Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
6 de Maio de 2024

Análise da In(Constitucionalidade) do Regime Disciplinar Diferenciado - Fernanda Cintra Lauriano Silva

há 15 anos

Como citar este artigo: SILVA, Fernanda Cintra Lauriano. Análise da In (Constitucionalidade) do Regime Disciplinar Diferenciado. Disponível em http://www.lfg.com.br. 21 de junho de 2009.

1. Origem do Regime Disciplinar Diferenciado.

Para que se possa adentrar na parte conceitual e nas características do Regime Disciplinar Diferenciado, é necessário relembrar sua origem.

Após diversas rebeliões no Estado de São Paulo, dentre elas a maior rebelião prisional registrada, ocorrida no Município de Taubaté, em que foram envolvidas quatro cadeiras públicas sob a responsabilidade da Secretaria da Segurança Pública do Estado e vinte e cinco unidades prisionais, diversas medidas administrativas foram tomadas.

Dentre essas medidas, estava a edição de Resoluções, que visavam a assegurar a disciplina e a ordem do sistema prisional. Entre elas, surgiu a Resolução SAP-26, de 04/05/2001, a qual instituiu o Regime Disciplinar Diferenciado.

Após a criação dessa medida, cinco unidades prisionais adotaram o regime, no entanto, três delas deixaram de aplicá-la em razão de ter sido inaugurado Centro de Readaptação Penitenciária de Presidente Bernardes com a finalidade de abrigar aqueles presos que necessitavam de tratamento mais rigoroso.

Em agosto de 2002, a Resolução SAP-59 instituiu o RDD no complexo Penitenciário de Campinas/Hortolândia e, em março de 2003, o Governo Federal, ao procurar uma medida para "endurecer" o sistema já criado e para amparar legalmente o RDD, edita a Lei nº 10.792 com a criação do RDD.

É importante ressalvar que o RDD, em um primeiro momento, foi iniciado por um ato de secretário de Estado, membro do Poder Executivo. Discutiu-se, de maneira calorosa, à época, sobre a possibilidade de uma Resolução legislar sobre matéria penal, já que, segundo a Constituição Federal , em seus artigos 22 , I e 24 , I , está disposto que cabe à União legislar sobre tal matéria.

Após tamanha discussão, adveio lei a tratar sobre o tema, segundo se expôs anteriormente. Assim, em primeiro de dezembro de 2003, entrou em vigor a Lei nº 10.792 , que alterou a Lei de Execucoes Penais (7.210/1984) para a inclusão do Regime Disciplinar Diferenciado.

2.O Regime Disciplinar Diferenciado Propriamente Dito.

2.1 Conceito.

O Regime Disciplinar Diferenciado é uma sanção disciplinar que se aplica a presos provisórios e condenados e é fixado no caso de prática de fato previsto como crime doloso quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, observando-se as características previstas em Lei.

Atualmente, o RDD é entendido como a mais drástica sanção disciplinar, uma medida extrema, que deve ser excepcional, mais excepcional que todas as outras medidas já previstas anteriormente pelo nosso ordenamento jurídico.

Contudo, é necessário esclarecer que o RDD não é um regime de cumprimento de pena (a propósito, tais regimes continuam previstos somente no artigo 33 do Código Penal). Isso porque alguns doutrinadores vêm entendendo o RDD como um regime integral fechado "plus", tais como Salo Carvalho (2001, p. 207). Luiz Flávio Gomes (2004, p. 20), por sua vez, já denominou o RDD como "regime fechadíssimo".

Para arrematar, vale expor um conceito acerca da concepção do instituto que pode ser encontrado nas palavras do doutrinador Júlio Fabbrini Mirabete (2004, p. 116):

"O regime disciplinar diferenciado (...) não constitui um regime de cumprimento de pena em acréscimo aos regimes fechado, semi-aberto e aberto, nem uma nova modalidade de prisão provisória, mas sim um regime de disciplina carcerária especial, caracterizado por maior grau de isolamento do preso e de restrições ao contato com o mundo exterior, a ser aplicado como sanção disciplinar ou como medida de caráter cautelar, tanto ao condenado como ao preso provisório, nas hipóteses previstas em lei ".

2.2 Características.

As características do Regime Disciplinar Diferenciado estão delineadas nos incisos I , II , III e IV do artigo 53 da Lei nº. 7.210 /84, que ora se transcreve:

"Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:

I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;

II - recolhimento em cela individual;

III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;

IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol ".

(...) (grifou-se).

Portanto, da leitura do texto legal, denota-se que o RDD - Regime Disciplinar Diferenciado abarca as seguintes características: duração máxima de 360 dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; recolhimento em cela individual; visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas; direito à saída da cela por duas horas diárias para banho de sol.

Cumpre, agora, expor os principais debates acerca de cada característica:

a) Inciso I - falta grave da mesma espécie: consta no artigo que a medida será aplicada até o limite de 1/6 da pena aplicada, portanto, não se trata de 1/6 da pena cumprida ou a cumprir. Se houver uma terceira falta, há duas correntes. A primeira assevera que, para cada repetição da falta, deve-se contar um novo 1/6 da pena. Já a segunda defende que o 1/6 da pena vale para a segunda e todas as demais faltas disciplinares. Em outras palavras, na primeira falta, o limite é 360 e nas demais somadas não pode ultrapassar o limite de 1/6 da pena. Prevalece a primeira corrente.

b) Inciso II - recolhimento em cela individual: ainda que solitária, a cela não poderá ser escura e insalubre, que, por sua vez, é vedada pelo artigo 45 da LEP . Caso contrário, estar-se-ia a ferir o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

c) Inciso III - Visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas: discute-se se são duas pessoas mais as crianças ou se elas também devem ser computadas. Por óbvio, ela também deve ser computada, pois não é interessante à criança visitar um ente familiar que cumpre o RDD. O Tratado de Direitos Humanos da ONU estabelece, no item 79 que, "a visita é um direito, desde que conveniente para ambas as partes".

d) Inciso IV - direito a banho de sol por duas horas diárias: essa foi uma maneira figurada de o legislador dizer que o preso vai sair da cela durante o dia e se quiser. O horário de saída da cela é definido pelo delegado ou diretor do estabelecimento, não é o preso quem decide. Evitar a rotina é o mais adequado, por isso não há um horário pré-determinado para tanto.

2.3 Hipóteses de Cabimento

As hipóteses de cabimento, por sua vez, estão delineadas no caput e nos §§ 1º e do artigo 52 da LEP . Analisemos caso a caso:

a) Caput - já fora transcrito anteriormente e engloba a hipótese de prática de fato previsto como crime doloso que constitua falta grave e ocasione subversão da ordem ou disciplina internas: O artigo estabelece, portanto, que, para estar sujeito ao RDD, não basta a prática de crime doloso, deve estar, ainda, associado a um tumulto carcerário. Destaca-se o fato de que o RDD não atinge aquele que responde por crime culposo, nem preterdoloso, no entendimento do STJ.

b) § 1º - Tal dispositivo revela que o RDD também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. O destaque para essa hipótese é para o estrangeiro, que possui iguais direitos e deveres que o nacional no caso da prisão e da execução da pena. Ressalte-se, ainda, o fato de que esse dispositivo não abrange aquele que cumprem pena em medida de segurança.

c) § 2º - A última hipótese revela que estará igualmente sujeito ao RDD o preso provisório ou o condenado sobre o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando: Essa hipótese será comentada com mais detalhes nos capítulos abaixo redigidos.

2.4 Outras Peculiaridades.

Um ponto relevante a ser destacado é a regra do art. 54 da LEP , consistente na judicialização, ou seja, cabe somente ao juiz aplicar o Regime Disciplinar Diferenciado. Referido artigo estabelece: "As sanções disciplinares dos incisos I a IV do art. 53 serão aplicadas por ato motivado do diretor do estabelecimento e a do inciso V, por prévio e fundamentado despacho do juiz competente ."

Nota-se, ainda, que apesar de o dispositivo fazer alusão ao termo "despacho", trata-se, na verdade, de sentença.

Outrossim, a autorização dependerá de requerimento elaborado por diretor do estabelecimento, de sorte que o magistrado não poderá agir de ofício.

Imperioso ressaltar que o Ministério Público também é parte legítima para requerer o RDD, embora não seja autoridade administrativa. Isso porque o art. 68 , II , a , da LEP dispõe que incumbe ao MP requerer todas as providências necessárias ao desenvolvimento do processo executivo.

Obviamente, a decisão do juiz acerca da inclusão de preso no Regime Disciplinar Diferenciado deve ser precedida do devido processo legal, com prévia manifestação do Ministério Público, conferindo-se o direito de defesa ao réu condenado.

Portanto, apenas para deixar consignado um breve comentário sobre a natureza jurídica do instituto, observa-se que as normas atinentes ao RDD possuem natureza mista, ou seja, possui uma fachada de processo penal (execução penal), porém, com um acentuado caráter de Direito Penal, já que torna mais rigoroso o regime e, portanto, interfere na liberdade do cidadão.

Sendo norma mista, suas regras regem-se pela disciplina do Direito Penal e não do Direito Processual Penal, logo, aplica-se o artigo , XL da CF/88 , sendo, pois, irretroativa tal lei, além de incompatível por medida provisória.

3. Análise da (In) Constitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado.

3.1 Duração do Regime Disciplinar Diferenciado.

Como já se viu, a duração do RDD pode atingir o patamar máximo de trezentos e sessenta dias, os quais podem ser repetidos por igual período. A Lei das Execuções Penais, em seu artigo 58 estipula que "o isolamento, a suspensão e a restrição de direitos não poderão exceder a trinta dias, ressalvada a hipótese do regime disciplinar diferenciado ".

O que se pode concluir é que o isolamento, por si, não pode ser considerado inconstitucional. Entretanto, teria sido mais razoável, por parte do legislador, se o prazo tivesse guardado compatibilidade com aquele já estabelecido na Lei, qual seja, o de trinta dias.

A ressalva feita pelo legislador, mormente o fato de este prazo poder ser dobrado, tornam, no nosso entendimento, a medida desumana, torturante e cruel.

O posicionamento do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (apud KUEHNE, 2006) sobre o RDD vai ao encontro daquele esposado neste artigo. Especificamente sobre a duração do regime, o Conselho manifestou-se no seguinte sentido:

(...) "O projeto, ao prever 360 dias de isolamento, certamente causará nas pessoas a ele submetidas a deterioração de suas faculdades mentais, podendo-se dizer que o RDD não contribui para o objetivo da recuperação social do condenado e, na prática, importa a produção deliberada de alienados mentais ." (grifou-se)

Portanto, nosso posicionamento sobre este ponto do assunto é no sentido de que o isolamento de 360 dias é cruel, desumano e degradante, que vai contra os princípios da dignidade e da humanidade da pena estabelecidos naConstituiçãoo , de sorte que o prazo deveria ter guardado coerência com o que já constava em lei: trinta dias.

3.2 Cometimento de Falta Grave.

O motivo gerador do isolamento e demais circunstâncias alinhavadas anteriormente (falta grave cometida dentro do presídio) não pode ser tido como inconstitucional, já que decorre de algo que o agente efetivamente praticou.

Há, nesse caso, uma conduta concreta que efetivamente aconteceu e não meras suposições. Trata-se de nítida hipótese do Direito Penal do fato, ou seja, o condenado recebe a sanção por uma coisa que concretamente fez.

Entendemos que a conduta deve ser punida, até porque a ordem e a disciplinar precisam ser mantidas dentro do presídio. Em outras palavras, o cometimento de falta grave deve ser passível de punição, entretanto, tal punição deve se resguardar de proporcionalidade e respeito à dignidade da pessoa humana.

Ou seja, deve haver uma ponderação entre a privação ou restrição do direito e a finalidade perseguida com a incriminação prevista. A sanção prevista deve estar compatível com o grau de ofensividade a fim de que não se cometam excessos.

Nesse ínterim, vale trazer uma ponderação feita por Paulo Queiroz e Aldeleine Melhor, no artigo científico "Princípios Constitucionais da Execução Penal" (2006, p. 09) acerca do princípio da proporcionalidade:

(...) "Convém notar, todavia que o princípio da proporcionalidade compreende, além da proibição de excesso, a proibição da intervenção jurídico-penal. Significa dizer que, se por um lado, deve ser combatida a sanção penal desproporcional porque excessiva, por outro lado, cumpre também evitar a resposta penal que fique muito aquém do seu efetivo merecimento, dado o seu grau de ofensividade e significação político-criminal, afinal a desproporção tanto pode dar-se mais quanto para menos (...)".

Para encerrar esse tópico referente ao cometimento de falta grave, destaca-se o pensamento do professor Luiz Flávio Gomes (2006), o qual entende que essa hipótese "se funda no Direito Penal do fato". E complementa: "(...) de qualquer modo, ainda que se admita essa hipótese de RDD como constitucional, sua aplicação prática (duração, modo de execução, condições de execução etc.) não pode ser inconstitucional".

3.3 Presos que apresentem alto risco para a sociedade e segurança do estabelecimento e suspeita de participação em organização criminosa.

As hipóteses de cabimento também devem ser analisadas com acuidade. Com efeito, são aquelas delineadas nos §§ 1º e do artigo 52 da Lei nº 7.210 /84, já transcrito nesse artigo.

Em breve leitura ao aludido artigo, extrai-se que é cabível o RDD aos presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal/sociedade ou quando recair, sobre o preso provisório ou condenado, fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

Diferentemente da hipótese acerca do cometimento de falta grave, essas duas condições, ora expostas, não são hipóteses as quais relatam algo que o agente efetivamente praticou.

Baseiam-se, portanto, em suposições e suspeitas, afastando-se, dessa forma, do Direito Penal do fato e aproximando-se do Direito Penal de autor, ou seja, o agente recebe uma sanção pelo que supostamente é e não pelo que fez.

Essas condições, apesar de amplamente aplaudidas pela mídia e pelo legislador, revelam uma violação ao princípio da presunção de inocência e ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Roberto Delmanto (2003, p. 18), em seu artigo "Desconsideração prévia de culpabilidade e presunção de inocência" considera:

(...) "Inquestionavelmente, a presunção de inocência, como expressão do princípio favor libertatis no processo penal, tem dimensões, hoje, ainda muito maiores do que a já enorme e significativa evolução ocorrida quando se baniram as ordálias e o sistema de prova legal. Atualmente, ela afeta não só o mérito acerca da culpabilidade do acusado, mas, sobretudo, o modo pelo qual ele é tratado durante o processo, como devem ser tuteladas a sua liberdade, integridade física e psíquica, honra e imagem, vedando-se abusos, humilhações desnecessárias, constrangimentos gratuitos e incompatíveis com o seu status, mesmo que presumido, de inocente.

(...)

A presunção de inocência não é incompatível com a realidade, traduzindo-se na maior expressão do princípio favor libertatis no processo penal, restando tuteladas não só a liberdade e a dignidade de todos que se vêem envolvidos em uma persecução penal, mas, também, a própria legitimidade da atuação do Poder Judiciário, resguardando-se, igualmente, a dignidade de seus órgãos e agentes ".

Retomando a idéia de Antônio Magalhães Gomes Filho (1994, p. 30), na conclusão do artigo "Presunção de inocência: princípios e garantias", é certo que tal preceito perfaz tanto um direito como uma garantia, já que objetiva instituir, de forma direta e imediata, regras jurídicas de proteção da posição do indivíduo na sociedade (garantias), estabelecendo, em contrapartida, limites que não podem ser transpostos pela atuação estatal.

O autor ainda complementa que as garantias decorrentes da presunção de inocência são: a jurisdicionalidade, em virtude da qual a verificação da culpa só pode ser alcançada com o devido processo legal; a não intervenção do jus puniendi, exceto quando a culpa do acusado esteja comprovada pela acusação acima de qualquer dúvida razoável; a não auto-incriminação; o tratamento como inocente até o trânsito em julgado da sentença condenatória e, por fim, a preservação da liberdade durante o processo, salvo diante de situações excepcionais justificadas, em que a restrição da liberdade só pode ocorrer em face das exigências processuais a fim de assegurar resultados no próprio processo.

Não bastasse isso, vamos supor que o agente realmente participe de quadrilha ou organização criminosa, para tanto, existem o artigo 288 do Código Penal e a Lei nº. 9.034 /95 pelos quais o agente pode ser punido. Então, terá, por óbvio, uma sanção específica para o ato, de sorte que integrar o condenado ao Regime Disciplinar Diferenciado implicará bis in idem .

Como é sabido, nossa Constituição Federal não consagrou expressamente princípio do non bis in idem, no entanto, alguns Tratados e Convenções Internacionais assim o fizeram. Um exemplo é a Convenção Americana de Direitos Humanos, que dispõe, em seu artigo 8.4 , que "O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá se submetido a novo processo pelo mesmo fato ".

Por fim, vale destacar o julgado do TRF da 1ª Região (apud JUNQUEIRA, 2006, p. 45), o qual dispõe que "o fato de ter o condenado participado de organização criminosa antes de entrar no cárcere não é suficiente para determinar a imposição do RDD, que deve se basear em atos praticados durante o cumprimento da pena, visto que é sanção disciplinar".

Portanto, para que não se tome uma medida tão drástica quando presentes apenas fundadas suspeitas, deve-se comprovar devidamente algum fato ligando o interno a uma sociedade criminosa.

3.4 Considerações Finais.

Nesse ponto, é interessante notar o pensamento daqueles que entendem pela constitucionalidade do instituto. Argumentam que não pode haver bis in idem por se tratar de instâncias diversas, ou seja, o crime é penal e a sanção do RDD, administrativa.

Não obstante esse argumento, tecnicamente, possa estar adequado, nosso entendimento é no sentido contrário. É preciso pensar na pessoa do condenado, uma vez que, na prática, ele estará sofrendo duas vezes pelo mesmo fato.

Nota-se que o RDD é instituto de gravidade extrema e provoca, de forma inequívoca, constrangimento ao condenado e ao seu direito de liberdade, não se trata de uma simples sanção, mas de uma repressão séria que pode causar prejuízos à integridade física e psíquica no condenado por uma coisa que supostamente participa.

Luiz Flávio Gomes (2006), novamente, em seu artigo "RDD e Regime de Segurança Máxima", destaca:

"O Estado constitucional, democrático e garantista de Direito é o que procura o equilíbrio entre a segurança e a liberdade individual, de maneira a privilegiar, neste balanceamento de interesses, os valores fundamentais da liberdade do ser humano. O desequilíbrio em favor do excesso de segurança com a conseqüente limitação excessiva da liberdade das pessoas implica, assim, em ofensa ao referido modelo de Estado ".

É preciso destacar, ainda, que muitos autores que defendem a inconstitucionalidade do RDD também proclamam que ele fere a individualização da pena, já que extrapola o regime de cumprimento de pena imposto na sentença.

Em outras palavras, entendem que há afronta ao art. , XLVI da Constituição , que trata da individualização da pena, que engloba não somente a aplicação da pena propriamente dita, mas também a posterior execução, com a garantia, por exemplo, da progressão de regime.

Outrossim, diga-se de passagem, que se o próprio STF declarou inconstitucional o cumprimento da pena em regime integralmente fechado quem dirá o Regime Disciplinar Diferenciado nessas hipóteses anteriormente alinhavadas?

Em suma, a conclusão que se chega é que o instituto da forma em que foi concebido é inconstitucional, porquanto ofende aos princípios da presunção de inocência, da dignidade, do devido processo legal e do non bis in idem .

4. Novo Projeto.

Por incrível que possa parecer, não obstante os absurdos apontados no Regime Disciplinar Diferenciado, tramita no Congresso Nacional, o Projeto nº 179 /2005, que estabelece condições ainda mais gravosas.

Esse projeto faz parte do denominado "pacote antiviolência", aprovado no Senado, no dia 17 de maio de 2006, logo após a primeira onda de ataques do PCC.

O projeto consiste em alterar novamente a Lei de Execucoes Penais a fim de agregar ao art. 52 um novo dispositivo.

Esse novo dispositivo sujeita ao regime de segurança máxima o preso provisório ou condenado sobre o qual recaírem fundados indícios de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização criminosa.

Estabelece como características: duração máxima de 720 dias, sem prejuízo de repetição; recolhimento em cela individual; visitas mensais com o máximo de dois familiares, separados por vidro e comunicação por meio de interfone, com filmagem e gravações encaminhadas ao Ministério Público; banho de sol de até duas horas diárias; comunicação vedada com outros presos nas saídas para banho de sol e exercícios físicos, assim como entre o preso e o agente penitenciário; vedação da entrega de alimentos e bebidas por parte de visitantes; proibição do uso de aparelhos telefônicos, som, televisão, rádio e similares e contatos mensais com advogados.

Portanto, se o RDD já pode ser considerado abusivo e agressor das principais garantias constitucionais, quem dirá algo mais gravoso que ele. Trata-se de um anseio infundado em responder aos apelos da mídia, que, a todo momento, proclama essa espécie de barbárie.

5. Principais julgados sobre o RDD.

Nesse capítulo, expor-se-ão os principais julgados acerca do Regime Disciplinar Diferenciado, mormente aqueles proferidos pelos Tribunais Superiores.

O Supremo Tribunal Federal ainda não se posicionou sobre a constitucionalidade do tema, nem mesmo de forma indireta. Em pesquisa realizada na página eletrônica, não foi localizado julgado, acórdão, decisão monocrática que abordassem o tema do Regime Disciplinar Diferenciado.

O Superior Tribunal de Justiça (2006), por sua vez, já se manifestou poucas vezes sobre o tema. Eis um dos julgados:

"EMENTA - HABEAS CORPUS. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. ART. 52 DA LEP . CONSTITUCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ESPECIAL. REEXAME DE PROVAS. IMPROPRIEDADE DO WRIT. NULIDADE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA NÃO RECONHECIDA.

1. Considerando-se que os princípios fundamentais consagrados na Carta Magna não são ilimitados (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas), vislumbra-se que o legislador, ao instituir o Regime Disciplinar Diferenciado, atendeu ao princípio da proporcionalidade. (grifo nosso) 2. Legitima a atuação estatal, tendo em vista que a Lei n. 10.792 /2003, que alterou a redação do art. 52 da LEP , busca dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabelecimentos penais, bem como resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada por criminosos que, mesmo encarcerados, continuam comandando ou integrando facções criminosas que atuam no interior do sistema prisional - liderando rebeliões que não raro culminam com fugas e mortes de reféns, agentes penitenciários e/ou outros detentos - e, também, no meio social.(...) 5. Ordem denegada.(grifou-se)"

Portanto, como se vê, o Superior Tribunal de Justiça encara o Regime Disciplinar Diferenciado como uma medida necessária dentro dos estabelecimentos penitenciários. Não faz análise crítica dentro dos princípios constitucionais e, simplesmente, aplica a Lei e seus requisitos.

A única menção que faz aos princípios da proporcionalidade e da individualização das penas é que tais princípios não são ilimitados, motivo por que autorizariam a presença de um instituto como o RDD em nosso ordenamento jurídico.

É de suma relevância, ainda, trazer à baila um julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual discorda do entendimento emanado do STJ e considera o Regime Disciplinar Diferencial inconstitucional.

Eis o teor do acórdão prolatado no Habeas Corpus nº. 978.305.3/0-00 oriundo da Primeira Câmara do TJSP:

"(...) O chamado RDD (Regime disciplinar diferenciado), é uma aberração jurídica que demonstra à sociedade como o legislador ordinário, no afã de tentar equacionar o problema do crime organizado, deixou de contemplar os mais simples princípios constitucionais em vigor. (...) Independentemente de se tratar de uma política criminológica voltada apenas para o castigo, e que abandona os conceitos de ressocialização ou correção do detento, para adotar" medidas estigmatizantes e inocuizadoras "próprias do" Direito Penal do Inimigo ", o referido"regime disciplinar diferenciado"ofende inúmeros preceitos constitucionais". E continua o insigne Magistrado, "trata-se de uma determinação desumana e degradante (art. , III , da CF), cruel (art. , XLVII , da CF), o que faz ofender a dignidade humana (art. , III , da CF). (...) O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, ao entender como inconstitucional o citado regime disciplinar, ainda deixou evidente que a medida" é desnecessária para a garantia da segurança dos estabelecimentos penitenciários nacionais e dos que ali trabalham, circulam e estão custodiados, a teor do que já prevê a Lei 7.210 /84 ".

(...)

No entanto, é importante comentar que o professor e Promotor de Justiça do Estado de São Paulo, Rogério Sanches (2007, p. 25), discorda de tal posicionamento advindo do Tribunal de Justiça daquele Estado e observa"Pensamos que a drástica medida é constitucional, desde que utilizada como sanção extrema, excepcional, servindo como derradeira trincheira na correção de reeducando faltoso e perigoso, preferindo o juiz, sempre que possível e suficiente (critério de proporcionalidade), as sanções outras trazidas na mesma lei."

Finalmente, apenas para não deixar este artigo órfão de informação no que tange ao Supremo Tribunal, embora ainda não tenha se posicionado sobre a constitucionalidade do tema, consoante supramencionado, deve-se destacar que houve um julgado no sentido de que eventual inconstitucionalidade declarada deveria ser feita pelo Pleno do Tribunal Estadual e não por Câmara isoladamente.

O Ministro Celso de Mello, no HC 88.508 - RJ, pondera:

"O impetrante, ao postular a remoção cautelar do ora paciente"para uma das unidades prisionais comuns do Estado do Paraná"apóia a recentíssima decisão proferida pela colenda Primeira Câmara Criminal do E. Tribunal de Justiça paulista, que teria declarado a inconstitucionalidade de determinado ato estatal (Resolução SAP n. 026 /2001) que instituiu,no âmbito do Estado de São Paulo, o regime disciplinar diferenciado (RDD).

Cabe-me observar, neste ponto, que a referida declaração de inconstitucionalidade - caso confirmada - não poderia emanar daquela colenda Câmara Criminal que, por ser órgão meramente fracionário, não dispõe de competência para formular juízo de ilegitimidade constitucional, considerada a norma inscrita no art. 97 da Constituição da República.

Como se saber, a inconstitucionalidade de qualquer ato estatal (ainda que se trate de mera resolução administrativa) só pode ser declarada pelo voto da maioria da totalidade dos membros do Tribunal ou, onde houver, dos integrantes do respectivo órgão especial (como ocorre em São Paulo), sob pena de absoluta nulidade da decisão emanada do órgão fracionário (Turma, Câmara ou Seção)".

6.O RDD e os Tratados Internacionais.

Analisar-se-á, nesse tópico, as características do Regime Disciplinar Diferenciado e suas hipóteses de cabimento à luz dos principais Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil e que possuam pertinência com o tema.

A Convenção Americana de Direitos Humanos foi adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969 e ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992.

O artigo 5º, 1, 2 e 6 e o artigo 11, 1, do referido Pacto dispõem:

" Artigo 5º - Direito à integridade pessoal

1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

(?)

6. As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.

(?)

Artigo 11 - Proteção da honra e da dignidade. Toda pessoa tem direito ao respeito da sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade ".

Como se expôs neste artigo, são inconstitucionais: a duração do RDD; as hipóteses que envolvem a suspeita de o condenado participar de organização criminosa e de apresentar alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal/sociedade.

Essas circunstâncias que revelam, no nosso entendimento, a inconstitucionalidade do instituto, que contrariam não somente a Constituição Federal , assim como o Pacto de San José da Costa Rica, segundo o teor dos artigos supramencionados.

Nessas hipóteses de inconstitucionalidade, é certo que há desrespeito à integridade física, psíquica e moral do condenado, além de revelar trato degradante o qual desrespeita a dignidade do ser humano.

O fato de incluir alguém em condições tão gravosas pelo simples fato de haver suspeita em organização criminosa ou de apresentar alto risco à sociedade, viola a finalidade essencial da pena privativa de liberdade, que é a reforma e a readaptação social do condenado.

Por sua vez, a Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis desumanos ou degradantes foi adotada pela Resolução 39 /46, da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1984 e adotada pelo Brasil em 28 de setembro de 1989.

Essa Convenção estabelece, em sua maior parte, o procedimento para combater a tortura. No entanto, o artigo 1º estabelece o que é tortura, vejamos:

"Artigo 1º - Para fins da presente Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais , são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas ; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.

O presente artigo não será interpretado de maneira a restringir qualquer instrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa conter dispositivos de alcance mais amplo ". (grifou-se).

A permanência do indivíduo no RDD por 360 dias ou mais; a inclusão do condenado nesse"regime"por meras suspeitas ou por apresentar alto risco pode causar dor ou sofrimento agudo, físicos ou mentais e ser visto como um castigo a ato que o réu possa ter cometido.

Enaltece-se, ainda, nesse tópico do estudo, a Declaração de Direitos e Deveres do Homem, proclamada pelas Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Os artigos que merecem destaque e se coadunam com o tema são:

" Artigo I. Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa.

(?)

Artigo XVIII. Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve poder contar, outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justiça a proteja contra atos de autoridade que violem, em seu prejuízo, qualquer dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente.

(...)

Artigo XXVI. Parte-se do princípio de que todo acusado é inocente, até provar-se-lhe a culpabilidade. Toda pessoa acusada de um delito tem direito de ser ouvida em uma forma imparcial e pública, de ser julgada por tribunais já estabelecidos de acordo com leis preexistentes, e de que se lhe não inflijam penas cruéis, infamantes ou inusitadas ".

A respeito dos tratados acerca dos direitos humanos, vale a pena destacar o comentário da pesquisadora Helena Singer, do Núcleo de Estudo da Violência (USP):

" Apesar desse desejo de mudanças, partidários e críticos da penalização e da punição concordam em um aspecto: a punição é um recurso conservador, para a manutenção da ordem, o restabelecimento de normas que foram rompidas e a afirmação dos valores morais de uma sociedade. (...) É importante que fique clara a relação entre regra e punição: a punição repara a falta de maneira sempre proporcional. O desrespeito à regra desmoraliza porque prejudica a fé (...) na disciplina, o que significa que a punição não serve para normalizar o delinqüente e sim para dar uma satisfação ao obediente. Por isso mesmo, a punição deve ser pública e sua publicidade também deve ser proporcional à gravidade do ato cometido ".

Portanto, além da incompatibilidade do instituto com a Constituição Federal e com o Pacto de San José, o RDD também viola essa Convenção contra a Tortura, prática que é reprimida em todas as suas formas.

6.1 Nova Posição dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no Ordenamento Jurídico

Conforme a Emenda Constitucional nº 45 trouxe ao nosso ordenamento jurídico, os tratados relativos aos Direitos Humanos são incorporados como equivalentes às emendas constitucionais, segundo o artigo , § 3º , da Carta Magna , que assim versa:"Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais ".

Consoante a moderna lição do doutrinador Luiz Flávio Gomes (2007):

" A nova pirâmide normativa (o novo edifício do Direito), destarte, passou a ter três patamares (andares): no de baixo está a legalidade, no topo está a Constituição e no andar do meio encontra-se o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH). No plano formal (repita-se) essa é a nova pirâmide normativa que emana da recente doutrina do STF ".(...)

Não é demais ressaltar que, recentemente, o STF proclamou o status supralegal dos tratados de direitos humanos, no julgamento do RE n. 466.343 .Portanto, é certo que a interpretação das normas de direitos humanos nos tratados internacionais, hoje, ganharam força e novo patamar em nosso ordenamento jurídico. Obviamente, é um assunto novo em que as posições ainda não estão sedimentadas, entretanto, é inegável o objetivo do legislador constituinte ao alterar e reconhecer a relevância desse assunto, além de colocá-lo em posição de destaque em nossa Carta Magna o que nos induz ainda mais a estudá-lo para uma aplicação mais eficaz.

7.Conclusão

Diante de tudo que foi estudado nesse artigo, é possível concluir que, mais uma vez, o legislador e os aplicadores do Direito utilizam-se de um meio ineficaz para combater à criminalidade.

Isso porque a própria Lei foi iniciada como uma medida legitimadora das resoluções administrativas já existentes sobre o tema. Não obstante essa discussão, o que se vê, principalmente a partir dos anos 90, é que várias leis criminais são apresentadas como um conforto para a questão da violência e da segurança pública, escancaradas pela mídia como um"show business".

O Regime Disciplinar Diferenciado, sem dúvida, representa, atualmente, a mais drástica sanção disciplinar, que abarca características as quais deixam o preso em situação degradante, mormente, a duração máxima de 360 dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie.

Inserida nessa idéia, encontra-se também a hipótese de cabimento consistente na inserção ao RDD do preso que apresenta alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade e sobre o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

Repise-se que tanto a duração de 360 dias como o fato de inserir no RDD aqueles sobre os quais recaiam somente suspeitas foram situações entendidas como inconstitucionais pela autora deste artigo, em virtude da transgressão aos princípios da dignidade, da proibição de pena cruel, desumana e degradante, da proibição do bis in idem, da presunção de inocência, da individualização da pena, do devido processo legal e da proporcionalidade.

Sobre o ponto da proporcionalidade, especialmente, vale destacar os dizeres do Ministro Gilmar Mendes (2007, p. 127), ao consignar que a doutrina constitucional mais moderna defende que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não somente sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada, mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecida pelo princípio da proporcionalidade.

Finalmente, analisou-se o RDD à luz dos mais importantes tratados internacionais sobre direitos humanos.

Diante disso, é possível concluir que o Regime Disciplinar Diferenciado viola flagrantemente o Pacto de São José da Costa Rica, a Convenção contra a tortura e a Declaração dos Direitos do Homem.

Em arremate a essa conclusão, expôs-se o novo posicionamento interpretativo a respeito dos tratados internacionais de direitos humanos. A mais moderna discussão reside na nova pirâmide normativa, a qual passou a ter três andares: no de baixo, a legalidade; no topo, a Constituição e no andar do meio, o Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH).

Mais importante que o aspecto formal da pirâmide é o aspecto material, uma vez que deve preponderar, na prática e na vivência do Direito, o conteúdo da norma. Ou seja, sempre prevalece aquela norma que mais assegurar o direito violado.

Em suma, o RDD faz parte de uma lei válida, mas não vigente nesse ponto. Precisa, com urgência, ser revista, a fim de se compatibilizar com a nossa Constituição e com os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, dos quais o Brasil faz parte, a fim de fornecer aos presos uma reprimenda justa e condizente com as diretrizes e princípios estabelecidos em nosso ordenamento jurídico.

Referências Bibliográficas:

CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias: Uma leitura de Luigi Ferrajoli no Brasil. Lumen Juris, 2001.

DELMANTO, Roberto Júnior. Desconsideração Prévia de Culpabilidade e Presunção De Inocência. Bol. Ibccrim, 2003 n. 70, Pág. 18. Acessado em 01 de outubro de 2007. Disponível em: http://www.delmanto.com/artigo09.htm.

GOMES FILHO, ANTÔNIO MAGALHÃES. O Princípio da Presunção de Inocência na Constituição De 1988 e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Revista do Advogado. AASP, n. 42, abril de 1994.

GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches e CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. O Regime Disciplinar Diferenciado é constitucional? O Legislador, O Judiciário e a Caixa de Pandora, . Disponível em http://www.lfg.com.br

GOMES, Luiz Flávio. RDD e regime de segurança máxima. Acessado em 02 de outubro de 2006. Disponível em: http://www.lfg.com.br.

GOMES, Luiz Flávio. Direito dos direitos humanos e a regra interpretativa" pro homine ". Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1485, 26 jul. 2007. Disponível em: Reforma criminal - comentário às leis: Lei 10.792 /03 e outras. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

JUNQUEIRA, Gustavo O Diniz et FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. 3ª ed, São Paulo: Premier Máxima, 2006.

KUEHNE, Maurício. Alterações à execução penal - primeira impressões em reforma criminal. 2004.

KUEHNE, Maurício. Considerações sobre as alterações trazidas pela Lei nº 10.792 /2003. Acessado em 27 de julho de 2006. Disponível em: www.uvb.com.br/main/posgraduacao/CienciasCriminais/AulasImpressas/EP_AULA02_Facultativa.pdf.

MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO Inocêncio Mártires e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. Editora Atlas. 11ª Edição 2004.

SINGER, Helena. Núcleo de Estudo da Violência. Posição hierárquica dos Direitos Humanos. Acessado em 27 de julho de 2006. Disponível em http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Biblio/txt/helena.html

QUEIROZ, Paulo Queiroz e MELHOR, Adeleine. Princípios Constitucionais da Execução Penal. Leituras Complementares da Execução Penal. Editura Juspodium. 2006.

Jurisprudência:

Habeas Corpus n. 47.516. Relatora: Ministra Laurita Vaz. Julgamento em 23/02/2006, publicado no DJ de 20/03/2006. Acessado em 01/09/2007.

Habeas Corpus n. 88.508. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgamento em 05/09/2007, publicado no DJ de 15/09/2006. Acessado em 06/09/2007. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=88508&classe=HC&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M.

Habeas Corpus 978.305.3. Relator: Desembargador Borges Pereira. Julgamento registrado em 29/08/2006. Acessado em 10/09/2007. Disponível em: http://cjo.tj.sp.gov.br/esaj/jurisprudencia/consultaSimples.do.

Recurso Especial n. 662.637. Relator: Ministro José Arnaldo da Fonseca. Julgamento em 07/04/2005, publicado no DJ de 09/05/2005. Acessado em 01/09/2007. Disponível em http://ww.stj.gov.br/webstj/processo/Justiça/detalhe.asp?numreg=200400700681&p V=000000000000.

  • Sobre o autorTradição em cursos para OAB, concursos e atualização e prática profissional
  • Publicações15364
  • Seguidores876140
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações22687
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/analise-da-in-constitucionalidade-do-regime-disciplinar-diferenciado-fernanda-cintra-lauriano-silva/1409969

Informações relacionadas

Artigoshá 5 anos

Primeiras linhas do garantismo penal tridimensional

Thales Eduardo Gonçalves Santos, Bacharel em Direito
Artigoshá 7 anos

Regime Disciplinar Diferenciado - RDD

Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes
Notíciashá 14 anos

É possível que o preso provisório seja submetido ao RDD (regime disciplinar diferenciado)? - Valdirene Aparecida Santos

Canal Ciências Criminais, Estudante de Direito
Artigoshá 6 anos

As causas de inimputabilidade previstas pelo Código Penal

Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes
Notíciashá 14 anos

Ética: Conduta Ideal e Conduta Real - Fernanda Cintra Lauriano Silva

2 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Simplesmente fantástico o seu artigo!!!! continuar lendo

Parabéns pelo artigo, achei espetacular!!!!!!!! continuar lendo