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3 de Junho de 2024

Da inconstitucionalidade da criação da Defensoria Pública Municipal

há 9 anos

Sumário: 1.) A Defensoria Pública e sua contemplação normativa constitucional; 2.) Da institucionalização da Defensoria Pública Municipal como violação dos direitos humanos; 3.) Da inconstitucionalidade material; 4.) Da inconstitucionalidade formal; 5.) Das implicações penais; 6.) Da limitação do Tribunal de Contas e Orçamentária; 7.) Das complicações de ordem prática; 8.) Do posicionamento do Ministério Público sobre a Defensoria Pública Municipal; 9.) Conclusão; 10.) Referências Bibliográficas.

1.) A Defensoria Pública e sua contemplação normativa constitucional:

Consoante estabelece o art. 134, caput, da CF/1.988, incumbe à Defensoria Pública, enquanto instituição essencial à função jurisdicional do Estado, que se distingue da administração da justiça pelos Advogados ( art. 133 ) [1], a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. , LXXIV[2].

A conjugação de tais preceptivos com o art. 8º, 2, e, da Convenção Americana de Direitos Humanos deixa antever a obrigatoriedade da prestação, pelo Estado, de assistência jurídica integral e gratuita, o que é mais amplo do que assistência judiciária, inclusive de forma extrajudicial em todas as comarcas existentes (art. 130, § 2º, da Constituição Mineira) aos que comprovarem insuficiência de recursos financeiros.

Assim sendo, nítida é a intenção do constituinte originário de atribuir à Defensoria Pública[3][4], principalmente pela esclarecedora norma contida no 4º, § 3º, da Lei Complementar Estadual Mineira nº 65/03 a função de concretizar o direito fundamental de acesso à ordem jurídica justa.

Pelo presente artigo, pois, pretende-se abordar a ilegal usurpação, em diversos aspectos, inclusive no âmbito internacional, do exercício das funções institucionais da Defensoria Pública pelos Municípios através das assistências jurídicas municipais.

2.) Da institucionalização da Defensoria Pública municipal como violação dos direitos humanos

O Brasil, dentro do seu amadurecimento político e internacional aderiu e se subordinou a inúmeros tratados de proteção dos direitos da pessoa humana.

Dentro do contexto regional ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica (Decreto nº 678/92), cuja violação pode implicar em responsabilidade internacional (art. 2º).

Nesse contexto, o art. 8º, 2, e, assevera que toda pessoa tem o direito de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, cujo paradigma, no plano interno constitucional deflui da conjugação do art. 134 e art. 5º, LXXIV.

Portanto, considerando que só a União pode legislar de forma geral sobre a instituição da Defensoria Pública, com suplementação estadual em pontos específicos (art. 24, XIII, da CF), verifica-se que a sua criação em âmbito municipal incorreria em manifesta violação dos direitos humanos.

A certeza da afirmação decorre da inexistência, por parte de tal assistência jurídica municipal, de inúmeras premissas para acesso à justiça igualitária v. G., da independência funcional e técnica, indivisibilidade (por terem necessidade de procuração), vedação da Advocacia, constituição de carreira e autonomia perante o próprio Município, despindo-a de efetividade aos “estratos mais economicamente débeis da coletividade”[5].

Basta imaginarmos que o Advogado municipal não irá postular em desfavor do próprio ente de forma emergencial em casos de fornecimento de medicamento, não só em razão das ingerências políticas, como também pelo que dispõe o art. 30, I, da Lei nº 8.906/94, o que não ocorre com o Defensor Público, ex-vi-legis do art. , § 2º, da LC nº 80/94.

Ademais, por melhores que sejam os profissionais contratados, não possuem as prerrogativas dos Defensores Públicos e baseiam-se num modelo proveniente da advocacia, sem a busca constante da efetividade nem adoção das práticas de Justiça Restaurativa e acesso efetivo à ordem jurídica justa, como seria desejável[6].

Tampouco atuam na esfera administrativa ou extrajudicial[7], além de não se submeterem a concurso público, como determina o art. 134, da CF/88 e sujeição a Corregedoria, demonstrando que se destinam mais a interesses eleitoreiros do que a prestação de um serviço de qualidade[8], frustrando a universalização da jurisdição e a própria função específica do Poder Judiciário.

Analisando a situação da inexistência de defesa efetiva, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Caso Tibi vs. Equador, sentença de 07/09/2.004[9], firmou a violação da convenção, porquanto o cidadão ficou detido pelo período de um mês sem assistência jurídica prejudicando sua defesa técnica em juízo e a sua própria autodefesa, que não pode ser meramente formal.

Tal conjuntura de transgressão aos direitos humanos é diuturna no Brasil, bastando-se ver a notícia propalada pela Associação Nacional dos Defensores Públicos – ANADEP[10], segundo a qual, verbis:

“Dentro de uma cela da 4ª Delegacia de Polícia, em Mãe Luiza, Welington Inácio da Silva, de 21 anos, pede para ser escutado. Preso sob acusação de cometer um assalto, ele alega que sua família não tem condições financeiras de pagar um advogado. Apesar de estar detido há cerca de três meses, ainda não conseguiu um defensor público para representá-lo. A cada dia que passa, vê a primeira audiência na Justiça se aproximar. E o medo de estar desamparado o incomoda. Welington está dentro do contingente de potiguares que não têm acesso à Defensoria Pública, um direito garantido pela Constituição Federal a todos os cidadãos."

Desta forma, nos locais onde a Defensoria Pública estiver mal estruturada, como na situação potiguar, a violação é manifesta, sendo certo que tampouco a malsinada Defensoria Pública municipal lograria reverter tal situação. Ao revés, iria piorar, por não poder se sub-rogar da prerrogativa contida no art. 306, § 1º, do C. P. P., deixando os encarcerados à própria sorte, num plano posterior de defesas simbólicas em Juízo. Fácil perceber, neste contexto, que haverá reflexos na segurança pública também, e não apenas pelo contato direto com a população carcerária.

Ad-argumentandum, no caso de Minas Gerais a gravidade dos fatos se majora, pois além de não haver Defensores Públicos em todas as comarcas como determina a Constituição Estadual, o preso provisório, nas localidades desprovidas de tais profissionais, além de não ter assistência jurídica efetiva, não pode, ao arrepio gritante do art. , LXIII e art. 136, § 3º, IV, ambos da CF, antes de 30 (trinta) dias, receber visita dos seus familiares e tomar banho de sol, bastando-se ver o disposto no art. 6.121 e 6.1.21.1 do Procedimento de Gestão e Segurança – PG. GP.01.01 emanado pela Secretária de Estado de Defesa Social, o que também fere a sua autodefesa, criando uma situação de segregação provisória com ares medievais.

Portanto, somente através de uma instituição (Defensoria Pública) com envergadura constitucional cercadas de prerrogativas que se revela o seu potencial de “instrumento de concretização dos direitos humanos”[11][12], sendo ilegal os serviços prestados pelas assistências jurídicas municipais.

3.) Da inconstitucionalidade material:

Decompondo a situação sob a perspectiva da inconstitucionalidade material, mister enfatizarmos que a prestação da assistência jurídica, integral e gratuita encontra-se prevista no art. 5.º, LXXIV, no capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, protegida pela cláusula pétrea do art. 60, § 4º, IV, ambos da Carta Magna.

Desse modo, qualquer alteração que possa ameaçar tal direito fundamental, como a criação da Defensoria Pública municipal ou assistência jurídica correlata, ainda que por proposta de emenda constitucional deve ser rejeitada, especialmente quando enfraquecetal instituição que efetiva o acesso à justiça.

Tratando-se, pois, de cláusula pétrea[13], falta ao legislador constituinte derivado a autonomia material para alterar a organização político-administrativa, quando transfere as obrigações das Defensorias Públicas da União ou Estado para os Municípios.

O constituinte originário já estipulou a repartição rígida e limitada de competência entre os entes federativos de tal sorte a não permitir o Município legislar sobre Defensoria Pública, o que, se ocorrente, certamente acabará ferindo os princípios constitucionais sensíveis.

Veja-se que a norma normarum prevê, em seu art. 24, XIII, a competência concorrente para União, Estados e Distrito Federal legislarem sobre assistência jurídica e Defensoria Pública, inexistindo na sistemática constitucional qualquer possibilidade de competência legislativa ou material para os entes municipais instituírem ou organizarem o relevante primado do acesso à Justiça.

Os Estados-membros já têm a competência residual estabelecida no art. 25, § 1º, e aquela descrita de forma concorrente no art. 24, não havendo disposição que possibilite, de forma direta ou indireta que Municípios possam imiscuir-se na seara da assistência jurídica e também Defensoria Pública, consoante o art. 30, todos da CF/88.

Apenas por argumento, vale afirmar que nem mesmo a organização de serviços públicos de interesse local, na norma dos incisos I e V do referido preceptivo, podem abrigar a tese das Defensorias Públicas municipais.

A par disso, o princípio da simetria é aplicado ao Federalismo brasileiro, pois a Carta Excelsa estruturou um sistema de repartição de competências que refez o equilíbrio das relações entre o poder central (União) e os poderes estaduais e municipais. Qualquer diminuição nas competências legislativas ou materiais dos Estados-Membros também importaria alteração na sistemática de distribuição de competência e conseqüente ameaça ao modelo Federativo no desenho concebido pelo Constituinte Original (cláusula pétrea insculpida no art. 60, § 4º, I).

O sistema de repartição de competências estabelecido na Constituição, com bastante equilíbrio na atividade de institucionalização da Assistência Jurídica e Defensoria Pública pela União, pelos Estados e Distrito Federal, impede aprovação da proposta que municipaliza este direito fundamental dos arts. , LXXIV e 134, ambos da CF.

Devemos lembrar que não há Poder Judiciário e nem Ministério Público municipais, não sendo por acaso tal opção constitucional, eis que indelegável a jurisdição e a titularidade da ação penal, assim como a assistência judiciária integral e gratuita, bastando-se ver o posicionamento do Ministro da Justiça na exposição de motivos da PEC nº 144/2.007[14].

A doutrina de Pedro Lenza afirma que, “o que existem são núcleos da Defensoria Pública, tanto a Federal como a Estadual nos Municípios [...]”[15], seguindo, em linhas gerais, o modelo do Poder Judiciário, como afirma Junkes[16], bastando-se analisar, também, a dicção legal do art. , da Lei nº 1.060/50 que remete o ente municipal a mero colaborador da Defensoria Pública a nível Estadual e/ou Federal instalada in-loco, e não como criadora de tal instituição.

Assim, não seria nada razoável a criação de uma Defensoria Pública municipal em desconformidadecom o sistema político-administrativo no contexto do sistema de Justiça, por manifesta inconstitucionalidade material e transgressão dos princípios sensíveis que pode desencadear o excepcional processo de intervenção ( art. 37, VII, b, da CF ).

E só para assegurar a veracidade do alegado, basta meditar sobre a PEC nº 12/2.007, de autoria da Deputada Federal Solange Amaral e outros[17], que visa criar a Defensoria Pública municipal. O projeto recebeu parecer pela inadmissibilidade através do controle prévio de constitucionalidade da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania[18] por se tratar, segundo o Deputado-Relator, de uma afronta aos preceitos constitucionais da forma federativa de Estado, da separação dos Poderes, bem como, por criar uma obrigação para os municípios ferindo o princípio da simetria constitucional (não há Poder Judiciário e nem Ministério municipal) ao estabelecer uma nova vinculação sem qualquer paradigma[19].

4.) Da inconstitucionalidade formal:

Além da exposição supra, imperiosa a concatenação legislativa a seguir exposta que também demonstra ser inconstitucional, por vício de iniciativa e usurpação da competência estadual, de qualquer legislação municipal sobre Defensoria Pública.

De acordo com a Carta Excelsa, somente a União, os Estados e o Distrito Federal podem legislar, concorrentemente, sobre a Defensoria Pública (art. 24, XIII), o que também encontra respaldo na Constituição Mineira no seu art. 10, XV, n.

Ademais, somente por meio de Lei Complementar, aludidas no art. 134, parágrafo único, § 1º da CR/88 é possível legislar sobre Defensoria Pública, cuja iniciativa e competência é exclusiva do Presidente da República, bastando-se ver, ictu-oculi, o art. 61, § 1º, II, d.

Dispondo a Constituição Federal que somente os Estados têm competência legislativa residual (art. 25, § 1º), além do restritivo art. 24, XIII, há, de forma indubitável, vedação constitucional para a criação de Defensorias no âmbito dos municípios, tanto que a EC nº 45/04 garantiu a autonomia somente às Defensorias Públicas Estaduais (art. 134, § 2º).

Tal exegese restou ratificada na ADIN nº 2001.007.0072 julgada pelo TJRJ, ao acentuar que a edição de Lei Municipal visando aparelhar a Defensoria Pública Estadual estaria usurpando a iniciativa do Estado, calhando sua inconstitucionalidade.

No parecer do Ministério Público, na referida ação constitucional, restou asseverado, verbis:

Não é por outra razão que a Constituição Mineira enfatiza que cabe ao Estado instalar Defensorias Públicas em todas as comarca, o que exclui, mais uma vez, qualquer atribuição municipal, sendo certo que a Lei Complementar Estadual Mineira nº 65/03 é taxativa ao assegurar que compete à Defensoria Pública a assistência jurídica aos necessitados de forma privativa (art. 5º, § 3º) ou exclusiva, segundo o STF, no julgamento da ADIN nº 3.700-5/RN.

5.) Das implicações penais e administrativas

No caso dos profissionais que atuem nestas Assistências Jurídicas Municipais haverá, inclusive, responsabilização criminal pela prática do crime de usurpação de função pública (art. 328 do Código Penal), tanto que a Corregedoria da Defensoria Pública da Bahia, visando sanear nulidade dos processos onde Advogados atuem ilegalmente como Curadores Especiais, editou o Ato nº 02/2.006 orientado a tomada de medidas, inclusive criminais, para estancar tal ingerência[20].

Havendo usurpação da função do Defensor Público, caracterizado estará o delito, por não se exigir dolo específico, motivo pelo qual o simples ingresso em órgão de tal natureza já tipifica o delito, por não estar investido legalmente no cargo cuja delegação de competência é vedada.

Não bastasse tão imputação, o pseudo Defensor Público municipal ainda poderá responder judicialmente por ato de improbidade administrativa em litisconsórcio com o Chefe do Executivo Municipal com obrigação de devolução, em tese, da remuneração auferida pela ocupação de cargo e função ilegal, que não se convalida por edição de nenhuma lei por padecer de vício embrionário insanável.

Apenas para diagnóstico específico, no caso de usurpação da função de Curador Especial, também privativa da Defensoria Pública ( art. 4º, VI, da LC nº 80/84 c. C. Art. 5º, VIII, da LCE nº 65/03 )[21], o Estado acaba sendo lesado, porquanto paga regularmente o subsídio do Defensor e, de outro lado, o do Defensor dativo nomeado ilegalmente, o que denota ato de improbidade administrativa que não se saneia pelo despacho judicial, ante o que dispõe o art. 4º c. C. art. 11, ambos da Lei nº 8.429/92.

6.) Da limitação do Tribunal de Contas e Orçamentária

Sob a perspectiva do controle do Tribunal de Contas é de se enfatizar que há várias consultas formuladas no Estado de Minas Gerais que restaram esclarecidas não ser de competência do Município a prestação de assistência judiciária às pessoas carentes, por aventar atribuição do Estado.

Nesse sentido foi a Consulta nº 105.143-1/93, da Câmara Municipal de Lajinha e a de nº 687.067, oriunda do Município de Pedro Leopoldo, que recebeu, esta última, a seguinte ementa, verbis:

“Município. Prestação de Assistência Jurídica às pessoas carentes. Ilegalidade por se tratar de competência estadual. Remessa, ao consulente, de cópia das notas taquigráficas da consulta nº 105.143-1/93”.

Extrai-se do voto-condutor do Conselheiro Elmo Braz:

“Consulta formulada pelo Prefeito Municipal de Pedro Leopoldo, Sr. Ângelo Tadeu Viana Pereira, acerca da legalidade ou não de o Município disponibilizar serviços de assistência judiciária aos necessitados, contratando advogados para a prestação de tais serviços, e se as dotações orçamentárias necessárias ao custeio dos serviços deverão ser vinculadas a ação social. A Auditoria se manifestou no sentido de que o dever de prestar a assistência judiciária aos carentes é do Estado, através da Defensoria Pública e, portanto, não cabe ao Município fazê-lo.”

Seguindo similar exegese, na Consulta nº 694.461, da Câmara Municipal de Guaranésia, a questão restou decidida nos seguintes termos, litteris:

“Câmara Municipal, Criação, Prestação de Serviço, Atendimento, Orientação, Consultoria Jurídica, População Carente, Competência, Defensoria Pública, Celebração, Convenio, Município, Prefeitura, Estado”

No voto do Conselheiro Sylo Costa restou assentado que não é atribuição da Câmara prestar serviço de orientação e assistência jurídica a pessoas carentes como pretendido, por abordar competência própria da Defensoria Pública Estadual, nos termos do art. 129, da Carta Mineira.

Portanto, diante de tais orientações denota-se que a criação de tais assistências jurídicas municipais implica em manifesta ilegalidade, já salientado, inclusive, pela doutrina[22], que pode ser coarctada pelos Tribunais de Contas, ante o disposto no art. 71, VIII e X, ambos da CF/88.

Registre-se, também, que a falta de concurso público implica em ilegalidade e, se ocorrente, poderá causar superação no limite de despesa com pessoal, por não haver fonte de custeio legal (art. 167, IV e VI, da C. F.) que acarretará nefasta suspensão de repasse de verbas federais ou estaduais em detrimento da população por revelar gasto com atribuição ilegal (Defensoria Pública municipal), abalando, v. G., investimento nas áreas da saúde, educação além de múltiplas infrações a Lei de Responsabilidade Fiscal.

7.) Das complicações de ordem prática

A implantação de assistência jurídica municipal, a título de um paliativo à situação da população carente, escamoteia, em verdade, um problema ainda maior ao jurisdicionado, isto é, acesso meramente formal à justiça social.

Não há, aos Advogados municipais, a possibilidade de utilização das prerrogativas dos Defensores Públicos, contraposição ao ente público municipal, contagem do prazo em dobro, poder de requisição, dispensa de procuração, comunicação sobre os autos de prisão em flagrante, defesa efetiva da tutela coletiva e execução penal, independência funcional, autonomia, preocupação com a justiça restaurativa, etc.

Em caso de não interposição de eventual ação, através de análise do Advogado municipal, este estará dispensado de apresentar ao assistido justificação própria, por escrito, o que também demonstra o descaso para com o direito alheio, o que não ocorre na Defensoria Pública pelo fato de que tal rejeição ter de ser referendada pelo Defensor Público Geral, que respeitará a independência funcional do órgão de execução que indeferiu a assistência originalmente, podendo, se o caso, nomear outro Defensor para atender os interesses do cidadão.

Outrossim, ficarão restritos a proporcionarem acesso dos necessitados ao Poder Judiciário, fazendo juízo de discricionariedade ao não postularem contra o ente instituidor, até mesmo por vedação (art. 30, I, da Lei nº 8.906/94, art. 321, do C. P. E art. , III, da Lei nº 8.137/90), quebrando a ampliação e democratização do acesso à justiça e da orientação jurídica.

Igualmente, não se submetem ao obrigatório concurso público, embora existam profissionais vocacionados e aptos tecnicamente, e tampouco têm controle correcional próprio, o que pode comprometer a qualidade do serviço público que deve ser efetivo, principalmente por lidar com os direitos e garantias da pessoa humana.

Apenas para ilustração, em decisão liminar proferida em Ação Civil Pública, que tramita perante a 4ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Capital Mineira, sob o nº 002407744148-3, restou afastada a possibilidade da contratação de Advogados para prestarem serviços jurídicos perante o sistema penitenciário justamente por ser atribuição da Defensoria Pública, bem como pelo fato de se tratar de "contratação temporária, sem critério legal – objetivo de escolha pela capacidade técnica e científica – poderá comprometer a assistência jurídica dos necessitados”[...], com isso, querendo dizer, é óbvio, que só através deste controle prévio (concurso – provimento nato) e incorporação a uma instituição constitucional organizada, autônoma e permanente é que se viabiliza a efetiva assistência jurídica, desgarrada das influências políticas.

Não bastasse tal vertente, os Municípios não possuem orçamento para instituírem tal serviço, o que poderia acarretar um caos e continuidade noutros setores públicos, criando malservação do dinheiro público e ato de improbidade.

8.) Do posicionamento do Ministério Público sobre a Defensoria Pública municipal:

Além das orientações mencionadas, há de se advertir que o Ministério Público enfatizou no Procedimento nº 001/2.006, que tramitou na 3ª Promotoria de Justiça da Comarca de Campo Belo/MG, da ofensa do princípio da legalidade (art. 37, da CF) ao se instituir a a Defensoria Pública municipal.

A quaestio exsurgiu em razão de o município Cristais/MG, abrangido pela comarca manter servidor exercendo atribuições exclusivas de Defensores Públicos mesmo ciente da impossibilidade da delegação de tais funções pelo Defensor Público Geral, ex-vi-legis do art. 9º, XXI, da Lei Complementar Estadual nº 65/03.

Em parte do seu relatório final, após diagnosticar a impossibilidade da transposição das atribuições da Defensoria Pública, que exige concurso específico[23] e consectária vedação de qualquer outra forma de provimento, o Promotor de Justiça enfatizou que, litteris:

Não podemos admitir que se escuse sob a alegação de desconhecimento da lei: a uma, porque o Administrador só pode agir conforme determina a norma nos termos do princípio da legalidade; a duas, porque no caso específico a diligência mínima que deveria ter era consultar a Defensoria Pública Geral [...]”

“[...] Nesse contexto, emerge a ofensa ao Princípio da Legalidade e o conseqüente enquadramento da conduta à hipótese de improbidade administrativa descrita no art. 10, da Lei nº 8.429/92 [...]”

Como desfecho do inquérito civil, o referido ente municipal, à luz da súmula nº 473, do STF, extinguiu a malsinada Defensoria Pública municipal, comprometendo-se a celebrar convênio com instituição de ensino superior para criação de um núcleo de assistência judicial gratuita sob a supervisão da Defensoria Pública, calhando no arquivamento do procedimento administrativo que foi homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público.

Percebe-se, deste modo, que as atribuições da Defensoria Pública são indelegáveis, por se tratar, o Defensor Público, de um agente público de transformação social com competência criada e estabelecida na Constitucional. Acarreta-lhe, desta forma, a obrigação de exercer pessoalmente suas atribuições, de maneira distanciá-lo de qualquer paradigma em sede municipal que se revela apenas e tão somente como um prestador de serviço impulsionador do Judiciário.

Por-conseguinte, a ótica ministerial potencializa a exegese de que a criação da Defensoria Pública municipal ofende de forma direta e frontal o princípio da legalidade, gerando ato de improbidade, de maneira a revelar que os Municípios têm, em verdade, de cobrar do Estado[24] a inserção da Defensoria Pública Estadual em todas as comarcas em número proporcional ao de habitantes, auxiliando-as nos termos do art. , da Lei nº 1.060/50, e não cria-la, por se revestir de ato ilegal.

A conjugação de esforços resultará na melhor eficiência do serviço público, com ganhos, porquanto estudos e diagnósticos elaborados pelo Ministério da Justiça[25] demonstram certa relação entre a estruturação da Defensoria Pública e a melhora do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) nos Estados.

9.) Conclusão

Do que acima se expôs, conclui-se que o exercício do direito fundamental do cidadão hipossuficiente de acesso à ordem jurídica justa é garantido pela Defensoria Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, quando houver, não havendo aos Municípios competência para legislarem sobre Defensoria Pública e muito menos para prestar esse serviço.

10.) Referências Bibliográficas

Parecer nº 19/2.008, elaborado pelo Defensor Público Leandro Coelho de Carvalho - Assessor da Defensoria Pública Geral do Estado de Minas Gerais.

CARVALHO, Leandro Coelho de. As atribuições da Defensoria Pública sob a ótica do acesso à ordem jurídica justa. Revista de Processo. São Paulo: RT, n.º 156, 2008.

GALLIEZ, Paulo. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. 2ª ed. Rev. E Ampl. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2.007.

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil. Vol. 1, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2.009.

GOMES, Luis Flávio. Direito Penal: Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto de San José da Costa Rica - São Paulo: Revista dos Tribunais – 2.008, pág. 103.

JUNKES, Sérgio Luiz. Defensoria Pública e o Princípio da Justiça Social. Atualizado de acordo com a Emenda Constitucional 45, de 31/12/2004. Curitiba: Juruá, 2.006.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 10ª ed. Rev., atual. E ampl - São Paulo: Método, 2.006.

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 2.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2.006. P. 615.


[1] “[...] A Advocacia não se confunde com a Defensoria Pública. Esta é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXXIV (CF, art. 134). O Defensor Público, ao contrário do advogado exerce função pública. O advogado, designado para exercer defesa de alguém, exerce múnus publicum [...]” (STJ. RHC nº 3.900/SP – RO em HC - 6ª T – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro – DJ 3/4/1.995, P. 8.148);

[2] “O acesso à Defensoria Pública é decorrente de garantia constitucional como segmento do exercício da cidadania. Não é a pobreza que assegura esse direito, e sim a cidadania, pois de outro modo estar-se-ia abrindo espaço para o preconceito”. in, GALLIEZ, Paulo. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. 2ª ed. Rev. E Ampl., Rio de Janeiro: Ed. Lumem Júris, 2.007, p. 39;

[3] STF - ADIN – 3700-5/RN;

[4] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 10ª ed. Rev., atual. E ampl - São Paulo: Ed. Método, março/2.006, pág. 569;

[5] STF - ADIN nº 3700-5/RN;

[6] CARVALHO, Leandro Coelho de. “As atribuições da Defensoria Pública sob a ótica do acesso à ordem jurídica justa”. In: Revista de Processo. São Paulo: RT, n.º 156, 2008.

[7] v. G. - O art. 13, da Lei no10.741/03;

[8] Nesse sentido é o Parecer nº199/2.008, elaborado pelo Defensor Público Leandro Coelho de Carvalho - Assessor da Defensoria Pública Geral do Estado de Minas Gerais;

[9] in, GOMES, Luis Flávio. Direito Penal: Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto de San José da Costa Rica/ - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais – 2.008, pág. 103.

[10] http://www.anadep.org.br/wtk/página/materia?id=5738;

[11] STF - ADI 3819/PE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, julgado em 02.04.2007, DJ 11.05.2007.

[12] http://www.defensoriapublica.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=836&Ite...

[13] GALLIEZ, Paulo César Ribeiro. op. Cit. Pág. 02, pág 15;

[14] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/EXPMOTIV/MJ/2007/143.htm;

[15] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 10ª ed. Rev., atual. E ampl - São Paulo: Ed. Método, março/2.006, pág. 467;

[16] JUNKES, Sérgio Luiz. Defensoria Pública e o Princípio da Justiça Social. Curitiba: Ed. Juruá, 2006, pág. 88;

[17] http://www.câmara.gov.br/sileg/integras/588084.pdf

[18] http://www.câmara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=343927

[19] Extrai da fundamentação do Deputado-Relator, ao analisar a proposta de autonomia orçamentária da Defensoria Pública Municipal que, “até mesmo o dispositivo constitucional escolhido para dar suporte à sua autonomia orçamentária (art. 99, § 2.º) indica sua inadmissibilidade, posto que faz referência ao encaminhamento da proposta pelo Presidente do Tribunal. Inexistindo Tribunais nos Municípios, tem-se clara a quebra da sistemática constitucional e, desta feita, ameaça, também, à separação dos poderes.”

[20] http://www.defensoria.ba.gov.br/index.php?site=1&modulo=eva_conteudo&co_cod=1333;

[21] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil. Vol. 1, 6ª ed., p. 116 – São Paulo: Saraiva, 2.009;

[22] AFONSO, José da Silva. Comentário Contextual à Constituição. 2.ª ed. São Paulo: Malheiros, 2.006. P. 615.

[23] A necessidade de concurso público de provas e títulos para ingresso na carreira, por exemplo, já foi reafirmada pelo Supremo no julgamento das ADI’s 362/AL (Rel. Min. Francisco Rezek) e 1267/AP (Rel. Min. Eros Grau, DJ 10.08.2006). A única exceção está prevista no art. 22 do ADCT, que assegura aos Defensores Públicos investidos na função até a data da instalação da Assembléia Nacional Constituinte (01.02.87) o direito de opção pela carreira.

[24] http://www.defensoriapublica.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=833&Ite...

[25] Disponíveis em www.mj.gov.br/reforma ou www.anadep.org.br.

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