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23 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Partes

Publicação

Julgamento

Relator

Gisele Barra Bossa

Documentos anexos

Inteiro TeorCARF__10830726986201274_c5a4c.PDF
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Inteiro Teor

Processo nº 10830.726986/2012-74

Recurso Voluntário

Acórdão nº 1201-004.782 - 1a Seção de Julgamento / 2a Câmara / 1a Turma Ordinária Sessão de 13 de abril de 2021

Recorrente RESTAURANTE E PIZZARIA MORAES SALLES LTDA - ME

Interessado FAZENDA NACIONAL

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA (IRPJ)

Ano-calendário: 2007, 2008

NULIDADE. INOCORRÊNCIA.

Somente ensejam a nulidade os atos e termos lavrados por pessoa incompetente e os despachos e decisões proferidos por autoridade incompetente ou com preterição do direito de defesa, nos termos dos artigos 10 e 59, ambos do Decreto nº 70.235/72.

ANÁLISE DE CONSTITUCIONALIDADE. IMPOSSIBILIDADE.

Não pode a autoridade lançadora e julgadora administrativa discutir a constitucionalidade de lei em sede administrativa, consoante estabelece o caput do artigo 26-A do Decreto nº 70.235/1972 e o próprio teor da Súmula CARF nº 2: "O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária". Isso ocorrendo, significaria declarar, incidenter tantum , a inconstitucionalidade da lei tributária que funcionou como base legal do lançamento (imposto e multa de ofício).

REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES SOBRE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA. RMF. NULIDADE. INOCORRÊNCIA.

São válidas as provas obtidas pela autoridade fiscal diretamente das instituições financeiras quando a emissão da RMF cumpriu as determinações constantes do Decreto nº 3.724/2001. In casu , a emissão do RMF não se deu com base em mera negativa do contribuinte na apresentação dos extratos bancários, mas sim diante de atitude reiterada do fiscalizado que, intimado e reintimado, deixou de apresentar, durante todo o procedimento fiscal, todos os livros contábeis e fiscais e documentação solicitada pela autoridade fiscal.

QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. INOCORRÊNCIA.

De acordo com a decisão do Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, no Recurso Extraordinário nº 601.314/SP, é constitucional as normas dispostas na Lei Complementar nº 105/01 que autorizam que a Receita Federal obtenha dados bancários diretamente pelas instituições financeiras quando da existência de procedimento fiscal. Não há que se falar em nulidade do auto de infração. ARBITRAMENTO. POSSIBILIDADE.

A adoção do regime de tributação pelo lucro arbitrado é aplicável pela autoridade tributária quando a pessoa jurídica deixar de cumprir as obrigações acessórias relativas à determinação do lucro real ou presumido (artigos 529 a 539 do RIR).

PRESUNÇÃO DE OMISSÃO DE RECEITAS. DEPÓSITOS DE ORIGEM NÃO COMPROVADA. APLICABILIDADE.

A autoridade fiscal observou os dois pressupostos hábeis a legitimar a adoção da presunção de omissão de receitas prevista no artigo 42, da Lei nº 9.430/96: respeitou os limites legais ao individualizar os lançamentos considerados de origem não comprovada e intimou e reintimou o contribuinte para comprovar a origem dos depósitos bancários.

MULTA QUALIFICADA. INAPLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE CARACTERIZAÇÃO DA CONDUTA DOLOSA.

A autoridade fiscal não logrou êxito em comprovar que a contribuinte teria praticado quaisquer das condutas dolosas descritas nos artigos 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502/64. Nos termos da Súmula CARF nº 14, o simples fato da existência de omissão de receitas não autoriza a aplicação de multa qualificada prevista no artigo 44, § 1º da Lei nº 9.430/96. Não pode o julgador presumir o elemento doloso na conduta do agente, tampouco aplicar a qualificadora em sentido amplo.

O fato de o contribuinte praticar determinada conduta de forma reiterada e/ou não apresentar escrituração fiscal e contábil - "declarações zeradas" ou com valores abaixo dos recebidos-, por si só, não comprova o dolo do agente, ao contrário, acabam por deixar evidente a inexatidão das informações prestadas e/ou sua ineficácia, o que implica na imputação da multa de ofício regular (75%), nos termos do artigo 44, inciso I, da Lei nº 9.430/96.

TRIBUTAÇÃO REFLEXA. CSLL. PIS. COFINS.

Dada a íntima relação de causa e efeito, aplica-se aos lançamentos reflexos o decidido no principal.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.

Acordam os membros do colegiado, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao recurso voluntário para afastar a qualificação da multa de ofício, mantendo-se o percentual regular de 75%.

(documento assinado digitalmente)

Neudson Cavalcante Albuquerque - Presidente

(documento assinado digitalmente)

Gisele Barra Bossa - Relatora

Participaram do presente julgamento os Conselheiros: Efigênio de Freitas Júnior, Gisele Barra Bossa, Wilson Kazumi Nakayama, Jeferson Teodorovicz, Fredy José Gomes de Albuquerque e Neudson Cavalcante Albuquerque (Presidente).

Relatório

1. Trata-se de autos de infração de Imposto de Renda Pessoa Juridica - IRPJ (fls. 254 e 260), Contribuição para o Programa de Integracao Social - PIS (fls. 280 e 287), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins (fls. 295 e 302) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL (fls. 267 e 273), relativos ao 2º semestre de 2007 e ano- calendário 2008, períodos em que houve o arbitramento do lucro, após exclusão do Simples Nacional.

2. O total do crédito tributário apurado foi de R$ 213.004,74, calculado até 30/10/2012 e foi imputada multa qualificada de 150%. O Termo de Verificação Fiscal encontra- se às fls. 310/317.

3. A contribuinte foi intimada a apresentar extratos de contas bancárias e livro caixa, intimação recebida em 30/08/2011. Foram solicitadas várias prorrogações de prazo, sem que os documentos solicitados fossem entregues. Então, em 06/12/2011 foi expedida Requisição de Informação sobre Movimentação Financeira.

4. Com base em informações prestadas por instituições financeiras, confrontadas com as informações constantes das declarações do Simples foram verificadas as divergências constantes do quadro abaixo:

5. A contribuinte foi intimada para comprovar a origem dos recursos creditados em bancos e, novamente, para apresentar o livro caixa. Foram solicitadas quatro prorrogações de prazo. A interessada apontou inconsistências nos demonstrativos, que foram refeitos e novamente intimada para comprovar a origem dos recursos, mas não se manifestou a respeito.

6. Os créditos em contas bancárias não comprovados foram considerados, por presunção, omissão de receitas, com base no art. 42 da Lei nº 9.430/1996. Foram excluídos valores cujas rubricas não são consideradas entradas efetivas (estornos, transferências de mesma titularidade, cheques devolvidos, e outros).

7. Em relação ao 2º semestre de 2007 e ano-calendário de 2008 foi efetuado o arbitramento do lucro, por não ter ocorrido a apresentação dos livros e documentos da escrituração. Os valores de tributo pagos na sistemática do Simples foram diminuídos dos montantes apurados na ação fiscal.

8. Devidamente cientificada, a interessada apresentou Impugnação (fls. 326/343) alegando, em síntese, que:

(i) Durante o procedimento fiscal, apesar de informar diversas vezes que buscava a documentação solicitada pela fiscalização, a autoridade fiscal requisitou diretamente às instituições financeiras seus extratos bancários ;

(ii) Foi excluída do Simples por supostamente ter violado o disposto na Lei Complementar nº 123 3/2006. O referido Ato Declaratório foi impugnado nos autos do processo administrativo fiscal nº 10830.726643/2012-18, e até o momento não houve qualquer decisão sobre o inconformismo apresentado;

(iii) Não foram cumpridas as condições necessárias para a requisição de informações sobre a movimentação financeira: nos autos não há motivação para a prática do ato de requisição , o que acaba por prejudicar sua validade. Sendo assim, o lançamento padece de vício insanável em sua constituição, porquanto os dados em que sustentado foram obtidos de forma diversa da prevista em Lei, devendo, por uma questão de justiça fiscal e em homenagem aos princípios da vinculação e da motivação dos atos administrativos, ser declarado nulo, afastando-se as exigências nele formalizadas;

(iv) O Supremo Tribunal Federal em recente decisão plenária, julgou inconstitucional a requisição por parte da Autoridade Fiscal de informações bancárias, representando este ato verdadeira quebra de sigilo bancário inconstitucional;

(v) Há nulidade decorrente do descumprimento do artigo 142 2 do Código Tributário Nacional l - CTN N , vez que o trabalho fiscal: (a) nada fez no sentido de verificar a ocorrência do fato gerador, desconsiderando as informações constantes dos documentos contábeis e fiscais devidamente apresentados, (b) deveria ter tributado a renda e não a totalidade dos depósitos; (c) o valor exigido não foi obtido de acordo com a boa técnica de auditoria. Tendo em vista que a Autoridade Fiscal deixou de cumprir as aferições básicas que devem anteceder a constituição dos créditos tributários, o auto de infração que os formaliza é manifestamente insubsistente;

(vi) O arbitramento do lucro é medida extrema , havendo necessidade de a autoridade fiscal demonstrar e justificar as razões de sua adoção. Conhecedora que era dos totais de depósitos bancários, tinha plenas condições de apurar o resultado pelo lucro real;

(vii) Mostra-se impossível a caracterização do depósito bancário como fato gerador do imposto de renda e das contribuições - CSLL, PIS S e COFINS, sob pena de afronta ao artigo 43 3 e incisos da Lei nº 5.172 2/1966, bem como do artigo 153 3, inciso III, da CF/88 8. Não havendo acréscimo patrimonial, a tributação pelo IRPJ é inconstitucional, dado que os meros depósitos bancários não constituem fato gerador do tributo. A autoridade administrativa se utilizou, única e exclusivamente, dados dos extratos bancários, os quais não espelham a ocorrência do fato gerador do IR - auferir "riqueza nova" - mas sim, espelha o ingresso de todos os valores que transitaram pelas contas correntes do contribuinte, sejam estes tributáveis ou não ; e

(viii) É inaceitável qualificação da multa haja vista que o auto de infração está

amparado em presunção legal de omissão de rendimentos advinda da análise de sua movimentação bancária. Não consta a indicação de qual dos dispositivos da Lei nº 4.502/1964 (artigos 71, 72 ou 73) se enquadra o fato jurídico em foco, se limitando a fundamentar a qualificação pela prática reiterada da omissão de receitas. O fato da contribuinte não ter logrado comprovar a origem dos valores creditados em contas de depósitos ou de investimento em instituição financeira, por si só, não caracteriza o evidente intuito de fraude, nem tampouco, o fato do contribuinte não ter declarado a totalidade de seus rendimentos não permite o enquadramento para a qualificação da multa de ofício no percentual de 150% e, portanto, esta deve ser reduzida para o percentual de 75%.

9. Ao final, requer o cancelamento das exigências.

10. Em sessão de 11 de setembro de 2014, a 5a Turma da DRJ/POA, por unanimidade de votos, julgou improcedente a impugnação, nos termos do voto do relator, Acórdão nº 10-51.721 (e-fls. 378/393), cuja ementa recebeu o seguinte descritivo, verbis:

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA - IRPJ

Ano-calendário: 2007, 2008

CONSTITUCIONALIDADE. ANÁLISE NA ESFERA ADMINISTRATIVA.

A instância administrativa não detém competência para se manifestar sobre a constitucionalidade das leis.

NULIDADE. IMPROCEDÊNCIA.

Não procedem as arguições de nulidade quando não se vislumbra nos autos qualquer das hipóteses previstas no art. 59 do Decreto nº 70.235/72.

AUTO DE INFRAÇÃO. OMISSÃO DE RECEITAS. DEPÓSITOS BANCÁRIOS. ORIGEM NÃO COMPROVADA. PRESUNÇÃO LEGAL. ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO.

A não comprovação da origem dos valores depositados em conta bancária de titularidade do sujeito passivo, após regular intimação, autoriza a presunção de omissão de receita.

A instituição de presunção pela lei tributária transfere ao contribuinte o ônus de provar que o fato presumido pela lei não aconteceu em seu caso particular.

ARBITRAMENTO DO LUCRO. DEFICIÊNCIAS DA ESCRITURAÇÃO.

Impõem-se o arbitramento do lucro quando o contribuinte não mantiver, em boa ordem e segundo as normas contábeis, a escrituração dos livros Diário, Razão ou Caixa, conforme o caso. Também aplicável o arbitramento quando ausente o registro da movimentação bancária.

SIGILO BANCÁRIO. INOCORRÊNCIA. PREVISÃO LEGAL.

O fornecimento de informações pelas instituições bancárias sobre a movimentação financeira do sujeito passivo na forma da Lei Complementar nº 105, de 10/01/2001, não constitui quebra de sigilo.

Trata-se de medida que prescinde de autorização judicial, quando promovida nos termos da lei, durante procedimento fiscal em curso no qual a autoridade tributária constate sua indispensabilidade.

LANÇAMENTOS DECORRENTES. PIS /PASEP, COFINS

A solução dada ao litígio principal, relativo ao IRPJ, aplica-se aos lançamentos DECORRENTES, quando não houver fatos ou argumentos novos a ensejar decisão diversa.

MULTA QUALIFICADA. LEGALIDADE.

A imposição da multa qualificada mostra-se justificada quando demonstrados suficientes indícios da ação dolosa do contribuinte, tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do tributo devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento.

Impugnação Improcedente

Crédito Tributário Mantido

11. Cientificada da decisao em 15/10/2014, a ora Recorrente interpôs o Recurso

Voluntário de e-fls. 407/444, onde reitera seus pontos de defesa apresentados em sede de Impugnação (vide item 8).

12. Os autos, então, foram encaminhados à este E. Conselho Administrativo de

Recurso Fiscais e distribuídos para esta relatoria.

É o relatório.

Voto

Conselheira Gisele Barra Bossa, Relatora.

13. O Recurso Voluntário interposto é tempestivo e cumpre os demais requisitos legais de admissibilidade, razão pela qual dele tomo conhecimento e passo a apreciar.

14. Insta registra que, todos os argumentos trazidos em sede de Impugnação, devidamente rebatidos pelo r. voto condutor da decisão de piso, foram repisados em sede de Recurso Voluntário e não foram trazidos aos autos quaisquer elementos de provas capazes de contrapor as razões constantes do Acórdão nº 10-51.721.

15. Ainda assim, essa relatoria cuidará de reforçar seus elementos de convicção em cada um dos tópicos a seguir.

Da Inocorrência de Nulidades no Lançamento

16. Diante das arguições retóricas de nulidade suscitadas pelos Recorrentes, não é demais consignar que, somente ensejam a nulidade os atos e termos lavrados por pessoa incompetente e os despachos e decisões proferidos por autoridade incompetente ou com preterição do direito de defesa, nos termos dos artigos 10 e 59, ambos do Decreto nº 70.235/72, o que não se verifica no presente caso.

17. Do ponto de vista do processo administrativo fiscal federal, o Decreto nº 70.235/72 indica os casos de nulidade nos artigos 10 e 59, verbis:

"Art. 10. O auto de infração será lavrado por servidor competente, no local da verificação da falta, e conterá obrigatoriamente:

I - a qualificação do autuado;

II - o local, a data e a hora da lavratura;

III - a descrição do fato;

IV - a disposição legal infringida e a penalidade aplicável;

V - a determinação da exigência e a intimação para cumpri-la ou impugná-la no prazo de trinta dias;

VI - a assinatura do autuante e a indicação de seu cargo ou função e o número de matrícula."

"Art. 59. São nulos:

I - os atos e termos lavrados por pessoa incompetente;

§ 1º A nulidade de qualquer ato só prejudica os posteriores que dele diretamente dependam ou sejam consequência.

§ 2º Na declaração de nulidade, a autoridade dirá os atos alcançados, e determinará as providências necessárias ao prosseguimento ou solução do processo.

II - os despachos e decisões proferidos por autoridade incompetente ou com preterição do direito de defesa.

§ 3º Quando puder decidir do mérito a favor do sujeito passivo a quem aproveitaria a declaração de nulidade, a autoridade julgadora não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta."

18. No presente caso, não constato qualquer nulidade formal ocasionada pela inobservância do disposto nos artigos 10 e 59, tampouco dos requisitos constantes do artigo , incisos V e XXXIII, da Constituição Federal e artigo 142 do Código Tributário Nacional.

19. Da análise dos autos, evidencio que houve a descrição detalhada do fato gerador dos tributos, assim como de seu enquadramento legal. A matéria e a determinação da exigência tributária estão perfeitamente identificadas.

20. A Recorrente notoriamente compreendeu a imputação que lhe foi imposta e não tive seu direito de defesa cerceado, ao passo que apresentou impugnação administrativa e recurso voluntário para contrapor as exigências, o que demonstra de forma inequívoca seu pleno conhecimento do processo fiscal.

21. Portanto, devem ser afastadas in totum as arguições de nulidade.

Das Potenciais Violações à Dispositivos Constitucionais

22. Em alguns trechos de sua peça recursal a ora Recorrente busca afastar o lançamento com base em suposta violação a dispositivos constitucionais.

23. Contudo, tal linha argumentativa caracteriza a arguição de inconstitucionalidade dos dispositivos legais que dão suporte às infrações e procedimentos aplicados - in casu , a adoção da presunção de omissão de receitas por depósitos bancários de origem não comprovada e a suposta quebra de sigilo bancário-, a respeito, não cabe à Administração Pública afastar a legislação vigente, consoante estabelece o caput do artigo 26-A do Decreto nº 70.235/1972 e a própria Súmula CARF nº 2:

Decreto nº 70.235/1972

Art. 26-A. No âmbito do processo administrativo fiscal, fica vedado aos órgãos de julgamento afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade.

Súmula CARF nº 2

O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária.

24. Isso ocorrendo, significaria declarar, incidenter tantum , a inconstitucionalidade da lei tributária que funcionou como base legal do lançamento. Ora, como é cediço, somente os órgãos judiciais tem esse poder.

25. Assim sendo, não há como se acolher tal linha argumentativa e, por conseguinte, passemos a análise dos demais questões arguidas.

Da Validade da Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira

26. Quanto à suposta alegação de ausência de motivação por parte da autoridade autuante para utilização de Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira (RMF), bem como descumprimento dos requisitos para sua expedição, o relatório fiscal (e-fl. 311) é expresso ao informar que houve a expedição de RMF em razão de a contribuinte, intimada e reintimada, não ter apresentado os extratos bancários e que, em tais casos, a solicitação se enquadra naquelas hipóteses de indispensabilidade previstas no Decreto nº 3.724/2001.

27. O Decreto 3.274, de 10 de janeiro de 2001, que regulamenta a requisição de informações bancárias prevê a possibilidade de obtenção pela RFB de informações das instituições financeiras quando: (i) houver sido expedido MPF; (ii) houver procedimento de fiscalização em andamento e (iii) tais exames forem considerados indispensáveis.

28. Em linha com a decisão de piso, evidencio que todos esses requisitos foram cumpridos no presente processo. A emissão do RMF não se deu com base em mera negativa do contribuinte na apresentação dos extratos bancários, mas sim diante de atitude reiterada do fiscalizado que, intimado e reintimado, deixou de apresentar, durante todo o procedimento fiscal, todos os livros contábeis e fiscais e documentação solicitada pela autoridade fiscal, incluindo aí os extratos bancários.

29. Com efeito, a não apresentação, pela contribuinte, dos extratos bancários solicitados deixou como única alternativa ao fisco, a requisição deles às instituições financeiras. Por conseguinte, não há que se falar em vício procedimental.

Da Ausência de Quebra do Sigilo Bancário

30. Em que pese não tenha apresentado qualquer esclarecimento acerca da origem os depósitos bancários, devidamente individualizados pela douta fiscalização, a Recorrente alega que a quebra de sigilo bancário seria ilegal e inconstitucional, com base em decisão plenária do STF.

31. Acerca da alegação de inconstitucionalidade, o argumento já foi superado no tópico relativos "as Potenciais Violações à Dispositivos Constitucionais" (itens 22 a 25).

32. No que concerne ao fornecimento desses dados, encontra-se previsto no artigo 197, inciso II, do CTN, que as instituições financeiras estão obrigadas a fornecer ao fisco as informações solicitadas:

Art. 197. Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios ou atividades de terceiros. [...]

33. Vejam que, o sigilo bancário tem por finalidade a proteção contra a divulgação ao público dos negócios das instituições financeiras e de seus clientes. Assim, a partir da prestação, por parte das instituições financeiras, das informações e documentos solicitados pela autoridade tributária competente, o sigilo bancário não é quebrado, mas, apenas, transfere-se a responsabilidade para a autoridade administrativa solicitante e aos agentes fiscais que a ele tenham acesso no estrito exercício de suas funções, que não poderão violar, salvo as ressalvas do parágrafo único do art. 198 e do art. 199 do CTN, sob pena de incorrerem em infração administrativa e penal.

II - os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras;

34. O sigilo bancário possuía regramento específico na Lei nº 4.595, de 1964, que, em seu art. 38 e § 1º, restava expresso que as instituições financeiras conservariam sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados, e que as informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central da República do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em juízo se revestiriam sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles não poderiam servir-se para fins estranhos à mesma.

35. A partir da Lei Complementar (LC) nº 105, de 10 de janeiro de 2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras (revogando expressamente o art. 38, da Lei nº 4.595, de 1964) determina, no art. , que as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados; e define, no § 3º, incisos III e IV, que não constitui violação do dever de sigilo, o fornecimento das informações de que trata o § 2º, do art. 11, da Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996, e a prestação de informações nos termos e condições estabelecidos nos artigos a e , respectivamente.

36. Com efeito, as autoridades fiscais passaram a requisitar e obter as informações da movimentação bancária diretamente junto às instituições financeiras, sem autorização judicial.

37. Nos termos do artigo 6º e parágrafo único da LC nº 105, de 2001, regulamentado pelo já citado Decreto nº 3.724, de 2001, as autoridades e os agentes fiscais tributários poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. No mais, o resultado dos exames, as

informações e os documentos devem ser conservados em sigilo, observada a legislação tributária. A requisição deve ser formalizada por meio de Solicitação de Emissão de Requisição de Informação sobre Movimentação Financeira - RMF.

38. Conforme redação dada pela Lei nº 10.174, de 2001, ao § 3º do art. 11 da

Lei nº 9.311 de 1996, a RFB resguardará, na forma da legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no art. 42 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores.

39. O Decreto nº 3.724, de 10 de janeiro de 2001, ao regulamentar o art. 6º da

LC nº 105, de 2001, relativamente à requisição, acesso e uso, pela RFB, de informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras e das entidades a elas equiparadas, definiu no art. 4º e § 1º que poderão requisitar as informações relativas à movimentação financeira as autoridades competentes para expedir o Mandado de Procedimento Fiscal (MPF) e que a requisição será formalizada mediante documento denominado Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira.

40. Feitas estas considerações, é clara a inocorrência de quebra do sigilo bancário, mas mera observância, por parte da autoridade fiscal, da legislação permissiva em análise.

41. Ademais, em 2016 o Supremo Tribunal Federal julgou, em repercussão geral (RE nº 601.314/SP), constitucionais os dispositivos da Lei Complementar nº 105/2001, que permitem à Receita Federal obter dados bancários de contribuintes diretamente pelos bancos, sem prévia autorização judicial:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO AO SIGILO BANCÁRIO. DEVER DE PAGAR IMPOSTOS. REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÃO DA RECEITA FEDERAL ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ART. DA LEI COMPLEMENTAR 105/01. MECANISMOS FISCALIZATÓRIOS. APURAÇÃO DE CRÉDITOS RELATIVOS A TRIBUTOS DISTINTOS DA CPMF. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA NORMA TRIBUTÁRIA. LEI 10.174/01.

1. O litígio constitucional posto se traduz em um confronto entre o direito ao sigilo bancário e o dever de pagar tributos, ambos referidos a um mesmo cidadão e de caráter constituinte no que se refere à comunidade política, à luz da finalidade precípua da tributação de realizar a igualdade em seu duplo compromisso, a autonomia individual e o autogoverno coletivo. 2. Do ponto de vista da autonomia individual, o sigilo bancário é uma das expressões do direito de personalidade que se traduz em ter suas atividades e informações bancárias livres de ingerências ou ofensas, qualificadas como arbitrárias ou ilegais, de quem quer que seja, inclusive do Estado ou da própria instituição financeira. (...). 4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros constitucionais, ao exercer sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal. 5. A alteração na ordem jurídica promovida pela Lei

10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, uma vez que aquela se encerra na atribuição de competência administrativa à Secretaria da Receita Federal, o que evidencia o caráter instrumental da norma em questão. Aplica-se, portanto, o artigo 144, § 1º, do Código Tributário Nacional.

( STF - Recurso Extraordinário nº 601.314/SP - Relator: Ministro Ricardo Lewandowski - Julgamento de 22/10/2009) (grifos nossos)

42. De acordo com a ementa destacada acima, prevaleceu o entendimento de que a aplicação do normativo não resulta em quebra de sigilo bancário, mas sim em transferência do sigilo da órbita bancária para a fiscal, ambas protegidas contra o acesso de terceiros.

43. Conforme assinalado no tópico anterior, ficou claro que a autoridade fiscal tentou obter a informação por meio de intimações à Recorrente, mas não obteve sucesso. Assim sendo, por mais esse motivo, não há que se falar em quebra ilegal do sigilo bancário.

Do Arbitramento do Lucro

44. Como não foram apresentados os livros contábeis e fiscais, tampouco foi feita opção pelo lucro real ou presumido, não restou à fiscalização outra alternativa senão o arbitramento do lucro, nos termos do art. 530, III, do RIR, de 1999, in verbis:

Art. 530. O imposto, devido trimestralmente, no decorrer do ano-calendário, será determinado com base nos critérios do lucro arbitrado, quando (Lei nº 8.981, de 1995, art. 47, e Lei nº 9.430, de 1996, art. 19:

(...)

III - o contribuinte deixar de apresentar à autoridade tributária os livros e documentos da escrituração comercial e fiscal, ou o Livro Caixa, na hipótese do parágrafo único do art. 527;

45. É certo que o arbitramento do lucro constitui uma forma de apuração excepcional da base de cálculo do imposto de renda, quando não se possa, por meio de outro critério, determinar corretamente o valor do lucro a ser tributado.

46. Assim sendo, uma vez que a ora Recorrente, mesmo intimada e reintimada (vide item 3 do relatório), não manteve, nem a escrituração do livro caixa, nem outra contabilização simplificada que permitisse a identificação da movimentação bancária, mostrou- se correto o procedimento adotado pela autoridade fiscal.

47. Por fim, insta frisar que, em linha com a Súmula CARF nº 76 1 , os valores de tributos pagos na sistemática do Simples foram diminuídos dos montantes apurados na ação fiscal.

Da Aplicação da Omissão de Receitas por Depósitos Bancários de Origem Não Comprovada e o Ônus da Prova

48. Nos termos do § 2º, do artigo 26 e do artigo 34, da Lei Complementar nº 123/2006, deve o contribuinte optante pelo Simples Nacional escriturar ao menos o Livro Caixa com toda sua movimentação financeira inclusive bancária e guardar em boa ordem, enquanto não decorrido o prazo decadencial e não prescritas eventuais ações pertinentes, todos os documentos que serviram de suporte para esta escrituração, verbis:

Art. 26. As microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional ficam obrigadas a:

I - emitir documento fiscal de venda ou prestação de serviço, de acordo com instruções expedidas pelo Comitê Gestor;

II - manter em boa ordem e guarda os documentos que fundamentaram a apuração dos impostos e contribuições devidos e o cumprimento das obrigações acessórias a que se refere o art. 25 desta Lei Complementar enquanto não decorrido o prazo decadencial e não prescritas eventuais ações que lhes sejam pertinentes.

(...)

§ 2 o As demais microempresas e as empresas de pequeno porte, além do disposto nos incisos I e II do caput deste artigo, deverão, ainda, manter o livro-caixa em que será escriturada sua movimentação financeira e bancária.

(...)

Art. 34. Aplicam-se à microempresa e à empresa de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional todas as presunções de omissão de receita existentes nas legislações de regência dos impostos e contribuições incluídos no Simples Nacional.

49. Adicionalmente aos citados dispositivos, o artigo 24 da Lei nº 9.249/1995 e 42, da Lei nº 9.430/96, não deixam dúvidas que a contribuinte está sujeita à presunção de omissão de receita existente na legislação do imposto de renda apurável com base em depósito bancário de origem não comprovada

50. Importante consignar que, conforme dispõe a Súmula CARF nº 26: "A presunção estabelecida no art. 42 da Lei nº 9.430/96 dispensa o Fisco de comprovar o consumo da renda representada pelos depósitos bancários sem origem comprovada".

51. Portanto, basta ao fisco demonstrar a existência de depósitos bancários de origens não comprovadas para que se presuma, até prova em contrário, a cargo do contribuinte, a ocorrência de omissão de rendimentos. Trata-se de presunção legal do tipo juris tantum e, portanto, cabe ao fisco comprovar apenas o fato definido na lei como necessário e suficiente ao estabelecimento da presunção, para que fique evidenciada a omissão de rendimentos.

se os percentuais previstos em lei sobre o montante pago de forma unificada. (Vinculante, conforme Portaria MF nº 277, de 07/06/2018, DOU de 08/06/2018).

52. Vejam que, o aproveitamento dos dispositivos supra juntamente com a interpretação constante da Súmula CARF nº 26, devem observar os limites da lei. Não se trata de "cheque em branco" dado às autoridades fiscais para aplicar indistintamente tal presunção.

53. Assim, considero fundamental a observância de dois pressupostos para legitimar a adoção da presunção em questão: respeito aos limites legais constantes do artigo 42, da Lei nº 9.430/96, leia-se individualização dos lançamentos considerados de origem não comprovada e efetiva intimação do contribuinte para comprovar a origem dos depósitos bancários.

54. Primeiro, a autoridade deve cuidar de respeitar as disposições e limites constantes, do artigo 42, da Lei nº 9.430/96, verbis:

Art. 42. Caracterizam-se também omissão de receita ou de rendimento os valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira, em relação aos quais o titular, pessoa física ou jurídica, regularmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações

§ 1º O valor das receitas ou dos rendimentos omitido será considerado auferido ou recebido no mês do crédito efetuado pela instituição financeira.

§ 2º Os valores cuja origem houver sido comprovada, que não houverem sido computados na base de cálculo dos impostos e contribuições a que estiverem sujeitos, submeter-se-ão às normas de tributação especificas, previstas na legislação vigente à época em que auferidos ou recebidos.

§ 3º Para efeito de determinação da receita omitida, os créditos serão analisados individualizadamente, observado que não serão considerados :

I - os decorrentes de transferências de outras contas da própria pessoa física ou jurídica;

II - no caso de pessoa física, sem prejuízo do disposto no inciso anterior, os de valor individual igual ou inferior a R$ 12.000,00 (doze mil reais), desde que o seu somatório, dentro do ano-calendário, não ultrapasse o valor de R$ 80.000, 00 (oitenta mil reais).

55. A partir da análise do dispositivo supra, o lançamento com base em depósito bancário de origem não comprovada tem validade apenas se a autoridade fiscal individualiza os depósitos que entende como não comprovados, para que, com base nessa segregação, o autuado se defenda e apresente provas.

56. Nesse sentido, é o r. Acórdão nº 1302-001.642, cuja ementa segue abaixo transcrita, verbis:

OMISSÃO DE RECEITAS. DEPÓSITOS BANCÁRIOS DE ORIGEM NÃO COMPROVADA. INTIMAÇÃO PARA COMPROVAÇÃO POR VALORES GLOBAIS. FALTA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DOS CRÉDITOS. IMPROCEDÊNCIA DO LANÇAMENTO.

Caracterizam omissão de receita os valores creditados em conta de depósito ou de investimento mantida junto a instituição financeira, em relação aos quais o titular, regularmente intimado, não comprove, mediante documentação hábil e idônea, coincidente em datas e valores, a origem dos recursos utilizados nessas operações. A ausência de intimação que discrimine individualizadamente os créditos a serem comprovados, nos termos da lei, implica a improcedência do lançamento ". (Processo nº 18471.001400/200736, Acórdão nº 1302-001.642, 3a Câmara / 2a Turma Ordinária/ 1a Seção, Sessão de 5 de fevereiro de 2015, Relator Waldir Veiga Rocha). (grifos nossos)

57. Da leitura do julgado em questão, fica claro o dever da autoridade fiscal de intimar regularmente o contribuinte para que esclareça a origem dos créditos bancários e de fazer constar da intimação a discriminação individualizada dos valores a serem comprovados. Tais deveres asseguram o direito dos contribuintes ao contraditório efetivo e a ampla defesa 2 , bem como convergem com o disposto no artigo 142, do CTN.

58. Toda a presunção, ainda que estabelecida em lei, deve ter relação entre o fato adotado como indiciário e sua consequência lógica, a fim de que se realize o primado básico de se partir de um fato conhecido para se provar um fato desconhecido.

59. Os indícios em questão decorrem de questões fáticas levantadas tanto pela autoridade fiscal, por meio de suas plataformas tecnológicas de dados, como pelo contribuinte, que legalmente intimado, deve fazer prova da origem dos créditos bancários recebidos e demonstrar a ocorrência de lançamentos em duplicidade e/ou que não correspondem às receitas tributáveis, como é o caso dos resgates, estornos e transferências entre contas do mesmo titular.

60. No presente caso, a douta autoridade fiscal cuidou de atender os dois pressupostos hábeis a legitimar a presunção de omissão de receitas dos créditos bancários de origem não comprovada .

61. A Recorrente foi intimada (e-fls. 32/33) e reintimada (e-fl. 98) a comprovar a origem dos valores creditados/depositados em suas contas correntes, conforme relações individualizadas de e-fls. 34/72 e 99/111.

62. Importante reforçar que, a Recorrente não apresentou, no curso do processo administrativo e nem em seus instrumentos de defesa, justificativa ou comprovação da origem dos recursos bancários que deram azo ao lançamento.

2 Lei nº 13.105/2015

Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.

Lei nº 9.784/1999

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

63. Diante da presunção legal de que esse montante na verdade se origina de receita tributável auferida e não declarada, cabe ao contribuinte o ônus de comprovar a origem dos recursos.

64. Complementarmente, vale reforçar que foram devidamente excluídos valores cujas rubricas não são consideradas entradas efetivas (estornos, transferências de mesma titularidade, cheques devolvidos, e outros).

65. Do exposto, considero irreparável a condução do procedimento fiscalizatório que ensejou a lavratura do auto de infração e a condução do processo administrativo fiscal no tocante à aplicação da presunção de omissão de receitas constante do artigo art. 42 da Lei nº 9.430/96.

Da Ausência de Pressupostos para Qualificação da Multa de Ofício

66. In casu , a imposição da multa de ofício em seu percentual exacerbado (de 150%) está assim justificada pela autoridade lançadora no TVF, às e-fls. 315/316:

34. Em razão da prática reiterada de omissão de receitas , no que se refere ao IRPJ e a CSLL e da falta de Inclusão desta receita na base mensal do PIS e da COFINS, nos anos-calendário 2007 e 2008, será aplicada a multa de ofício qualificada, nos termos do Art. 44 da Lei 9.430/96.

35. Oportuno se faz a transcrição do art. 44 da Lei nº 9.430/96 e dos artigos nela mencionados da Lei nº 4.502/64: [...]

36. Nos tipos penais acima transcritos há necessariamente um componente doloso, sem o qual não é possível a caracterização do ilícito. Ou seja, para a ocorrência do crime, é necessário que a ação perpetrada tenha como finalidade prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre um fato juridicamente relevante.

37. Portanto, para a configuração do crime é preciso restar caracterizado que o contribuinte agiu com a intenção de impedir ou retardar o conhecimento, pela Fazenda Pública, do IRPJ e reflexos devidos no período sob ação fiscal.

38. Quando se pratica uma determinada conduta delitiva, de forma não reiterada, até poderíamos considerá-la como um erro escusável, dependendo, é claro, de uma análise do conjunto dos fatos. Mas quando se pratica a mesma conduta delitiva consecutivamente por vários anos, não se pode aceitar que tal evento seja meramente um erro escusável. O intuito doloso foi caracterizado pela prática reiterada de uma mesma infração: Omissão de Receitas da Atividade culminando com a não declaração do IRPJ e reflexos comprovadamente devidos, conforme acima demonstrado .

39. Portanto, é imperativo a aplicação da Multa Qualificada de 150%, nos anos- calendário 2007 e 2008, a teor no disposto do artigo 44 da Lei 9.430/96. (grifos nossos)

67. Complementarmente, o voto condutor da decisão de piso, reforça os seguintes elementos motivacionais relativos à suposta prática reiterada de omissão de receitas (e- fl. 392/393):

[...] constata-se que, dentre as várias possibilidades de subtração de valores à tributação está a de, reiteradamente, deixar de levar às declarações obrigatórias da pessoa jurídica o valor integral das receitas auferidas pela empresa, bem como manter movimentação financeira à margem da contabilidade .

Essa conduta reprovável do contribuinte pode manifestar-se por várias formas, bastando para tal que fique identificada a intenção, consistente no tempo, de subtrair valores tributáveis por ele devidos. Note-se ainda que os chamados erros escusáveis se distinguem daqueles cometidos intencionalmente e de forma sistemática, como evidenciado no presente caso, o que afasta a possibilidade de desatenção eventual.

Atente-se que a contribuinte apresentou movimentação bancária de 1,5 milhões em 2007, mas ao fisco declarou 167 mil reais. Em 2008, a movimentação bancária foi de 800 mil reais e ao fisco nada foi declarado. Situações como essas não são fruto de equívoco, mas de declara intenção de sonegar tributos (art. 71, da Lei 4.502/1964). (grifos nossos)

68. Conforme já me manifestei em diversas oportunidades, a aplicação de multa qualificada é medida de caráter excepcional. A r. autoridade fiscal deve comprovar que a contribuinte teria praticado quaisquer das condutas dolosas descritas nos artigos 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502/64.

69. Conforme disposto no artigo 71 da Lei nº 4.502/64, sonegar é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária da ocorrência do evento tributário, sua natureza ou circunstâncias materiais, bem como das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente:

Art. 71. Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária:

I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;

70. Da leitura, é possível concluir que a sonegação implica em descumprimento por parte do sujeito passivo de dever instrumental prejudicando a constituição da obrigação do crédito tributário .

II - das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.

71. Em termos fáticos, a autoridade fiscal deve provar que a conduta do contribuinte impediu dolosamente a apuração dos créditos tributários - teve consciência e vontade do ilícito fiscal (leia-se empenhou esforços adicionais para ocultar a omissão de receitas) - e, consequentemente, prejudicou o lançamento .

72. A segunda hipótese de aplicação de multa qualificada é a fraude, definida sobre a ótica tributária, do seguinte modo:

Art. 72. Fraude é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou diferir o seu pagamento."

73. Fraude no sentido da lei é ato que busca ocultar algo para que possa o contribuinte furtar-se do cumprimento da obrigação tributária. Ao contrário do dolo, que busca induzir terceiro a praticar algo, a fraude é ato próprio do contribuinte que serve para lograr o fisco.

74. Apesar disso, o artigo 72 supra, utilizou-se do conceito de dolo para a definição de fraude. O "dolo" referido no artigo é o dolo penal, não o civil, porque o segundo ocorre sempre com a participação da parte prejudicada. Não por acaso, tais ilícitos tributários têm repercussões penais, nos termos dos artigos e , da Lei nº 8.137/90.

75. Conforme o artigo 18 do Código Penal, crime doloso ocorre quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo, assim, o dispositivo legal está conforme a teoria da vontade adotada pela lei penal brasileira. Para que o crime se configure, o agente deve conhecer os atos que realiza e a sua significação, além de estar disposto a produzir o resultado deles decorrentes. Assim, a responsabilidade pessoal do agente deve ser demonstrada/provada.

76. Portanto, é imperioso encontrar evidenciado nos autos o intuito de fraude, não sendo possível presumir sua ocorrência. A própria Súmula CARF nº 14, afasta a presunção de fraude e deixa clara a necessidade de comprovação do "evidente intuito de fraude do sujeito passivo".

Súmula CARF nº 14

A simples apuração de omissão de receita ou de rendimentos, por si só, não autoriza a qualificação da multa de ofício, sendo necessária a comprovação do evidente intuito de fraude do sujeito passivo.

77. Em linha a este raciocínio, para o Alberto Xavier 3 a figura da fraude exige três requisitos. O um, que a conduta tenha finalidad e de reduzir o montante do tributo devido, evitar ou diferir o seu pagamento; o dois, o caráter doloso da conduta com intenção de resultado contrário ao Direito; e, o três, que tal ato seja o meio que gerou o prejuízo ao fisco.

78. Na prática, a comprovação da finalidade da conduta, do seu caráter doloso e do nexo de causalidade entre a conduta ilícita do contribuinte e o prejuízo ao erário é condição sine qua non para enquadrar determinada prática como fraudulenta.

79. Logo, para restar configurada a fraude, a autoridade fiscal deve trazer aos autos elementos probatórios capazes de demonstrar que o sujeito passivo praticou conduta ilícita e intencional hábil a ocultar ou alterar o valor do crédito tributário, bem como que tal ato afetou a própria ocorrência do fato gerador .

80. A terceira hipótese de aplicação da multa qualificada é a prática do conluio que visa o dolo ou fraude por meio de ato intencional entre duas ou mais pessoas:

Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos nos arts. 71 e 72.

81. Como se nota, o conluio é qualquer ato intencional praticado por mais uma parte visando o dolo ou a fraude. O que qualifica o conluio, distinguindo-o de outra espécie de conduta dolosa ou fraudulenta, é o aspecto subjetivo, isto é, a existência de mais de um sujeito que ajustem atos que visem à sonegação ou fraude.

82. É importante reforçar que o reconhecimento de quaisquer destas práticas deve ser comprovado pela autoridade fiscal através do nexo entre o caso concreto e a suposta sonegação, fraude ou conluio e a caracterização efetiva do dolo . As próprias Súmulas CARF nºs 14 (referenciada supra), 25 e 34, deixam claro esse racional técnico:

Súmula CARF nº 25

A presunção legal de omissão de receita ou de rendimentos, por si só, não autoriza a qualificação da multa de ofício, sendo necessária a comprovação de uma das hipóteses dos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502/64.

Súmula CARF nº 34

Nos lançamentos em que se apura omissão de receita ou rendimentos, decorrente de depósitos bancários de origem não comprovada, é cabível a qualificação da multa de ofício, quando constatada a movimentação de recursos em contas bancárias de interpostas pessoas.

(grifos nossos)

83. Dito isso, considero que, em concreto, a conduta da ora Recorrente não se enquadra nos citados ditames legais de forma a justificar a qualificação da multa de ofício. Isso porque, tais práticas materializam a hipótese de aplicação literal do artigo 44, inciso I, da Lei nº 9.430/96, segundo o qual a multa de 75% (e não 150%) é aplicável "sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição" justamente "nos casos de falta de pagamento ou recolhimento , de falta de declaração e nos de declaração inexata" (grifos nossos).

84. Vejam que, o fato de o contribuinte praticar determinada conduta de forma reiterada e/ou não apresentar escrituração fiscal e contábil - "declarações zeradas" ou com valores abaixo dos recebidos-, por si só, não comprova o dolo do agente, ao contrário, acabam por deixar evidente a inexatidão das informações prestadas e/ou sua ineficácia.

85. As provas precisam materializar condutas adicionais perpetradas pelo contribuinte com o intuito de ocultar a omissão de receitas, como é o caso da emissão de notas subfaturadas, apresentação de documentos falsos, interposição de pessoas, dentre outras .

86. O respectivo racional probatório tem o condão de elevar a convicção do julgador quanto à consciência e vontade do agente no cometimento do ilícito fiscal. Não pode o julgador presumir o elemento doloso na conduta do agente, tampouco aplicar a qualificadora em sentido amplo, daí a importância de se observar o teor das citadas Súmulas CARF nºs 14, 25 e 34.

34.

87. Ademais, extremamente relevantes são as ponderações trazidas pelo

Conselheiro Neudson Cavalcante Albuquerque, no Acórdão nº 1201-002.724, sessão de 20/02/2019, acerca do alto grau subjetividade do conceito de reiteração, vejamos:

A decisão recorrida reconheceu o dolo pela reiteração da falsidade dos valores declarados ao Fisco, o que ocorreu em todos os meses daquele ano. Também é comum utilizar como fundamento para a qualificação a proporção dos valores omitidos, como ocorreu no processo conexo a este, uma vez que apenas um terço da receita bruta foi declarada ao Fisco, na espécie.

É certo que existem muitas decisões do CARF que adotam tal critério de reconhecimento do dolo, todavia, constato que esse critério carrega um importante problema conceitual, que é a determinação da medida em que se passa a reconhecer algo como reiteração do falso (duas, três, quatro, ... declarações?) e a determinar a proporção em que a omissão se torna relevante (30%, 66%, 67%, ... do valor da receita bruta?). Em outras palavras, esse critério é falho porque não determina a medida em que o falso e a reiteração deixam de acompanhar uma mera omissão e passam a ser determinantes de uma omissão dolosa. Tal medida é essencial para a solução das lides, mormente quando a Sumula CARF nº 14 determina que a simples apuração de omissão de receita, por si só, não autoriza a qualificação da multa de ofício .

[...]

Nesse mister, adoto o entendimento de que a omissão passa a ser qualificada quando o contribuinte faz um esforço adicional para ocultar a omissão de receitas, praticando atos preparatórios para a omissão, como no caso da simulação, praticando atos contemporâneos à omissão, como o subfaturamento, ou praticando atos posteriores à infração, como a ocultação de documentos ou registros contábeis .

61. Vejam que, diante da ausência de certeza quanto à existência do elemento doloso na conduta contribuinte, para além da própria omissão de receitas, deve ser observado o teor do artigo 112, do CTN, "a lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: (...) IV - a

natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação."

88. Do exposto, em vista da falta de conjunto probatório capaz de atender os pressupostos para a qualificação da multa de ofício, esta penalidade deve ser reduzida de 150% para 75%.

Tributos Reflexos

89. Mantido o lançamento de IRPJ, igual sorte deverá caber aos lançamentos dele decorrentes, quais sejam os de CSLL - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, PIS/Pasep - Contribuição para o Programa de Integracao Social e o Programa de Formacao do Patrimonio do Servidor Público e Cofins - Contribuição para Financiamento da Seguridade Social, tendo em vista que todos se assentam sobre o mesmo fundamento fático.

Conclusão

90. Do exposto, VOTO no sentido de CONHECER do RECURSO

VOLUNTÁRIO interposto e, no mérito, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO para afastar a qualificação da multa de ofício, mantendo-se o percentual regular de 75%.

(assinado digitalmente)

Gisele Barra Bossa

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/carf/1631239744/inteiro-teor-1631239746

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