sentença citra petita é aquela que não examina todas as pretensões elencadas na petição inicial e, no caso, os pedidos apresentados pelos demandantes (ao menos aqueles considerados aptos a julgamento), consistentes na declaração de invalidade dos procedimentos licitatórios impugnados, foram devidamente enfrentados, e rechaçados, pelo Juízo de origem.

Sequer seria possível falar em omissão acerca dos argumentos aludidos, pois também foram detalhadamente analisados pela Julgadora monocrática, como se verifica nos seguintes excertos da sentença:

Sobre a participação da empresa estrangeira:

Disseram que "nos próprios contratos há exigências acerca da comprovação das habilitações e que não foram observados. Assim, nas referidas licitações, como as referentes ao Pregão Eletrônico nº 37/2012 e 42/2012, conforme dispõe a o art. 28, inciso V, da Lei 8.666/93, exige-se habilitação jurídica da empresa concorrente. (...) No entanto, não foi possível identificar nos autos dos processos licitatórios em comento, o cumprimento desta obrigação por parte da empresa SMARTMATIC INTERNATIONAL CORPORATION, sendo que a apresentação de autorização junto à sua documentação é procedimento formal obrigatório às empresas estrangeiras participantes de licitações no País, conforme clara exigência legal. Com efeito, exsurge a patente ilegalidade no procedimento licitatório, ao permitir que uma empresa estrangeira adjudicasse o objeto da licitação, sem ter cumprido com a habilitação jurídica necessária". Sustentaram que "a sociedade empresária ENGETEC foi declarada em diversas ações, pela Justiça do Trabalho Brasileira, como sucessora de um grupo de empresas chamado PROBANK. Assim, ao se tornar litisconsorte passiva nas reclamatórias não lhe seria lícita a emissão de CNDT. Com isso, a referida empresa não poderia participar da licitação, por inábil. Conforme documentação anexa, a empresa tinha certidão positiva junto à justiça do trabalho. A autoridade licitante tinha o dever de analisar a capacidade de habilitação trabalhista da empresa. Não o fez. A licitação é nula".

(...)

Concluíram que "a licitação que gerou o contrato nº 80 foi vencida pelas empresas SMARTMATIC Brasil Ltda CNPJ nº 09.XXXXX/0001-06, ENGETEC Tecnologia S.A. CNPJ nº 10.XXXXX/0001-64 e FIXTI Soluções em Tecnologia da Informação Ltda – 05.XXXXX/0001-75. Mas no 1º termo aditivo foi incorporado ao contrato a empresa SMARTMATIC INTERNATIONAL CORPORATION, que não se submeteu à licitação e ainda desvinculação dos preceitos contidos nos artigos 28 e 32 e 33 da Lei 8666/93 e artigo 1134 do Código Civil, que exigem das empresas estrangeiras com esse objeto, que tenham autorização para a funcionar no Brasil. A mesma inclusão posterior foi feita no contrato 74/2012 - SMARTIMATIC INTERNATIONAL CORPORATION com sede em St. Michael Barbados, em violação aos mesmos dispositivos legais".

Ressaltaram que "não resta aos interessados, como sôfrego alento buscar na idoneidade da empresa vencedora tirar suas duvidas quanto ao resultado da eleição. A imagem internacional da empresa afasta de pronto essa solução. Estando suspensa como esta na Venezuela e investigada nas Filipinas por irregularidades em contratos com objeto similar, a empresa Smartimatic estaria proibida de licitar no Brasil. Seu nome constaria do Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) que consiste em banco de informações mantido pela Controladoria-Geral da União que tem como objetivo consolidar a relação das empresas e pessoas físicas que sofreram sanções das quais decorra como efeito restrição ao direito de participar em licitações ou de celebrar contratos com a Administração Pública. Pelo principio da isonomia, como empresas nacionais suspensas não podem participar de licitações, incoerente que empresas estrangeiras tenham tratamento diferenciado. Certo é que essa situação somente foi possível, porque o órgão responsável pela licitação ter desconsiderado os princípios e determinações contidas na lei de licitações – 8666/93".

(...)

Referiram que "no referido certame não houve sequer a participação de sociedade estrangeira. Outrossim, houve a utilização de atestados de capacidade técnica de empresa SMARTMATIC INTERNACIONAL CORPORATION, havendo assim uma angulação ou confusão das pessoas jurídicas segundo a melhor conveniência da empresa participante, que nos pontos e momento em que lhe eram conveniente invocava a existência de GRUPO EMPRESARIAL, e nos não oportunos singulariza a prática de atos pontualmente por apenas determinada pessoa jurídica. Há aqui, portanto, clara ingerência de licitante que se utiliza de personalidades jurídicas distintas, uma delas inclusive estrangeira, para se beneficiar, logrando êxito indevido e de forma ilegal. (...) a empresa já mostrava inidoneidade em outros países, o que por si só já deveria ter sido objeto de consideração pela comissão de licitação que se mostrou, no mínimo desidiosa".

Concluíram que "pela análise acurada dos documentos de habilitação dos certames de 2012 e 2014, restou comprovada a omissão na análise de critérios de identificação das pessoas jurídicas licitantes. Verificou-se uma perniciosa, ilegal e prejudicial extensão dos efeitos de personalidades jurídicas em tramas societárias abusivas por meio de consórcios fraudulentos e casuísticos. Referida confusão e abuso na utilização das personalidades jurídicas, possibilitou, por exemplo, o descumprimento dos preceitos legais no momento da análise da documentação nas fases de habilitação das empresas, bem como no momento das assinaturas dos contratos das licitações. É que compareceram no momento da participação consórcio empresas estrangeiras, já no momento da assinatura dos contratos, tempo em que a lei exige a apresentação de documentos e certidões, alguns deles referentes à s autorizações especais para funcionar no País, as referidas empresas não comparecem para assinar os contratos. (...) Por fim, é possível concluir que sobre as empresas participantes pairam acusações de inidoneidade transnacional".

(...)

Consoante argumentado pela ré Cármen Lúcia Antunes Rocha, "os Pregões nºs. 37/2012 e 42/2012 não se trataram de licitações internacionais. Apenas, foi facultado a participação de empresas em consórcio, bem assim de empresas estrangeiras na forma de consórcio, conforme autoriza o art. 15, do Decreto nº 5.450/2005. (...) Foi dentro desse permissivo legal e nos termos dos respectivos editais, que houve a participação da empresa Smartmatic Internacional Co., o que está devidamente validado nos respectivos P.Administrativos pela Assessoria Jurídica do TSE". De fato, o art. 15 do Decreto nº 5.450/05 estabelece (grifei):

Art. 15. Quando permitida a participação de empresas estrangeiras na licitação, as exigências de habilitação serão atendidas mediante documentos equivalentes, autenticados pelos respectivos consulados ou embaixadas e traduzidos por tradutor juramentado no Brasil.

Já o art. 28, V, da Lei nº 8.666/93, mencionado pelos autores, preceitua (grifei):

Art.  28.  A documentação relativa à habilitação jurídica, conforme o caso, consistirá em:

(...)

VA - decreto de autorização, em se tratando de empresa ou sociedade estrangeira em funcionamento no País, e ato de registro ou autorização para funcionamento expedido pelo órgão competente, quando a atividade assim o exigir.

Ora, nos termos do alegado pelo réu Alcides Diniz da Silva, "não se há de questionar aqui a necessidade de apresentação pela empresa SMARTMATIC INTERNACIONAL de decreto de autorização de funcionamento no País, uma vez que na qualidade de empresa estrangeira que não possuía sede no Brasil, não se obrigava esta a apresentar tal Decreto. A exigência contida no art. 28, V, da Lei nº 8.666/93, de aplicação apenas subsidiária ao pregão eletrônico, não preside o caso, pois tal empresa não possuía funcionamento no Brasil. No caso, vincula-se a empresa ao disposto no art. 15 do Decreto nº 5.450/2000 e ao que estabelecem os respectivos editais de licitação (...)".

Não vislumbro, então, ilegalidade na habilitação jurídica da sociedade empresária ré Smartmatic International Corporation.

(...)

No tópico, os argumentos expostos na contestação de Cármen Lúcia Antunes Rocha também são esclarecedores. Consoante afirmou, o nome da sociedade empresária ré Smartmatic International Corporation não constou no "preâmbulo do Contrato nº 80/2012 (...) por erro material, que foi corrigido prontamente tão logo detectado, mediante a Apostila nº 01 ao Contrato, datada de 27/07/2012, conforme se verifica às fls. 7207 do PA 8.396/2012". De igual modo, "com relação à participação de cada membro do Consórcio Engematic.com, no Pregão nº 37/2012, cuja participação estavam estampada como superior a 100%, (...) o documento que importava, efetivamente, é o instrumento de Constituição do Consórcio, este registrado na Junta Comercial do Estado de São Paulo, com os percentuais corretos, não deixando dúvidas quanto às participações (doc. de fls. 1272, PA 22.629/2011)".

(...)

Mais, no que tange ao argumento autoral de que "no referido certame não houve sequer a participação de sociedade estrangeira (...) houve a utilização de atestados de capacidade técnica de empresa SMARTMATIC INTERNACIONAL CORPORATION, havendo assim uma angulação ou confusão das pessoas jurídicas segundo a melhor conveniência da empresa participante, que nos pontos e momento em que lhe eram conveniente invocava a existência de GRUPO EMPRESARIAL, e nos não oportunos singulariza a prática de atos pontualmente por apenas determinada pessoa jurídica", reitero que a sociedade empresária ré Smartmatic International Corporation participou efetivamente dos procedimentos licitatórios, tratando-se, como visto, de erro material posteriormente corrigido a ausência de seu nome, de modo que o argumento é insubsistente.

E sobre supostas irregularidades no balanço patrimonial:

Aduziram, quanto à documentação relativa à  qualificação econômico-financeira e à qualificação técnica, em referência às sociedades empresárias rés Engetec Tecnologia e Fixti, que "ou a empresa não cumpriu com a comprovação quanto à capacidade técnica, ou não cumpriu com a comprovação no tocante à capacidade econômica financeira pela invalidade do balanço patrimonial apresentado".

(...)

Em relação ao tópico, conforme aduzido pelo réu Alcides Diniz da Silva, "as certidões acostadas à s fls.4.259, 4.260 e 4.261 do PA nº 8.396/2012, extraídas do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores-SICAF do Governo Federal, atestam de forma inequívoca o cumprimento desses requisitos e, logo, a qualificação econômico-financeira das empresas, respectivamente, com os seguintes índices: ENGETEC – SG=1,24, LG=1,19 e LC=1,88; SMARTMATIC BRASIL – SG=1,0, LG=1,0 e LC=1,0; FIXTI – SG=1,08, LG=1,03 e LC=1,03. Além disso, certificam que não havia restrição a que participassem de licitações. Os Balanços e demonstrações financeiras dessas empresas estão à s fls. 6.358/6.359 (Engetec), 6.360/6.365 (Smartmatic Brasil), 6.431/6.438 (FIXTI) e, à s fls. 6.366/6.431 do mesmo PA 8.396/2012, estão documentos equivalentes da Smartmatic Internacional, traduzidos por tradutor juramentado".

No que diz respeito à qualificação técnica, o réu em questão sustentou que o quantitativo de profissionais das sociedades empresárias rés cumpriu a previsão editalícia (5.000 mil profissionais), consoante o seguinte quadro:

E, consoante acrescentou, "as empresas da espécie apropriam os custos de mão de obra aplicada na prestação dos serviços na conta de Custo dos Serviços Prestados-CSP no bojo do Demonstrativo de Resultado do Exercício-DRE e não na conta Despesas Administrativas, que contabiliza os gastos indiretos incorridos, a exemplo de honorários dos diretores, salários do pessoal administrativo, encargos sociais, material de expediente, os quais são gastos necessários no processo de gestão. Dessa forma, em 2010 e 2011, a FIXTI registrou, conforme informações da Previdência Social, uma massa salarial de R$18,6 milhões, aproximadamente. Parte referente à mão de obra direta apropriada contabilmente no Custo da Prestação de Serviço, e parcela de menor monta relativa ao pessoal administrativo (mão de obra indireta), apropriado em despesas administrativas. Somente as despesas administrativas concernentes aos custos indiretos de prestação de serviço no período atingiram cerca de R$2,1 milhões, que são aqueles gastos realizados na gestão da empresa. Registra-se também que a Receita Bruta do Exercício de 2010, conforme o DRE, totalizou R$ 50,6 milhões. Assim, da análise do Demonstrativo de Resultado do Exercício evidencia-se que a FIXTI incorreu em outros custos diretos na sua atividade de prestação de serviços. Resulta daí que o custo de mão de obra direta apropriado no Custo do Serviço Prestado é compatível com o quantitativo de empregados constante dos atestados da FIXTI, isto é, 5.624 pessoas".

Ainda: "quanto à ENGETEC, da análise dos atestados e demonstrações contábeis verifica-se que a despesa com pessoal somou R$13,5 mil e, a despesa administrativa, com pagamento de mão de obra indireta, totalizou cerca de R$84 mil, registrando-se uma Receita Bruta do exercício de R$6,6 milhões, dados compatíveis com o quantitativo de técnicos do exercício em que se realizou a licitação. Esclarece-se que o Balanço Patrimonial reflete a posição das contas patrimoniais no final do exercício social, quando as rubricas de resultados são encerradas e o saldo apurado (lucro ou prejuízo) transferido para o Balanço. Assim, a conta Caixa registra a situação do disponível no final do exercício. Se levarmos em conta o disposto no item 6 do Capítulo IX do Edital, que admite, para fins de comprovação da compatibilidade dos quantitativos exigidos, o somatório de atestados/declarações de cada consorciada, no caso de qualificação técnica e, para efeito da qualificação econômico-financeira, o somátório dos valores de cada consorciada, então no total os quantitativos apresentados pelas empresas formadoras do Consórcio ESF atendem plenamente às exigências. Tais disposições estão em consonância com o art. 33, III, da Lei das Licitações".

E concluiu: "a qualificação técnica foi objeto de recurso, que foi analisado pela Comissão de Assessoramento Técnico – CAT, concluindo-se no sentido de que o Consórcio lograra êxito em comprová-la, conforme se confirma do Parecer nº 7/2012, constante das fls.6.963/6.965 do PA 8.396/2012. Relativamente ao Pregão nº 37/2012, à s fls. 850/851 do PA 22.629/2011 constam certidões do Sistema de Cadastramento de Fornecedores – SICAF que comprovam também a habilitação econômico-financeira das empresas. Quanto à Smartmatic Internacional, toda documentação, inclusive referente à qualificação econômicofinanceira, traduzida por tradutor juramentado, foi juntada à s fls. 1.164/1.178 do mesmo PA. Anote-se que a Comissão Permanente de Licitação elaborou exaustivos relatórios de julgamento dos recursos (fls. 7.083/7.120 do PA 8.396/2012) e de procedimento (fls. 7112/7120), que esclarecem vários aspectos da Licitação 42/2012".

No tópico, ademais, saliento que, exceto em caso de reconhecida ilegalidade, não é dado ao Poder Judiciário intervir em questões técnicas da Administração Pública (no caso dos autos, relativas à qualificação econômico-financeira e à qualificação técnica em procedimento licitatório). Baseio-me, para tanto, no seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça, que, mutatis mutandis, serve de parâmetro para o caso concreto (grifei):

A interferência judicial para invalidar a estipulação das tarifas de transporte público urbano viola a ordem pública, mormente nos casos em que houver, por parte da Fazenda estadual, esclarecimento de que a metodologia adotada para fixação dos preços era técnica. Segundo a “doutrina Chenery”, o Poder Judiciário não pode anular um ato político adotado pela Administração Pública sob o argumento de que ele não se valeu de metodologia técnica. Isso porque, em temas envolvendo questões técnicas e complexas, os Tribunais não gozam de expertise para concluir se os critérios adotados pela Administração são corretos ou não. Assim, as escolhas políticas dos órgãos governamentais, desde que não sejam revestidas de reconhecida ilegalidade, não podem ser invalidadas pelo Poder Judiciário. (STJ, Corte Especial. AgInt no AgInt na SLS 2.240-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 7/6/2017)

Mais que isso, é preciso lembrar o já mencionado conceito de juridicidade administrativa, que, como se viu, conforma a sindicabilidade jurisdicional. Neste passo, ensina GUSTAVO BINENBOJM a noção de que a densificação do controle judicial adstringe-se aos "diferentes graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade". Assim, segundo esse autor (grifei):

Ao maior ou menor grau de vinculação do administrador à juridicidade corresponderá, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos. Não obstante, a definição da densidade do controle não segue uma lógica puramente normativa (que se restrinja à análise dos enunciados normativos incidentes ao caso), mas deve atentar também para os procedimentos adotados pela Administração e para as competências e responsabilidades dos órgãos decisórios, compondo a pauta para um critério que se poderia intitular jurídico-funcionalmente adequado. Como explica ANDREAS KRELL, o enfoque jurídico-funcional (funktionell-rechtliche Betrachtungsweise) parte da premissa de que o princípio da separação de poderes deve ser entendido, hodiernamente, como uma divisão de funções especializadas, o que enfatiza a necessidade de controle, fiscalização e coordenação recíprocos entre os diferentes órgãos do Estado democrático de direito. Assim, as diversas figuras que caracterizam os diferentes graus de vinculação à juridicidade (vinculação plena, conceito jurídico indeterminado, margem de apreciação, opções discricionárias, redução da discricionariedade a zero) nada mais são do que os códigos dogmáticos para uma delimitação jurídico-fucnional dos âmbitos próprios da Administração e dos órgãos jurisdicionais. Portanto, ao invés de uma predefinição estática a respeito da controlabilidade judicial dos atos administrativos (como em categorias binárias, do tipo ato vinculado versus ato discricionário), impõe-se o estabelecimento de critérios de uma dinâmica distributiva 'funcionalmente adequada' de tarefas e responsabilidades entre Administração e Judiciário, que leve em conta não apenas a programação normativa do ato a ser praticado (estrutura dos enunciados normativos constitucionais, legais ou regulamentares incidentes ao caso), como também a 'específica idoneidade (de cada um dos Poderes) em virtude da sua estrutura orgânica, legitimação democrática, meios e procedimentos de atuação, preparação técnica etc., para decidir sobre a propriedade e a intensidade da revisão jurisdicional de decisões administrativas, sobretudo das mais complexas e técnicas.' (ANDREAS J. KRELL). Com efeito, naqueles campos em que, por sua alta complexidade técnica e dinâmica específica, falecem parâmetros objetivos para uma atuação segura do Poder Judiciário, a intensidade do controle deverá ser tendencialmente menor. Nestes casos, a expertise e a experiência dos órgãos e entidades da Administração em determinada matéria poderão ser decisivas na definição da espessura do controle. Há ainda situações em que, pelas circunstâncias específicas de sua configuração, a decisão final deve estar preferencialmente a cargo do Poder Executivo, seja por seu lastro (direto ou mediato) de legitimação democrática, seja em deferência à legitimação alcançada após um procedimento amplo e efetivo de participação dos administrados na decisão. Em uma palavra: a luta contra as arbitrariedades e imunidades do poder não se pode deixar converter em uma indesejável judicialização administrativa, meramente substitutiva da Administração, que não leva em conta a importante dimensão de especialização técnico-funcional do princípio da separação de poderes, nem tampouco os influxos do princípio democrático sobre a atuação do Poder Executivo. De outra banda, o controle judicial será tendencialmente mais denso quão maior for (ou puder ser) o grau de restrição imposto pela atuação administrativa discricionária sobre os direitos fundamentais. Assim, se as ponderações feitas pelo administrador (ou mesmo as do legislador) na conjugação entre interesses coletivos e direitos fundamentais revelarem-se desproporcionais ou irrazoáveis, caberá ao Poder Judiciário proceder a sua invalidação. Em tal caso, o papel primordial dos juízes no resguardo do sistema de direitos fundamentais autoriza um controle mais acentuado sobre a atuação administrativa, respeitado sempre o espaço de conformação que houver sido deixado pela diretriz normativa. (BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo - Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. 2ª Ed. Renovar: Rio de Janeiro, 2008. p. 38-41)

À luz das ideias colacionadas, em tudo aplicáveis à espécie, até porque impugnados atos administrativos do TSE - e, portanto, praticados em sua função atípica, administrativa -, e frente ao princípio da concordância prática, não vislumbro nos procedimentos licitatórios atacados qualquer vício procedimental que possa lhes acarretar a declaração de nulidade. Mais: as valorações levadas a efeito pelas autoridades administrativas não se mostraram arbitrárias ou discrepantes da razoabilidade e/ou proporcionalidade que delas se espera e se exige. A conclusão exposta, aliás, leva em consideração o teor das decisões administrativas, mormente em cotejo com a insurgência autoral, munida de diversos argumentos metajurídicos e de inexistente consistência jurídica.

É dizer, claramente não houve qualquer omissão na sentença, pois todas as teses dos autores foram exaustivamente examinadas. Mais uma vez, o que se constata é a inconformidade com o resultado do julgamento, o que, todavia, não se confunde com a existência de qualquer nulidade.

Rejeito, pois, a alegação.

2.7. Alegação de error in judicando:

Os apelantes alegam que a sentença não apreciou os fundamentos de direito do pedido, incorrendo em error in judicando.

O argumento, a toda evidência, não merece trânsito, pois o Juízo de origem examinou de forma detalhada, atenta e exaustiva todas as alegações deduzidas pelos autores, realizando o necessário cotejo entre os fatos comprovados nos autos e as normas aplicáveis a cada uma das situações particulares.

Como já foi dito e repetido neste voto, o que se verifica é a mera discordância dos apelantes quanto ao desfecho da demanda, o que não representa qualquer irregularidade.

3. Mérito:

Em relação às questões de fundo, foram assim examinadas pelo Juízo de origem (destaques no original):

(...)

2.1. Premissas para o julgamento da lide

Cumpre frisar, inicialmente, não se desconhecer a importância que se reveste a ação popular enquanto instrumento processual destinado a anular, entre outros valores caros ao constituinte (art. 5º, LXXIII, da CF), "ato lesivo ao patrimônio público" e à "moralidade administrativa". Mais que isso, insere-se como instrumento da cidadania, pois permite a participação do legitimado - "qualquer cidadão" - na formação da vontade estatal e na fiscalização de seus atos, vale dizer, conflagra mais um vaso comunicante posto à disposição da sociedade, de onde verdadeiramente emana o poder estatal (art. 1º, p. ún., da CF).

Com efeito, estabelece o inciso LXXIII do art. 5º da CF: "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa , ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência".

Essa dimensão da cidadania é destacada por JOSÉ AFONSO DA SILVA: "Cidadania está aqui num sentido mais amplo do que o de titular de direitos políticos. Qualifica os participantes da vida do Estado, o reconhecimento dos indivíduos como pessoas integradas na sociedade estatal (art. 5º, LXXVII)" (SILVA, José Afonso da. Poder constituinte e poder popular (estudos sobre a Constituição). São Paulo: Malheiros, 2000. p. 141).

Nesse sentido, não deve ser mitigada a circunstância de que a cidadania insere-se em nossa República como um dos fundamentos sobre os quais se assenta o Estado Democrático de Direito (art. 1º, II, da CF). Daí porque TEORI ALBINO ZAVASCKI destaca (grifei):

O que caracteriza a ação popular, desde as suas mais remotas origens romanas, 'é o exercício da ação por qualquer membro da coletividade, com maior ou menor amplitude, para a defesa de interesses coletivos'. Essa peculiaridade é extremamente significativa, tanto do ponto de vista processual, quanto do ponto de vista da cidadania. (...) a faculdade de promover a ação popular, com o poder que dela decorre no controle de atos da Administração Pública, conferiu aos membros da comunidade um meio de participação na vida política, um significativo marco de afirmação dos direitos da cidadania. É o cidadão tutelando em juízo 'o direito que tem a coletividade a um governo probo e a uma administração honesta', lembrava Frederico Marques. Trata-se, inegavelmente, de um direito político fundamental, da mesma natureza de outros direitos políticos previstos na Constituição, como os de alistar-se, habilitar-se a candidaturas para cargos eletivos ( CF, art. 14, §§ 1º a 4º) e a nomeações para certos cargos públicos não eletivos ( CF, arts. 87; 89, VII; 101; 131, § 1º), participar de sufrágios, votar em eleições, plebiscitos e referendos e apresentar projetos de lei pela via da iniciativa popular ( CF, arts. 14, caput e 61, § 2º). Visualizado em seu contexto e em seu sentido histórico (como é apropriado para avaliar adequadamente essa espécie de atributo), o direito à ação popular sempre representou um traço importante nos direitos de cidadania, de muito significado ainda hoje, quando tais direitos assumem novos contornos, mais complexos e multiformes. (ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 85-86).

Atento a essa íntima relação entre cidadania e controle dos atos estatais por intermédio da ação popular, HELY LOPES MEIRELLES define este instrumento jurídico-processual da seguinte forma:

Ação popular é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos - ou a estes equiparados - ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiros públicos. (...) É um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros. Por ela não se amparam direitos individuais próprios, mas sim interesses da comunidade. O beneficiário direto e imediato desta ação não é o autor; é o povo, titular do direito subjetivo ao governo honesto. O cidadão a promove em nome da coletividade, no uso de uma prerrogativa cívica que a Constituição da República lhe outorga. (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança e ações constitucionais. 22ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 115-116).

Mais recentemente, colhe-se da doutrina de MARÇAL JUSTEN FILHO:

A ação popular é uma ação civil constitucional destinada a proteger interesse difuso e objetivo de qualquer cidadão em obter provimento jurisdicional de anulação de ato praticado por agente estatal ou, se privado, beneficiário de recursos públicos, lesivo ao patrimônio, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 8ª Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 1178).

Presentes, pois, os contornos que regem este instituto jurídico, é preciso perquirir em que limites se dará o controle judicial.

2.2. Dos limites do controle judicial

Não se pode mitigar a importância do princípio da tripartição funcional do Poder (art. 2º da CF). A divisão orgânica das funções estatais de legislar, administrar e julgar é conquista das mais caras ao constitucionalismo tal como hoje o concebemos (BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 5-6). Permite que, com a divisão funcional em órgãos distintos e existindo entre eles mútuo controle (checks and balances), não haja a concentração do poder estatal em uma só pessoa ou centro de imputação, circunstância que, demonstra a história, leva a comportamentos abusivos.

É bem verdade que, ordinariamente, tem-se a legitimidade jurídico-constitucional do controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Do Supremo Tribunal Federal, citem-se as seguintes ementas que apontam para o mesmo sentido:

DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTROLE DE LEGALIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS PELO PODER JUDICI�RIO. PRINC�PIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. SUPOSTA AFRONTA AOS ARTS. 2º E 37 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. OFENSA NÃO CONFIGURADA. ACÓRDÃO RECORRIDO DISPONIBILIZADO EM 7.5.2012. O controle de legalidade dos atos administrativos pelo Poder Judiciário não ofende o princípio da separação dos poderes. Precedentes Agravo regimental conhecido e não provido. ( ARE XXXXX AgR, Relator (a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-163 DIVULG XXXXX-08-2013 PUBLIC XXXXX-08-2013).

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDIN�RIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. PROCESSO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. 1. Cabimento de mandado de segurança em tribunal diverso. Matéria infraconstitucional. Ausência de repercussão geral. 2. Análise da razoabilidade e proporcionalidade do ato demissório. Reexame de fatos e provas. Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal. 3. Controle judicial de ato administrativo: inexistência de contrariedade ao princípio da separação dos poderes. 4. Agravo regimental ao qual se nega provimento. ( ARE XXXXX AgR, Relator (a): Min. C�RMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 17/09/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-203 DIVULG XXXXX-10-2013 PUBLIC XXXXX-10-2013)

Entretanto, esse controle não se dá de modo absoluto e, tampouco, prende-se a fórmulas abstratas. Daí porque, percuciente se mostra a advertência do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, para quem o princípio em tela deve necessariamente encontrar amparo e configuração a partir do texto constitucional. São estas suas considerações quanto ao ponto:

(...) o princípio da separação e independência dos Poderes não possui uma fórmula universal apriorística e completa: por isso, quando erigido, no ordenamento brasileiro em dogma constitucional de observância compulsória pelos Estados-membros, o que a estes se há de impor como padrão não são concepções abstratas ou experiências concretas de outros países, mas sim o modelo brasileiro vigente de separação de poderes, como concebido e desenvolvido na Constituição da República.' (STF, ADI XXXXX/MT, DJ 31.10.1997, p. 55.540).

Nessa ordem de ideias, verifica-se no âmbito do Supremo Tribunal Federal o reconhecimento de que, à luz da Constituição Federal, existem espaços imunes dentro da esfera de competência de cada Poder. Admite-se, por exemplo, a existência, haurida do art. 2º da CF, do princípio da reserva da administração, que "impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo" ( RE XXXXX ED, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 13/12/2011), da cláusula constitucional da reserva de jurisdição, que consagra o monopólio do Poder Judiciário conhecer e manifestar-se acerca de determinadas matérias - como a interceptação telefônica ( AI XXXXX AgR, Relator (a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 12/04/2011), e, ainda, porque não lembrar, da cláusula de reserva constitucional de regimento, que subtrai "ao legislador a competência para dispor sobre a economia dos tribunais" ( ADI 1105 MC, Relator (a): Min. PAULO BROSSARD, Tribunal Pleno, julgado em 03/08/1994; entendimento reafirmado no julgamento da admissibilidade dos embargos infringentes manejados na AP 470, voto do Min. CELSO DE MELLO, 18/09/2013).

Por isso, precisas as lições de MARÇAL JUSTEN FILHO para quem a existência do controle de um Poder sobre o outro não pode chegar ao ponto de, indevidamente, imiscuir-se na atividade primária deste último, ao menos a ponto de nulificar essa garantia institucional (grifei):

Uma questão essencial é a preservação da autonomia dos órgãos administrativos. A instituição do controle externo não significa a supressão da separação de Poderes nem importa a redução da autonomia no exercício de competências próprias. Isso significa a vedação a que, a pretexto de exercitar controle-fiscalização, um órgão pretenda assumir o exercício de competências reservadas a outrem pela Constituição ou pela lei. (FILHO, Marçal Justen. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 745).

Afinal, como ensina JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, "o que importa num estado constitucional de direito não será tanto saber se o que o legislador, o governo ou o juiz fazem são atos legislativos, executivos ou jurisdicionais, mas se o que eles fazem pode ser feito e é feito de forma legítima" (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª Ed. Coimbra: Almedina, 2003).

Frente a esse contexto e em passo adiante, é de se destacar que a sindicabilidade jurisdicional dos atos administrativos, como se sabe, é uma das mais destacadas notas da concepção do Estado de Direito, uma vez que a Administração Pública e os particulares encontram-se, ambos, submetidos ao princípio da legalidade (rule of law). Para o regime jurídico-administrativo, tradicionalmente, o princípio da legalidade é apresentado como "princípio capital" nos dizeres do ilustre jurista CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, cujas lições, já clássicas acerca do tema, devem ser transcritas (grifei):

(...) enquanto o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é da essência de 'qualquer Estado', de qualquer sociedade juridicamente organizada com fins políticos, o da legalidade é 'específico do Estado de Direito', é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade própria. Por isso mesmo é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o Direito Administrativo [pelo menos aquilo que como tal se concebe nasce com o Estado de Direito: é uma conseqüência dele. É o fruto da submissão do Estado à lei. É, em suma: a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é sublegal, infralegal, consistente na expedição de 'comandos complementares' à lei. (...) Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro. Michel Stassinopoulos, em fórmula sintética e feliz, esclarece que, além de não poder atuar 'contra legem' ou 'praeter legem', a Administração só pode agir 'secundum legem'. (...) Afonso Rodrigues Queiró afirma que a Administração 'é a longa manus do legislador' e que 'a atividade administrativa é atividade da subsunção dos fatos da vida real às categorias legais'. (MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 90-92).

Também DIOGENES GASPARINI destaca a essência do aludido princípio na esfera administrativa (grifei):

O princípio da legalidade significa estar a Administração Pública, em toda a sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, o que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se à anulação. (GASPARINI. Diógenes. Direito administrativo. 17ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012)

Pois bem, partindo desse enfoque, é preciso destacar que os atos administrativos devem guardar respeito não somente à legalidade, senão à juridicidade sob a compleição da obediência à lei e ao Direito (art. 2º, I, da Lei nº 9.784/99). A advertência de JUAREZ FREITAS vai ao encontro dessa idéia-síntese, quando destaca (grifei):

(...) a subordinação da Administração Pública não é apenas à lei. Deve haver o respeito à legalidade, sim, todavia encartada no plexo de características e ponderações que a qualifiquem como sistematicamente justificável. Não quer dizer que se possa alternativamente obedecer à lei ou ao Direito. Não. A legalidade devidamente justificada requer uma observância cumulativa dos princípios em sintonia com a teleologia constitucional. (FREITAS, Juarez. O Controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 3ª ed. Malheiros: São Paulo, 2004. p. 43-44).

Sobre o tema, GERMANA DE OLIVEIRA MORAES salienta (grifei):

(...) A constitucionalização dos princípios gerais de Direito ocasionou o declínio da hegemonia do princípio da legalidade, que durante muito tempo reinou sozinho e absoluto, ao passo em que propiciou a ascensão do princípio da juridicidade da Administração, o que conduziu à substituição da idéia do Direito reduzido à legalidade pela noção de juridicidade, não sendo mais possível solucionar os conflitos com a Administração Pública apenas à luz da legalidade estrita. Como conseqüência das modificações conceituais da noção de Direito - do direito 'por regras' ao 'direito por princípios', ocorre a substituição da idéia nuclear de legalidade administrativa pelo princípio da juridicidade da Administração Pública. Substitui-se, no Direito Administrativo, 'o princípio da submissão da administração a uma normação pré-fixada' pelo 'princípio da submissão da administração ao Direito'. (...) A noção de legalidade reduz-se ao seu sentido estrito de conformidade dos atos com as leis, ou seja, com as regras - normas em sentido estrito. A noção de juridicidade, além de abranger a conformidade dos atos com as regras jurídicas, exige que sua produção (a desses atos) observe - não contrarie - os princípios gerais de Direito previstos explícita ou implicitamente na Constituição. (MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da administração pública. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2004. p. 29-30).

Nesse contexto, a autoridade administrativa não se encontra - como reiteradamente se afirma -, vinculada a um juízo silogístico puro, abstrato e que não lhe proporciona margem alguma à interpretação. Mesmo a lógica da subsunção, no confronto da premissa maior com a premissa menor, na conclusão de que tenha havido efetiva incidência do preceito primário, a impor, após tal colorido, a consequência jurídica previamente cominada, todo este processo metodológico, em suma, não se resume "à mera aplicação mecanicista da lei". No ponto, destaca-se o autorizado magistério de ALMIRO DO COUTO E SILVA, citado por GUSTAVO BINENBOJM (grifei):

(...) a noção de que a Administração Pública é meramente aplicadora das leis é tão anacrônica e ultrapassada quanto a de que o direito seria apenas um limite para o administrador. Por certo, não prescinde a Administração Pública de uma autorização legal para agir, mas, no exercício da competência legalmente definida, têm os agentes públicos, se visualizado o Estado em termos globais, um dilatado campo de liberdade para desempenhar a função formadora, que é hoje universalmente reconhecida ao Poder Público. (BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo - Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. 2ª Ed. Renovar: Rio de Janeiro, 2008. p. 34-5)

Em outras palavras, o respeito ao princípio da legalidade pela autoridade administrativa deve ir além da obediência, pura e simples, da lei. A constitucionalização do direito administrativo exige do intérprete/aplicador a atenção ao conceito da juridicidade, a significar que a base principiológica que justifica sua conduta parta da Constituição, notadamente, dos direitos fundamentais que nela se encontrem instituídos. Como arremata GUSTAVO BINENBOJM (grifei):

Deve ser a Constituição, seus princípios e especialmente seu sistema de direitos fundamentais, o elo de unidade a costurar todo o arcabouço normativo que compõe o regime jurídico administrativo. A superação do paradigma da legalidade administrativa só pode dar-se com a substituição da lei pela Constituição como cerne da vinculação administrativa à juridicidade. (BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo - Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. 2ª Ed. Renovar: Rio de Janeiro, 2008. p. 36-7)

É justamente essa juridicidade, estribada na Constituição, que impossibilita dar contornos absolutos à dicotomia atos discricionários/atos vinculados e, além disso, impõe os limites do controle judicial. Sem embargo, não se está aqui a infirmar as clássicas lições tecidas por inúmeros e respeitadíssimos doutrinadores (HELY LOPES MEIRELLES, DIOGENES GASPARINI, CELSO RIBEIRO BASTOS e outros), muitas e seguramente a maior parte delas ainda regedoras da perfeita intelecção do regime jurídico-administrativo. De todo modo, não é demais lembrar, senso comum, de que a ciência não opera por saltos. A tarefa aqui não é de desconstrução, mas de releituras que permitam que a cognição judicial exercida no esteio do devido processo legal sirva de resposta legítima e adequada à solução final da lide.

Para aqueles consagrados autores, o ato vinculado não possibilitaria ao intérprete a emissão de qualquer juízo de valor, pois o legislador, ao editar o permissivo legal, integralmente moldaria o seu comportamento. De outra banda, quanto aos atos tidos como discricionários, ainda que inegavelmente sujeitos ao princípio da legalidade, conferir-se-ia ao administrador a legítima aferição da conveniência (quanto ao interesse público a ser alcançado) e oportunidade (momento) de sua prática, o que se convencionou denominar-se de mérito administrativo ou mérito do ato administrativo, espaço que, sob tal óptica, mostrar-se-ia imune ao controle judicial.

Ocorre que, como mencionado, de acordo com a nova compreensão defendida, ao restar incontroversa a conclusão de que toda função administrativa, além do cumprimento dos atos normativos legais e infra-legais, inarredavelmente encontra-se sujeita a emprestar eficácia ao ordenamento constitucional como um todo, a dicotomia entre atos vinculados e atos discricionários, isoladamente, não é bastante para estabelecer os contornos do controle judicial. É que, mais uma vez com amparo em GUSTAVO BINENBOJM, "a discricionariedade não é, destarte, nem uma liberdade decisória externa ao direito, nem um campo imune ao controle jurisdicional. Ao maior ou menor grau de vinculação do administrador à juridicidade corresponderá, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos" (op. cit, p. 38-41).

Essa maior fluidez e dinamicidade da sindicabilidade jurisdicional não passou ao largo dos estudos desenvolvidos por JUAREZ FREITAS, que destaca, a seu turno, a inexistência de espaço indene ao controle judicial, ao menos de modo absoluto. Afinal, como lembra o ilustre doutrinador gaúcho, na defesa do direito fundamental à boa Administração Pública, "o 'mérito' (referente ao campo dos juízos de conveniência ou de oportunidade) não é diretamente controlável, mas o demérito e a antijuridicidade o serão, inescapavelmente" (Discricionariedade Administrativa e o Direito Fundamental à Boa Administração Pública. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009).

Nesse diapasão, e a título conclusivo quanto ao ponto, se por um lado a garantia da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF) não pode significar a existência inconteste de espaço imune - abstratamente - ao controle jurisdicional (judicial review), sua concreção deve se dar sem que se nulifique a tripartição funcional do Poder.

Impõe-se, pois, que uma vez provocada a jurisdição, o intérprete/aplicador parta de um pensamento tópico-problemático destinado à emissão de uma resposta judicial legítima - sem que desconsiderado o sistema jurídico-normativo -, de modo a exercer, ainda, um controle jurídico-funcional adequado mediante o emprego de uma técnica argumentativa que validamente se desenvolva no contexto de um processo dialógico. Embora, cumpre sublinhar, não se desconsidere que "qualquer exegese comete, direta ou indiretamente, uma aplicação de princípios, de regras e de valores componentes da totalidade do Direito", e que, portanto, "cada preceito deve ser visto como parte viva do todo" (FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 5ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 73).

Essas premissas não se traduzem em mera digressão teórica, senão possuem dimensão de importância também prática (art. 93, IX, da CF).

Ora, o pedido desta demanda é de controle jurisdicional dos atos administrativos. A pretensão gira, assim, em torno de pedido de emissão de provimento judicial que venha a afastar os efeitos jurídicos de atos tidos como ilegais/injurídicos.

Diante disso, postas tais considerações, o que se quer estabelecer como ponto de partida é que a (eventual) intervenção judicial no controle dos atos administrativos atacados não se dará sem que reste assegurado à Administração Pública o respeito ao espaço que lhe é constitucionalmente conferido e que, uma vez legitimamente ocupado, seja pela emissão de ato vinculado ou discricionário, não será objeto de correção judicial. Ou seja, embora o Poder Judiciário inegavelmente não possa indevidamente amesquinhar o direito fundamental à proteção judiciária (art. 5º, XXXV, da CF), não se mostrará lídimo supor que, no âmbito da tripartição do Poder e sob a perspectiva do princípio da correção funcional, possa a vir a substituir o administrador (cf. MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 109).

Por outro lado, não menos correto é o entendimento de que, constatada injuridicidade, o processo enquanto instrumento magno da Jurisdição deverá mostrar-se técnica hábil a afastá-la, restaurando, desse modo, a validez e normatividade da ordem constitucional instaurada, sem que, aqui, possa se antever indevido espaço ocupado pelo controle externo judicial.

2.3. Caso concreto

No caso em exame, o ponto nevrálgico da lide consiste na (i) legalidade dos contratos administrativos decorrentes dos procedimentos licitatórios nºs 37/2012 (contrato nº 80/2012), 42/2012 (ARP nº 25/2012 e contrato nº 74/2012) e 16/2014 (ARP nº 11/2014 e contrato nº 45/2014), conduzidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, nos quais, segundo alegaram os autores, teriam ocorrido uma série de irregularidades.

2.3.1 - Contextualização da ação - argumentação metajurídica - acervo probatório

Conforme exposto pelo juízo federal da Subseção Judiciária de Blumenau/SC na ação popular nº XXXXX-76.2015.4.04.7205, idêntica a esta e extinta sem julgamento de mérito pela desistência, a inicial é "munida também de argumentos metajurídicos". Com efeito, muito embora os autores aleguem que "a ação não tem contornos eleitorais", que se trata "de ação onde reflexos eleitorais poderão advir, mas este não é o objeto da ação" e que "não se está aqui, buscando a judicialização da política", o fato é que, ao suscitarem diversos argumentos metajurídicos, os autores afirmaram expressamente que, "em outras palavras, o país precisa ser ajustado".

Nesse diapasão, o Poder Judiciário deve repelir tentativas de sua instrumentalização, como a que é levada a efeito quando se propõe um "tsunami jurídico", com a disponibilização de modelo de inicial em redes sociais para ajuizamento de ações absolutamente idênticas em diversas subseções judiciárias do país. Ressalto que há, na inicial, trecho em que se aduziu que "a parte autora reside na cidade de xxxxxxxxxx", bem como em que se fez referência ao "doc. nº xx". Como argumentado pelo réu Alcides Diniz da Silva em sua contestação, "a presente ação popular não é inédita. Cuida-se de mera repetição de actios distribuídas perante as jurisdições das 2ª, 3ª e 4ª Regiões Federais, todas idênticas e com nítido caráter midiático".

De fato, por ocasião da denegação de inúmeros habeas corpus com redação padronizada em favor do mesmo paciente, a Ministra Laurita Vaz asseverou que "o Poder Judiciário não pode ser utilizado como balcão de reivindicações ou manifestações de natureza política ou ideológico-partidárias. Não é essa sua missão constitucional" (HC nº 457946, Ministra LAURITA VAZ, 02/08/2018). Ademais, o "tsunami jurídico", além de teratológico, não faz o menor sentido processual, pois evidente que a prevenção, no fim das contas, prevaleceria - como prevaleceu -, com a reunião das inúmeras ações neste juízo.

Destaco, ainda, que, consoante aduzido pelo referido juízo de Blumenau/SC, "a Constituição da República elegeu a Justiça Eleitoral, no caso das eleições de 2014, o Tribunal Superior Eleitoral, para deter a competência sobre questionamento que diga com a legalidade e a lisura do pleito e da apuração dos votos, bem como da proclamação de resultados e da diplomação dos eleitos". É dizer, este juízo sequer teria competência para o provimento judicial realmente pretendido pelos autores.

Estes alegaram, a propósito, que "desde que foi anunciada pelo Tribunal Superior Eleitoral a vitória da presidente Dilma Vanna Rousseff no segundo turno da eleição presidencial de 2014, diversas denúncias de fraude eleitoral surgiram. (...) Neste cenário, diversas matérias jornalísticas chamaram à atenção para uma suposta estratégia criminosa que objetivava fraudar o sistema eleitoral brasileiro, de modo a viabilizar a perpetuação do atual governo, no poder. (...) As referidas matérias são sérias, alarmantes, e preocupam o autor popular e a comunidade em geral. Ademais, não se trata de uma crítica pontual ou isolada, pois se referem a atos correlacionadas em uma sucessão de denúncias, com a utilização de um mesmo expediente e modus operandi e em vários locais do mundo, frise-se".

Todavia, as matérias jornalísticas transcritas na inicial, que seriam "sérias e alarmantes", se resumem a um texto de Felipe Marques, sobre o qual nada se sabe, mormente se é jornalista, e a um texto de Olavo de Carvalho. Saliento, ainda, que o sítio eletrônico do qual teria sido retirada a matéria "jornalística" de Felipe Marques não existe mais (https://elodanotcia.wordpress.com/2014/11/13/exclusivo-smartmatic-recebeur136- milhoes-para-roubar-as-eleicoes-presidenciais-em-2014/).

Mesmo assim, "foi com esta notitia criminis que o autor popular incessantemente vem na busca da verdade e no exercício regular de seu direito, pretendendo levar ao crivo do Poder Judiciário (a última fronteira da democracia) as ilegalidade que doravante serão apontadas. É imbuído deste espírito que vem a parte autora pugnar pela decretação de nulidade dos contratos celebrados entre as rés (reestabelecimento do Estado de Direito e correção no uso do dinheiro público)". Ora, como deduzido pelo Ministério Público Federal, "teorias conspiratórias, documentos e boatos oriundos de internet não são hábeis e suficientes para demonstrar ilegalidade praticadas e, no presente caso, sequer permitem estabelecer linha de investigação útil" (evento 334).

Feitas essas digressões, passo à análise dos procedimentos licitatórios nºs 37/2012, 42/2012 e 16/2014.

2.3.2 - Pregões nºs 37/2012, 42/2012 e 16/2014

Na inicial, os autores alegaram o seguinte:

Os contratos a que se quer ver anulados são oriundos das Licitações realizadas por meio dos – PREGÕES ELETRÔNICOS Nºs 37/2012, 42/2012 e 16/2014, cujo objeto licitado e adjudicado pelos vencedores foi:

a) o fornecimento de urnas eletrônicas ao Tribunal;Â

b) a prestação de serviços logísticos e tecnológicos inerentes às urnas que utilizadas nas eleições gerais de 2012 e 2014 e

c) transmissão de dados, via satélite, dos dados lógicos locais e regionais, ao Superior Tribunal Eleitoral.

Contudo, conforme exposto pelo réu Alcides Diniz da Silva em sua contestação, "as licitações apontadas na inicial não tiveram por objeto o fornecimento (ou aquisição) de urnas eletrônicas, mas, a contratação de serviços continuados de exercitação de unas e de transmissão de dados. A aquisição das urnas eletrônicas pelo TSE já ocorre há mais de vinte anos, via licitação sob a modalidade Concorrência (do tipo Técnica e Preço), tudo de acordo com os arts. 22, I, e 23, § 3º, combinados com o art. 45, § 1º, III da Lei nº 8.666/93. Nessa linha, é o que se pode verificar dos seguintes editais: Edital TSE nº 2/1995, Edital TSE nº 02/1997, Edital TSE nº 27/1999, Edital TSE nº 62/2001, Edital TSE nº 46/2003, Edital TSE º 02/2006, Edital TSE nº 14/2008, Edital TSE nº 76/2009, Edital TSE nº 77/2011, Edital TSE nº 53/2015 (todos disponíveis na rede mundial de computadores)" (evento 307).

Então, ao contrário do aduzido pelos autores, não foi objeto dos procedimentos licitatórios "o fornecimento de urnas eletrônicas ao Tribunal" (Ev. 17, EDITAL1, ev. 45; PROCADM2, p. 114 e seguintes, e PROCADM3, p. 51 e seguintes, ev. 52)

 Ainda, os autores transcreveram, na inicial, "em sua inteireza, o relatório elaborado pela Advogada Maria Aparecida Cortiz, especialista em processo eletrônico de Votação, membro do Comitê Multidisciplinar Independente (CMIND). Este relatório traz luz às questões que serão ventiladas na presente ação popular. Sua autora é parte integrante do CMind, sendo uma autoridade no assunto".

Com espeque em tal relatório, os autores aduziram que: "o pregão eletrônico jamais poderia ser utilizado para a licitação, no caso dos presentes autos. (...) Ora, é da definição da Lei. Os procedimentos de exercitação não se enquadram na categoria serviços comuns. Aliás, o serviço raia exatamente por ser incomum e seu objeto, além de incomum é ilegal. (...) Neste sentido, requer-se a nulidade de todos os contratos administrativos em que se tenha utilizado a modalidade pregão para a contratação de exercitação de eleições, diante do objeto mesmo desta atividade que é de uma “atipicidade incomum” com a redundância que o termo merece".

Disseram que "nos próprios contratos há exigências acerca da comprovação das habilitações e que não foram observados. Assim, nas referidas licitações, como as referentes ao Pregão Eletrônico nº 37/2012 e 42/2012, conforme dispõe a o art. 28, inciso V, da Lei 8.666/93, exige-se habilitação jurídica da empresa concorrente. (...) No entanto, não foi possível identificar nos autos dos processos licitatórios em comento, o cumprimento desta obrigação por parte da empresa SMARTMATIC INTERNATIONAL CORPORATION, sendo que a apresentação de autorização junto à sua documentação é procedimento formal obrigatório às empresas estrangeiras participantes de licitações no País, conforme clara exigência legal. Com efeito, exsurge a patente ilegalidade no procedimento licitatório, ao permitir que uma empresa estrangeira adjudicasse o objeto da licitação, sem ter cumprido com a habilitação jurídica necessária". Sustentaram que "a sociedade empresária ENGETEC foi declarada em diversas ações, pela Justiça do Trabalho Brasileira, como sucessora de um grupo de empresas chamado PROBANK. Assim, ao se tornar litisconsorte passiva nas reclamatórias não lhe seria lícita a emissão de CNDT. Com isso, a referida empresa não poderia participar da licitação, por inábil. Conforme documentação anexa, a empresa tinha certidão positiva junto à justiça do trabalho. A autoridade licitante tinha o dever de analisar a capacidade de habilitação trabalhista da empresa. Não o fez. A licitação é nula".

Aduziram, quanto à documentação relativa à  qualificação econômico-financeira e à qualificação técnica, em referência às sociedades empresárias rés Engetec Tecnologia e Fixti, que "ou a empresa não cumpriu com a comprovação quanto à capacidade técnica, ou não cumpriu com a comprovação no tocante à capacidade econômica financeira pela invalidade do balanço patrimonial apresentado".

Asseveraram que "as empresas ganhadoras do Pregão Eletrônico nº 37/2012, chamado CONSÓRCIO ENGEMATITEC, tinha a seguinte composição (...) Uma questão aritmética: um consórcio não pode ter mais do que 100% de participação, considerado o total das frações. Este consórcio deveria ter sido inabilitado de pronto". Afirmaram que, "conforme se pode verificar das informações prestadas pela Senhora Pregoeira Maria Angélica Borges da Silva, mediante mensagem postada pela licitante em 20 de junho a empresa manifestou a sua intenção em renegociar o valor ofertado, desde que fosse considerada a desoneração da alíquota do INSS patronal de 20%. Ora pugnar perante a administração solicitando vantagem indevida, contra legem, na tentativa de subtrair tributo devido é tentativa de fraude, mediante ajuste com o intuito de obter vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação. Tal comportamento consubstancia-se, em tese, em crime previsto no art. 90 da Lei 8.666/93".

a) Especificamente quanto aos procedimentos licitatórios das eleições de 2012

Os autores sustentaram que, no primeiro termo aditivo (17/09/2012), "foi incluída no contrato 80/2012, a empresa SMARTMATIC INTERNATIONAL CORPORATION, embora, conforme documentação disponibilizada nos sites de transparência do TSE, ela não tenha participado do processo de licitação. Ela permaneceu no contrato até o ultimo termo aditivo". Disseram que "a empresa Smartmatic foi constituída na Venezuela, onde atuou na eleição de 2006, mas naquele pais suas ramificações encontram-se atualmente suspensas das atividades eleitorais por pratica de irregularidades, conforme dados do portal oficial de informações empresariais do governo da Venezuela . Segundo outras informações midiáticas, o mesmo ocorre nas Filipinas".

Concluíram que "a licitação que gerou o contrato nº 80 foi vencida pelas empresas SMARTMATIC Brasil Ltda CNPJ nº 09.XXXXX/0001-06, ENGETEC Tecnologia S.A. CNPJ nº 10.XXXXX/0001-64 e FIXTI Soluções em Tecnologia da Informação Ltda – 05.XXXXX/0001-75. Mas no 1º termo aditivo foi incorporado ao contrato a empresa SMARTMATIC INTERNATIONAL CORPORATION, que não se submeteu à licitação e ainda desvinculação dos preceitos contidos nos artigos 28 e 32 e 33 da Lei 8666/93 e artigo 1134 do Código Civil, que exigem das empresas estrangeiras com esse objeto, que tenham autorização para a funcionar no Brasil. A mesma inclusão posterior foi feita no contrato 74/2012 - SMARTIMATIC INTERNATIONAL CORPORATION com sede em St. Michael Barbados, em violação aos mesmos dispositivos legais".

Ressaltaram que "não resta aos interessados, como sôfrego alento buscar na idoneidade da empresa vencedora tirar suas duvidas quanto ao resultado da eleição. A imagem internacional da empresa afasta de pronto essa solução. Estando suspensa como esta na Venezuela e investigada nas Filipinas por irregularidades em contratos com objeto similar, a empresa Smartimatic estaria proibida de licitar no Brasil. Seu nome constaria do Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) que consiste em banco de informações mantido pela Controladoria-Geral da União que tem como objetivo consolidar a relação das empresas e pessoas físicas que sofreram sanções das quais decorra como efeito restrição ao direito de participar em licitações ou de celebrar contratos com a Administração Pública. Pelo principio da isonomia, como empresas nacionais suspensas não podem participar de licitações, incoerente que empresas estrangeiras tenham tratamento diferenciado. Certo é que essa situação somente foi possível, porque o órgão responsável pela licitação ter desconsiderado os princípios e determinações contidas na lei de licitações – 8666/93".

b) Especificamente quanto ao procedimento licitatório das eleições de 2014

Os autores asseveraram que "a licitação 16/2014 foi vencida pela Smartimatic Brasil conforme ata de preços nº 11/2014, mas o contrato foi adjudicado ao CONSÓRCIO SMARTITEC, formado pelas empresas Smartmatic e Engetec em descumprimento a Lei 8666/93, que prevê submissão a licitação. O objeto desse contrato realizado com o TSE é de prover comunicação a partir de seções eleitorais instaladas em locais sem infraestrutura de comunicação de dados e que estejam situadas há mais de três horas de qualquer ponto de comunicação. Não há nenhuma garantia do cumprimento dessa regra. Licito é que em 5 Estados a empresa além desse objeto, pode exercitar as urnas e transmitir o resultado de toda a eleição. A exemplo, em São Paulo a empresa executou o serviço com dispensa de licitação".

Prosseguiram afirmando que "na analise dos programas desenvolvidos pelo TSE para as eleições de 2014 foi detectado a presença de instrumento capaz de validar programa não oficial. Seu uso permite que um programa não oficial rode nas urnas e produzas resultado não oficial mas válido na totalização. Tendo em vista a inauditabilidade dos resultados por mecanismo independente e a adjudicação de contrato de exercitação de urnas a empresa com histórico de irregularidades, fica impossível afirmar que houve ou não fraude nessa eleição". Em referência ao SERPRO e à  DATAPREV, disseram que "o Governo Brasileiro possui entidades, mesmo que da administração indireta, detentoras de capacidade técnica suficiente a desempenhar todo o trabalho chamado de exercitação de urnas e transmissão de dados no Brasil".

Aduziram que "a comprovação de capacidade técnica da empresa SMARTMATIC BRASIL LTDA, fora apresentada na verdade pela empresa SMARTMATIC INTERNATIONAL CORPORATION. (...) Sendo que parte de seus atestados são fornecidos com proposital e fraudulenta confusão de pessoas jurídicas. Além de que os atestados são oriundos de um Pregão Eletrônico irregular". Disseram, acerca do capital social da sociedade empresária ré Smartmatic, que "os valores são inexpressivos para participação e suporte financeiro de uma licitação deste porte. Não basta que a empresa apresente índice de SG e LG de 1,63, como consta em seu cadastro do SICAF. Pois este coeficiente não é suficiente de per si, a representar a idoneidade econômico e financeira exigida para ser considerada habilitada no certame".

Referiram que "no referido certame não houve sequer a participação de sociedade estrangeira. Outrossim, houve a utilização de atestados de capacidade técnica de empresa SMARTMATIC INTERNACIONAL CORPORATION, havendo assim uma angulação ou confusão das pessoas jurídicas segundo a melhor conveniência da empresa participante, que nos pontos e momento em que lhe eram conveniente invocava a existência de GRUPO EMPRESARIAL, e nos não oportunos singulariza a prática de atos pontualmente por apenas determinada pessoa jurídica. Há aqui, portanto, clara ingerência de licitante que se utiliza de personalidades jurídicas distintas, uma delas inclusive estrangeira, para se beneficiar, logrando êxito indevido e de forma ilegal. (...) a empresa já mostrava inidoneidade em outros países, o que por si só já deveria ter sido objeto de consideração pela comissão de licitação que se mostrou, no mínimo desidiosa".

Concluíram que "pela análise acurada dos documentos de habilitação dos certames de 2012 e 2014, restou comprovada a omissão na análise de critérios de identificação das pessoas jurídicas licitantes. Verificou-se uma perniciosa, ilegal e prejudicial extensão dos efeitos de personalidades jurídicas em tramas societárias abusivas por meio de consórcios fraudulentos e casuísticos. Referida confusão e abuso na utilização das personalidades jurídicas, possibilitou, por exemplo, o descumprimento dos preceitos legais no momento da análise da documentação nas fases de habilitação das empresas, bem como no momento das assinaturas dos contratos das licitações. É que compareceram no momento da participação consórcio empresas estrangeiras, já no momento da assinatura dos contratos, tempo em que a lei exige a apresentação de documentos e certidões, alguns deles referentes à s autorizações especais para funcionar no País, as referidas empresas não comparecem para assinar os contratos. (...) Por fim, é possível concluir que sobre as empresas participantes pairam acusações de inidoneidade transnacional".

Entretanto, razão não assiste aos autores, senão vejamos:

a) Utilização da modalidade de licitação pregão - servidores públicos da Justiça Eleitoral

Como deduzido pelo réu Alcides Diniz da Silva em sua contestação, "os serviços de exercitação da urna eletrônica exigem um conjunto de procedimentos, tais como: carga das baterias internas e de reserva das urnas eletrônicas; exercitação dos componentes eletrônicos (uso do programa STE – Sistema de Testes Exaustivos, desenvolvido e fornecido pelo TSE); preparação, instalação, carga de software de eleição, procedimentos de atualização de software e de certificação digital, testes e operacionalização das urnas eletrônicas; bem como limpeza, retirada de lacres, triagem para manutenção corretiva, coleta e registro dos dados pertinentes à s urnas e preparo para armazenamento".

E prosseguiu: "trata-se, pois, de atividades de manutenção preventiva, de natureza continuada, imprescindíveis para manter os equipamentos em condições de utilização em pleitos oficiais, que podem ocorrer em ano eleitoral ou não eleitoral, cujos benefícios palpáveis são as urnas conservadas, limpas e funcionais. Registre-se que tais atividades não estão contempladas nas atribuições dos servidores da Justiça Eleitoral. A presente licitação tem por objeto o registro de preços para eventual prestação de serviços de comunicação de dados por meio de Sistemas Móveis de Transmissão de Voz e Dados via Satélite – SMSat, compatíveis com telefonia celular digital utilizada em centros urbanos, para prover a comunicação de voz e dados entre locais sem infraestrutura adequada para transmissão de voz e dados via linha telefônica convencional, incluindo treinamento, suporte operacional e manutenção associados aos produtos fornecidos, conforme especificações, quantidades e prazos constantes no Termo de Referência – Anexo I deste Edital.” (PA 8.396/2012-TSE, fls. 4/5, e do PA 22.629/2011-TSE, fls.156)".

Então, "o enquadramento das licitações questionadas na modalidade Pregão eletrônico se fez de forma absolutamente correta, levando-e em conta a natureza comum e continuada dos serviços contratados (manutenção de equipamentos e serviços de locação de equipamentos) nos exatos limites dos conceitos fixados pela Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e pelo Decreto nº 5.450, de 31 de maio de 2005". Com efeito, a Lei nº 10.520/02, que instituiu a modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, preceitua:

Art. 1º Para aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade de pregão, que será regida por esta Lei.

Parágrafo único. Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.

Já o Decreto nº 5.450/05, que regulamentou o pregão, na forma eletrônica, para aquisição de bens e serviços comuns, dispõe, em seu art. 4º, que "nas licitações para aquisição de bens e serviços comuns será obrigatória a modalidade pregão, sendo preferencial a utilização da sua forma eletrônica". Nesse sentido, conforme argumentado pelo réu Alcides Diniz da Silva, "o Decreto nº 3.555, de 8 de agosto de 2000, ao regulamentar o pregão instituído pela MP 2.026-3, de 28 de julho de 2000, editou no Anexo II uma lista de atividades comuns que guardam perfeita consonância com os objetos das licitações 37/2012 e 42/2012. Destaque para os itens “18 – serviços de locação de bens móveis; 20 – serviços de manutenção de bens móveis; 27 - serviços de telecomunicações de dados; 29 – serviços de telecomunicações de voz; e 30 - serviços de telefonia fixa”. O legislador procurou, mediante a lista anexada ao referido Decreto, definir os bens ou serviços de natureza comum. Porém, a menionada lista não é exaustiva, mas tão-somente exemplificativa, tendo em vista a impossibilidade de se relacionar tudo o que é comum".

Ademais, o Decreto nº 2.271/97, vigente à época dos fatos e que dispunha sobre a contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, estabelecia (grifei):

Art. 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade.

§ 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta.

§ 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.

Tem-se, portanto, que a utilização da modalidade de licitação pregão foi correta. Ainda, cuidando-se de pregão, as normas da Lei nº 8.666/93 aplicam-se apenas subsidiariamente, nos termos do art. 9º da Lei nº 10.520/02. Ressalto, ademais, que os serviços contratados realmente não fazem parte das atribuições dos servidores públicos da Justiça Eleitoral, já que estes possuem as mesmas atribuições dos demais servidores do Poder Judiciário da União.

b) Habilitação jurídica da sociedade empresária ré Smartmatic International Corporation

Consoante argumentado pela ré Cármen Lúcia Antunes Rocha, "os Pregões nºs. 37/2012 e 42/2012 não se trataram de licitações internacionais. Apenas, foi facultado a participação de empresas em consórcio, bem assim de empresas estrangeiras na forma de consórcio, conforme autoriza o art. 15, do Decreto nº 5.450/2005. (...) Foi dentro desse permissivo legal e nos termos dos respectivos editais, que houve a participação da empresa Smartmatic Internacional Co., o que está devidamente validado nos respectivos P.Administrativos pela Assessoria Jurídica do TSE". De fato, o art. 15 do Decreto nº 5.450/05 estabelece (grifei):

Art. 15. Quando permitida a participação de empresas estrangeiras na licitação, as exigências de habilitação serão atendidas mediante documentos equivalentes, autenticados pelos respectivos consulados ou embaixadas e traduzidos por tradutor juramentado no Brasil.

Já o art. 28, V, da Lei nº 8.666/93, mencionado pelos autores, preceitua (grifei):

Art.  28.  A documentação relativa à habilitação jurídica, conforme o caso, consistirá em:

(...)

VA - decreto de autorização, em se tratando de empresa ou sociedade estrangeira em funcionamento no País, e ato de registro ou autorização para funcionamento expedido pelo órgão competente, quando a atividade assim o exigir.

Ora, nos termos do alegado pelo réu Alcides Diniz da Silva, "não se há de questionar aqui a necessidade de apresentação pela empresa SMARTMATIC INTERNACIONAL de decreto de autorização de funcionamento no País, uma vez que na qualidade de empresa estrangeira que não possuía sede no Brasil, não se obrigava esta a apresentar tal Decreto. A exigência contida no art. 28, V, da Lei nº 8.666/93, de aplicação apenas subsidiária ao pregão eletrônico, não preside o caso, pois tal empresa não possuía funcionamento no Brasil. No caso, vincula-se a empresa ao disposto no art. 15 do Decreto nº 5.450/2000 e ao que estabelecem os respectivos editais de licitação (...)".

Não vislumbro, então, ilegalidade na habilitação jurídica da sociedade empresária ré Smartmatic International Corporation.

c) Regularidade trabalhista da sociedade empresária ré Engetec Tecnologia

Como deduzido por Cármen Lúcia Antunes Rocha, "a decisão trabalhista que alegam os autores ter trazido responsabilidade solidária à consorciada Engetec, na condição de sucessora da Probank - Processo nº 0000364-27.2012.5.10.008, foi proferida em novembro de 2014, data muito posterior às mencionadas licitações" e quando já encerradas as eleições de 2012 e 2014. Acrescentou que "a consulta ao sítio eletrônico do TRT-10ª Região dá conta de que referida ação não transitou em julgado, estando pendente recurso de Agravo, sendo que há certidão positiva com os efeitos de negativa, emitida pelo TST em 2015, em nome da Engetec, conforme consta do PA nº 9942/2012, às fls. 228".

Dessa forma, as alegações autorais quanto à irregularidade trabalhista da sociedade empresária ré Engetec Tecnologia são, a toda evidência, improcedentes.

d) Qualificação econômico-financeira e qualificação técnica

Em relação ao tópico, conforme aduzido pelo réu Alcides Diniz da Silva, "as certidões acostadas à s fls.4.259, 4.260 e 4.261 do PA nº 8.396/2012, extraídas do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores-SICAF do Governo Federal, atestam de forma inequívoca o cumprimento desses requisitos e, logo, a qualificação econômico-financeira das empresas, respectivamente, com os seguintes índices: ENGETEC – SG=1,24, LG=1,19 e LC=1,88; SMARTMATIC BRASIL – SG=1,0, LG=1,0 e LC=1,0; FIXTI – SG=1,08, LG=1,03 e LC=1,03. Além disso, certificam que não havia restrição a que participassem de licitações. Os Balanços e demonstrações financeiras dessas empresas estão à s fls. 6.358/6.359 (Engetec), 6.360/6.365 (Smartmatic Brasil), 6.431/6.438 (FIXTI) e, à s fls. 6.366/6.431 do mesmo PA 8.396/2012, estão documentos equivalentes da Smartmatic Internacional, traduzidos por tradutor juramentado".

No que diz respeito à qualificação técnica, o réu em questão sustentou que o quantitativo de profissionais das sociedades empresárias rés cumpriu a previsão editalícia (5.000 mil profissionais), consoante o seguinte quadro:

E, consoante acrescentou, "as empresas da espécie apropriam os custos de mão de obra aplicada na prestação dos serviços na conta de Custo dos Serviços Prestados-CSP no bojo do Demonstrativo de Resultado do Exercício-DRE e não na conta Despesas Administrativas, que contabiliza os gastos indiretos incorridos, a exemplo de honorários dos diretores, salários do pessoal administrativo, encargos sociais, material de expediente, os quais são gastos necessários no processo de gestão. Dessa forma, em 2010 e 2011, a FIXTI registrou, conforme informações da Previdência Social, uma massa salarial de R$18,6 milhões, aproximadamente. Parte referente à mão de obra direta apropriada contabilmente no Custo da Prestação de Serviço, e parcela de menor monta relativa ao pessoal administrativo (mão de obra indireta), apropriado em despesas administrativas. Somente as despesas administrativas concernentes aos custos indiretos de prestação de serviço no período atingiram cerca de R$2,1 milhões, que são aqueles gastos realizados na gestão da empresa. Registra-se também que a Receita Bruta do Exercício de 2010, conforme o DRE, totalizou R$ 50,6 milhões. Assim, da análise do Demonstrativo de Resultado do Exercício evidencia-se que a FIXTI incorreu em outros custos diretos na sua atividade de prestação de serviços. Resulta daí que o custo de mão de obra direta apropriado no Custo do Serviço Prestado é compatível com o quantitativo de empregados constante dos atestados da FIXTI, isto é, 5.624 pessoas".

Ainda: "quanto à ENGETEC, da análise dos atestados e demonstrações contábeis verifica-se que a despesa com pessoal somou R$13,5 mil e, a despesa administrativa, com pagamento de mão de obra indireta, totalizou cerca de R$84 mil, registrando-se uma Receita Bruta do exercício de R$6,6 milhões, dados compatíveis com o quantitativo de técnicos do exercício em que se realizou a licitação. Esclarece-se que o Balanço Patrimonial reflete a posição das contas patrimoniais no final do exercício social, quando as rubricas de resultados são encerradas e o saldo apurado (lucro ou prejuízo) transferido para o Balanço. Assim, a conta Caixa registra a situação do disponível no final do exercício. Se levarmos em conta o disposto no item 6 do Capítulo IX do Edital, que admite, para fins de comprovação da compatibilidade dos quantitativos exigidos, o somatório de atestados/declarações de cada consorciada, no caso de qualificação técnica e, para efeito da qualificação econômico-financeira, o somátório dos valores de cada consorciada, então no total os quantitativos apresentados pelas empresas formadoras do Consórcio ESF atendem plenamente às exigências. Tais disposições estão em consonância com o art. 33, III, da Lei das Licitações".

E concluiu: "a qualificação técnica foi objeto de recurso, que foi analisado pela Comissão de Assessoramento Técnico – CAT, concluindo-se no sentido de que o Consórcio lograra êxito em comprová-la, conforme se confirma do Parecer nº 7/2012, constante das fls.6.963/6.965 do PA 8.396/2012. Relativamente ao Pregão nº 37/2012, à s fls. 850/851 do PA 22.629/2011 constam certidões do Sistema de Cadastramento de Fornecedores – SICAF que comprovam também a habilitação econômico-financeira das empresas. Quanto à Smartmatic Internacional, toda documentação, inclusive referente à qualificação econômicofinanceira, traduzida por tradutor juramentado, foi juntada à s fls. 1.164/1.178 do mesmo PA. Anote-se que a Comissão Permanente de Licitação elaborou exaustivos relatórios de julgamento dos recursos (fls. 7.083/7.120 do PA 8.396/2012) e de procedimento (fls. 7112/7120), que esclarecem vários aspectos da Licitação 42/2012".

No tópico, ademais, saliento que, exceto em caso de reconhecida ilegalidade, não é dado ao Poder Judiciário intervir em questões técnicas da Administração Pública (no caso dos autos, relativas à qualificação econômico-financeira e à qualificação técnica em procedimento licitatório). Baseio-me, para tanto, no seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça, que, mutatis mutandis, serve de parâmetro para o caso concreto (grifei):

A interferência judicial para invalidar a estipulação das tarifas de transporte público urbano viola a ordem pública, mormente nos casos em que houver, por parte da Fazenda estadual, esclarecimento de que a metodologia adotada para fixação dos preços era técnica. Segundo a “doutrina Chenery”, o Poder Judiciário não pode anular um ato político adotado pela Administração Pública sob o argumento de que ele não se valeu de metodologia técnica. Isso porque, em temas envolvendo questões técnicas e complexas, os Tribunais não gozam de expertise para concluir se os critérios adotados pela Administração são corretos ou não. Assim, as escolhas políticas dos órgãos governamentais, desde que não sejam revestidas de reconhecida ilegalidade, não podem ser invalidadas pelo Poder Judiciário. (STJ, Corte Especial. AgInt no AgInt na SLS 2.240-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 7/6/2017)

Mais que isso, é preciso lembrar o já mencionado conceito de juridicidade administrativa, que, como se viu, conforma a sindicabilidade jurisdicional. Neste passo, ensina GUSTAVO BINENBOJM a noção de que a densificação do controle judicial adstringe-se aos "diferentes graus de vinculação dos atos administrativos à juridicidade". Assim, segundo esse autor (grifei):

Ao maior ou menor grau de vinculação do administrador à juridicidade corresponderá, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos seus atos. Não obstante, a definição da densidade do controle não segue uma lógica puramente normativa (que se restrinja à análise dos enunciados normativos incidentes ao caso), mas deve atentar também para os procedimentos adotados pela Administração e para as competências e responsabilidades dos órgãos decisórios, compondo a pauta para um critério que se poderia intitular jurídico-funcionalmente adequado. Como explica ANDREAS KRELL, o enfoque jurídico-funcional (funktionell-rechtliche Betrachtungsweise) parte da premissa de que o princípio da separação de poderes deve ser entendido, hodiernamente, como uma divisão de funções especializadas, o que enfatiza a necessidade de controle, fiscalização e coordenação recíprocos entre os diferentes órgãos do Estado democrático de direito. Assim, as diversas figuras que caracterizam os diferentes graus de vinculação à juridicidade (vinculação plena, conceito jurídico indeterminado, margem de apreciação, opções discricionárias, redução da discricionariedade a zero) nada mais são do que os códigos dogmáticos para uma delimitação jurídico-fucnional dos âmbitos próprios da Administração e dos órgãos jurisdicionais. Portanto, ao invés de uma predefinição estática a respeito da controlabilidade judicial dos atos administrativos (como em categorias binárias, do tipo ato vinculado versus ato discricionário), impõe-se o estabelecimento de critérios de uma dinâmica distributiva 'funcionalmente adequada' de tarefas e responsabilidades entre Administração e Judiciário, que leve em conta não apenas a programação normativa do ato a ser praticado (estrutura dos enunciados normativos constitucionais, legais ou regulamentares incidentes ao caso), como também a 'específica idoneidade (de cada um dos Poderes) em virtude da sua estrutura orgânica, legitimação democrática, meios e procedimentos de atuação, preparação técnica etc., para decidir sobre a propriedade e a intensidade da revisão jurisdicional de decisões administrativas, sobretudo das mais complexas e técnicas.' (ANDREAS J. KRELL). Com efeito, naqueles campos em que, por sua alta complexidade técnica e dinâmica específica, falecem parâmetros objetivos para uma atuação segura do Poder Judiciário, a intensidade do controle deverá ser tendencialmente menor. Nestes casos, a expertise e a experiência dos órgãos e entidades da Administração em determinada matéria poderão ser decisivas na definição da espessura do controle. Há ainda situações em que, pelas circunstâncias específicas de sua configuração, a decisão final deve estar preferencialmente a cargo do Poder Executivo, seja por seu lastro (direto ou mediato) de legitimação democrática, seja em deferência à legitimação alcançada após um procedimento amplo e efetivo de participação dos administrados na decisão. Em uma palavra: a luta contra as arbitrariedades e imunidades do poder não se pode deixar converter em uma indesejável judicialização administrativa, meramente substitutiva da Administração, que não leva em conta a importante dimensão de especialização técnico-funcional do princípio da separação de poderes, nem tampouco os influxos do princípio democrático sobre a atuação do Poder Executivo. De outra banda, o controle judicial será tendencialmente mais denso quão maior for (ou puder ser) o grau de restrição imposto pela atuação administrativa discricionária sobre os direitos fundamentais. Assim, se as ponderações feitas pelo administrador (ou mesmo as do legislador) na conjugação entre interesses coletivos e direitos fundamentais revelarem-se desproporcionais ou irrazoáveis, caberá ao Poder Judiciário proceder a sua invalidação. Em tal caso, o papel primordial dos juízes no resguardo do sistema de direitos fundamentais autoriza um controle mais acentuado sobre a atuação administrativa, respeitado sempre o espaço de conformação que houver sido deixado pela diretriz normativa. (BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo - Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. 2ª Ed. Renovar: Rio de Janeiro, 2008. p. 38-41)

À luz das ideias colacionadas, em tudo aplicáveis à espécie, até porque impugnados atos administrativos do TSE - e, portanto, praticados em sua função atípica, administrativa -, e frente ao princípio da concordância prática, não vislumbro nos procedimentos licitatórios atacados qualquer vício procedimental que possa lhes acarretar a declaração de nulidade. Mais: as valorações levadas a efeito pelas autoridades administrativas não se mostraram arbitrárias ou discrepantes da razoabilidade e/ou proporcionalidade que delas se espera e se exige. A conclusão exposta, aliás, leva em consideração o teor das decisões administrativas, mormente em cotejo com a insurgência autoral, munida de diversos argumentos metajurídicos e de inexistente consistência jurídica.

e) Desoneração da contribuição previdenciária

Como argumentado pelo réu Alcides Diniz da Silva, "não houve negociação ou renegociação, mas adequação da proposta de forma transparente e pautada nas disposições legais de regência. São atos distintos. A proposta foi ajustada para atender ao disposto na Lei 12.546/2011, para desoneração da contribuição previdenciária. Deu-se por intermédio do COMPRASNET conforme registrado na Ata de Realização do Pregão Eletrônico nº 42/2012, fls. 4467/4468 do PA nº 8.396/2012. Todo o ajuste para adequação da proposta ocorreu no sistema durante a sessão do pregão, sendo acompanhada pelos licitantes, conforme o que determina o art. 24, § 9, do Decreto nº 5.450/2005. Teve por motivo manifestação da área técnica no Memorando nº 54 SECOP/COMAP/SAD, de fl. 4112 do PA nº 8396/2012. Como se observa, a proposta de adoção das disposições da Lei 12.546/2011 não partiu da licitante, mas de manifestação de integrante da Comissão de Assessoramento Técnico – CAT, constituída pela Portaria TSE 347/2012 (cópia fl. 6.953 do PA 8.396/2012). Não se há falar em tentativa de fraude, que pressupõe dolo em conduta tipificada como crime. No caso da Licitação nº 42/2012, a conduta do pregoeiro pautou-se na legalidade. Ainda que se tratasse de negociação do preço, tratar-se-ia de obrigação legal do pregoeiro, consoante o disposto na Lei 10.520/2002".

De fato, a Lei nº 12.546/11 alterou a incidência das contribuições previdenciárias devidas pelas empresas. Conforme aduzido pela ré Cármen Lúcia Antunes Rocha, "não houve qualquer irregularidade, uma vez que, nos termos da Lei nº 12.546/2011, houve desoneração tributária e previdenciária, entro dos programas de recuperação da economia, quando esses valores deveriam ser deduzidos das aquisições pelos órgãos federais ou quando tomadores de serviços, que é o caso presente, dentro do programa de desoneração fiscal". Já a Lei nº 10.520/02 preceitua (grifei):

Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:

XI - examinada a proposta classificada em primeiro lugar, quanto ao objeto e valor, caberá ao pregoeiro decidir motivadamente a respeito da sua aceitabilidade;

(...)

XVI - se a oferta não for aceitável ou se o licitante desatender às exigências habilitatórias, o pregoeiro examinará as ofertas subseqüentes e a qualificação dos licitantes, na ordem de classificação, e assim sucessivamente, até a apuração de uma que atenda ao edital, sendo o respectivo licitante declarado vencedor;

XVII - nas situações previstas nos incisos XI e XVI, o pregoeiro poderá negociar diretamente com o proponente para que seja obtido preço melhor;

(...)

E o Decreto nº 5.450/05 dispõe (grifei):

Art. 24. Classificadas as propostas, o pregoeiro dará início à fase competitiva, quando então os licitantes poderão encaminhar lances exclusivamente por meio do sistema eletrônico.

(...)

§ 8º Após o encerramento da etapa de lances da sessão pública, o pregoeiro poderá encaminhar, pelo sistema eletrônico, contraproposta ao licitante que tenha apresentado lance mais vantajoso, para que seja obtida melhor proposta, observado o critério de julgamento, não se admitindo negociar condições diferentes daquelas previstas no edital.

§ 9º A negociação será realizada por meio do sistema, podendo ser acompanhada pelos demais licitantes.

(...)

Exsurge dos autos, portanto, a inexistência de ilegalidade na desoneração fiscal ocorrida.

f) Erros materiais

No tópico, os argumentos expostos na contestação de Cármen Lúcia Antunes Rocha também são esclarecedores. Consoante afirmou, o nome da sociedade empresária ré Smartmatic International Corporation não constou no "preâmbulo do Contrato nº 80/2012 (...) por erro material, que foi corrigido prontamente tão logo detectado, mediante a Apostila nº 01 ao Contrato, datada de 27/07/2012, conforme se verifica às fls. 7207 do PA 8.396/2012". De igual modo, "com relação à participação de cada membro do Consórcio Engematic.com, no Pregão nº 37/2012, cuja participação estavam estampada como superior a 100%, (...) o documento que importava, efetivamente, é o instrumento de Constituição do Consórcio, este registrado na Junta Comercial do Estado de São Paulo, com os percentuais corretos, não deixando dúvidas quanto às participações (doc. de fls. 1272, PA 22.629/2011)".

Tratando-se, então, de evidentes erros materiais, não há falar em nulidade.

g) Idoneidade da sociedade empresária ré Smartmatic

Os autores aduziram que a sociedade empresária ré Smartmatic praticou, em vários países, uma série de fraudes eleitorais. As alegações autorais, entretanto, são desprovidas de fundamentos, baseadas que são nas famigeradas notícias falsas (fake news).Â

Os países em que tais fraudes teriam sido praticadas pela ré, segundo os autores, seriam, além do Brasil, a Venezuela, a Bolívia, o Equador, a Argentina, os EUA e as Filipinas - neste último país, inclusive, conforme consta da inicial, "diretores da empresa foram presos!". Os autores alegaram, ainda, que, "segundo outras informações midiáticas, o mesmo [fraude eleitoral] ocorre nas Filipinas". Ora, que informações "midiáticas"?

Conforme argumentado por Cármen Lúcia Antunes Rocha, "outras alegações dos autores, também sem fundamento, nem qualquer prova, é a de que foi contratada a empresa Smartimatic International, impedida internacionalmente de licitar, por supostas irregularidade na Venezuela e nas Filipinas. Inexiste, no SICAF - qualquer impedimento legal para a participação da referida empresa em licitações, conforme se verifica de toda a documentação existente nos mencionados Pregões, tendo sido observadas todas as prescrições legais a respeito do tema, conforme se verifica dos dos Processos Administrativos".

Saliento, ademais, que ainda que fosse verdadeira a alegação autoral de que a ré Smartmatic fora impedida de prestar serviços em processos eleitorais em outros países, isso, por si só, não acarretaria na declaração de sua inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública brasileira, por ausência de previsão legal. Com efeito, este é o teor do art. 87, IV, da Lei nº 8.666/93:

Art.  87.  Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

(...)

IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.

(...)

Ou seja, a declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública brasileira é uma sanção aplicada pela inexecução total ou parcial do contrato, "enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes". É evidente que não se inclui, aqui, eventuais sanções aplicadas em outros países, que possuem ordenamentos e institutos jurídicos diversos dos nossos.

h) Outros argumentos

Como visto, os autores ainda alegaram, no que diz respeito ao contrato oriundo do pregão nº 16/2014, que "o objeto desse contrato realizado com o TSE é de prover comunicação a partir de seções eleitorais instaladas em locais sem infraestrutura de comunicação de dados e que estejam situadas há mais de três horas de qualquer ponto de comunicação. Não há nenhuma garantia do cumprimento dessa regra. Licito é que em 5 Estados a empresa além desse objeto, pode exercitar as urnas e transmitir o resultado de toda a eleição. A exemplo, em São Paulo a empresa executou o serviço com dispensa de licitação".

"Não há nenhuma garantia do cumprimento dessa regra", por si só, não é argumento hábil para ser deduzido em juízo, especialmente quando se impugna atos praticados por servidores públicos, pois, como se sabe, tais atos são dotados de fé pública e presunção relativa de veracidade e legitimidade. Nesse sentido, ressalto que os autores nada apresentaram nos autos - sequer um indício - que pudesse infirmar tal presunção relativa, que milita em favor dos réus. Ademais, as alegações de que "em 5 Estados a empresa além desse objeto, pode exercitar as urnas e transmitir o resultado de toda a eleição", bem como de que "em São Paulo a empresa executou o serviço com dispensa de licitação", são simplesmente falsas, uma vez que os serviços de exercitação de urnas eletrônicas e de transmissão de dados foram justamente os objetos dos procedimentos licitatórios nºs 37/2012, 42/2012 e 16/2014.

Os autores também aduziram que "na analise dos programas desenvolvidos pelo TSE para as eleições de 2014 foi detectado a presença de instrumento capaz de validar programa não oficial. Seu uso permite que um programa não oficial rode nas urnas e produzas resultado não oficial mas válido na totalização. Tendo em vista a inauditabilidade dos resultados por mecanismo independente e a adjudicação de contrato de exercitação de urnas a empresa com histórico de irregularidades, fica impossível afirmar que houve ou não fraude nessa eleição".

No tópico, a Coordenadoria de Sistemas Eleitorais da Secretaria de Tecnologia de Informação do TSE prestou as seguintes informações:

- Todo o conjunto de software da urna eletrônica é desenvolvido pela equipe técnica do TSE; este software fica disponível para inspeção de seu código-fonte e acompanhamento das etapas de desenvolvimento nos seis meses que antecedem as eleições.

- Todo o conjunto de software da urna eletrônica é submetido à Cerimônia Pública de Lacração dos Sistemas Eleitorais, quando é assinado digitalmente.

- A urna eletrônica verifica a assinatura de todo o seu conjunto de software antes de executá-lo. Dessa forma, a urna não permite a execução de software que não tenha sido assinado na Cerimônia de Lacração.

- Adicionalmente, software desenvolvido por outras entidades (Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil e partidos políticos) pode ser executado na urna para verificação adicional da integridade e autenticidade do software nela instalado.

- Todo resultado gerado na urna eletrônica é assinado digitalmente com chaves inseridas na Cerimônia Pública de Lacração; essas assinaturas são verificadas na leitura dos arquivos nos computadores da Justiça Eleitoral e novamente verificadas no recebimento dos dados nos centros de processamento de dados da Justiça Eleitoral.

- Os resultados da eleição são auditáveis em diversos momentos: os boletins de urna são impressos e afixados nos locais de votação para comparação com as informações totalizadas e divulgadas; as entidades interessadas podem requisitar cópias dos arquivos de Registro Digital de Voto (RDV), logs das urnas eletrônicas e imagens dos boletins de urna impressos; após a votação, é possível verificar as assinaturas e resumos digitais de todos os arquivos presentes nas urnas eletrônicas.

Incide aqui, novamente, a ideia de que não é dado ao Poder Judiciário intervir em questões técnicas da Administração Pública, porque, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "em temas envolvendo questões técnicas e complexas, os Tribunais não gozam de expertise para concluir se os critérios adotados pela Administração são corretos ou não". Incide, também, a fé pública e a presunção relativa de veracidade e legitimidade das quais são dotados os atos praticados pelos servidores públicos. Ressalto, ainda, que os autores não trouxeram aos autos nenhum indício que pudesse corroborar suas alegações, mas apenas as matérias "jornalísticas" anteriormente mencionadas, que são obviamente inidôneas para tanto. Reitero, ademais, que não há um "histórico de irregularidades" da sociedade empresária ré Smartmatic.

Ainda, em referência ao SERPRO e à DATAPREV, os autores sustentaram que "o Governo Brasileiro possui entidades, mesmo que da administração indireta, detentoras de capacidade técnica suficiente a desempenhar todo o trabalho chamado de exercitação de urnas e transmissão de dados no Brasil".

Ocorre que, consoante argumentando por Cármen Lúcia Antunes Rocha, "somente as empresas que receberam autorização da ANATEL, para explorar o serviço SMGS podem prestar o serviço desejado pelo TSE. Pelo exposto, informamos que os Serviços de Comunicação Móvel Via Satélite não podem ser realizadas diretamente pelo TSE, visto que este Tribunal não detém autorização para exploração de tal comunicação via satélite. De forma similar, tal serviço não é prestado pelo Serpro ou Dataprev. Destaca-se aqui que tanto o Serpro quanto Dataprev não constam da listagem das empresas autorizadas, conforme a lista anexada àquela norma, nem outra entidade governamental, o que torna impossível a pretensão dos autores de realização do objeto licitado diretamente pelo TSE ou por intermédio de empresas ou entidades federais".

Mais, no que tange ao argumento autoral de que "no referido certame não houve sequer a participação de sociedade estrangeira (...) houve a utilização de atestados de capacidade técnica de empresa SMARTMATIC INTERNACIONAL CORPORATION, havendo assim uma angulação ou confusão das pessoas jurídicas segundo a melhor conveniência da empresa participante, que nos pontos e momento em que lhe eram conveniente invocava a existência de GRUPO EMPRESARIAL, e nos não oportunos singulariza a prática de atos pontualmente por apenas determinada pessoa jurídica", reitero que a sociedade empresária ré Smartmatic International Corporation participou efetivamente dos procedimentos licitatórios, tratando-se, como visto, de erro material posteriormente corrigido a ausência de seu nome, de modo que o argumento é insubsistente.

Ademais, as investigações realizadas pela Polícia Federal e por outras Procuradorias da República (IPL 1010/2014 DF; NF 1.16.000.001553/2014-78; NF 1.34.004.000621/2016-95), anexadas aos autos pelo Ministério Público Federal (eventos 359 e 363), concluíram, todas, pela inexistência de ilegalidades. De fato, no procedimento preparatório nº 1.34.004.000621/2016-95, que possuía como tema "fraude eleitoral", o Vice-Procurador-Geral Eleitoral proferiu a seguinte decisão, homologando o arquivamento do feito (evento 359 - INF2, grifei):

Após análise dos elementos probatórios, a PRE/SP concluiu que não há elementos suficientes que ensejam a propositura de medidas judiciais, manifestando-se pela promoção de arquivamento e encaminhando os autos para a 1ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (fl. 25), que, por sua vez, remeteu o procedimento à PGE.

No exame das provas encartadas aos autos, verifica-se que não existem elementos probatórios suficientes que apontem a prática de fraude eleitoral.

Nesse sentido, sob a perspectiva da racionalização de atuação do Ministério Público Eleitoral, constata-se que os fatos não apresentam substratos aptos a embasar uma atuação consequente do MPE.

Diante do exposto, homologo o arquivamento do feito, com retorno dos autos à origem, para baixa e arquivamento definitivo.

Já no âmbito do Inquérito Policial nº 1010/2014, instaurado com base na notícia de fato nº 1.16.000.001553/2014-78, o Ministério Público Federal no Distrito Federal, por intermédio do 3º Ofício de Combate à Corrupção, promoveu "o arquivamento dos presentes autos, em razão da atipicidade da conduta investigada" (evento 363 - ANEXO3 e ANEXO9).

Ainda, impende frisar que, conforme referido por Alcides Diniz da Silva e Cármen Lúcia Antunes Rocha, os procedimentos licitatórios impugnados também foram analisados pela Comissão de Assessoramento Técnico (CAT), pela Assessoria Jurídica e pelo Controle Interno do TSE, este mediante a Secretaria de Controle Interno e Auditoria do Tribunal. Não suficiente, as contas dos responsáveis pela administração do TSE foram aprovadas pelo TCU.

Observo, ademais, que o autor Gustavo Trigueiros e Guilherme, em suas alegações finais (evento 421), aduziu que "as empresas-rés ousaram tentar burlar o próprio sistema eletrônico, fato esse que restou PROVADO . nas investigações efetuadas pelo Ministério Público Federal em Brasília, por intermédio das investigações efetuadas pelo Departamento da Polícia Federal, conforme comprovam os anexos 2 até 9 do evento 363. O próprio Ministério Público, que realizou a investigação da Notícia de Fato 1.16.000.001553/2014-78 e instaurou o IPL 1010/2014, foi TAXATIVO ao concluir que, a empresa Smartmatic, vencedora do certame incorreu em grave irregularidade (para não mencionar ilegalidade in latu sensu) ao utilizar reiteradas vezes dispositivos eletrônicos de envio automático de lances (robôs) nos procedimentos licitatórios que participou! (...) Ou seja, a única razão pela qual o arquivamento do IPL ocorreu foi porque, a UNIÃO - por intermédio da referida Secretaria - foi obrigada à tomar medidas necessárias à coibir uma eventual fraude/irregularidade que ESTAVA EM ANDAMENTO".

Não é possível que o autor tenha lido os autos da notícia de fato nº 1.16.000.001553/2014-78. Como visto há pouco, nesta investigação o Ministério Público Federal no Distrito Federal, por intermédio do 3º Ofício de Combate à Corrupção, promoveu "o arquivamento dos presentes autos, em razão da atipicidade da conduta investigada".

Ainda, os autores Matheus Faria Carneiro e Alessandro Schlemper Kiquio, também em suas alegações finais (evento 418), teceram comentários sobre o procedimento licitatório nº 53/2015 do TSE, afirmando que a sociedade empresária ré Smartmatic "foi considerada inabilitada e, portanto, excluída da licitação". Todavia, o procedimento licitatório nº 53/2015 do TSE não é objeto desta ação e nada tem a ver com a presente, até porque o objeto dessa licitação foi a produção e fornecimento de até 150.000 (cento e cinquenta mil) urnas eletrônicas, totalmente diverso dos objetos dos pregões nºs 37/2012, 42/2012 e 16/2014.

Por fim, os autores Matheus Faria Carneiro e Alessandro Schlemper Kiquio aduziram que "a modalidade licitatória para a contratação, desta vez, tomou a forma de concorrência (Licitação TSE Nº 53/2015) (...) Ora, mas não era o próprio TSE que entendia que a modalidade licitatória deveria ser o pregão eletrônico para este tipo de contratação? (...) Como se pode depreender, o tempo é o senhor da razão. Esta ação, pelo menos ao que parece, provocou no Tribunal Superior Eleitoral uma mudança de comportamento em sua gestão e de paradigmas quanto a sua forma de entendimento quanto ao que prega o Direito Administrativo".

Entretanto, como restou fartamente demonstrado nos autos, a aquisição de urnas eletrônicas pelo TSE não foi objeto NºS 37/2012, 42/2012 e 16/2014, até porque tal aquisição deu-se através da modalidade de licitação concorrência, conforme se comprova dos seguintes editais: Edital TSE nº 2/1995, Edital TSE nº 02/1997, Edital TSE nº 27/1999, Edital TSE nº 62/2001, Edital TSE nº 46/2003, Edital TSE º 02/2006, Edital TSE nº 14/2008, Edital TSE nº 76/2009, Edital TSE nº 77/2011, Edital TSE nº 53/2015, disponíveis no sítio eletrônico do TSE.

Em minha visão, a controvérsia foi adequadamente decidida pelo Juízo monocrático, e os argumentos expostos nas razões recursais não se mostram aptos a ensejar a revisão de qualquer ponto da sentença ora combatida.

Com efeito, entendo que não restou evidenciada qualquer irregularidade nas licitações impugnadas pelos autores populares, o que se pode afirmar, a meu sentir, com fundamento nas razões a seguir detalhadas:

(i) Em primeiro lugar, conforme restou destacado na sentença, o objeto dos Pregões nº 37/2012, 42/2012 e 16/2014, diferentemente do que foi afirmado pelos demandantes, não foi a aquisição de urnas eletrônicas, mas sim o fornecimento de sistemas móveis de transmissão de voz e dados via satélite, no primeiro e no último (evento 45, PROCADM2, pp. 114 e seguintes; e evento 46, PROCADM6, pp. 14 e seguintes, respectivamente), e a prestação de serviço de exercitação de urnas eletrônicas já pertencentes à Justiça Eleitoral, no outro certame (evento 17, EDITAL1, pp. 01 e seguintes).

(ii) Em relação à alegação de que os serviços licitados poderiam ter sido prestados pela Dataprev ou pelo Serpro, há de se observar que não há obrigação legal de contratação daquelas pessoas jurídicas, mesmo que se trate de empresas públicas, razão pela qual a adoção de tal procedimento seria recomendada apenas na hipótese em que restasse cabalmente demonstrado que disso adviria vantagem financeira à Administração, o que não se verifica na presente hipótese.Â

Não bastasse isso, deve-se atentar para a circunstância ressaltada pela Secretaria de Tecnologia da Informação do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que apenas empresas autorizadas pela ANATEL estariam habilitadas a prestar o serviço de transmissão de dados que se buscava contratar, é dizer, de nada adiantaria a contratação de uma empresa pública que não ostentasse os requisitos necessários ao desempenho das tarefas de que necessitava a Justiça Eleitoral (evento 135, CONTEST1, p. 04).

(iii) A Medida Provisória 2.026/2000 (que após inúmeras reedições veio a ser convertida na Lei 10.520/2002, vigente à época dos fatos tratados nestes autos), já estabelecia, em seu artigo 1º, que a licitação na modalidade pregão poderia ser adotada para a aquisição de bens e serviços comuns, assim considerados aqueles "cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado".

O Decreto 3.555/2000, que regulamentou a matéria, apresentava, em seu anexo II, uma lista de bens e serviços comuns, para os quais seria autorizada a utilização do pregão, dentre os quais se encontravam, por exemplo, "18 – serviços de locação de bens móveis; 20 – serviços de manutenção de bens móveis; 27 - serviços de telecomunicações de dados; 29 – serviços de telecomunicações de voz; e 30 - serviços de telefonia fixa”.

Ora, no caso aqui em apreço, os serviços contratados através dos editais impugnados, como se viu anteriormente, correspondiam, em síntese, à manutenção de urnas eletrônicas e ao fornecimento de sistemas de transmissão de voz e dados, o que significa dizer que os objetos licitados enquadravam-se perfeitamente naquelas hipóteses para as quais estava autorizada a utilização do pregão.

(iv) Os serviços contratados através dos procedimentos impugnados não integram as atribuições dos servidores públicos que compõem a carreira da Justiça Eleitoral e, além disso, o Decreto 2.271 1/1997, vigente à época dos fatos, em seu artigo 1º, parágrafo 1º, estabelecia que serviços de conservação e manutenção de equipamentos, assim como de telecomunicações, deveriam ser, preferencialmente, executados indiretamente, ou seja, através da contratação de empresas especializadas.

(v) Não seria exigível da empresa Smartmatic International Corporation decreto de autorização para funcionamento no País, nos termos do artigo 28 8, inciso V, da Lei 8.666 6/1993, uma vez que não se tratava de pessoa jurídica que tivesse estabelecido sede no Brasil.Â

Em verdade, a participação da empresa no certame deu-se através de consórcio, como foi autorizado no edital, e sob a égide do artigo 15 do Decreto 5.450/2005, que exigia, tão somente, a apresentação de documentos equivalentes àqueles demandados das empresas brasileiras.

(vi) A decisão judicial em que a empresa Engetec restou condenada pelo descumprimento de regras trabalhistas foi proferida em novembro de 2014, ou seja, posteriormente a todo o processamento das licitações impugnadas, o que significa dizer que não poderia aquela condenação ter conduzido à inabilitação da concorrente.

O mesmo se diga em relação à empresa Fixti: o fato de ter sido declarada a sua falência em 2014 em nada prejudica o procedimento licitatório conduzido em anos anteriores, assim como também não desabona o processo administrativo a constatação, posterior, de ajuizamento de execuções fiscais ou demandas trabalhistas em desfavor da empresa.

(vii) Em relação à qualificação econômico-financeira e técnica das contratadas, o ponto central da alegação de irregularidade formulada pelos autores residia no fato de que, supostamente, as despesas informadas nos balanços patrimoniais não seriam compatíveis com o número mínimo de empregados exigido para o cumprimento dos serviços pactuados (5.000 trabalhadores), o que significaria dizer que os documentos apresentados estariam equivocados, ou as licitantes não teriam efetivamente atendido os requisitos do edital.

A questão que escapou à percepção dos demandantes, todavia, conforme restou esclarecido na sentença, é que, de acordo com a prática adotada pelas empresas que fornecem mão de obra ao serviço público, as despesas com esses empregados postos à disponibilidade do contratante são incluídas na rubrica denominada" Custo dos Serviços Prestados - CPS ", e não na conta de" Despesas Administrativas ", as quais englobam apenas os demais gastos indiretos necessários à manutenção das empresas, como encargos sociais, material de expediente etc.

Essa a razão pela qual os valores informados como" Despesas Administrativas ", efetivamente, não seriam suficientes ao pagamento dos 5.000 empregados necessários ao cumprimento do contrato.

Todavia, nenhuma regularidade é aí verificada, pois, como dito, os pagamento direcionados a esses trabalhadores estão informados, em verdade, na rubrica" Custo dos Serviços Prestados - CPS ".

(viii) Não se sustenta a tese de que teria ocorrido uma tentativa de fraude, no momento em que a empresa Engetec teria proposto" desoneração " da contribuição previdenciária patronal.Â

Como restou esclarecido, a empresa postulou, em verdade, a aplicação da então recente Lei 12.546/2011, que previa, justamente, a redução da base de cálculo daquela contribuição. Veja-se que a proposta foi apresentada no ambiente virtual do pregão (evento 52, PROCADM17, p. 367), do qual participavam também os demais licitantes, ou seja, não houve aí nenhum comportamento dissimulado ou irregular.

Aliás, a questão não foi originalmente levantada pela empresa, mas sim pelo próprio TSE, como exposto no Memorando nº 54 SECOP/COMAP/SAD (evento 52, PROCADM17, p. 10).

(ix) Alegou-se também que a empresa Smartmatic International Corporation não teria participado do pregão 42/2012, porém teria sido incluída no contrato subsequente, no primeiro termo aditivo.

A afirmação é absolutamente inverídica, no entanto, uma vez que o Instrumento Particular de Constituição de Consórcio acostado ao evento 52, PROCADM28, p. 350 e seguintes, comprova que a empresa integrava o grupo formado com Smartmatic Brasil Ltda., Engetec e Fixti.

Com efeito, conforme restou esclarecido durante a instrução processual, a Smartmatic International não foi referida no preâmbulo do contrato (idem, p. 274 e seguintes) por mero erro material, posteriormente corrigido no referido termo aditivo (evento 52, PROCADM34, p. 69 e seguintes).

(x) Finalmente, quanto às demais supostas irregularidades apontadas pelos autores, absolutamente nenhum elemento de prova foi produzido para dar mínimo suporte às alegações, e os próprios argumentos apresentados pelos demandantes foram construídos de forma superficial e inconsequente, no mais das vezes embasados em informações colhidas a partir de fontes não confiáveis ou até mesmo fantasiosas.

Por todas essas razões, enfim, entendo que nada há a ser modificado na decisão recorrida, seja por conta dos apelos ou da remessa oficial.

4. Litigância de má-fé:

Na sentença, os autores foram condenados às penas decorrentes da litigância de má-fé, com os fundamentos assim expostos pelo Juízo a quo (destaques no original):

i) Má-fé - lide temerária

Nos termos do art. 5º, LXXIII, da CF, (grifei)"qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa , ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência". Já nos moldes do art. 13 da Lei nº 4.717/65, (grifei)"a sentença que, apreciando o fundamento de direito do pedido, julgar a lide manifestamente temerária, condenará o autor ao pagamento do décuplo das custas".

Sobre o caso dos autos, transcrevo os seguintes trechos da manifestação ministerial do evento 334 (grifei):

Diante de todo o exposto, o Ministério Público Federal informa que não dispõe de condições para formular qualquer pedido instrutório, tendo em vista que não vislumbra clareza na tese formulada pelos autores populares, que não conseguiram apontar com especificidade qual ato ilegal foi praticado e qual dano foi produzido. Some-se a isso o fato de que investigações realizadas pelo Ministério Públicos Federal, em outras Procuradorias do País, não produziram, até o presente momento, qualquer elemento indiciário de fraude praticado pelas empresas rés (IPL 1010/2014 DF; NF 1.16.000.001553/2014-78; NF 1.34.004.000621/2016-95).

Teorias conspiratórias, documentos e boatos oriundos de internet não são hábeis e suficientes para demonstrar ilegalidade praticadas e, no presente caso, sequer permitem estabelecer linha de investigação útil.

Por fim, há que se lamentar a postura dos autores populares, que ao invés de fazerem análise e descrição técnica, buscam constranger o juízo, o Ministério Público Federal e a Advocacia da União, em uma argumentação radical que não aceita a independência desses órgãos e não admite que eles possam discordar da tese inicial aventada.

A percepção que se tem é que os autores populares estabeleceram uma cruzada, em que o direito, os fatos e a produção probatória é irrelevante, e todos aqueles que não concordam consigo seriam inimigos a serem combatidos por estarem adotando postura partidarizada.

Essa é a lamentável conclusão a que se chega na análise da petição do Evento 246, em que os autores populares, ao invés de buscarem recorrer de decisão judicial insatisfatória, agridem esse juízo e os demais órgãos processuais, em nítida violação ao princípio da boa-fé processual verbis:

O que temos no processo? Um Ministério Público que tomou parte nos autos, ridicularizou as partes, o pedido e a causa de pedir. Uma vergonha institucional que mereceria as páginas da imprensa, ou a exordial de uma ação penal aforada junto ao foro privilegiado do TRF 4.

O juízo que se nega em utilizar as ferramentas disponibilizadas pelo Egrégio Conselho Nacional de Justiça para facilitar o acesso do cidadão à jurisdição. O que se espera dos autores populares? Que investiguem?

Requisitem ou" solicitem "a instauração de inquérito policial, para perscrutar o paradeiro das testemunhas?

Um processo pura e simplesmente formal?

A verdade material que deveria imantar processos desse jaez não passa de letra morta?

As burras públicas que custeiam esse sistema de justiça estão exausto do descaso, do trato trivial de questões tão caras à democracia.

No mesmo sentido, trago à baila os seguintes argumentos apresentados nas alegações finais da sociedade empresária ré Smartmatic (evento 419, grifei):

Nesses termos, a presente ação pretende a verdadeira intervenção das partes no Tribunal Superior Eleitoral (“TSE”) para reverter o resultado obtido nas últimas eleições em processo eleitoral que transcorreu regularmente, o que não deve prosperar.

(...)

Não obstante a completa inexistência de provas, os Autores não só prosseguiram com a presente demanda como publicamente incentivaram a massiva distribuição de ações idênticas em movimento denominado “tsunami jurídico” por meio de redes sociais.

Tal como a presente, as massivas ações distribuídas são idênticas e igualmente vazias de provas que pudessem demonstrar a tal fraude eleitoral. O incentivo dos Autores à distribuição de outras ações como a presente demonstra o entendimento de que a quantidade de ações poderia sobrepor o devido processo legal. Trata-se, assim, de uma movimentação indevida e desnecessária do Judiciário apenas para satisfazer interesses políticos pessoais dos Autores.

Tanto são vazias e completamente idênticas, que parte delas sequer foram mantidas pelos Autores até aqui, com inúmeros pedidos de desistência antes mesmo da decisão que determinou a reunião das ações populares. Exemplo disso é a ação popular ajuizada pelo Autor Bruno Constante, que pleiteou pela desistência do feito já em 2016 (Evento 131).

A documentação acostada pelos Autores como prova de suas infundadas alegações foi apresentada de forma propositadamente desordenada. Não há, Exa., qualquer tipo de referência aos documentos acostados ou, menos ainda, sobre a parte de cada documento que pode ser útil para o julgamento da causa. Neste caso, a desordem faz jus à má-fé dos Autores durante todo o curso desta demanda, pois a todo tempo tentam distorcer a realidade para fundamentar sua aventura jurídica.

Mas não é só. Os Autores prosseguiram com um número considerável de denúncias ao longo da instrução – como de praxe, fazendo uso de blogs pessoais como provas - e nada provaram. Atentaram contra a credibilidade de todo o sistema eleitoral do país sem que houvesse uma só prova que fundamentasse eventual suspeita.

(...)

Por fim, quanto à insurgência dos Autores sobre as eleições ocorridas no Brasil em 2014, há de se ressaltar a comprovação documentação que afirma que (i) as Requeridas JAMAIS forneceram urnas eleitorais ao TSE e (ii) NÃO forneceram quaisquer sistemas de identificação biométrica.

(...)

E nem se diga sobre o pleito dos Autores quanto à destinação do eventual valor à título de condenação das Requeridas “ser revertido a favor de bibliotecas públicas pelo país, com o fim de garantir o incremento da cultura e a conscientização política dos brasileiros acerca de seus direitos e deveres inerentes à cidadania”. Não há qualquer cabimento ou fundamentação além da mera redação sensacionalista que se utilizam os Autores sem disfarces.

A bem da verdade, todas as ações são abertamente fundamentadas em interesses políticos sem o menor respeito a noções básicas de direito, ao devido processo legal, ao Poder Judiciário e a todo o sistema eleitoral do país. Trata-se somente da tentativa desesperada dos Autores de obterem benefício político.

Ainda, Alcides Diniz da Silva, em suas alegações finais, asseverou (evento 420, grifei):

A Ação Popular não tem o intuito de questionar atos administrativos somente por interesse pessoal, político ou do setor privado, tal como ocorre no presente caso. Os ora Autores Populares não estão a defender o interesse público.

A inicial da Ação Popular e as condutas praticadas pelos Autores demonstram os objetivos estritamente partidários e pessoais que embalam a presente demanda.

(...)

O interesse dos Autores é obter a nulidade da licitação (e dos contratos) para que outros sejam realizados em substituição, o que não pode ser objeto de Ação Popular.

(...)

As eleições gerais despertam a paixão de todo brasileiro. No entanto, os Autores Populares, sem qualquer material probatório, intentaram em verdadeira aventura jurídica e tentaram abalar a credibilidade do sistema eleitoral do País. Os Autores se utilizaram de um sério e importante instrumento processual destinado aos cidadãos (Ação Popular) para realizar discussões de teses exclusivamente partidárias e políticas.

Os Autores desvirtuaram o fim da Ação Popular, o que deve ser considerada clara má-fé processual, nos termos do artigo 80, I, II, III, V, do CPC/15.

Com efeito, os arts.  77, 80 e 81 do Código de Processo Civil preceituam (grifei):

Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:

I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;

II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;

III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;

IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;

V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;

VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.

(...)

Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:

I -A deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II -Â alterar a verdade dos fatos;

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V -A proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

VI - provocar incidente manifestamente infundado;

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.

§ 1º Quando forem 2 (dois) ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.

§ 2º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.

§ 3º O valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos.

É o caso dos autos, senão vejamos:

a) todos os autores procederam de modo temerário (art. 80, V), uma vez que não diligenciaram de forma devida antes do ajuizamento da ação (verificando, por exemplo, que o fornecimento de urnas eletrônicas ao TSE não foi objeto dos Pregões nºs 37/2012, 42/2012 e 16/2014);

b) ainda, os autores Alessandro Schlemper Kiquio e Matheus Faria Carneiro deduziram pretensão contra fato incontroverso e alteraram a verdade dos fatos, bem como procederam de modo temerário (art. 80, I, II e V), ao alegarem que" esta ação, pelo menos ao que parece, provocou no Tribunal Superior Eleitoral uma mudança de comportamento em sua gestão e de paradigmas quanto a sua forma de entendimento quanto ao que prega o Direito Administrativo ", pois o procedimento licitatório nº 53/2015, para aquisição de urnas eletrônicas, não foi feito pela modalidade pregão, e sim pela modalidade concorrência. Ocorre que, conforme já exposto, a aquisição de urnas eletrônicas pelo TSE sempre se deu através de licitação na modalidade concorrência, de modo que esta ação não provocou nenhuma" mudança de comportamento em sua gestão [do TSE] e de paradigmas quanto a sua forma de entendimento quanto ao que prega o Direito Administrativo "; e

c) também, o autor Gustavo Trigueiros e Guilherme deduziu pretensão contra fato incontroverso e alterou a verdade dos fatos (art. 80, I e II), ao alegar que, na notícia de fato nº 1.16.000.001553/2014-78, restou provado que as rés" ousaram tentar burlar o próprio sistema eletrônico " e que o MPF foi" TAXATIVO ao concluir que, a empresa Smartmatic, vencedora do certame incorreu em grave irregularidade (para não mencionar ilegalidade in latu sensu) ao utilizar reiteradas vezes dispositivos eletrônicos de envio automático de lances (robôs) nos procedimentos licitatórios que participou! ".

Reitero que o Poder Judiciário deve repelir tentativas de sua instrumentalização, como a que é levada a efeito quando se propõe um" tsunami jurídico ", com a disponibilização de modelo de inicial em redes sociais para ajuizamento de ações absolutamente idênticas em diversas subseções judiciárias do país. Deve ainda, o Poder Judiciário, rechaçar seu uso para aventuras jurídicas sensacionalistas e midiáticas, mormente porque, nas palavras da Ministra Laurita Vaz, repito,"o Poder Judiciário não pode ser utilizado como balcão de reivindicações ou manifestações de natureza política ou ideológico-partidárias. Não é essa sua missão constitucional"(HC nº 457946, Ministra LAURITA VAZ, 02/08/2018).

Imperioso ressaltar, por oportuno, que, por meio de alegações desprovidas de qualquer fonte idônea (o que, por si só, retira a credibilidade das alegações autorais), os autores colocaram em xeque a Justiça Eleitoral - e, portanto, o próprio processo eleitoral e a democracia brasileira. Ainda, impende salientar que a regularidade dos procedimentos licitatórios impugnados foi atestada pela Comissão de Assessoramento Técnico (CAT), pela Assessoria Jurídica e pelo Controle Interno do TSE, este mediante a Secretaria de Controle Interno e Auditoria do Tribunal. Não bastasse, as contas dos responsáveis pela administração do TSE foram aprovadas pelo TCU e as investigações realizadas pela polícia federal e por outras procuradorias da república (IPL 1010/2014 DF; NF 1.16.000.001553/2014-78; NF 1.34.004.000621/2016-95), anexadas aos autos pelo Ministério Público Federal (eventos 359 e 363), concluíram, todas, pela inexistência de ilegalidades, de modo que esta ação também acabou por menosprezar as instituições do TCU, da PF e do MPF.

A propósito, destaco a seguinte manifestação do MPF:"há que se lamentar a postura dos autores populares, que ao invés de fazerem análise e descrição técnica, buscam constranger o juízo, o Ministério Público Federal e a Advocacia da União, em uma argumentação radical que não aceita a independência desses órgãos e não admite que eles possam discordar da tese inicial aventada. A percepção que se tem é que os autores populares estabeleceram uma cruzada, em que o direito, os fatos e a produção probatória é irrelevante, e todos aqueles que não concordam consigo seriam inimigos a serem combatidos por estarem adotando postura partidarizada. Essa é a lamentável conclusão a que se chega na análise da petição do Evento 246, em que os autores populares, ao invés de buscarem recorrer de decisão judicial insatisfatória, agridem esse juízo e os demais órgãos processuais, em nítida violação ao princípio da boa-fé processual".

Nesse cenário, o reconhecimento da má-fé dos autores e da manifesta temeridade da lide é medida que se impõe. Entretanto, diante do elevado valor da causa e do princípio da proporcionalidade, condenado os autores apenas ao pagamento do décuplo das custas e de honorários advocatícios.

Entendo que deve ser mantida a condenação.

Com efeito, restou configurada, a meu ver, evidente intenção de usar do processo para conseguir objetivo ilegal ( CPC, artigo 80, inciso II), de modo temerário (idem, inciso V) e manifestamente infundado (idem, inciso VI).

Em acréscimo a toda a fundamentação já exposta pelo Juízo de origem, note-se, como foi alertado pelo Ministério Público Federal, já no evento 33 dos autos originários, que os autores buscavam, em verdade, encontrar meios para desconstituir o resultado das eleições presidenciais realizadas em 2014, com o qual não concordavam.

Nesse sentido, veja-se o que afirmaram os autores, já na petição inicial (p. 07):

É notório que, desde que foi anunciada pelo Tribunal Superior Eleitoral a vitória da presidente Dilma Vanna Rousseff no segundo turno da eleição presidencial de 2014, diversas denúncias de fraude eleitoral surgiram.Â

Essas acusações foram de tamanha monta e tão variadas que acabaram fazendo com que o PSDB, o partido do candidato oposicionista derrotado, pleiteasse, junto ao TSE, uma auditoria em todo o processo eleitoral, nada obstante o reconhecimento, pelo candidato, da vitória da atual Chefe do Executivo Federal.Â

Causou espécie aos leigos e aos experts que a votação embora secreta, tenha sido apurada da mesma forma, ao arrepio de qualquer transparência.

E, da mesma forma, na petição acostada ao evento 30, p. 08:

Percebe-se claramente que o Partido [dos Trabalhadores] não tem qualquer apreço pelas instituições democráticas. Utiliza-se delas como elemento de retórica, tão somente. A República pede socorro eis que se tem o instituto da fidelidade partidária que rege as relações parlamentares. Ora, este pensamento é o pensamento do partido.Â

A história não foi diferente na Argentina, Bolívia, Equador, Venezuela e tantos outros países latinos americanos. O resultado está aí.Â

A presente petição tem por objeto reforçar os argumentos da necessidade da concessão do pedido liminar, diante do periculum in mora, notadamente, face à realização do evento que ocorrerá na cidade de Salvador (BA) de 11 a 13 de junho de 2015

Daí a intenção de, com o ajuizamento de inúmeras ações idênticas, em vários foros do País, tentar impor ao Poder Judiciário alguma espécie de dificuldade ou constrangimento, em movimento que os próprios autores da iniciativa denominaram de" tsunami jurídico " em postagens verificadas pelo órgão ministerial no aplicativo Facebook, também noticiadas na petição do evento 33, como segue:

E não é de se surpreender que novas demandas surjam, já que um dos autores da presente ação popular vem desenvolvendo intensa campanha nesse sentido, utilizando-se de redes sociais na internet. De fato, em rápida consulta na rede facebook, encontrou-se postagem em uma comunidade denominada “EVENTOS PELA DEMOCRACIA 2015”, a qual conta com mais de mil e duzentos seguidores. Diz a postagem:

“Hoje é um dia muito especial, dia do 'Tsunami Jurídico!Â

“Pela primeira vez no mundo uma ação coordenada 100% via Facebook, totalmente altruísta será iniciada!Â

“A verdadeira voz do povo representada na ação popular que será protocolada e coordenada pelo Matheus Faria tem o potencial de neutralizar a maior arma que o Foro de São Paulo tem no momento para perverter eleições: a SMARTMATICTÂ

“O segundo passo será dado dia 18 deste mês em Miami, onde todos os depoimentos e todas as provas serão reunidas de uma forma coerente e protocolar. O resultado será uma demanda na Corte Internacional Criminal na Haia Holanda contra a SMARTMATIC, por violações dos direitos humanos.” (trecho de postagem realizada em 07 de maio de 2015, à s 15:51, na página do Facebook do grupo “Eventos pela democracia 2015”, cópia em anexo).

Em outra postagem no mesmo grupo do Facebook, supostamente realizada pelo autor da presente ação, o Sr. Matheus Faria, há ampla divulgação da demanda judicial aqui em análise, havendo incentivo para que outras pessoas proponham igual ação. Nessa postagem, é de se ressaltar, está mencionado um link para o site de armazenamento de arquivo GoogleDrive, com expressa menção de que modelo de petição inicial e documentos para instruí-la estão à disposição dos interessados. Diz a postagem:

“O pessoal está protocolando. Muitos em papel, outros por meio eletrônico.Â

“A documentação é muito extensa. As provas sobejam.Â

“A fraude salta aos olhos.Â

“Cidadãos do Brasil! Aqui está a petição inicial e todos os documentos.Â

“Vocês, cada um de vocês tem o direito constitucional de ajuizar esta ação.Â

“O meu modelo de petição não pertence a mim, mas ao Brasil.Â

“No processo peço a condenação das empresas fraudadoras em Dabos Morais Coletivos e rogo para que a verba seja destinada à bibliotecas públicas do país: escolas de cidadania.Â

“Estou aguardando o feedback de todos para noticiar à imprensa estrangeira.Â

“Um grande Abraço.Â

“Matheus FariaÂ

“https://drive.google.com/folderview? id=0B0FIexg4ITglfjAtWUxRN045Q3JqNnFGZE1NUlB UWklUdE5IYXJXa1B2WTZCVVhETjNURDQ&usp=sh aringÂ

(Postagem na página do Facebook do Grupo “Eventos pela democracia 2015, em anexo)

Não bastasse isso, as alegações que davam fundamento à pretensão foram elaboradas de forma absolutamente descompromissada, sem o mínimo embasamento probatório, e no mais das vezes de modo evidentemente contrário ao que mostra o mais superficial exame dos fatos.

A título de exemplo, cite-se a afirmação de que as licitações impugnadas teriam tido como objeto o fornecimento de urnas eletrônicas, quando bastava a leitura da primeira página dos editais respectivos para se constatar a imprecisão dessa assertiva; o fato de se ter alegado que os serviços contratados não poderiam ser objeto de pregão, quando o regulamento aplicável à matéria previa expressamente essa possibilidade; a tentativa de caracterizar como fraude o pedido apresentado por uma licitante de adequação da responsabilidade tributária aos termos de nova lei então vigente; ou mesmo o fato de terem sido arrolados como réus ex-Presidentes do Tribunal Superior Eleitoral, sem que sequer tenham sido a eles imputados fatos concretos pelos quais teriam sido responsáveis.

Por todas essas razões, enfim, como dito anteriormente, entendo que deve ser mantida a condenação por litigância de má-fé, em vista do desvirtuamento do objetivo do processo judicial e em razão da completa temeridade da lide, por absoluta falta de fundamento.

Finalmente, quanto à alegação apresentada pelos apelantes Matheus Faria Carneiro e Alessandro Schlemper Kiquio, no sentido de que teriam sido condenados ao pagamento de honorários em favor dos réus Alcides Diniz da Silva e Cármen Lúcia Antunes Rocha, contra os quais não propuseram a demanda, entendo que não lhes assiste razão.

Na sentença, os diversos autores das ações populares julgadas em conjunto foram condenados ao pagamento de honorários advocatícios" para a defesa de cada um dos réus ", sendo evidente que cada demandante será responsável pelo adimplemento da verba apenas em relação às pessoas por ele acionadas em seu processo específico.

Em outras palavras, os apelantes responderão pelo pagamento de honorários unicamente em favor dos réus por eles indicados, nada havendo a se corrigir na sentença, nesse particular.

5. Resumo do voto:

5.1. Preliminares:

5.1.1. O objeto da demanda popular restrige-se à decretação de invalidade do ato lesivo ao patrimônio público e à condenação dos responsáveis pelo pagamento das perdas e danos decorrentes da ilicitude reconhecida. De fato, não há espaço, portanto, no âmbito dessa espécie de lide, para a proibição de contratação com o Poder Público, pena estabelecida unicamente para as hipóteses de condenação por atos de improbidade administrativa (artigo 12 da Lei 8.429/1992). Da mesma forma, em relação ao pedido de condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, já se decidiu no âmbito desta Corte que tal pleito não pode ser deduzido em ação popular.

5.1.2. Na petição inicial, os autores nada referem acerca de efetivo prejuízo financeiro que teria sido imposto ao erário, seja decorrente do pagamento de serviços não prestados ou de valores cobrados em quantia superior ao que seria devido em razão da espécie de contraprestação oferecida. Compreendo, portanto, que o recurso não merece acolhida, nesse ponto, sendo mantida a inépcia da petição inicial.

5.1.3. Conforme destacado pelo Juízo de origem, os demandantes não apontaram concretamente quais teriam sido os atos ou as omissões atribuídas aos servidores indicados para compor o polo passivo da ação popular, ou seja, ainda que a tese dos autores seja examinada in status assertionis, não há como se afirmar a legitimidade passiva daqueles réus a quem não são imputadas quaisquer participações específicas nos fatos descritos na peça vestibular.

5.1.4. O simples argumento de que teriam sido obstadas pretensões apresentadas pelos autores, relativas à requisição de documentos ou informações de testemunhas, não justifica o reconhecimento de nulidade, uma vez que os apelantes não indicam, concretamente, quais seriam os dados especificamente buscados e os fatos que teriam sido demonstrados com tais elementos de prova. Com efeito, a alegação de nulidade foi elaborada, nas razões recursais, de modo absolutamente genérico, sem a indicação precisa, como dito, da forma como a obtenção de determinada informação teria alterado o encaminhamento dado à controvérsia na primeira instância.

5.1.5. A sentença extra petita é aquela que decide sobre tema não trazido à apreciação do Juízo, incidindo, assim, em violação à regra da congruência. Não é esse o caso, no entanto, pois a matéria em debate foi alegada pelos próprios autores. O que se percebe, em verdade, é um descontentamento com o fato de que a tese dos demandantes não foi acolhida, o que, a toda evidência, não configura nulidade da decisão.

5.1.6. A sentença citra petita é aquela que não examina todas as pretensões elencadas na petição inicial e, no caso, os pedidos apresentados pelos demandantes (ao menos aqueles considerados aptos a julgamento), consistentes na declaração de invalidade dos procedimentos licitatórios impugnados, foram devidamente enfrentados, e rechaçados, pelo Juízo de origem. Sequer seria possível falar em omissão acerca dos argumentos aludidos, pois também foram detalhadamente analisados pela Julgadora monocrática.

5.1.7. Não merece trânsito o argumento de que não teriam sido apreciadas as razões de direito dos pedidos apresentados, pois o Juízo de origem examinou de forma detalhada, atenta e exaustiva todas as alegações deduzidas pelos autores, realizando o necessário cotejo entre os fatos comprovados nos autos e as normas aplicáveis a cada uma das situações particulares.Â

5.2. Mérito:

5.2.1. O objeto dos Pregões nº 37/2012, 42/2012 e 16/2014, diferentemente do que foi afirmado pelos demandantes, não foi a aquisição de urnas eletrônicas, mas sim o fornecimento de sistemas móveis de transmissão de voz e dados via satélite, no primeiro e no último, e a prestação de serviço de exercitação de urnas eletrônicas já pertencentes à Justiça Eleitoral, no outro certame.

5.2.2. Em relação à alegação de que os serviços licitados poderiam ter sido prestados pela Dataprev ou pelo Serpro, há de se observar que não há obrigação legal de contratação daquelas pessoas jurídicas, mesmo que se trate de empresas públicas, razão pela qual a adoção de tal procedimento seria recomendada apenas na hipótese em que restasse cabalmente demonstrado que disso adviria vantagem financeira à Administração, o que não se verifica na presente hipótese. Não bastasse isso, deve-se atentar para a circunstância ressaltada pela Secretaria de Tecnologia da Informação do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que apenas empresas autorizadas pela ANATEL estariam habilitadas a prestar o serviço de transmissão de dados que se buscava contratar, é dizer, de nada adiantaria a contratação de uma empresa pública que não ostentasse os requisitos necessários ao desempenho das tarefas de que necessitava a Justiça Eleitoral.

5.2.3. Os serviços contratados através dos editais impugnados correspondiam à manutenção de urnas eletrônicas e ao fornecimento de sistemas de transmissão de voz e dados, o que significa dizer que os objetos licitados enquadravam-se perfeitamente naquelas hipóteses para as quais estava autorizada a utilização do pregão.

5.2.4. Os serviços contratados através dos procedimentos impugnados não integram as atribuições dos servidores públicos que compõem a carreira da Justiça Eleitoral e, além disso, o Decreto 2.271/1997, vigente à época dos fatos, em seu artigo 1º, parágrafo 1º, estabelecia que serviços de conservação e manutenção de equipamentos, assim como de telecomunicações, deveriam ser, preferencialmente, executados indiretamente, ou seja, através da contratação de empresas especializadas.

5.2.5. Não seria exigível da empresa Smartmatic International Corporation decreto de autorização para funcionamento no País, nos termos do artigo 28, inciso V, da Lei 8.666/1993, uma vez que não se tratava de pessoa jurídica que tivesse estabelecido sede no Brasil. Em verdade, a participação da empresa no certame deu-se através de consórcio, como foi autorizado no edital, e sob a égide do artigo 15 do Decreto 5.450/2005, que exigia, tão somente, a apresentação de documentos equivalentes àqueles demandados das empresas brasileiras.

5.2.6. A decisão judicial em que a empresa Engetec restou condenada pelo descumprimento de regras trabalhistas foi proferida em novembro de 2014, ou seja, posteriormente a todo o processamento das licitações impugnadas, o que significa dizer que não poderia aquela condenação ter conduzido à inabilitação da concorrente. O mesmo se diga em relação à empresa Fixti: o fato de ter sido declarada a sua falência em 2014 em nada prejudica o procedimento licitatório conduzido em anos anteriores, assim como também não desabona o processo administrativo a constatação, posterior, de ajuizamento de execuções fiscais ou demandas trabalhistas em desfavor da empresa.

5.2.7. De acordo com a prática adotada pelas empresas que fornecem mão de obra ao serviço público, as despesas com esses empregados postos à disponibilidade do contratante são incluídas na rubrica denominada" Custo dos Serviços Prestados - CPS ", e não na conta de" Despesas Administrativas ", as quais englobam apenas os demais gastos indiretos necessários à manutenção das empresas, como encargos sociais, material de expediente etc. Essa a razão pela qual os valores informados como" Despesas Administrativas ", efetivamente, não seriam suficientes ao pagamento dos 5.000 empregados necessários ao cumprimento do contrato. Todavia, nenhuma regularidade é aí verificada, pois, como dito, os pagamento direcionados a esses trabalhadores estão informados, em verdade, na rubrica" Custo dos Serviços Prestados - CPS ".

5.2.8. Não se sustenta a tese de que teria ocorrido uma tentativa de fraude, no momento em que a empresa Engetec teria proposto"desoneração" da contribuição previdenciária patronal. Como restou esclarecido, a empresa postulou, em verdade, a aplicação da então recente Lei 12.546/2011, que previa, justamente, a redução da base de cálculo daquela contribuição. Veja-se que a proposta foi apresentada no ambiente virtual do pregão, do qual participavam também os demais licitantes, ou seja, não houve aí nenhum comportamento dissimulado ou irregular. Aliás, a questão não foi originalmente levantada pela empresa, mas sim pelo próprio TSE, como exposto no Memorando nº 54 SECOP/COMAP/SAD.

5.2.9. É inverídica a afirmação de que a empresa Smartmatic International Corporation não teria participado do pregão 42/2012, porém teria sido incluída no contrato subsequente, no primeiro termo aditivo. O Instrumento Particular de Constituição de Consórcio comprova que a empresa integrava o grupo formado com Smartmatic Brasil Ltda., Engetec e Fixti. A Smartmatic International não foi referida no preâmbulo do contrato por mero erro material, posteriormente corrigido no referido termo aditivo.

5.2.10. Finalmente, quanto às demais supostas irregularidades apontadas pelos autores, absolutamente nenhum elemento de prova foi produzido para dar mínimo suporte às alegações, e os próprios argumentos apresentados pelos demandantes foram construídos de forma superficial e inconsequente, no mais das vezes embasados em informações colhidas a partir de fontes não confiáveis ou até mesmo fantasiosas.

5.3. Litigância de má-fé:

5.3.1. Restou configurada, a meu ver, evidente intenção de usar do processo para conseguir objetivo ilegal ( CPC, artigo 80, inciso II), de modo temerário (idem, inciso V) e manifestamente infundado (idem, inciso VI). Em acréscimo a toda a fundamentação já exposta pelo Juízo de origem, note-se, como foi alertado pelo Ministério Público Federal, que os autores buscavam, em verdade, encontrar meios para desconstituir o resultado das eleições presidenciais realizadas em 2014, com o qual não concordavam. Daí a intenção de, com o ajuizamento de inúmeras ações idênticas, em vários foros do País, tentar impor ao Poder Judiciário alguma espécie de dificuldade ou constrangimento, em movimento que os próprios autores da iniciativa denominaram de" tsunami jurídico " em postagens verificadas pelo órgão ministerial no aplicativo Facebook.

5.3.2. As alegações que davam fundamento à pretensão foram elaboradas de forma absolutamente descompromissada, sem o mínimo embasamento probatório, e no mais das vezes de modo evidentemente contrário ao que mostra o mais superficial exame dos fatos. A título de exemplo, cite-se a afirmação de que as licitações impugnadas teriam tido como objeto o fornecimento de urnas eletrônicas, quando bastava a leitura da primeira página dos editais respectivos para se constatar a imprecisão dessa assertiva; o fato de se ter alegado que os serviços contratados não poderiam ser objeto de pregão, quando o regulamento aplicável à matéria previa expressamente essa possibilidade; a tentativa de caracterizar como fraude o pedido apresentado por uma licitante de adequação da responsabilidade tributária aos termos de nova lei então vigente; ou mesmo o fato de terem sido arrolados como réus ex-Presidentes do Tribunal Superior Eleitoral, sem que sequer tenham sido a eles imputados fatos concretos pelos quais teriam sido responsáveis.

5.3.3. Deve ser mantida a condenação por litigância de má-fé, em vista do desvirtuamento do objetivo do processo judicial e em razão da completa temeridade da lide, por absoluta falta de fundamento.

5.3.4. Na sentença, os diversos autores das ações populares julgadas em conjunto foram condenados ao pagamento de honorários advocatícios" para a defesa de cada um dos réus ", sendo evidente que cada demandante será responsável pelo adimplemento da verba apenas em relação às pessoas por ele acionadas em seu processo específico. Em outras palavras, os apelantes responderão pelo pagamento de honorários unicamente em favor dos réus por eles indicados, nada havendo a se corrigir na sentença, nesse particular.

6. Dispositivo:

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à remessa oficial e aos apelos.

Documento eletrônico assinado por VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador XXXXXv3 e do código CRC 85cbaf40. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS Data e Hora: 9/6/2023, às 11:24:9

Â

1. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 889. 2. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 589.

Â

XXXXX-59.2016.4.04.7204 40003933391 .V3

Conferência de autenticidade emitida em 05/07/2023 06:06:46.

Poder Judiciário TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº XXXXX-59.2016.4.04.7204/SC

RELATOR: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

APELANTE: ANDERSON GRIBELER (AUTOR)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: JOSE ANTONIO DIAS TOFFOLI (RÉU)

APELADO: ALCIDES DINIZ DA SILVA (RÉU)

APELADO: CARMEN LUCIA ANTUNES ROCHA (RÉU)

APELADO: ENGETEC TECNOLOGIA S.A. (RÉU)

APELADO: FIXTI SOLUCOES EM TECNOLOGIA DA INFORMACAO LTDA (RÉU)

APELADO: SMARTMATIC BRASIL LTDA. (RÉU)

EMENTA

apelações e remessa oficial. ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. IMPUGNAÇÃO DE PREGÕES REALIZADOS PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. contratação de serviços de exercitação de urnas e transmissão de dados das eleições. preliminares: inadequação dos pedidos de proibição dos réus de contratar com o Poder Público e pagamento de indenização por danos morais coletivos. inépcia do pleito de ressarcimento ao erário. ilegitimidade passiva. cerceamento de defesa. sentença extra e citra petita. error in judicando. mérito: legalidade da contratação de empresas privadas para a prestação dos serviços licitados. utilização da modalidade pregão. participação de empresa estrangeira. qualificação econômico-financeira e técnica das contratadas. consectários: litigância de má-fé dos autores. remessa oficial e apelos desprovidos.

1. Caso em que se cuida de ações populares sentenciadas conjuntamente, propostas por diversos autores - entre eles os ora apelantes -, nas quais foram, em síntese, impugnados os resultados dos procedimentos licitatórios nº 37/2012, 42/2012 e 16/2014, conduzidos pelo Tribunal Superior Eleitoral para a contratação dos serviços de exercitação de urnas e transmissão de dados das eleições.Â

2. O objeto da demanda popular restrige-se à decretação de invalidade do ato lesivo ao patrimônio público e à condenação dos responsáveis pelo pagamento das perdas e danos decorrentes da ilicitude reconhecida. De fato, não há espaço, portanto, no âmbito dessa espécie de lide, para a proibição de contratação com o Poder Público, pena estabelecida unicamente para as hipóteses de condenação por atos de improbidade administrativa (artigo 12 da Lei 8.429/1992). Da mesma forma, em relação ao pedido de condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos, já se decidiu no âmbito desta Corte que tal pleito não pode ser deduzido em ação popular.

3. Na petição inicial, os autores nada referem acerca de efetivo prejuízo financeiro que teria sido imposto ao erário, seja decorrente do pagamento de serviços não prestados ou de valores cobrados em quantia superior ao que seria devido em razão da espécie de contraprestação oferecida. Portanto, o recurso não merece acolhida, nesse ponto, sendo mantida a inépcia da petição inicial.

4. Conforme destacado pelo Juízo de origem, os demandantes não apontaram concretamente quais teriam sido os atos ou as omissões atribuídas aos servidores indicados para compor o polo passivo da ação popular, ou seja, ainda que a tese dos autores seja examinada in status assertionis, não há como se afirmar a legitimidade passiva daqueles réus a quem não são imputadas quaisquer participações específicas nos fatos descritos na peça vestibular.

5. O simples argumento de que teriam sido obstadas pretensões apresentadas pelos autores, relativas à requisição de documentos ou informações de testemunhas, não justifica o reconhecimento de nulidade, uma vez que os apelantes não indicam, concretamente, quais seriam os dados especificamente buscados e quais os fatos que teriam sido demonstrados com tais elementos de prova. Com efeito, a alegação de nulidade foi elaborada, nas razões recursais, de modo absolutamente genérico, sem a indicação precisa, como dito, da forma como a obtenção de determinada informação teria alterado o encaminhamento dado à controvérsia na primeira instância.

6. A sentença extra petita é aquela que decide sobre tema não trazido à apreciação do Juízo, incidindo, assim, em violação à regra da congruência. Não é esse o caso, no entanto, pois a matéria em debate foi alegada pelos próprios autores. O que se percebe, em verdade, é um descontentamento com o fato de que a tese dos demandantes não foi acolhida, o que, a toda evidência, não configura nulidade da decisão.

7. A sentença citra petita é aquela que não examina todas as pretensões elencadas na petição inicial e, no caso, os pedidos apresentados pelos demandantes (ao menos aqueles considerados aptos a julgamento), consistentes na declaração de invalidade dos procedimentos licitatórios impugnados, foram devidamente enfrentados, e rechaçados, pelo Juízo de origem. Sequer seria possível falar em omissão acerca dos argumentos aludidos, pois também foram detalhadamente analisados pela Julgadora monocrática.

8. Não merece trânsito o argumento de que não teriam sido apreciadas as razões de direito dos pedidos apresentados, pois o Juízo de origem examinou de forma detalhada, atenta e exaustiva todas as alegações deduzidas pelos autores, realizando o necessário cotejo entre os fatos comprovados nos autos e as normas aplicáveis a cada uma das situações particulares.Â

9. O objeto dos Pregões nº 37/2012, 42/2012 e 16/2014, diferentemente do que foi afirmado pelos demandantes, não foi a aquisição de urnas eletrônicas, mas sim o fornecimento de sistemas móveis de transmissão de voz e dados via satélite, no primeiro e no último, e a prestação de serviço de exercitação de urnas eletrônicas já pertencentes à Justiça Eleitoral, no outro certame.

10. Em relação à alegação de que os serviços licitados poderiam ter sido prestados pela Dataprev ou pelo Serpro, há de se observar que não há obrigação legal de contratação daquelas pessoas jurídicas, mesmo que se trate de empresas públicas, razão pela qual a adoção de tal procedimento seria recomendada apenas na hipótese em que restasse cabalmente demonstrado que disso adviria vantagem financeira à Administração, o que não se verifica na presente hipótese. Não bastasse isso, deve-se atentar para a circunstância ressaltada pela Secretaria de Tecnologia da Informação do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que apenas empresas autorizadas pela ANATEL estariam habilitadas a prestar o serviço de transmissão de dados que se buscava contratar, é dizer, de nada adiantaria a contratação de uma empresa pública que não ostentasse os requisitos necessários ao desempenho das tarefas de que necessitava a Justiça Eleitoral.

11. Os serviços contratados através dos editais impugnados correspondiam à manutenção de urnas eletrônicas e ao fornecimento de sistemas de transmissão de voz e dados, o que significa dizer que os objetos licitados enquadravam-se perfeitamente naquelas hipóteses para as quais estava autorizada a utilização do pregão.

12. Os serviços contratados através dos procedimentos impugnados não integram as atribuições dos servidores públicos que compõem a carreira da Justiça Eleitoral e, além disso, o Decreto 2.271/1997, vigente à época dos fatos, em seu artigo 1º, parágrafo 1º, estabelecia que serviços de conservação e manutenção de equipamentos, assim como de telecomunicações, deveriam ser, preferencialmente, executados indiretamente, ou seja, através da contratação de empresas especializadas.

13. Não seria exigível da empresa Smartmatic International Corporation decreto de autorização para funcionamento no País, nos termos do artigo 28, inciso V, da Lei 8.666/1993, uma vez que não se tratava de pessoa jurídica que tivesse estabelecido sede no Brasil. Em verdade, a participação da empresa no certame deu-se através de consórcio, como foi autorizado no edital, e sob a égide do artigo 15 do Decreto 5.450/2005, que exigia, tão somente, a apresentação de documentos equivalentes àqueles demandados das empresas brasileiras.

14. A decisão judicial em que a empresa Engetec restou condenada pelo descumprimento de regras trabalhistas foi proferida em novembro de 2014, ou seja, posteriormente a todo o processamento das licitações impugnadas, o que significa dizer que não poderia aquela condenação ter conduzido à inabilitação da concorrente. O mesmo se diga em relação à empresa Fixti: o fato de ter sido declarada a sua falência em 2014 em nada prejudica o procedimento licitatório conduzido em anos anteriores, assim como também não desabona o processo administrativo a constatação, posterior, de ajuizamento de execuções fiscais ou demandas trabalhistas em desfavor da empresa.

15. De acordo com a prática adotada pelas empresas que fornecem mão de obra ao serviço público, as despesas com esses empregados postos à disponibilidade do contratante são incluídas na rubrica denominada" Custo dos Serviços Prestados - CPS ", e não na conta de" Despesas Administrativas ", as quais englobam apenas os demais gastos indiretos necessários à manutenção das empresas, como encargos sociais, material de expediente etc. Essa a razão pela qual os valores informados como" Despesas Administrativas ", efetivamente, não seriam suficientes ao pagamento dos 5.000 empregados necessários ao cumprimento do contrato. Todavia, nenhuma regularidade é aí verificada, pois, como dito, os pagamento direcionados a esses trabalhadores estão informados, em verdade, na rubrica" Custo dos Serviços Prestados - CPS ".

16. Não se sustenta a tese de que teria ocorrido uma tentativa de fraude, no momento em que a empresa Engetec teria proposto"desoneração" da contribuição previdenciária patronal. Como restou esclarecido, a empresa postulou, em verdade, a aplicação da então recente Lei 12.546/2011, que previa, justamente, a redução da base de cálculo daquela contribuição. Veja-se que a proposta foi apresentada no ambiente virtual do pregão, do qual participavam também os demais licitantes, ou seja, não houve aí nenhum comportamento dissimulado ou irregular. Aliás, a questão não foi originalmente levantada pela empresa, mas sim pelo próprio TSE, como exposto no Memorando nº 54 SECOP/COMAP/SAD.

17. É inverídica a afirmação de que a empresa Smartmatic International Corporation não teria participado do pregão 42/2012, porém teria sido incluída no contrato subsequente, no primeiro termo aditivo. O Instrumento Particular de Constituição de Consórcio comprova que a empresa integrava o grupo formado com Smartmatic Brasil Ltda., Engetec e Fixti. A Smartmatic International não foi referida no preâmbulo do contrato por mero erro material, posteriormente corrigido no referido termo aditivo.

18. Quanto às demais supostas irregularidades apontadas pelos autores, absolutamente nenhum elemento de prova foi produzido para dar mínimo suporte às alegações, e os próprios argumentos apresentados pelos demandantes foram construídos de forma superficial e inconsequente, no mais das vezes embasados em informações colhidas a partir de fontes não confiáveis ou até mesmo fantasiosas.

19. Restou configurada evidente intenção de usar do processo para conseguir objetivo ilegal ( CPC, artigo 80, inciso II), de modo temerário (idem, inciso V) e manifestamente infundado (idem, inciso VI). Em acréscimo a toda a fundamentação já exposta pelo Juízo de origem, note-se que, como foi alertado pelo Ministério Público Federal, os autores buscavam, em verdade, encontrar meios para desconstituir o resultado das eleições presidenciais realizadas em 2014, com o qual não concordavam. Daí a intenção de, com o ajuizamento de inúmeras ações idênticas, em vários foros do País, tentar impor ao Poder Judiciário alguma espécie de dificuldade ou constrangimento, em movimento que os próprios autores da iniciativa denominaram de" tsunami jurídico " em postagens verificadas pelo órgão ministerial no aplicativo Facebook.

20. As alegações que davam fundamento à pretensão foram elaboradas de forma absolutamente descompromissada, sem o mínimo embasamento probatório, e no mais das vezes de modo evidentemente contrário ao que mostra o mais superficial exame dos fatos. A título de exemplo, cite-se a afirmação de que as licitações impugnadas teriam tido como objeto o fornecimento de urnas eletrônicas, quando bastava a leitura da primeira página dos editais respectivos para se constatar a imprecisão dessa assertiva; o fato de se ter alegado que os serviços contratados não poderiam ser objeto de pregão, quando o regulamento aplicável à matéria previa expressamente essa possibilidade; a tentativa de caracterizar como fraude o pedido apresentado por uma licitante de adequação da responsabilidade tributária aos termos de nova lei então vigente; ou mesmo o fato de terem sido arrolados como réus ex-Presidentes do Tribunal Superior Eleitoral, sem que sequer tenham sido a eles imputados fatos concretos pelos quais teriam sido responsáveis.

21. Deve ser mantida a condenação por litigância de má-fé, em vista do desvirtuamento do objetivo do processo judicial e em razão da completa temeridade da lide, por absoluta falta de fundamento.

22. Na sentença, os diversos autores das ações populares julgadas em conjunto foram condenados ao pagamento de honorários advocatícios" para a defesa de cada um dos réus ", sendo evidente que cada demandante será responsável pelo adimplemento da verba apenas em relação às pessoas por ele acionadas em seu processo específico. Em outras palavras, os apelantes responderão pelo pagamento de honorários unicamente em favor dos réus por eles indicados, nada havendo a se corrigir na sentença, nesse particular.

23. Remessa oficial e apelos desprovidos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e aos apelos, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 07 de junho de 2023.

Documento eletrônico assinado por VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador XXXXXv3 e do código CRC a0db88c2. Informações adicionais da assinatura: Signatário (a): VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS Data e Hora: 9/6/2023, às 11:24:9

Â

Â

XXXXX-59.2016.4.04.7204 40003933392 .V3

Conferência de autenticidade emitida em 05/07/2023 06:06:46.

Poder Judiciário Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 07/06/2023

Apelação Cível Nº XXXXX-59.2016.4.04.7204/SC

RELATOR: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

PRESIDENTE: Desembargador Federal LU�S ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

PROCURADOR (A): THAMEA DANELON VALIENGO

SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: WALTER JOSE FAIAD DE MOURA por ALCIDES DINIZ DA SILVA

SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: JULIA ORLANDINI ALONSO por SMARTMATIC BRASIL LTDA.

APELANTE: ANDERSON GRIBELER (AUTOR)

ADVOGADO (A): ROSEMARI KALLUF SCHNECK (OAB PR015053)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: JOSE ANTONIO DIAS TOFFOLI (RÉU)

ADVOGADO (A): COORDENAÇÃO-GERAL JUR�DICA CGJ4 (AGU)

APELADO: ALCIDES DINIZ DA SILVA (RÉU)

ADVOGADO (A): WALTER JOSE FAIAD DE MOURA (OAB DF017390)

APELADO: CARMEN LUCIA ANTUNES ROCHA (RÉU)

ADVOGADO (A): RONEY LUIZ TORRES ALVES DA SILVA (OAB MG034194)

APELADO: ENGETEC TECNOLOGIA S.A. (RÉU)

APELADO: FIXTI SOLUCOES EM TECNOLOGIA DA INFORMACAO LTDA (RÉU)

APELADO: SMARTMATIC BRASIL LTDA. (RÉU)

ADVOGADO (A): FLAVIA CRISTINA ALTERIO FALAVIGNA (OAB SP242584)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 07/06/2023, na sequência 1, disponibilizada no DE de 26/05/2023.

Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E AOS APELOS.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

Votante: Desembargador Federal LU�S ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO

Secretário

Conferência de autenticidade emitida em 05/07/2023 06:06:46.

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trf-4/1887485808/inteiro-teor-1887485811

Informações relacionadas

Tribunal Regional Federal da 4ª Região
Jurisprudênciaano passado

Tribunal Regional Federal da 4ª Região TRF-4 - APELAÇÃO CIVEL: AC XXXXX-19.2015.4.04.7204 SC

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios TJ-DF: XXXXX-48.2022.8.07.0001 1764668

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios TJ-DF: XXXXX-82.2021.8.07.0001 1733692

Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Jurisprudênciahá 2 anos

Tribunal Regional Federal da 1ª Região TRF-1 - APELAÇÃO CIVEL: AC XXXXX-62.2016.4.01.3301

Tribunal Regional Federal da 4ª Região
Jurisprudênciahá 3 meses

Tribunal Regional Federal da 4ª Região TRF-4 - AGRAVO DE INSTRUMENTO: XXXXX-09.2023.4.04.0000