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24 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Partes

Publicação

Julgamento

Relator

GUSTAVO GUIMARAES DA FONSECA

Documentos anexos

Inteiro TeorCARF__16561720025201845_c5a4c.PDF
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Inteiro Teor

Processo nº 16561.720025/2018-45

Recurso Especial do Procurador e do Contribuinte

Acórdão nº 9101-006.516 - CSRF / 1a Turma

Sessão de 04 de abril de 2023

Recorrentes AMBEV S.A.

FAZENDA NACIONAL

ASSUNTO: PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL

Ano-calendário: 2013

RECURSO ESPECIAL. PRESSUPOSTO MATERIAL DE CABIMENTO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL.

Não se admite o recurso especial quando os acórdãos paradigmas colacionados repousam as suas conclusões no exercício silogístico que pressupõe contexto fático distinto daquele observado no acórdão recorrido

RECURSO ESPECIAL. CONHECIMENTO. AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO. INTERPOSIÇÃO DE EMPRESA VEÍCULO. CONTEXTOS FÁTICOS DIFERENTES. DIVERGÊNCIA NÃO CARACTERIZADA. Não se conhece de recurso especial cujos acórdãos apresentados para demonstrar a divergência evidenciam decisões em contexto fático distinto, concernente à interposição de empresa-veículo em substituição à dita "real adquirente" e não em substituição à "real adquirida".

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA (IRPJ)

Ano-calendário: 2013

MULTA ISOLADA E MULTA DE OFÍCIO. ESTIMATIVAS. CUMULAÇÃO DAS PENALIDADES. POSSIBILIDADE.

A luz do princípio da legalidade e tendo em conta a redação atual da Lei 9.430, art. 44, incisos I e II, com a redação que lhe foi dada pela Lei 11.488/07, não cabem mais questionamentos respeitantes à aplicação concomitante das multas de ofício, pelo lançamento do imposto e da contribuição anuais, e da multa isolada por falta de recolhimento de estimativas mensais, valendo a sua exigência mesmo que após o encerramento do exercício fiscal.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.

Acordam os membros do colegiado, em: (i) por unanimidade de votos, não conhecer do Recurso Especial da Fazenda Nacional; votou pelas conclusões a conselheira Edeli Pereira Bessa; (ii) relativamente ao Recurso Especial do Contribuinte, por maioria de votos, conhecer parcialmente do recurso somente em relação à matéria "multa isolada", vencidos os

Original

DF CARF MF

Fl. 11784

Fl. 2 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

conselheiros Gustavo Guimarães da Fonseca (relator), Luiz Henrique Marotti Toselli e Alexandre Evaristo Pinto que votaram pelo conhecimento integral; votou pelas conclusões do voto vencido o conselheiro Luis Henrique Marotti Toselli. No mérito, na parte conhecida, acordam por voto de qualidade, negar provimento ao recurso do Contribuinte, vencidos os conselheiros Livia De Carli Germano, Luis Henrique Marotti Toselli, Guilherme Adolfo dos Santos Mendes e Alexandre Evaristo Pinto que votaram por dar provimento; votou pelas conclusões da divergência o conselheiro Guilherme Adolfo dos Santos Mendes, e pelas conclusão do voto do relator a conselheira Edeli Pereira Bessa. Designada para redigir o voto vencedor a conselheira Edeli Pereira Bessa, que anifestou ainda intenção de apresentar declaração de voto.

(documento assinado digitalmente)

Fernando Brasil de Oliveira Pinto - Presidente

(documento assinado digitalmente)

Gustavo Guimarães da Fonseca - Relator

(documento assinado digitalmente)

Edeli Pereira Bessa - Redatora designada

Participaram do presente julgamento os Conselheiros: Edeli Pereira Bessa, Livia De Carli Germano, Luis Henrique Marotti Toselli, Guilherme Adolfo dos Santos Mendes, Luiz Tadeu Matosinho Machado, Alexandre Evaristo Pinto, Gustavo Guimarães da Fonseca e Fernando Brasil de Oliveira Pinto (Presidente).

Relatório

Cuida-se de Recursos Especiais de Divergência interpostos pela contribuinte, AMBEV S.A., e a D. Procuradoria Geral da Fazenda Nacional - PGFN -, em face do acórdão de recurso voluntário de nº 1402-004.204, proferido em 11 de novembro de 2019. Este aresto recebeu a seguinte ementa:

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA (IRPJ)

Ano-calendário: 2013

APROVEITAMENTO DE AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO GERADO NA AQUISIÇÃO DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. INOCORRÊNCIA DE CONFUSÃO PATRIMONIAL ENTRE O REAL INVESTIDOR E O INVESTIMENTO EFETIVAMENTE ADQUIRIDO COM ÁGIO.

Para fins de caracterização da hipótese prevista no art. da Lei nº 9.532, de 1997, é imprescindível que a operação societária de incorporação, fusão ou cisão envolva o real investidor e o investimento efetivamente adquirido. Quando essa circunstância não estiver presente, pode-se concluir que não restou configurada a referida hipótese legal, razão pela qual deve ser mantida a glosa da amortização do ágio.

Original

DF CARF MF

Fl. 11785

Fl. 3 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

CONCOMITÂNCIA DE MULTA ISOLADA COM MULTA ACOMPANHADA DO TRIBUTO.

Contribuintes que deixarem de recolher, no curso do ano-calendário, as parcelas devidas a título de antecipação (estimativa) do IRPJ sujeitam-se à multa de ofício de cinquenta por cento, aplicada isoladamente, calculada sobre os valores de antecipação que não foram pagos. Esta multa isolada não se confunde com aquela aplicada sobre o IRPJ apurado no ajuste anual e não pago no vencimento, por não possuírem a mesma hipótese legal de aplicação. Em vista disso, o lançamento da multa isolada é compatível com a exigência de tributo apurado ao final do ano-calendário, acompanhado da correspondente multa de ofício.

ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO (CSLL)

Ano-calendário: 2013

GLOSA DA AMORTIZAÇÃO DO ÁGIO. BASE LEGAL IDÊNTICA ÀQUELA APLICÁVEL AO IRPJ.

Considerando que foi construída para disciplinar a contabilização do ágio, de suas amortizações e, por consequência, a própria apuração do lucro contábil, a norma contida no art. da Lei nº 9.532, de 1997, alcançou também a CSLL, e não apenas o IRPJ.

ASSUNTO: NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO

Ano-calendário: 2013

MULTA QUALIFICADA. IMPROCEDÊNCIA.

Improcede a qualificação da multa de ofício quando não restar devidamente comprovado nos autos o dolo, fraude ou conluio, nos termos do artigo 44, parágrafo primeiro da Lei nº 9.430/96 c/c artigos 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502/64.

JUROS DE MORA SOBRE MULTA DE OFICIO. LEGITIMIDADE.

Incidem juros moratórios, calculados à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia SELIC, sobre o valor correspondente à multa de ofício (Súmula CARF nº 108).

Em apertadíssima síntese, o processo cuida da exigência de crédito tributário afeito ao IRPJ e à CSLL apurados ao longo do ano-calendário de 2013. In casu, a autuação teria se dado em decorrência da glosa de parcelas amortizadas de ágio, formados na aquisição, pela empresa AMBEV - Companhia de Bebida das Américas (sucedida, por incorporação, pela AMBEV S.A., responsável tributária na forma do art. 132 do Código Tributário Nacional), da empresa BAH - Beverage Associates Holding, estabelecida nas Bahamas.

A operação que deu causa ao presente processo administrativo, teria sido envidada, inicialmente, a partir da constituição pela empresa Beverage Associates (BAC), sediada nas ilhas virgens, da BAH, cujo capital social teria sido integralizado com 34% das ações, detidas por aquela primeira, na Quilmes Industrial, Société Anonyme - Quinsa Luxembrugo. Em seguida, a BAH foi adquirida pela AMBEV, com ágio calculado por rentabilidade futura, no importe de R$ 2.8 bilhões.

Original

DF CARF MF

Fl. 11786

Fl. 4 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

A acusação fiscal, diga-se, centrou-se, apenas, na interposição da BAH no negócio (que teria sido criada poucos dias antes de ser comprada pela sucedida da recorrente), considerando-a desnecessária à conclusão da aquisição, pela AMBEV, das ações da Quinsa a qual seria, ao fim de contas, o objetivo da operação tal como engendrada.

Sustentou-se, assim, a artificialidade do uso de empresa veículo, argumento este complementado pela Delegacia da Receita de Julgamentos de São Paulo - DRJ/SPO -, segundo a qual também se observaria, na espécie, a inocorrência de confusão entre a empresa adquirente e o investimento realmente adquirido (a AMBEV adquiriu a BAH e não Quinsa que seria o objetivo efetivamente pretendido).

Em decorrência da autuação, foram exigidas multa de ofício qualificada, em face da aludida artificialidade (abuso no seu planejamento tributário), e, multa isolada pela pretensa falta de recolhimento de estimativas mensais. Quanto a multa qualificada, impende apenas destacar a seguinte passagem, extraída do Termo de Verificação Fiscal de e-fls. 10.848/10.901:

76. Não houve qualquer obrigatoriedade legal ou de outra ordem que justificasse a interposição da BAH. O objeto de negociação era a Quinsa; a BAH foi mero artifício para obtenção imediata (e ilícita) da dedutibilidade fiscal do ágio. Tanto que a forma pela qual se aceitou interpor a BAH foi uma liberalidade da alienante (BAC) em favor da adquirente, desde que, claro, a alienante não incorresse em custos ou riscos de nenhuma natureza, o que equivale, na prática, à situação em que a holding foi interposta pela própria fiscalizada. A BAH foi um "penduricalho" a que se pretendeu dar uma finalidade negocial, de resto, inexistente, como demonstra a realização de nova OPA, poucos meses depois, sem que a BAH ou outra holding estivesse presente para auferir as vantagens alegadas pela AmBev.

77. Admitir que o ágio pago na aquisição da Quinsa pela AmBev carrega a potencialidade da dedutibilidade da sua amortização é uma coisa; outra, completamente diferente, é admitir que a dedutibilidade seja obtida tão somente com a interposição de uma holding formalizada com uma finalidade alegada, mas motivada, na verdade, por fins tributários. Pretender igualar propósito negocial a efetivo pagamento entre partes não ligadas e a cumprimento de atos formais, confundindo-se finalidade com mera formalização, é atentar contra o poder soberano do Estado.

Frise-se que a realização da OPA - Oferta Pública de Ações - tratada no trecho acima transcrito foi um dos fatos alegados pela insurgente para tentar justificar, do ponto vista substancial, a operação tal como concretizada. I.e., pelo que afirmou a autuada, desde a investigação realizada pela D. Autoridade Fiscal, é que a interposição da BAH teria se dado (dentre outros motivos extrafiscais), para viabilizar a aquisição das ações dos minoritários detidas na Quinsa, via a predita OPA que, todavia, restou frustrada (não houve comprador), E isto, segundo a interessada, motivou, ao final, a própria incorporação da BAH pela AMBEV.

Instada a se pronunciar sobre o caso, o Colegiado a quo, por voto de qualidade (tendo restada vencida, inclusive, a Relatora), encampou o argumento proferido pela DRJ e entendeu ter inocorrido, no caso, a confusão patrimonial a que alude o art. 7º da Lei 9.532/95, mantendo-se, assim, a glosa intentada (tanto para o IRPJ, quanto para a CSLL). Outrossim, manteve, também, a exigência das multas isoladas, afastando, de forma expressa, a observância ao entendimento plasmado na Sumula 105, deste Eg. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF.

Original

DF CARF MF

Fl. 11787

Fl. 5 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Nada obstante, seja por afastar a figura do propósito negocial como critério jurídico válido para se criticar as operações societárias, seja por entender não comprovada "a intenção dolosa de simular uma situação de modo a atingir a real finalidade do negócio", os D. Julgadores de 2a Instância decidiram, ainda que por maioria de votos, por desqualificar a multa de ofício.

A D. PGFN teve ciência do julgamento acima em 28/01/2020 (e-fl. 11.307), tendo interposto o seu recurso especial em 28/02/2020, em que sustentou a ocorrência de dissídio jurisprudencial quanto a matéria "Incidência da multa qualificada quando se vislumbra dolo em caso de amortização de ágio mediante a utilização de empresa veículo, sem propósito negocial, em operação societária revestida de artificialismo". Para tanto, indicou como paradigmas os acórdãos de n os XXXXX-001.220 e 9101-003.533.

Inicialmente o apelo fazendário foi inadmitido pela D. Presidência da 4a Câmara desta 1a Seção de Julgamentos, decisão esta, todavia, que foi revista pela D. Presidência do CARF por meio de despacho em agravo de instrumento, tendo, assim, reconhecido a ocorrência de divergência, ainda que, apenas, em relação ao aresto de nº 9101-003.533 (v. despacho de e- fls. 11.407/11.417).

A contribuinte tomou ciência, tanto do julgamento intentado pela Turma a quo , como da decisão atinente ao agravo manifestado pela Fazenda em 22/06/2020 (e-fl. 11.428), tendo, então, apresentado seu Recurso Especial em 23/07/2020 (e-fl. 11.432).

Nesta ocasião, opôs, também, as suas contrarrazões ao apelo a fazendário, premendo, de início, pelo não conhecimento das razões de insurgência trazidas pela D. PGFN. Resumidamente, afirma que o acórdão paradigma admitido refletiria entendimento que, inclusive, convergiria com aquele manifestado na decisão recorrida. Lá, todavia, havia, em suas palavras, outros elementos que teriam justificado a conclusão tal como posta no acórdão comparado o que revelaria, assim, uma dessemelhança fática suficiente para impedir o conhecimento do recurso interposto pela D, Procuradoria.

Já no seu recurso especial, a interessada alegou ter ocorrido divergências jurisprudenciais em relação a duas matérias, a saber:

a) "amortização de ágio - confusão patrimonial entre investidora e investida", trazendo, para a demonstração do dissídio, os acórdãos de n os XXXXX-003.434 e 1201-003.693;

b) exigência, concomitante, de multa isolada com multa de ofício, invocando, para tal matéria, os arestos a serem comparados de n os XXXXX-003.183 e 1301- 003.763.

O aludido recurso foi admitido sem ressalvas pela D. Presidência da 4a Câmara de Julgamentos, conforme se extrai do despacho de e-fls. 11.749/11.755.

À e-fls. 11.757/11.780, a Fazenda apresentou a sua contraminuta ao apelo do contribuinte, em que, sem se manifestar quanto a sua admissibilidade, premeu pela manutenção do acórdão de 2º grau.

Original

DF CARF MF

Fl. 11788

Fl. 6 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Este é o relatório.

Voto Vencido

Conselheiro Gustavo Guimarães da Fonseca, Relator.

I ADMISSIBILIDADE.

I.1 Requisitos extrínsecos e objetivos.

Como destacado no relatório acima, a recorrente, AMBEV, tomou ciência julgamento em 22/06/2020, tendo apresentado o seu apelo no dia 23/07/2020. Como destacado pelo Despacho de Admissibilidade de e-fls. 11.749/11.755, até 31/08/2020 o prazos processuais ficaram suspensos, em decorrência da pandemia, sendo de se reconhecer a sua tempestividade.

Já quanto a recurso fazendário, a sua tempestividade é patente, não havendo nada mais a se acrescentar.

Outrossim, os apelos apontaram com exatidão os dispositivos sobre o que repousaram as divergências apontadas, tendo, noutro giro, realizado, de forma satisfatória, ao menos do ponto de vista formal, a demonstração analítica do dissídio acusado, atendendo-se, assim, aos pressupostos contidos nos §§ 1º, 6º e 8º do art. 67 do RICARF.

Por fim, até a data da interposição dos recursos em exame, nenhum dos paradigmas indicados e admitidos teriam sido objeto de reforma, atendendo-se, destarte, também ao requisito preconizado pelo aludido art. 67, § 15, do anexo II do RICARF. O primeiro paradigma invocado, de nº 1402-002.349, até foi reformado em 04/10/2021 pela CSRF, cujo acórdão recebeu o nº 9101-005.737, o qual aplicou o Decreto 70.235/72. Nada obstante, à época da interposição do apelo, insista-se, este acórdão ainda não havia sido revisto.

Quanto a tais pressupostos, destarte, os apelos são admissíveis.

I.2 Da divergência jurisprudencial. Premissas deste Conselheiro.

O art. 67 do RICARF estabelece como requisito intrínseco do recurso especial, a efetiva ocorrência de divergência interpretativa entre decisões de turmas deste Órgão Colegiado acerca da "legislação tributária". Mas, verdade seja dita, estivéssemos, de fato, diante de visões antinômicas apenas quanto ao substrato legal, a exigência de paridade circunstancial seria, a toda evidência, despicienda. Isto porque, e não se pode negar, a interpretação da prescrição pode ser feita in abstrato , objetivando, todavia, apenas, compreender o sentido das expressões ali empregadas.

Todavia, o Manual de Admissibilidade do REsp é substancialmente claro ao predispor que a divergência a que a alude o predito art. 67 se estabelece quando as Turmas deste CARF, "em face de situações fáticas similares, conferem interpretações divergentes à legislação

Original

DF CARF MF

Fl. 11789

Fl. 7 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

tributária" 1 . E ao assim se propor, o recurso especial de divergência não atinge apenas a interpretação do texto legal mas, objetivamente, a própria construção da norma jurídica concreta. Isto porque o procedimento de edificação da norma se dá, precisamente, pela aplicação das prescrições normativas ao caso concreto, aplicação que, por sua vez, pressupõe o emprego das "conexões axiológicas que são construídas (ou, no mínimo, coerentemente intensificadas) pelo intérprete" 2 , e, ainda, a dialética jurídica (pela apresentação e contra-apresentação de argumentos técnico-jurídicos).

Trazendo para esta seara, destarte, a clássica equação kelseniana, pensada para viabilizar a construção da norma, tem-se que "se A, deve ser B" 3 . Se, entretanto, um dado aplicador do direito, partindo das suas "conexões axiológicas" (preconceitos jurídicos que ele coerentemente intensifica, nas palavras de Ávila), se socorre de uma leitura própria da prescrição A, quando sobreposta às circunstâncias de fato, concluirá pela implementação da consequência B de forma distinta daquele que considera A sob outras preconcepções. Objetivamente, uma Turma pode considerar que se "A+", deve ser B, ao passo que outro Colegiado poderá edificar a norma, que compreende um mesmo conjunto fático (ou, quando menos similar), a partir da equação clássica "se A, deve ser B. E é, precisamente aí, que se estabelece a divergência interpretativa que desafia o remédio excepcional em testilha.

Daí a necessidade de:

a) a construção normativa se dar sobre uma mesma prescrição (substrato) legal (ou legislativa, inclusive na acepção do art. 100 do Código Tributário Nacional);

b) o exercício silogístico se implementar quanto a circunstâncias fáticas iguais ou, quando menos, similares, ou, de outra sorte, estaremos potencialmente, tratando de uma mesma prescrição normativa e cuja consequência se implementa de forma distinta, apenas, por conta da aludida dissimilitude fática;

c) as turmas responsáveis pela prolação da decisão que positiva a norma serem distintas, dado que, em sendo o mesmo colegiado, não se poderá considerar que estes aplicadores colijam"conexões axiológicas"distintas (ao menos em tese).

Em razão da premissa descrita em a, os interessados devem deixar claro qual a prescrição legislativa está sendo examinada; porque só há interpretação antinômica em relação a um mesmo antecedente e consequente abstratamente previsto na lei. Daí porque, inclusive, não se estabelecer a divergência em relação a decisões que se debruçam acerca de preceitos legislativos que, não obstante tratarem de uma mesma matéria, sejam, cronologicamente,

1 Manual de Admissibilidade do Recurso Especial, Orientações Gerais para Formalização de Despachos, v. 3.1.

Brasília, dezembro 2018, p, 54, disponível em http://idg.carf.fazenda.gov.br/publicacoes/arquivoseimagens- pasta/manual-admissibilidade-recurso-especialv3_1-ed_14-12-2018.pdf. Acessado em 23 de junho de 2022.

2 ÁVILA, Humberto. Toeria dos Princípios - da definição à aplicação dos princípios. 18a ed., São Paulo: Malheiros,

2018, p. 65.

3 Lembrando, aqui, que para Kelsen, esta equação ainda depende do ato do aplicador da lei, não se concretizando

automaticamente pela simplesmente implementação do fato hipotético A (KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, versão condensada pelo próprio Autor. 4a ed., tradução de J. Cretellajr. e Agnes Cretella, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 47.

Original

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Fl. 11790

Fl. 8 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

distintos (os próprios contextos destas regras não serão os mesmos e o exercício silogístico subsequente, necessariamente, se implementará de forma distinta - paradigmas anacrônicos, como descrito pelo Manual de Admissibilidade 4).

Outrossim, e ainda no que tange ao fundamento tratado em a, supra, a proposição normativa tem que ter sido objeto de decisão, ainda que implícita, pelos acórdãos a serem comparados. Sem o seu prequestionamento, não há positivação da norma e, ato contínuo, não há, propriamente, matéria a ser comparada.

Noutro giro, o pressuposto declinado em b impõe a identidade fática e afasta a possiblidade de se estabelecer a divergência quando a questão torna relevante a prova produzida ou não produzida (os fatos devem estar postos, já que a equação Kelseniana, sempre, será diferente para cada conjunto fático-probatório, independentemente da leitura que se faça acerca das prescrições normativas). Aliás, este mesmo entendimento se encontra divisável no Manual de Exame de Admissibilidade, citado alhures. Veja-se:

Assim, a divergência jurisprudencial não se estabelece em matéria de prova, e sim na interpretação da legislação. Com efeito, tratando-se de situações fáticas diversas, cada qual com seu conjunto probatório específico, as soluções diferentes não têm como fundamento a interpretação diversa da legislação, mas sim as diferentes situações fáticas retratadas em cada um dos julgados.

E, por fim, só se estabelece divergência quando a norma é edificada por aplicadores distintos.

Esclareço, por oportuno, que as premissas agora postas são próprias deste Relator e não representam, necessariamente, o entendimento do Colegiado acerca deste pressuposto de cabimento. Se prestam, valem a insistência, apenas para nortear o exame a ser realizado por este Conselheiro, não vinculando, em absoluto, os demais membros deste Colegiado que, por certo, adotam, ou adotarão, outros critérios que não, e necessariamente, os até aqui expostos.

Assentadas, assim, as premissas a serem assumidas por este Relator, e somente por ele, passo ao exame do cabimento do apelo ora analisado.

I.2.1 Do recurso especial fazendário e do alegado dissídio quanto a matéria" multa qualificada ".

No acórdão recorrido, o voto manifestado pela D. Relatora, teria afastado a qualificação da multa de ofício porque, ao fim de contas, já havia proferido entendimento favorável ao contribuinte quanto à própria autuação, considerando válida a amortização das parcelas do ágio, tratado neste feito.

Ainda assim, e mesmo que tenha apontado para a legitimidade das próprias operações envidadas, a Conselheira Relatora sustentou que, nos autos, não foi produzida qualquer prova atinente à demonstração de um dolo objetivo, enquanto qualificador de uma prática simulada, deixando, claro, que o uso da empresa veículo, no caso," não alterou a finalidade do negócio e tampouco o resultado alcançado, caso a operação tivesse sido conduzida de acordo com outras alternativas sugeridas pela fiscalização ".

4 Op. cit. p. 57.

Original

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Fl. 11791

Fl. 9 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Vejam que há, aí, uma particularidade posto que aquela julgadora não afastou a qualificação por entender pela validade, em absoluto, da empresa veículo mas porque, para ela, na hipótese examinada, a interposição da BAH não teria promovido qualquer simulação de causa ou do próprio negócio pactuado, considerando ter ocorrido o fato que os próprios praticados exprimiam como objetivo declarado pelas partes avençantes.

E, aqui, vejam bem, entendo que a declaração de voto proferida pelo Conselheiro Murillo Lo Visco (que ficou responsável pela elaboração do voto vencedor quanto ao mérito da autuação e, ainda, em relação à cumulação das multas - de ofício de isoladas), diferentemente do que afirmou a AMBEV em suas contrarrazões ao apelo Fazendário, não dissentiu em absoluto do que defendeu a relatora. A passagem a seguir, com o devido respeito de quem não compartilhar desta minha percepção, deixa claro que aquele julgador, a despeito da sua manifestação apartada, não discordou, nem mesmo, da fundamentação adotada pelo voto condutor daquele aresto:

Para votar no sentido do afastamento da qualificação da multa de ofício neste processo, foi determinante para mim o fato de que a estrutura adquirida pela Recorrente era, em essência, semelhante àquela que existia antes de iniciadas as operações societárias ora sob exame. Em outras palavras, a segregação do investimento em uma nova holding não alterou, em essência, a estrutura que antes existia: no início, a participação de 37% da QUINSA estava sob a titularidade de uma holding (a BAC); e depois de segregado o investimento, a participação adquirida manteve-se sob a titularidade de uma holding, ainda que outra (a BAH).

Ora, o que afirmou aí, o D. Conselheiro Murillo, foi, exatamente o que sustentou a

D. Relatora, ainda que, neste caso, tenha descrito de forma mais minudente a forma pela qual as operações se deram. Mas, ao fim e ao cabo, o motivo adotado para acompanhar a Conselheira Paula, foi que com ou sem o emprego da empresa vínculo a estrutura utilizada" não alterou a finalidade do negócio e tampouco o resultado alcançado, caso a operação tivesse sido conduzida de acordo com outras alternativas sugeridas pela fiscalização ".

Pois bem.

Viu, de se ver, que o recurso manejado pela D. PGFN foi admitido apenas em relação ao acórdão de nº 9101-003.533. E, nesta decisão, esta E. Câmara Superior manteve a exigência da multa qualificada em operação em que também se teria identificado o uso de empresa veículo. E, vejam bem, pela ementa do aludido julgado, poder-se-ia até entender que este Colegiado teria decidido pela manutenção da penalidade recrudescida a vista, exclusivamente, do uso de uma empresa de passagem, situação que, caso confirmada, se prestaria, por certo, pela demonstração do dissídio. Isto porque, em tal situação, a simples interposição desta empresa já evidenciaria a simulação dolosa (algo, inclusive, comumente visto em vários julgados intentados, v.g., nas Turmas Ordinárias deste CARF).

Só que aí o que se observa é que, ainda que tenha se socorrido de conceitos típicos da teoria econômica do direito tributário, adotando a premissa do propósito negocial para afastar a legitimidade da interposiçação de uma dada empresa de passagem, o voto condutor deixou, mais que tudo, claro que a predita empresa veículo não existia de fato, apontando, de forma indiscutível, que esta, além de não possuir estrutura, não declarar tributos e não possuir folha de salário, sequer constava das atas que deliberaram os negócios lá criticados. Sobre esta última parte, vale reproduzir a seguinte passagem do aludido paradigma que evidencia a correção do que foi afirmado retro:

Original

DF CARF MF

Fl. 11792

Fl. 10 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Por sua vez, o Acordo de Acionistas (firmado em 14/12/2004) e o Acordo de Joint Venture (firmado em 13/12/2004), assinados pelos representantes de Refrigerantes Noroeste, Forsab Investments e Renosa, não fazem nenhuma referência a LEONVIN PARTICIPAÇÕES LTDA, entre as partes integrantes da pactuação, não obstante se verifique o nome de LEONVIN na ata da reunião do Conselho de Administração da fiscalizada e na Ata de Reunião do Conselho de Administração da sócia Refrigerantes Noroeste S/A. Ainda na linha das conclusões da Fiscalização, corrobora a tese de que LEONVIN não passava de uma empresa fictícia o fato de não constar, em Guias de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social GFIP durante toda sua existência, nenhum registro relativo a segurados obrigatórios do Regime Geral de Previdência Social RGPS, quer sejam empregados ou contribuintes individuais. Vale dizer, LEONVIN não informou fatos geradores de contribuições previdenciárias em GFIP, não obstante a previsão do parágrafo único da cláusula 10 de seu Contrato Social, que assim dispunha:"O Diretor receberá um pro labore, fixado por deliberação dos sócios titulares de quotas que correspondem a mais que metade do capital social."Nesse cenário, depreende-se que Jobelino Vitoriano Locateli e Ricardo Torres de Melo jamais prestaram serviços a LEONVIN, por um motivo óbvio: LEONVIN nunca existiu, de fato. Reforça tal dedução o fato de que, no ano-calendário de 2006, um ano depois de ter realizado um investimento de R$ 135 milhões, LEONVIN transmitiu para Receita Federal duas Declarações de inatividade.

Fica evidente, assim, que a norma concreta e individual edificada no acórdão paradigma pressupôs circunstâncias fáticas tão específicas que, se transportadas para o caso vertente, poderiam resultar, inclusive, em uma mesma conclusão que aquela lá tomada. E tais circunstâncias, vejam bem, não foram nem mesmo aventadas na hipótese dos autos que, nada obstante, deixou claro que o emprego da empresa veículo poderia ser criticado caso a própria existência material desta tivesse sido objeto de críticas.

Neste ponto, tem razão a recorrida, posto que, efetivamente, os cenários fáticos observados no paradigma são absolutamente distintos do visto no feito.

A vista de tal dessemelhança, não se pode admitir a ocorrência de dissídio jurisprudencial, com a devida vênia à D. Presidência deste CARF que havia se posicionado pelo cabimento do apelo fazendário.

O recurso manejado pela D. PGFN não merece seguimento.

I.2.2 Do recurso especial do contribuinte.

a) a primeira matéria admitida - empresa veículo e a confusão patrimonial.

Em relação à primeira matéria, atinente à possibilidade de aproveitamento de ágio surgido a partir da incorporação de empresa veículo que havia, originariamente, adquirido o investimento que dera causa ao sobrepreço pago pela recorrente, impende tecer algumas considerações.

Como se vê, o Redator da decisão de 2º grau cravou a inocorrência de confusão patrimonial entre a adquirente e a empresa investida. Isto porque, para aquele julgador, a AMBEV (sucedida pela recorrente) teria adquirido a BAH (a empresa de passagem) e não a QUINSA, cuja participação societária era, efetivamente, o objetivo das operações praticadas. Assim, para o aludido Colegiado, não se verificaria, aí, o pressuposto preconizado pelo caput do art. 7º da Lei 9.532/95.

Original

DF CARF MF

Fl. 11793

Fl. 11 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

A norma concreta e individual, como edificada pela Turma a quo , revelaria, assim, a seguinte equação: se A, entendida esta como, se ocorrida a confusão patrimonial, exclusivamente , entre o adquirente e a empresa adquirida, verificar-se-á B, i.e., permitir-se-á o aproveitamento das parcelas do ágio porventura observado.

No primeiro paradigma admitido, de nº 1302-003.434 (em que fui Relator), a operação lá analisada era em tudo similar àquelas operações que, para muitos, justificaram a própria criação das regras encartadas nos arts. 7º e 8º da Lei 9.532/95, num intento claro de incentivar a aquisição das empesas desestatizadas. Neste caso, vejam bem, uma empresa estrangeira objetivava adquirir investimento estabelecido no Brasil; para tanto, todavia, ao invés de adquirir diretamente o predito investimento, a Companhia estrangeira constitui uma empresa veículo e, por meio dela, promove a compra da aludida participação societária. Ao fim, a própria sociedade investida, em procedimento de incorporação reversa, absorve a sua investidora (empresa de passagem), passando, então, a aproveitar o ágio.

Vejam que no caso acima, há uma distinção que pode ser relevante para meus pares mas que, para este Relator, é absolutamente desimportante.

É que lá, a acusação era de que não haveria a confusão patrimonial entre o real adquirente ao passo que, na hipótese dos autos, sustentou-se não ter ocorrido a absorção pelo investidor, da empresa efetivamente adquirida. I.e., aqui, o que se disse é que a incorporação se deu entre a adquirente e a empresa holding , constituída para viabilizar a aquisição da QUINSA, sendo esta última, a real investida. Ali se critica a figura do real investidor; aqui, discute-se o investimento realmente adquirido.

Mas vejam que as premissas jurídicas adotadas lá, se contrapõem de forma hialina à tese defendida pela decisão recorrida. De fato, o que se vê no caso comparado, é que este Relator afirmou, textualmente, que:

a) o uso de empresa veículo, per se , mesmo que desprovido de um intento negocial declarado, não seria suficiente para tornar ilídimas as operações pactuadas, não se prestando, mesmo, sequer, para justificar a glosa lá realizada (que se o diga para justificar eventual qualificação da multa de ofício);

b) não havia ali, qualquer acusação da prática de simulação, mediante o uso de intrincadas e sucessivas operações societárias, sendo que, assim como no caso vertente, lá também a aquisição teria se dado pelo emprego de recursos em espécie para concretizar a compra declarada pela contribuinte.

Vejam que estas premissas, por si só, mesmo que considerada a realidade fática observada nestes autos, seriam mais que suficientes para afastar as conclusões adotadas pela decisão de 2º grau, revelando, assim, e de forma, inconteste, o dissídio jurisprudencial.

Em outras palavras, para a decisão comparada, o antecedente normativo exige a confusão patrimonial entre investidor, mesmo que este seja uma holding, considerada empresa de passagem, e a investida. Já para a decisão recorrida, a confusão patrimonial que justifica a amortização do ágio somente ocorre entre a adquirente e a empresa cuja participação se pretendia adquirir, inadmitindo, assim, a interposição de uma empresa-veículo.

Original

DF CARF MF

Fl. 11794

Fl. 12 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

A divergência é, pois, clara.

No que toca ao segundo acórdão a ser comparado, de nº 1201-003.693, vale transcrever trecho do brilhante voto proferido pelo D. Conselheiro Luis Henrique Marotti Toselli, que bem resume a tese jurídica tal como, ali, concebida:

250. Com efeito, ainda que o aproveitamento fiscal do ágio passe da pessoa que sofreu o ônus econômico do investimento para uma outra empresa, inclusive a própria investida quando da incorporação reversa, a lógica jurídica e econômica não se altera: havendo absorção da empresa detentora do ágio, não haveria mais como alienar o investimento e deduzir a perda de capital que seria apurada. Daí a necessidade da lei de autorizar o aproveitamento das despesas incorridas com a amortização do ágio pela empresa sucessora.

As premissas jurídicas adotadas no acórdão paradigma acima, em tudo, se assemelham ao que este mesmo Relator defendeu por ocasião da prolação do voto condutor do acordão de nº 1302-003.434, principalmente se considerados os importantíssimos complementos trazidos pela declaração de voto proferida neste último acórdão, pelo D. Conselheiro Luiz Tadeu Matosinho Machado.

Enfim, sendo desnecessárias maiores elucubrações, a divergência jurisprudencial se estabelece da mesma forma que apontada quanto ao primeiro paradigma, sendo, pois, de se admitir, quanto a esta matéria, do recurso do contribuinte.

b) a segunda matéria admitida - cumulação de multa de ofício e multa isolada.

Quanto a este tema não vejo motivos para tecer maiores considerações, além daquelas já propostas pelo despacho de admissibilidade.

Vejam que os dois paradigmas indicados tratam de multas isoladas, exigidas concomitantemente com a multa de ofício e cujo lançamento se deu após 2007.

Outrossim, enquanto a decisão de piso considera válida a cumulação, mormente por defender que as penalidades incidem sobre fatos/atos distintos, os acórdãos paradigmas se insurgem contra tal entendimento, mormente ao sustentar que"a infração relativa ao não recolhimento da estimativa mensal caracteriza etapa preparatória do ato de reduzir o imposto no final do ano", conformando, assim,"meio de execução da segunda"(acórdão de nº 1401- 003.183). E, neste, ambas decisões comparadas concluem, pela impossibilidade da exigência concomitante das penalidades em testilha sob pena de permitir"que duas penalidades"incidam"sobre uma mesma base de cálculo"(acórdão de nº 1301-003.763).

Vale apenas destacar que o acórdão de nº 1301-003.763 traz, ainda, como fundamento de suas conclusões, o alardeado princípio da consunção que, per se , já se contraporia entendimento exarado na decisão recorrida.

Enfim, restando clara a divergência jurisprudencial também quanto ao tema em exame, o recurso merece seguimento.

Original

DF CARF MF

Fl. 11795

Fl. 13 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

III MÉRITO.

III.1 O recurso especial do contribuinte.

III.1.1 Da segunda matéria admitida. Cumulação de multa de ofício com multa isolada.

Uma vez que este Relator deu provimento ao recurso do contribuinte quanto a própria glosa das parcelas amortizadas do ágio, a discussão atinente às penalidades impostas perde a sua razão de ser, já que toda a autuação será, por certo, cancelada.

Contudo, como restei vencido quanto ao conhecimento do primeiro tema, passo ao exame da presente matéria que, diga-se, já foi, por mim, por vezes apreciada, inclusive no âmbito desta E. CSRF.

A questão relativa à cumulação de penalidades (isolada e de ofício e, ainda, a cobrança daquela primeira após o encerramento do exercício) não é nova e já foi objeto de reiteradas decisões dos Órgãos Colegiados deste CARF. E o fato é que semelhantes alegações não encontram guarida na própria legislação que, neste particular é, e era, mesmo antes do advento da Lei 11.488/07, clara com o sol de estio.

Com efeito, e admito, no passado, me filiei ao entendimento esposado pelo D. Relator e, por isso, vinha decidindo pela impossibilidade da cobrança concomitante das multas preconizadas pelos incisos I e II do art. 44 da Lei 9.430/96, aplicando, mesmo após a edição da Lei 11.488/2007, os preceitos da Súmula 105 deste CARF.

Verdade seja dita, minha análise da tese, no passado, se pautava muito mais por um senso de justiça (numa acepção eminentemente político-moral), especialmente porque, na maioria dos casos que me foram postos para decidir, a falta de recolhimento das estimativas não se dava por opção dos contribuintes, mas, isto sim, como consequência de glosas intentadas pela fiscalização. Lembrando que a multa isolada tinha por fim a apenação da conduta negativa do contribuinte, tendente ao descumprimento de uma obrigação acessória (a antecipação do tributo não se conforma com a obrigação principal), considerava injusta tal imposição e, por isso mesmo, abarcava, também, a teoria da encampação (ou consunção).

Todavia, e mesmo antes da modificação realizada pela já citada Lei 11.488/2007, é inegável que a norma jurídica sempre contemplou explicitamente a possibilidade de imposição cumulada das duas penalidades (algo que, todavia, também se verificava na redação original da Lei 9.430). E isto, vejam bem, tornou-se ainda mais claro particularmente para este julgador quando instado a analisar a alegação de alguns autuados quanto a impossibilidade de exigência da multa isolada após o encerramento do ano-calendário... Peço vênia para transcrever, abaixo, a redação atual do art. 44, inciso II, da Lei 9.430:

Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas:

(...)

II - de 50% (cinqüenta por cento), exigida isoladamente, sobre o valor do pagamento mensal:

Original

DF CARF MF

Fl. 11796

Fl. 14 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

b) na forma do art. 2 o desta Lei, que deixar de ser efetuado, ainda que tenha sido apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa para a contribuição social sobre o lucro líquido, no ano-calendário correspondente, no caso de pessoa jurídica.

Notem que o artigo não se utiliza da partícula alternativa"ou"para qualificar as penalidades ali descritas, nem tampouco vincula a multa isolada à multa de ofício, algo que, hoje vejo, também se observava no § 4º da Lei 9.430 em sua redação originária. E, mais que isso, afirma textualmente a exigência da penalidade isolada, mesmo se apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa, do que se extrai duas conclusões:

a) a apuração de prejuízo ou base de cálculo negativa somente se faz ao fim do exercício, sendo ilógico pretender a inaplicabilidade da multa isolada após o seu encerramento (até porque, tornaria materialmente impossível a exigência desta penalidade);

b) ao asseverar que, mesmo se verificando prejuízo ou base de cálculo negativa, isto é, mesmo que não verificado tributo a pagar (que se apura apenas com o decurso do exercício), a multa será devida... por óbvio, se não houver prejuízo, e, portanto, verificar-se obrigação de se pagar a exação, com mais razão, a penalidade isolada deverá ser aplicada.

A partir da conclusão apresentada em a, supra, afasta-se, desde logo. a correção da tese acerca da impossibilidade de aplicação da multa isolada após o término do exercício, ou, de outra sorte, a expressão" ainda que tenha sido apurado prejuízo fiscal "ecoaria no mais absoluto vazio... Vale lembrar que a letra da lei (seu sentido semântico-sintático) não dá azo à processos hermenêuticos que lhe restrinjam a aplicação. A interpretação gramatical só pode ser ultrapassada se a linguagem empregada for imprecisa ou resultar numa conclusão absurda (contrária ao próprio sistema), desafiando, pois, o uso de outros instrumentos interpretativos, como, alias, pontua Humberto Ávila:

Em segundo lugar, a classificação dos argumentos não pode ser inflexível, porque, antes da interpretação, também não se sabe qual dos argumentos será mais seguro ou mesmo qual deles será pertinente à decisão de interpretação. Em alguns casos, serão os elementos linguísticos e sistemáticos que irão decidir qual das alternativas interpretativas deverá ser escolhida; em outros, pela vagueza desses elementos, só os argumentos históricos é que poderão resolver a questão interpretativa. E assim sucessivamente. É dizer: a pertinência dos argumentos depende do próprio problema posto à prova. 5

Se, contudo, a interpretação gramatical (que, para alguns, como Dennis Patterson

6 , não se trata, objetivamente, de interpretação) apresenta um resultado factível, qualquer outra

construção hermenêutica será tida e havida como sofística ou falaciosa (pois a premissa - sentido semântico das palavras - não se conformará com as conclusões).

Outrossim, e particularmente quanto ao problema da concomitância das penalidades, a conclusão declinada em b não deixa, e não deixava, mesmo na redação original do aludido preceptivo, margens para elucubrações adicionais. Mais uma vez, a luz do sentido eminentemente semântico-gramatical da norma, a única interpretação possível é de que a predita multa será exigida, havendo ou não tributo a pagar ao final do exercício financeiro, impondo-se, neste particular, a cumulação das aludidas penalidades que, repise-se, tem como fatos gerados,

DF CARF MF

Fl. 11797

Fl. 15 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

situações absolutamente díspares - a multa isolada pune o descumprimento da obrigação acessória, ao passo que a multa de ofício apena o não recolhimento do tributo, propriamente (obrigação principal).

E, ainda, com todas as vênias possíveis aos defensores de uma posição oposta, mas teoria da consunção, natural do direito penal, não encontra guarida no direito tributário (posição que, agora, assumo). Ambas disciplinas primam pela legalidade estrita e, diferentemente da esfera criminal, cuja legislação prevê, expressamente, a aplicação desta teoria ao concurso de crimes, o sistema fiscal tributário não contem semelhante disposição." Pau que dá em Chico, dá em Francisco "! Se entendo e defendo a legalidade estrita para afastar exigências que rompam com a ordem legal (em decorrência de uma qualificação econômica dos fatos, v.g,), não posso dela me afastar para validar teses construídas à margem do sistema legal, tão só para favorecer o contribuinte.

A Lei 9.430, tanto em sua redação original, como posta atualmente, não comporta as interpretações restritivas que fundamentaram a edição da Sumula 105.

Ainda assim, vejo, hoje, que havia incorrido num erro de premissa em votos passados. E explico.

De fato, a Lei 11.488/07 não trouxe modificações materiais de relevo; a nova redação, senão pelo remanejo dos incisos e parágrafos do art. 44, não alterou a essência (o aspecto material) da regra de incidência das penalidades, mantendo, inclusive, as mesmas expressões que estavam contidas no predito art. 44 antes de sua edição. O que este Conselheiro se propôs a defender é que, venia concessa , a própria Súmula 105 trazia em seu bojo pressupostos que, no foro próprio do processo administrativo, não podiam ser sustentados. E como este verbete não foi editado e pensado a luz das modificações supra referidas, mesmo que cosméticas, não há ali nada que vincule este Conselheiro ao seu conteúdo, de sorte a atrair para o caso a regra inserta no art. 45, VI, do Regimento Interno do CARF.

A revisão, agora intentada, tem esteio na alteração da norma em exame e mesmo que o seu conteúdo seja senão idêntico, ao menos similar àquela sobre o que se debruçou a predita Súmula, é inegável que trouxe uma nova realidade jurídico-normativa que, caso vigente antes da edição daquele verbete, poderia resultar numa análise totalmente distinta (e sua não aplicação boa parte dos Conselheiros que compõe os quadros deste órgão é prova irrefutável disso). Em outras palavras, ainda que a Lei 11.488/07 não tenha se proposto a aclarar a redação do art. 44 da Lei 9.430/97, é fato que ela introduziu um novo cenário jurídico sobre o que, quando menos, impunha-se uma revisão da própria Sumula para deixar claro a sua extensão e aplicabilidade à esta nova realidade, ou não...

O fato, e insista-se, é que, como demonstrado alhures, este Julgador já não concordava com o entendimento consolidado naquela Súmula e se via compelido à sua observância, apenas, por força do RICARF. Com a publicação da nova Lei, mesmo que desprovida de alterações substanciais (reprise-se, fazendo modificações meramente formais), a aplicação daquele enunciado deixou de ser obrigatória, precisamente por não estar compreendido, em seu verbete, a noviça redação proposta. A imposição concomitante das duas penalidades se impunha, mesmo que, sob o prisma teórico, pudesse encerrar questionamentos.

Original

DF CARF MF

Fl. 11798

Fl. 16 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

E, notem, não estou dizendo que a aludida concomitância não mereça críticas! Não abandonei o sentimento visceral que guiou minhas decisões no passado e continuo a considerar"injusta"a imposição de duas penalidades que, não raro, decorrem de um mesmo grupo de eventos conectados, sem que se observe a efetiva intenção do agente em descumprir, por exemplo, a obrigação acessória. E, mais que isso, entendo que a cominação das penalidades em testilha, de forma cumulada, fere o princípio da proporcionalidade e, ato contínuo, a garantia constitucional do não-confisco (art. 150, IV, da CRF88) 7 .

Como é sabido, entretanto, a validade da norma legal, a luz do texto constitucional. não encontra, nesta seara, o foro próprio para seu questionamento.

Até que haja um definitivo e concreto posicionamento da Jurisprudência Judicial sobre o tema, o fato é que a Lei 9.430 permanece incólume e plenamente aplicável. Nesta esteira, se até o advento da Lei 11.488/07 a observância ao verbete da Sumula 105 era impositiva, com a redação atual do art. 44, I e II, não vejo como refugir à literalidade do texto legal, sendo cabível, pois, com todas as críticas morais e de validade constitucional cabíveis, a exigência cumulada das penalidades.

Quanto a esta discussão, não há como se prover o apelo do contribuinte.

IV CONCLUSÕES.

A luz do exposto, voto por:

a) NÃO CONHECER do recurso fazendário; e

b) CONHECER do recurso do contribuinte para, no mérito, LHE DAR PROVIMENTO a fim de cancelar o lançamento e, por conseguinte, o próprio crédito tributário relativo ao IRPJ e à CSLL, considerando prejudicada a discussão afeita à cumulação de multa de ofício com multa isolada por falta de recolhimento de estimativas mensais. Como fiquei vencido, todavia, quanto ao conhecimento relativo à primeira matéria, não se verifica, mais, a prejudicialidade alardeada e, assim, em relação à matéria"concomitância de

multa de ofício com multa isolada", voto por NEGAR PROVIMENTO ao apelo.

(documento assinado digitalmente)

Gustavo Guimarães da Fonseca

7 Que, frise-se, não pode ser interpretado a partir de uma comparação simplista entre o valor das penalidades e o

montante do tributo apurado (ainda que seja possível afirma que esta cumulação tenha o potencial de ultrapassar as importâncias atinentes ao imposto ou contribuições porventura exigidas). Este exame, e como destacado por mim, tem que ser balizado pelos princípio da razoabilidade e proporcionalidade, mormente quando, insista-se, quase sempre, as exigências da multa isolada não decorram de uma intenção deliberada do contribuinte de não recolher as respectivas estimativas.

Original

DF CARF MF

Fl. 11799

Fl. 17 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Voto Vencedor

Conselheira Edeli Pereira Bessa, Redatora designada.

O I. Relator restou vencido em seu entendimento favorável ao conhecimento do recurso especial da Contribuinte acerca da possibilidade de amortização de ágio pago na aquisição de participação societária em Quilmes Industrial (" Quinsa ", Luxemburgo), detida por BAC (Beverage Associates Corp. -" BAC ", Ilhas Virgens Britânicas), com interposição de Beverage Associates Holding (" BAH ", Bahamas).

O seguimento do recurso especial, neste ponto, se deu com fundamento nos paradigmas n os XXXXX-003.434 e 1201-003.693. O voto vencedor do acórdão recorrido traz a seguinte fundamentação para manter a glosa das amortizações de ágio:

Conforme restou esclarecido no Relatório, no cenário inicial, antes de iniciadas as operações societárias ora sob exame, a Recorrente possuía 57% do capital da QUINSA, e o grupo alienante possuía participação de 34% na mesma sociedade, por intermédio da BAC, restando 9% sob a titularidade de minoritários.

Em vez de adquirir diretamente da BAC a participação de 34% na QUINSA possuída pelo grupo alienante, em 08/08/2006 a Recorrente adquiriu com ágio a então recém criada BAH, cujo capital foi subscrito pela BAC com as ações da QUINSA. Com essa aquisição, a Recorrente - que já detinha 57% da QUINSA - passou a deter outros 34% indiretamente, por meio da BAH. E menos de um ano depois, a Recorrente incorporou a BAH, e passou a se aproveitar da amortização do ágio para fins de redução da base de cálculo dos tributos devidos no Brasil. Diante desse cenário, a Autoridade Fiscal concluiu o seguinte:

57. O negócio que substancialmente se efetivou foi a compra e venda da Quinsa, não da BAH. O ágio a ser registrado pela AmBev, portanto, deveria ser na Quinsa. Não existiu, nesse contexto, a absorção de patrimônio da Quinsa (ou de sua sucessora) pela AmBev, não tendo ocorrido, por conseguinte, a condição exigida pelo artigo 386 do RIR/99 para que a dedutibilidade fiscal do ágio fosse admitida.

[...]

64. A interpretação de que a incorporação de uma holding sem finalidade negocial equivaleria à confusão patrimonial exigida pelo artigo 386 do RIR/99 mostra-se, pois, totalmente equivocada. Não se pode confundir a absorção da BAH com a absorção do investimento efetivamente adquirido com ágio (Quinsa).[...].

(os destaques são do original)

Como se nota, a Autoridade Fiscal entendeu, corretamente a meu ver, que o investimento que efetivamente foi adquirido (e que justificou o pagamento do ágio) era a participação de 34% da QUINSA. Desse modo, embora a Recorrente seja a real investidora, como a incorporação realizada pela Recorrente em 29/06/2007 não envolveu a QUINSA , mas sim a BAH, não se concretizou a confusão patrimonial entre o real investidor e o investimento efetivamente adquirido.

Portanto, em não havendo a confusão patrimonial entre o real investidor e o investimento efetivamente adquirido com ágio, entendo que não restou configurada a hipótese prevista no art. da Lei nº 9.532, de 1997, razão pela qual deve ser mantida a glosa efetuada pela Autoridade Fiscal. (destaques do original)

Original

DF CARF MF

Fl. 11800

Fl. 18 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Com respeito ao paradigma nº 1302-003.434, importa observar que este Colegiado negou conhecimento ao recurso especial contra ele interposto pela PGFN, sob os fundamentos assim expostos pelo Conselheiro Luis Henrique Marotti Toselli, condutor do Acórdão nº 9101-005.790:

Nesse caso específico, cumpre observar que a discussão se restringiu a legitimidade ou não de uma holding (empresa-veículo) adquirir o investimento com ágio e, ato seguinte, ser incorporada pela empresa investida, de forma a reunir as condições para a dedução fiscal do ágio que foi por ela pago.

Aos olhos do voto vencedor do acórdão ora recorrido:

O fundamento único, diga-se, utilizado pela D. Auditoria para inquinar de ilegalidade as operações acima, e, consentaneamente, para glosar as despesas deduzidas pela recorrente a título de amortização de ágio, foi o uso de uma" empresa de passagem ", de vida curta, para efetuar-se a aquisição do investimento mencionado alhures; ao ver da fiscalização, e da DRJ, a criação da aludida empresa veículo não teria, em si, um fundamento econômico suficiente para justificar os negócios pactuados, tal qual como concebidos, identificando-se, assim, um intuito exclusivamente fiscal.

Venia concessa , na minha opinião e com o devido respeito aos que dela divergem, a criação de uma empresa de passagem para a aquisição, por empresas estrangeiras, de investimento lotado em território nacional está adstrita à liberdade de reorganização empresarial, embasada, inclusive, na garantia constitucional posta no art. 170 da CF88. Dizer-se, neste particular, que determinadas companhias estrangeiras estão obrigadas à efetuar a compra de ativos instalados no Brasil de forma direta e sem interposição de qualquer outra entidade, revela, insisto, na minha visão, pretensão de pautar a estrutura societária e institucional de entes privados.

E da declaração de voto do I. Presidente da Turma a quo, Conselheiro Luiz Tadeu Matosinho Machado extrai-se que:

Com relação ao fundamento principal da autuação, concernente à utilização de empresa veículo como forma de viabilizar a posterior amortização do ágio pago, entendo que estando devidamente comprovado nos autos que houve o efetivo pagamento (sacrifício patrimonial) para a aquisição do investimento por parte da empresa adquirente e tendo a própria lei reguladora permitido a incorporação reversa para fins de amortização da despesa, a forma utilizada pela recorrente para a realização do negócio encontra-se dentro dos limites da liberdade de organização de seus negócios, não lhe sendo vedado utilizar aquela que lhe propicie, dentro do ordenamento legal, o menor custo tributário (maior vantagem tributária, em verdade).

É oportuno registrar que não estou entre aqueles que defendem que os contribuintes podem fazer tudo que a lei não veda.

Entendo que os negócios jurídicos realizados devem respeitar os princípios da boa-fé e a função social da empresa. Assim, não se admitem negócios puramente formais, sem qualquer substância, que visam unicamente a obtenção de benefícios fiscais, como os observados na criação de ágio em operações internas ao grupo econômico.

No presente caso, entendo que a operação se amolda à previsão legal que autoriza a amortização do ágio. Existe um valor efetivamente pago que supera o valor patrimonial, amparado na expectativa de rentabilidade futura. Por outro

Original

DF CARF MF

Fl. 11801

Fl. 19 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

lado, a adquirente foi absorvida por incorporação pela adquirida, verificando-se a confusão patrimonial exigida por lei para viabilizar a amortização da despesa. Neste passo, com a devida vênia do entendimento fiscal e do adotado pelo i. relator, o meu entendimento é o de que a utilização da empresa chamada" veículo "para a aquisição do investimento encontra respaldo no ordenamento societário e fiscal e, efetivamente, encontra-se dentro da esfera de liberdade que a empresa tem para conduzir os seus negócios, inclusive de modo a lhe propiciar o menor custo ou a maior vantagem tributária.

Note-se que o negócio de compra e venda é real. O que se discute é se o contribuinte poderia adotar a estrutura societária que utilizou para a sua concretização.

(...)

A possibilidade legal de aproveitamento do ágio (uma vez que este tenha ocorrido e sido demonstrado legitimamente) decorre da absorção do patrimônio de um pessoa jurídica pela outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio apurado na forma do § 2º. Inc II do art. 385 do RIR/1999, inclusive quando a empresa incorporada, fusionada ou cindida for aquela que detinha a participação.

Assim dispõe o art. 386 do RIR/1999:

(...)

Analisando o dispositivo acima, verifica-se que a confusão patrimonial decorre da absorção do patrimônio de uma pessoa jurídica pela outra . É este o requisito que, uma vez atendido, permite a utilização do benefício de amortização antecipada do ágio pago.

E, no caso, concreto, a pessoa jurídica que detinha a participação era, indubitavelmente, a empresa holding que foi a responsável pela aquisição da participação societária no Brasil, ainda que os recursos tenham vindo, confessadamente, de empresas situadas no exterior.

Portanto, os reais detentores do investimento no Brasil eram a empresa do grupo TNT situada no exterior, mas ao contrário do entendimento fiscal a lei não estabelece a confusão patrimonial entre investidora (de fato) e investida, mas, sim e expressamente, entre a"pessoa jurídica"que detém a participação societária na outra"pessoa jurídica"adquirida com ágio com esta última, ou vice-versa, por meio de processos de incorporação, fusão ou cisão.

Como se nota, a circunstância fática da TNT-Two (a holding ou empresa veículo) ter efetuado o pagamento do preço do negócio, ou seja, ter sido a adquirente de direito , foi determinante para a decisão do Colegiado em sentido contrário à glosa da dedução do ágio.

Os paradigmas (Acórdãos nºs 9101-002.188 e 9101-002.1 86), por sua vez, analisaram os requisitos de dedutibilidade do ágio à luz de situação fática diversa, qual seja, em aquisição de investimento com ágios que foram transferidos para empresas veículos. [...] (destaques do original)

Como bem observado no precedente, o debate no paradigma nº 1302-003.434 se restringiu a legitimidade ou não de uma holding (empresa-veículo) adquirir o investimento com ágio e, ato seguinte, ser incorporada pela empresa investida, de forma a reunir as condições para a dedução fiscal do ágio que foi por ela pago . No presente caso, o questionamento validado

Original

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Fl. 11802

Fl. 20 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

no acórdão recorrido diz respeito à possibilidade de dedução fiscal de ágio pago pela aquisição de empresa investida que não é incorporada, nem incorpora a adquirente, vez que a integração se dá entre a adquirente e a holding (empresa veículo) interposta entre a adquirente e a adquirida.

Em outras palavras: o paradigma estabelece que uma holding que recebe recursos para pagamento de participação societária adquirida é a adquirente da investida, enquanto no recorrido questiona-se se uma holding que recebe transitoriamente em seu patrimônio a participação societária negociada é a investida adquirida. Por certo em ambos os debates serão considerados as funções de uma holding , o direito de auto-organização e a possibilidade de o Fisco questionar arranjos societários sem imputação de simulação. O mesmo, inclusive, se poderia arguir no precedente antes referido, no qual a holding não figura como adquirente, nem como adquirida, mas sim é interposta entre ambas depois da aquisição do investimento, para receber em transferência o investimento adquirido e ser, na sequência, extinta.

Contudo, tendo em conta as distintas finalidades das holdings analisadas nos acórdãos aqui comparados, assim como no precedente, impõe-se reconhecer que o acórdão recorrido e o paradigma nº 1302-003.434 se debruçaram sobre situações fáticas que se desassemelham em ponto determinante para a interpretação da legislação tributária, o que impede cogitar se o Colegiado que proferiu o paradigma também validaria a dedução fiscal das amortizações de ágio nas presentes circunstâncias, razão pela qual o dissídio jurisprudencial não se estabelece.

No paradigma nº 1201-003.693, por sua vez, vê-se no relatório, de partida, a referência a uma operação com circunstâncias ausentes neste caso. Veja-se:

7. Nesta verificação fiscal foi constatado que, em vez da simples aquisição direta da Medley 50 pela Sanofi-Aventis Participations, controladora do grupo situada na França, houve a utilização por parte do grupo Sanofi-Aventis de uma complexa reorganização societária para essa aquisição, envolvendo empresas de passagem, custo de aquisição inflado por aumento de capital e a divisão da Medley 50 entre essas empresas de passagem. Tudo para dar uma aparência legítima ao aproveitamento da amortização do ágio, já inchado, como despesa dedutível.

[...]

4. Antes da transação objeto do presente processo administrativo, o capital social da Medley 50 era integralmente detido pela Lotpar.

5. Em 14/03/2009 a holding operacional do Grupo Sanofi no Brasil (Sanofi-Aventis Comercial e Logística Ltda. - SACL) constituiu: (i) a Recorrente (à época SACP); e (ii) a Sanofi 10 Ind ou SAIP. Segundo a Recorrente, as empresas foram constituídas com o objetivo de permitir a segregação das atividades desenvolvidas pela Medley em duas empresas distintas: uma com foco comercial e outra com foco industrial.

[...]

7. Em 07/04/2009 foi assinado o Contrato de Compra e Venda de Ações (doc. nº 2 da Impugnação - fls. 5.351/5.389), pelo qual a Recorrente (à época SACP) e a SAIP se comprometeram a adquirir da Lotpar 100% das ações existentes e de novas ações de emissão da Medley pelo valor total de R$1.499.999.999,46, sendo R$ 955.330.721,46 pagos à Lotpar e R$ 544.669.278,00 pagos para a própria Medley para aquisição de ações de sua própria emissão.

Original

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Fl. 11803

Fl. 21 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma Processo nº 16561.720025/2018-45

8. Na data do fechamento, 27/04/2009, a parcela do preço de aquisição pago à Lotpar foi dividida da seguinte forma: (i) a Recorrente (à época SACP) pagou R$ 859.797.649,31 para aquisição de 90% das ações; e (ii) a SAIP pagou R$ 95.533.072,15 para aquisição de 10% das ações.

9. Já a parcela do preço de aquisição paga para a Medley pela emissão de suas ações foi segregada da seguinte forma: (i) a Recorrente (à época SACP) pagou R$ 490.202.350,00 (90%); e (ii) a SAIP pagou R$ 54.466.928,00 (10%). Tal pagamento também ocorreu na data do referido fechamento, por meio de aumento do capital social da Medley no valor total de R$ 544.669.278,00.

10. Após a aquisição, a SACP e a SAIP apuram ágio no valor de R$ 1.464.045.705,80, valor este que sofreu ajustes em razão de obrigações (chamados de ajustes earn-outs) firmadas no Contrato de Compra e Venda para o pagamento de preço de aquisição adicional em benefício da Lotpar, totalizando R$1.488.368.841,02. A estrutura após a aquisição pode ser assim demonstrada:

[...]

11. Em 30/11/2009 a Medley foi objeto de cisão, tendo havido a incorporação do acervo líquido cindido (ativos e passivos relativos à área comercial da Medley - 90% do total) na Recorrente (à época SACP), conforme resume o seguinte quadro:

[...]

12. Em 30/12/2009, a Medley (que então apenas detinha os ativos e passivos relacionados à atividade industrial dos negócios Medley - 10% do total) incorporou a SAIP, passando a estrutura a ser assim representada:

[...]

13. Posteriormente (em julho de 2014), a Recorrente (antiga SACP/MCL) incorporou a empresa Medley Indústria Farmacêutica (MIF), concentrando a dedução das duas parcelas do ágio para fins fiscais.

14. A fiscalização, contudo, considerou a amortização do ágio indedutível, o que ensejou a glosa dessas despesas, uma vez que:

(i) o demonstrativo acerca do fundamento econômico do ágio teria sido feito em momento posterior à aquisição, descumprindo, assim, o requisito previsto no artigo 20 0 do Decreto-Lei 1.598 8/1977 (cf. fls. 5.192 e seguintes) :

[...]

(ii) houve indevida incorporação de parcela de mais valia de ativo no cálculo do ágio (cf. fls. 5.194/5.195):

[...]

(iii) houve improbidade de se contabilizar ágio na operação de aumento de capital (R$ 544.669.278,00),:

[...]

(iv) houve utilização indevida de empresa-veículo para o surgimento do ágio, sendo a real adquirente a controladora do grupo domiciliada na França (cf. fls. 5.207 e seguintes):

[...]

Original

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Fl. 11804

Fl. 22 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

O outro Colegiado do CARF manteve a glosa das despesas com a amortização do ágio referente às parcelas do aumento de capital (R$ 544.669.278,00) e do valor total da mais valia atribuído a determinados ativos (R$ 35.040.000,00). A decisão invocada pela Contribuinte diz respeito à outra parcela admitida, razão pela qual o aprofundado estudo do voto do relator no paradigma, Conselheiro Luis Henrique Marotti Toselli, deve ser analisado no que concerne, especificamente, à parcela do ágio cuja dedução fiscal foi admitida no paradigma. Neste sentindo são os seguintes trechos de seu voto:

179. E apenas para melhor elucidar os fatos, a glosa da amortização do ágio na aquisição da Medley pela Sanofi foi levada a cabo em razão dos seguintes argumentos:

(i) intempestividade do demonstrativo do fundamento econômico do ágio, pois feito em momento posterior ao da aquisição; (ii) uso indevido (ou simulado) de empresas veículos, sem propósito econômico, para permitir a dedução do ágio; e (iii) ausência de confusão patrimonial entre real investidor (Sanofi França) e empresa investida.

180. Subsidiariamente, a fiscalização ainda questiona o valor do ágio propriamente dito, sob a alegação de que o contribuinte (iv) não poderia ter computado os valores referentes às operações de aumento de capital; e (v) deveria ter excluído o valor da mais valia indicado no laudo que foi apresentado como parâmetro para definir o preço ajustado e pago.

[...]

198. A licitude ou ilicitude de atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de gerar economia fiscal deve ser aferida com base em critérios previstos exclusivamente na lei e não por motivos pessoais, ideologias, crenças ou importação de teorias alienígenas, sob pena de violação à livre iniciativa e estrita legalidade, princípios estes que, não custa repetir, além de nortear a tributação, constituem valores que foram garantidos no nosso ordenamento.

[...]

202. Nesse caso concreto, a fiscalização acabou entendendo, a passos tortos, que o aproveitamento fiscal do ágio na verdade restaria prejudicado em função de uma simulação pela" interposição "de empresas veículos, que teriam figurados apenas na aparência, pois carentes de propósito ou substância.

203. E no contexto dos planejamentos tributários, a figura da simulação cada vez mais merece destaque, afinal ela está inserida como principal limite do que pode ou não pode ser considerado eficaz aos olhos do Direito.

[...]

224. Feitas essas considerações, fato é que a existência ou não de adoção de estrutura simulada depende dos elementos probatórios existentes em cada situação fática. Apenas com a reunião de indícios precisos e que se convergem para uma convicção segura de que houve simulação é que o ônus da prova em favor do fisco resta cumprido.

225. Nessa situação particular, a simulação da SAIP e SACP, tida por sociedades veículo, foi motivada essencialmente pelo fato delas servirem como mera passagem para permitir a dedução fiscal do ágio.

226. Considerando esse cenário, a questão que se coloca é a seguinte: a SAIP e SACP, ainda que constituídas para serem logo depois incorporadas, têm causa jurídica? Ou seja, o Direito permite que uma empresa não operacional tenha pouca duração e/ou uma única finalidade?

Original

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Fl. 11805

Fl. 23 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma Processo nº 16561.720025/2018-45

227. Ora, tratam-se de holdings, isto é, sociedades que possuem por objeto social justamente a participação em outras empresas, em conformidade com o comando previsto no art. , § 3º, da Lei nº 6.404/76 a seguir transcrito:

[...]

232. De fato, a SACP e SAIP atuaram em plena conformidade com as regras societárias positivadas. Não há, ao contrário do que quer fazer crer a autoridade autuante, ilusão negocial ou mera aparência sobre a existência e finalidade destas empresas. E qual foi a finalidade? Ora, foi a de permitir a aquisição e a alocação do investimento com ágio em uma duas pontas, uma de cunho industrial e a outra de cunho comercial, de forma a reunir as condições necessárias para o aproveitamento fiscal posterior do ágio.

233. O § 3º, do artigo , da Lei nº 6.404/76 acima transcrito, aliás, reconhece o direito, inclusive, de uma sociedade ser constituída para beneficiar-se de incentivos fiscais, o que a meu ver ratifica a regularidade das empresas ora em análise, ainda que taxadas vulgarmente de empresas de gaveta ou de prateleira.

[...]

235. Ademais, cumpre observar que pela impossibilidade do controlador do grupo Sanofi (empresa domiciliada na França) e pela falta de interesse da holding operacional (SACL) fazerem uma incorporação direta, optaram, dentro do direito de livre iniciativa, por se valer de duas holdings para instrumentalizar toda a operação, como admitido pela lei societária e não proibido pela lei fiscal .

236. Nesse estado de coisas, não vejo nenhuma divergência ou contradição entre a vontade das partes e os negócios por ela firmados. Não há declaração enganosa. Não há negócio vazio de conteúdo. Não há negócio aparente ou dissimulado. Pelo contrário, aquilo que foi declarado pelas partes foi de fato realizado.

237. Também não houve incompatibilidade entre os instrumentos jurídicos utilizados e seus respectivos tipos. A SACP e SAIP cumpriram sua finalidade jurídica (causa) de participar em uma outra sociedade, ainda que por pouco tempo e com uma finalidade determinada pelos sócios , razão pela qual descarto definitivamente a ocorrência de simulação.

[...] Da ausência de confusão patrimonial entre" real adquirente "e empresa investida

241. Sustenta ainda a fiscalização, com amparo da DRJ, e inclusive na mesma linha das decisões mais recentes da CSRF (por voto de qualidade), que a ausência de confusão patrimonial entre o real adquirente (ou seja, a empresa que assumiu o ônus econômico do pagamento do ágio) e a investida impediria a dedução fiscal, afinal esta confusão constitui um requisito legal que não foi observado pelo contribuinte.

242. Com a devida vênia, a tese do"real adquirente"ou"ausência de confusão patrimonial entre a pessoa jurídica que fornece os recursos para a aquisição e a investida", não tem amparo na lei. Trata-se de interpretação que fere o mais basilar princípio de direito, que é a legalidade, fazendo com que o Executivo indevidamente negue o que o Legislador autorizou, o que é inadmissível no ordenamento jurídico vigente.

[...]

244. Não obstante a deficiência da própria terminologia da tese fazendária (real adquirente), reitero que o intérprete deve (ou deveria) abandonar crenças e rótulos e construir o comando legal a partir da linguagem da lei fiscal e o respectivo arquétipo do tributo.

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Fl. 11806

Fl. 24 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

245. E o que diz o texto legal? Conforme visto, a lei prescreve a dedução do ágio fundado na rentabilidade futura pela"pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detenha participação societária adquirida com ágio ou deságio"(cf. caput do artigo da Lei 9.532/1997)

[....]

248. Relativamente ao destinatário da norma de dedução do ágio, o Legislador conferiu este direito à pessoa jurídica que detém o investimento adquirido com ágio , linguagem esta que revela justamente algo que pode ser passageiro. Se a intenção fosse limitar o tratamento fiscal a um sujeito determinado, a lei teria que ter restringido.

249. Ora, a utilização da expressão"na qual detenha participação societária adquirida"pela lei, a bem da verdade, conferiu ao contribuinte a liberdade de transferir o ágio por todos os meios admitidos, de forma que a sua dedução possa ser feita por quem o detinha no evento de incorporação ou pela investida na incorporação reversa, e não somente por quem pagou ou assumiu o ônus financeiro do preço.

[...]

255. Posto isso, a minha opinião é a de a tese do" real adquirente "ou"confusão

patrimonial entre real investidor e investida"não encontra amparo na lei e não tem o condão de afastar o direito da Recorrente de aproveitar fiscalmente o ágio. (destacou-se)

Os trechos em destaque evidenciam que este segundo paradigma, à semelhança do primeiro, também interpreta a legislação tributária para superar a objeção fiscal à caracterização, como adquirente, daquele que detém o investimento na condição de sociedade holding constituída para assim figurar e superar o desinteresse dos ditos reais adquirentes de incorporar a adquirida. No presente caso, por sua vez, não se discute quem é o adquirente da participação societária, mas sim que a aquisição teve por objeto ações de sociedade integralizadas ao capital de holding interposta, e que assim se prestou à incorporação que antecedeu a dedução fiscal do ágio.

Ainda que referências presentes no voto condutor do segundo paradigma permitam inferir que o relator reconheceria a validade da holding para esta finalidade, a divergência jurisprudencial se estabelece entre decisões dos Colegiados do CARF, e a decisão do paradigma, no caso, tem em conta especificamente o cenário fático que ali se apresentava e que, como demonstrado em relação ao paradigma anterior, é distinto do examinado no acórdão recorrido. Neste caso, como destacado no voto condutor do acórdão recorrido, a decisão recai sobre a irregularidade de a Contribuinte, em vez de adquirir diretamente da BAC a participação de 34% na QUINSA possuída pelo grupo alienante , ter adquirido com ágio a então recém criada BAH, cujo capital foi subscrito pela BAC com as ações da QUINSA , e assim passar a deter outros 34% indiretamente, por meio da BAH para, em menos de um ano depois incorporar a BAH para se aproveitar da amortização do ágio para fins de redução da base de cálculo dos tributos devidos no Brasil . A questão, como já dito, não é definir quem é a adquirente, mas sim quem é a adquirida.

O exame de admissibilidade concluiu pela existência de divergência jurisprudencial nos seguintes termos:

7. Enquanto a decisão recorrida entendeu que, em não havendo a confusão patrimonial entre o real investidor e o investimento efetivamente adquirido com ágio, [...] não restou configurada a hipótese prevista no art. da Lei nº 9.532, de 1997, razão pela qual deve ser mantida a glosa efetuada pela Autoridade Fiscal, os acórdãos paradigmas apontados

Original

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Fl. 11807

Fl. 25 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

(Acórdãos nºs 1302-003.434, de 2019, e 1201-003.693, de 2020) decidiram, de modo diametralmente oposto, que a lei não estabelece a confusão patrimonial entre investidora (de fato) e investida, mas, sim e expressamente, entre a"pessoa jurídica"que detém a participação societária na outra"pessoa jurídica"adquirida com ágio com esta última, ou vice-versa, por meio de processos de incorporação, fusão ou cisão (primeiro acórdão paradigma) e que a tese do"real adquirente"ou"confusão patrimonial entre real investidor e investida"não encontra amparo na lei e não tem o condão de afastar o direito da Recorrente de aproveitar fiscalmente o ágio (segundo acórdão paradigma).

Não se observou, portanto, que ambos paradigmas afastaram a caracterização de outra pessoa jurídica como real adquirente, e não enfrentaram a exigência, presente nestes autos, de que a confusão patrimonial alcançasse o investimento efetivamente adquirido com ágio.

A Contribuinte, por sua vez, refere inicialmente a conclusão fiscal de que a BAH" não teve propósito negocial ", mas bem expõe de forma mais ampla o fundamento do acórdão recorrido, nos seguintes termos:

Como se vê, prevaleceu no v. acórdão recorrido o entendimento de que não teria ocorrido no caso concreto a"confusão patrimonial"na forma exigida pelo artigo da Lei nº 9.532/97 pelo fato da Recorrente (que o v. acórdão recorrido reconhece ser o"real investidor") ter incorporado não a Quinsa (que sustenta ter sido o"investimento efetivamente adquirido"), mas a BAH, cujo ativo era a participação na Quinsa e foi descrita pela fiscalização como empresa"veículo para a amortização fiscal do ágio"que"não teve propósito negocial". (negrejou-se)

Ocorre que a demonstração da divergência a partir desta premissa está centrada, apenas, na parte final, qual seja, a caracterização de BAH como empresa" veículo para a amortização fiscal do ágio "que" não teve propósito negocial ". Na sequência, o dissídio é demonstrado em face do primeiro paradigma cujos fundamentos são assim sintetizados:

Como se vê, ao prover o recurso voluntário sob o fundamento de que para que se dê a confusão patrimonial legalmente exigida basta que a""pessoa jurídica"que detém a participação societária"incorpore ou seja incorporada pela"outra"pessoa jurídica"adquirida com ágio", o acórdão nº 1302-003.434 afastou o entendimento que prevaleceu no v. acórdão recorrido, de que para a aplicação da regra do artigo da Lei nº 9.532/97 a confusão patrimonial deva necessariamente ocorrer entre o"real investidor"e a empresa que a fiscalização reputa ser a"real investida", afigurando-se evidente a divergência entre o v. acórdão recorrido e o PRIMEIRO PARADIGMA (acórdão nº 1302-003.434) quanto à interpretação do artigo da Lei nº 9.532/97 quando comparadas suas conclusões:

[...]

Antes, porém, o destaque do voto declarado pelo Conselheiro Luiz Tadeu Matosinho Machado no paradigma nº 1302-003.434 nada refere sobre a participação, na confusão patrimonial, da empresa que a fiscalização reputa ser a" real investida ". Veja-se com o destaque em maiúsculas feito no recurso especial:

Portanto, os reais detentores do investimento no Brasil eram a empresa do grupo TNT situada no exterior, mas AO CONTRÁRIO DO ENTENDIMENTO FISCAL A LEI NÃO ESTABELECE A CONFUSÃO PATRIMONIAL ENTRE INVESTIDORA (DE FATO) E INVESTIDA, MAS, SIM E EXPRESSAMENTE, ENTRE A"PESSOA JURÍDICA"QUE DETÉM A PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA NA OUTRA"PESSOA JURÍDICA"ADQUIRIDA COM ÁGIO COM ESTA ÚLTIMA, OU VICE- VERSA, por meio de processos de incorporação, fusão ou cisão."

Original

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Fl. 11808

Fl. 26 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

O mesmo direcionamento se vê em relação ao segundo paradigma, cujos fundamentos são assim sintetizados pela Contribuinte no recurso especial:

Como se vê, ao prover o recurso voluntário do sujeito passivo o acórdão nº 1201- 003.693 dedicou todo um tópico à refutação da tese, que prevaleceu no v. acórdão recorrido, de que para a aplicação da regra do artigo da Lei nº 9.532/97 a confusão patrimonial deva necessariamente ocorrer entre o "real investidor" e a empresa que a fiscalização reputa ser a "real investida", afigurando-se evidente a divergência entre o v. acórdão recorrido e o SEGUNDO PARADIGMA (acórdão nº 1201-003.693) quanto à interpretação do artigo da Lei nº 9.532/97 quando são comparadas suas conclusões:

Mais uma vez, o destaque do voto do Conselheiro Luis Henrique Marotti Toselli no paradigma nº 1201-003.693 nada refere sobre a participação, na confusão patrimonial, da empresa que a fiscalização reputa ser a "real investida" . Seguem trechos referidos com o destaque em maiúsculas feito no recurso especial:

242. Com a devida vênia, A TESE DO "REAL ADQUIRENTE" OU "AUSÊNCIA DE CONFUSÃO PATRIMONIAL ENTRE A PESSOA JURÍDICA QUE FORNECE OS RECURSOS PARA A AQUISIÇÃO E A INVESTIDA", NÃO TEM AMPARO NA LEI. Trata-se de interpretação que fere o mais basilar princípio de direito, que é a legalidade, fazendo com que o Executivo indevidamente negue o que o Legislador autorizou, o que é inadmissível no ordenamento jurídico vigente.

[...]

255. Posto isso, a minha opinião é a de (sic) A TESE DO "REAL ADQUIRENTE" OU "CONFUSÃO PATRIMONIAL ENTRE REAL INVESTIDOR E INVESTIDA" NÃO ENCONTRA AMPARO NA LEI E NÃO TEM O CONDÃO DE AFASTAR O DIREITO DA RECORRENTE DE APROVEITAR FISCALMENTE O ÁGIO."

Em ambos os paradigmas não há discussão sobre quem é a pessoa jurídica adquirida, mas apenas quem é a real investidora.

Registre-se que tem razão a Contribuinte quando aponta que no Acórdão nº 9101- 004.816 foi conhecido recurso especial da PGFN que confrontava decisão na qual se discutia quem era a pessoa jurídica adquirida, e isto com base em paradigmas no qual o debate se estabelece acerca do real adquirente. Esta Conselheira, designada para redigir o voto vencedor neste sentido, assim consignou:

E, embora a autoridade fiscal tenha feito alguns acréscimos à acusação - especialmente ao final do item 4.2.1 acima transcrito - acerca das repercussões das operações que ensejaram a amortização do segundo ágio, fato é que o acórdão recorrido pautou sua decisão, apenas, na descaracterização da HG-II como empresa veículo, inclusive admitindo a constituição de holding com o intuito único de gozo de incentivos fiscais, mas também acolhendo as razões apresentadas pela Contribuinte para criação da HGI-II e rejeitando a confrontação feita na acusação fiscal a este respeito. Sob esta ótica, o dissídio jurisprudencial com os paradigmas indicados é patente: em todos os casos a incorporação que precede a amortização fiscal do ágio não envolveu adquirente e adquirida, mas sim uma delas e uma pessoa jurídica interposta com finalidades infirmadas pela autoridade fiscal, de modo a classifica-la como" empresa-veículo ". Nos paradigmas afirmou-se descumprido o requisito da confusão patrimonial presente nos arts. e da Lei nº 9.532/97, ao passo que o recorrido admitiu a amortização fiscal do ágio, implicitamente dispensando a integração entre adquirente e adquirida. (negrejou-se)

Original

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Fl. 11809

Fl. 27 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Esclareça-se, porém, que tal decisão mais buscava demonstrar a semelhança do referido caso com o anterior, onde foi examinado o primeiro ágio formado na operação, e no qual esta Conselheira já havia acompanhado a maioria qualificada deste Colegiado em favor do conhecimento de recurso fazendário pautado nos mesmos paradigmas novamente indicados.

De toda a sorte, importa reconhecer que a análise aqui exposta melhor enfrenta o dissídio jurisprudencial suscitado pela Contribuinte, e se alinha à objeção posta no referido precedente pela relatora, ali vencida, Conselheira Lívia De Carli Germano:

[...]

Ademais, tanto o acórdão XXXXX-002.213, quanto o outro precedente indicado como paradigma, o acórdão XXXXX-000.961, tratam da questão da" internalização do ágio "decorrente de pagamento feito por empresa estrangeira, o que simplesmente não ocorre no caso concreto, em que o ágio foi pago no Brasil por empresa brasileira (o Recorrido), em razão da aquisição de outras empresas brasileiras (HGI-II e HGI-I), ou de aquisição por empresa brasileira com recursos oriundos do exterior, do que não cogitou a fiscalização no caso concreto.

Nos dois paradigmas em questão , a fiscalização alegou que o ágio teria sido realmente pago ou suportado por pessoa diversa (a empresa estrangeira que, na opinião da fiscalização, era a" real investidora ") daquela que registrou o ágio pago e posteriormente incorporou a sociedade investida.

Diferentemente, no caso dos autos não se põe em dúvida que o Recorrido é o" real investidor ", tendo a acusação fiscal se limitado a questionar, na verdade, quem foram as" reais investidas "- nesse ponto, o acórdão recorrido entendeu que as investidas seriam a HGI-II (primeiro ágio) e CSHG-I (segundo ágio), enquanto que, para a fiscalização, seriam as empresas operacionais HG ASSET MANAGEMENT, HG SERVIÇOS INTERNACIONAIS e HG CORRETORA.

É dizer, os acórdãos indicados como paradigma trataram de hipóteses em que se questionava quem seria o real investidor, pautando-se no critério de saber quem efetivamente pagou ou arcou com o preço pago com ágio. No caso dos autos, por outro lado, a discussão limita-se a examinar quem seriam as" reais investidas ", se HGI-II e CSHG-I, como entendeu o acórdão recorrido, ou se HG ASSET MANAGEMENT, HG SERVIÇOS INTERNACIONAIS e HG CORRETORA, como pretende a Recorrente, questão fática absolutamente peculiar e específica do caso concreto. (destacou-se)

O relevo e a especificidade da discussão dirigida à definição da real adquirida fica evidente na condução do mérito da questão no recurso especial. A finalidade de BAH é exposta com diversas peculiaridades, distintas daquelas recorrentemente examinadas quando a discussão recai sobre a real adquirente, e que se circunscreve à figuração contratual nesta posição e à efetivação do pagamento por valor superior ao patrimonial da participação adquirida.

Por todo o exposto, deve ser NEGADO CONHECIMENTO ao recurso especial da Contribuinte nesta matéria.

(documento assinado digitalmente)

Edeli Pereira Bessa

Original

DF CARF MF

Fl. 11810

Fl. 28 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Declaração de Voto

Conselheira Edeli Pereira Bessa

Como antes já referido, no Acórdão nº 1402-004.208, o Colegiado a quo deu parcial provimento ao recurso voluntário para afastar a qualificação da penalidade imputada à exigência decorrente de glosa, no ano-calendário 2013, de amortização de ágio pago na aquisição de participação societária em Quilmes Industrial ("Quinsa", Luxemburgo), detida por BAC (Beverage Associates Corp. -"BAC", Ilhas Virgens Britânicas), com interposição de Beverage Associates Holding ("BAH", Bahamas), amortização esta deduzida da base tributável sem a confusão patrimonial entre adquirente (Contribuinte) e adquirida (Quinsa), dada a incorporação que antecedeu as amortizações fiscais se verificou entre a Contribuinte e BAH. Além do lançamento do IRPJ e da CSLL devidos no ano-calendário 2013, também foram exigidas multas isoladas por falta de recolhimento das estimativas de IRPJ e CSLL nos meses de janeiro, agosto, setembro e dezembro/2013.

O recurso especial da PGFN teve seguimento, em sede de agravo, com base nº 9101-003.533, sob a ótica de que as outras ocorrências correlatas a fraude e sonegação, referidas no paradigma, não teriam afetado a percepção acerca do outro Colegiado do CARF acerca do cabimento da qualificação da penalidade. Vale o destaque dos seguintes excertos do despacho:

A Turma decidiu manter a glosa da amortização do ágio, sob o fundamento de não ter havido" confusão patrimonial entre o real investidor e o investimento efetivamente adquirido com ágio ". Por outro lado, decidiu afastar a qualificação da multa, por entender que" não se verificou que a operação conduzida pela Recorrente foi realizada com simulação ou fraude ", destacando o voto condutor que" o fato da contribuinte ter se utilizado de uma empresa veículo para aquisição da participação societária almejada não alterou a finalidade do negócio e tampouco o resultado alcançado, caso a operação tivesse sido conduzida de acordo com outras alternativas sugeridas pela fiscalização "8 . Confira-se:

[...]

Embora haja no voto condutor do paradigma o destaque de certos elementos fáticos que conduziram à conclusão da prática de fraude e sonegação, não se identifica ali pontos que extrapolem o emprego de empresa veículo sem propósito negocial (no caso, a FORSAB), utilizada para permitir o aproveitamento do ágio pago em aquisição de empresa (no caso, a RENOSA). Em essência, é a utilização de empresa veículo sem propósito negocial que leva a Turma julgadora do paradigma a entender que"a introdução da empresa veículo, na arquitetura societária montada, configura ato de execução de uma prática juridicamente reprovável". E também a conduz a concluir que ali se verifica" a ocorrência da prática de FRAUDE "e de que" é inequívoca a prática de SONEGAÇÃO ".

Para esta análise, porém, importa ter em conta, também, a motivação para qualificação da penalidade relatada no acórdão recorrido:

Diante do exposto, a fiscalização entendeu que houve, por parte da AMBEV, abuso no seu planejamento tributário e, por este motivo, aplicou a multa qualificada (150%)

DF CARF MF

Fl. 11811

Fl. 29 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

prevista no artigo 44, § 1º, da Lei nº 9.430/96, com a redação dada pela Lei nº 11.488/2007.

Embora se reconheça que o ágio poderia ser aproveitado ainda sem a interposição da BAH, tal fato só ocorreria se a Ambev incorporasse a Quinsa ou se a Ambev alienasse ou liquidasse o seu investimento na Quinsa, o que não ocorreu.

Alega-se, por outro lado, que :

No caso em tela, não houve propriamente transferência do ágio pago da adquirente original para a adquirida. O que ocorreu foi que a adquirente (Ambev) registrou um ágio decorrente de uma aquisição cujo objeto foi a empresa-veículo (BAH). Nesse caso, a empresa-veículo não tinha o intuito de transportar o ágio de uma empresa para outra; o intuito era fazer parecer que o ativo negociado era a empresa-veículo, e não a que realmente era o objeto de negociação (Quinsa), para que posteriormente a empresa-veículo fosse incorporada. A empresa- veículo nasceu para ser extinta e, com isso, supostamente surgiria o direito à dedutibilidade fiscal do ágio pago. Sem a BAH, o ágio pago na aquisição da Quinsa, e reconhecido com tal na contabilidade da Ambev, não poderia ser amortizado fiscalmente.

Por essa razão, entendeu a fiscalização ter havido fraude e conluio (vez que houve anuência da BAC em constituir a BAH para venda da Quinsa).

Neste contexto, vislumbra-se no presente caso dessemelhança mais substancial que a demonstrada por esta Conselheira ao rejeitar o mesmo paradigma no precedente nº 9101- 006.166, nos termos do voto lá declarado:

Esta Conselheira acompanhou a I. Relatora em suas conclusões para negar conhecimento ao recurso especial da PGFN. Como bem observado em seu voto, a similitude fática deve ser avaliada tendo em consideração o que os acórdãos recorrido e paradigmas tiveram em conta para a interpretação da legislação tributária de regência. E esta premissa foi determinante para a conclusão, no presente caso, acerca da dessemelhança entre os casos comparados.

Isto porque esta Conselheira foi relatora do Acórdão nº 9101-004.559, referido pela I. Relatora, e inclusive votou pelo cabimento da qualificação da penalidade em outra exigência decorrente desta mesma operação, mas não poderia, apenas por esta razão, ter em conta as premissas fáticas ali recolhidas.

Ocorre que, no presente caso, o voto condutor do acórdão recorrido: i) limita a motivação da qualificação da penalidade à ausência de propósito negocial na constituição da Delta Participações, que serviu apenas como"empresa veículo"para a transferência do ágio pago pelo Aché Laboratórios para a Recorrente ; ii) não refuta a alegação da Contribuinte de não ter praticado nenhum comportamento delituoso ou ato ilícito, como a emissão de documentos falsos, inidôneos, alterados, ou mesmo, constituído empresas fantasmas , além o fato de a Fiscalização ter questionado, apenas a legitimidade dos atos societário operados pela autuada , num suposto contexto de divergência interpretativa quanto as normas aplicáveis, vez que o mesmo tipo de procedimento adotado por ela já ter sido aceito pela jurisprudência do CARF em situações análogas; e iii) refere julgado anterior, sobre a mesma operação, que destacou não haver individualização da conduta dolosa de qualquer dirigentes da Recorrente no sentido de determinar, conscientemente, a realização dos atos societários que redundaram na contabilização de ágio gerado e sua amortização como despesa dedutível , para assim concluir que não restou demonstrada a intenção do contribuinte, através de seus dirigentes, no sentido de sonegar total ou parcialmente o tributo .

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Fl. 11812

Fl. 30 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Este último ponto é determinante para o afastamento do paradigma nº 9101-003.533, no qual se afirmou configurado o intuito fraudulento em operação. A exposição do voto condutor desse paradigma evidencia significativa similitude com a operação aqui sob exame:

No caso em exame, coube à pessoa jurídica FORSAB suportar o sacrifício patrimonial pela aquisição da participação societária no capital da fiscalizada. Nessa aquisição, FORSAB arcou com despesa de ágio de R$ R$ 125 milhões. A vedação à influência dessa despesa no lucro real apurado por Renosa é consequência da inexistência de confusão patrimonial entre FORSAB e Renosa. A alternativa que pareceu viável ao grupo FORSAB, para o propósito de se beneficiar do ágio pago na aquisição de Renosa, foi a de constituir, em 10/12/2004, a empresa veículo LEONVIN com capital social de R$ 1.000,00, aumentado, em 24/01/2005, no montante expressivo de R$ 135.924.000,00. Importa considerar que as sócias no capital de LEONVIN, ao tempo da aquisição das ações de Renosa, eram as pessoas jurídicas Bebidas Latinas e Abacus, subsidiárias de FORSAB localizadas em Jersey, Ilhas do Canal, paraíso fiscal reconhecido pela IN RFB nº 1.037/2010.

Nas circunstâncias comentadas, pareceu aos idealizadores do planejamento tributário que seria legítima a dedução do ágio amortizado por Renosa, depois de incorporar a empresa veículo. Nesse contexto, deve-se ressaltar a falta de propósito negocial, na constituição de LEONVIN, sociedade formada entre pessoas físicas, uma delas o Sr. Jobelino Vitoriano Locateli, que passou a administrá-la (após a transferência da totalidade das quotas a BEBIDAS LATINAS e a ABACUS), juntamente com Ricardo Torres de Melo (que já exercia a direção executiva da fiscalizada). Conforme aponta a Fiscalização, LEONVIN não desenvolveu qualquer atividade operacional, prestando-se exclusivamente ao objetivo de transportar para Renosa o ágio pago por FORSAB. Em outras palavras, LEONVIN não tinha propósito econômico, revelando-se desprovida de objeto social de fato. Sua função de mera empresa veículo é decorrência de um projeto que unicamente visava a revestir a aparência de obediência aos requisitos da Lei nº 9.532/1997, para a dedução da amortização do ágio pago por FORSAB.

Contudo, desnecessário se mostrou buscar maiores esclarecimentos acerca do que se concebeu como a constatação de FORSAB suportar o sacrifício patrimonial pela aquisição da participação societária no capital da fiscalizada - se isto representaria aquisição direta para posterior transferência à empresa veículo LEOVIN, ou transferência de recursos para aquisição por LEOVIN - porque, para decidir sobre a qualificação da penalidade, referido julgado se estende em demonstrar a individualização da conduta dos dirigentes da pessoa jurídica autuada, e assim concluir pela intenção de fraude, nos seguintes termos:

Quanto à qualificação da multa de ofício, dê-se relevo à transferências da totalidade das quotas de capital de LEONVIN, pouco mais de um mês após a constituição dessa pessoa jurídica. Como já foi dito, seus fundadores eram pessoas físicas, que cederam seus direitos societários às pessoas jurídicas estrangeiras BEBIDAS LATINAS e ABACUS, ligadas ao grupo FORSAB. No entanto, em consulta ao Diário Oficial Empresarial do Estado de São Paulo, página 40117, de 05/04/2007, pode-se observar que os beneficiários da redução de capital de R$ 2.900.000,00, aprovada pelas sócias estrangeiras de LEONVIN, foram Jobelino Vitoriano Locateli e Ricardo Torres de Melo. Segundo a Fiscalização, essa publicação ocorreu sob a vigência da 3a Alteração e Consolidação do Contrato Social, ou seja, quando não mais havia sócios pessoas físicas no quadro societário, o que torna cristalino que BEBIDAS LATINAS e ABACUS eram" empresas de papel ", sem substrato econômico, da mesma forma que LEONVIN.

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Fl. 11813

Fl. 31 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Por sua vez, o Acordo de Acionistas (firmado em 14/12/2004) e o Acordo de Joint Venture (firmado em 13/12/2004), assinados pelos representantes de Refrigerantes Noroeste, Forsab Investments e Renosa, não fazem nenhuma referência a LEONVIN PARTICIPAÇÕES LTDA, entre as partes integrantes da pactuação, não obstante se verifique o nome de LEONVIN na ata da reunião do Conselho de Administração da fiscalizada e na Ata de Reunião do Conselho de Administração da sócia Refrigerantes Noroeste S/A. Ainda na linha das conclusões da Fiscalização, corrobora a tese de que LEONVIN não passava de uma empresa fictícia o fato de não constar, em Guias de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social GFIP durante toda sua existência, nenhum registro relativo a segurados obrigatórios do Regime Geral de Previdência Social RGPS, quer sejam empregados ou contribuintes individuais. Vale dizer, LEONVIN não informou fatos geradores de contribuições previdenciárias em GFIP, não obstante a previsão do parágrafo único da cláusula 10 de seu Contrato Social, que assim dispunha:"O Diretor receberá um pro labore, fixado por deliberação dos sócios titulares de quotas que correspondem a mais que metade do capital social."Nesse cenário, depreende-se que Jobelino Vitoriano Locateli e Ricardo Torres de Melo jamais prestaram serviços a LEONVIN, por um motivo óbvio: LEONVIN nunca existiu, de fato. Reforça tal dedução o fato de que, no ano-calendário de 2006, um ano depois de ter realizado um investimento de R$ 135 milhões, LEONVIN transmitiu para Receita Federal duas Declarações de inatividade.

O Ato de Concentração - AC nº 08012.000240/2005-08, publicado no DOU de 10/01/2005, bem como o Acordo de Acionistas e o Acordo de Joint Venture, acima citados, traduzem que a verdadeira investidora era a pessoa jurídica estrangeira FORSAB. E mais: inequivocamente demonstram, juntamente com os demais elementos fáticos aqui mencionados, que a criação e o emprego de LEONVIN, na arquitetura societária engendrada, constituíram um mecanismo concebido para forjar a aparência de negócios reais com o fim de possibilitar a dedução do ágio amortizado, na determinação do lucro real de Renosa.

Sem dúvida, a arquitetura societária engendrada não tinha propósito negocial. Os articuladores de todo o esquema montado buscaram um único fim, ao tecerem tal arranjo: reduzir ilicitamente o IRPJ e a CSLL, lançando mão de um contrato de sociedade para ser utilizado com a intenção de atestar a existência jurídica da empresa veículo, malgrado despida de propósito econômico. Esse contrato, juntamente com documentos da escrituração, foram apresentados à Fiscalização com vistas à comprovação da regularidade da dedução do ágio amortizado. Por conseguinte, assevera-se que seu uso serviu à finalidade de dar uma aparência de legalidade a um fato que não o é, pois a redução dos tributos registrada, nas declarações da fiscalizada, em razão da despesa de amortização desse ágio, não tem o amparo da lei.

Nestes termos, os detalhes da condução da operação pelos dirigentes das pessoas jurídicas foi determinante para a conclusão acerca da existência de fraude, enquanto no acórdão recorrido clama-se, dentre outros aspectos, por esta individualização. Logo, se acaso a acusação fiscal veiculada nestes autos traz tal especificidade, e ela foi afirmada inexistente pelo Colegiado a quo , cumpria à PGFN ter embargado o acórdão recorrido para trazer manifestação acerca deste aspecto e, assim, eventualmente constituir cenário fático semelhante para a constituição do dissídio jurisprudencial acerca do cabimento da qualificação da penalidade em tais circunstâncias.

Ao deixar de proceder dessa forma, a PGFN acaba por imputar a este Colegiado a necessidade de, eventualmente, revolver a análise probatória do presente caso, e assim permitir inovações impróprias em sede de instância especial de solução de dissídios jurisprudenciais. Embora reconhecendo que, em circunstâncias assim, o fundamento inatacado se confunde com a falta de similitude fática entre os casos comparados, esta

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Fl. 11814

Fl. 32 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Conselheira acompanha a I. Relatora em suas conclusões para não se prender àquele primeiro aspecto, mas sim ao segundo, e também afirmar não caracterizada a divergência jurisprudencial acerca da qualificação da penalidade.

No presente caso, a acusação fiscal apreciada pelo Colegiado a quo apresenta elementos fáticos menos expressivos que os presentes no acórdão recorrido no referido precedente. Assim, com mais razão o paradigma nº 9101-003.533, dados os acréscimos acerca da conduta dos dirigentes e dos atos distintos lá praticados, não se presta à caracterização do dissídio jurisprudencial.

A confirmar a dessemelhança entre os casos comparados, vale a transcrição da declaração de voto do ex-Conselheiro Murillo Lo Visco, que concordou com o afastamento da qualificação da penalidade:

Para votar no sentido do afastamento da qualificação da multa de ofício neste processo, foi determinante para mim o fato de que a estrutura adquirida pela Recorrente era, em essência, semelhante àquela que existia antes de iniciadas as operações societárias ora sob exame. Em outras palavras, a segregação do investimento em uma nova holding não alterou, em essência, a estrutura que antes existia: no início, a participação de 37% da QUINSA estava sob a titularidade de uma holding (a BAC); e depois de segregado o investimento, a participação adquirida manteve-se sob a titularidade de uma holding, ainda que outra (a BAH).

A meu ver, não há nada de anormal na segregação de um investimento para fins de viabilizar sua alienação. Muito pelo contrário, percebo que se trata de prática comum em especial nos casos em que a holding originalmente titular do investimento possui outros negócios e participações.

A segregação de um investimento em uma holding criada especificamente para viabilizar a alienação é uma decisão empresarial legítima e habitual, que de forma alguma deve ser tida, por si só, como fraudulenta.

Por outro lado, se o arranjo utilizado não permitiu o enquadramento na hipótese do art. da Lei nº 9.532, de 1997, há uma consequência específica, que é exigência dos tributos apurados com base nos valores das amortizações indevidamente aproveitados, acompanhados de multa de 75%.

Em síntese, como no presente caso a Recorrente (que á a real investidora) atingiu seu objetivo sem que a estrutura no grupo alienante tenha sido essencial ou artificialmente alterada (afinal, a participação de 37% na QUINSA estava como uma holding antes, e assim permaneceu até ser adquirida), entendo que não se encontram presentes as circunstâncias exigidas pela Lei para fins de exasperar a multa de ofício, ainda que o aproveitamento do ágio tenha sido indevido.

Estas as razões para acompanhar a conclusão do I. Relator e NEGAR CONHECIMENTO o recurso especial da PGFN.

Com respeito ao recurso especial da Contribuinte, o seguimento quanto à exigência concomitante de multa isolada com a multa de ofício proporcional se deu com base nos paradigmas n os XXXXX-003.183 e 1301-003.763.

Neste ponto, o recurso especial deve ser CONHECIDO porque os acórdãos comparados analisaram penalidades aplicadas sob o mesmo contexto normativo e alcançaram conclusões distintas, a evidenciar a divergência jurisprudencial.

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Fl. 11815

Fl. 33 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

E, no mérito da matéria conhecida, esta Conselheira acompanha o I. Relator em suas conclusões, reiterando o posicionamento deste Colegiado, no sentido de que a partir de 2007 não há impedimento à aplicação das multas isoladas simultaneamente com a multa de ofício proporcional, como claramente exposto no voto condutor do Acórdão nº 9101-002.962, de lavra da Conselheira Adriana Gomes Rêgo, cujas razões são aqui adotadas também para afastar as objeções à aplicação da penalidade depois do encerramento do exercício e à pretensão de aplicação do princípio da consunção:

Dito isso, tem-se que a lei determina que as pessoas jurídicas sujeitas à apuração do lucro real, apurem seus resultados trimestralmente. Como alternativa, facultou, o legislador, a possibilidade de a pessoa jurídica, obrigada ao lucro real, apurar seus resultados anualmente, desde que antecipe pagamentos mensais, a título de estimativa, que devem ser calculados com base na receita bruta mensal, ou com base em balanço/balancete de suspensão e/ou redução. Observe-se:

Lei nº 9.430, de 1996 (redação original):

Art. 2º A pessoa jurídica sujeita a tributação com base no lucro real poderá optar pelo pagamento do imposto, em cada mês, determinado sobre base de cálculo estimada, mediante a aplicação, sobre a receita bruta auferida mensalmente, dos percentuais de que trata o art. 15 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 29 e nos arts. 30 a 32, 34 e 35 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, com as alterações da Lei nº 9.065, de 20 de junho de 1995.

§ 1º O imposto a ser pago mensalmente na forma deste artigo será determinado mediante a aplicação, sobre a base de cálculo, da alíquota de quinze por cento.

§ 2º A parcela da base de cálculo, apurada mensalmente, que exceder a R$ 20.000,00 (vinte mil reais) ficará sujeita à incidência de adicional de imposto de renda à alíquota de dez por cento.

§ 3º A pessoa jurídica que optar pelo pagamento do imposto na forma deste artigo deverá apurar o lucro real em 31 de dezembro de cada ano, exceto nas hipóteses de que tratam os §§ 1º e 2º do artigo anterior.

§ 4º Para efeito de determinação do saldo de imposto a pagar ou a ser compensado, a pessoa jurídica poderá deduzir do imposto devido o valor:

I dos incentivos fiscais de dedução do imposto, observados os limites e prazos fixados na legislação vigente, bem como o disposto no § 4º do art. da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995; II dos incentivos fiscais de redução e isenção do imposto, calculados com base no lucro da exploração; III do imposto de renda pago ou retido na fonte, incidente sobre receitas computadas na determinação do lucro real; IV do imposto de renda pago na forma deste artigo. [...]

Há aqueles que alegam que as alterações promovidas no art. 44 da Lei nº 9.430, de 1996, pela Medida Provisória nº 351, de 22 de janeiro de 2007, posteriormente convertida na Lei nº 11.488, de 2007, não teriam afetado, substancialmente, a infração sujeita à aplicação da multa isolada, apenas reduzindo o seu percentual de cálculo e mantendo a vinculação da base imponível ao tributo devido no ajuste anual. Nesse sentido invocam a própria Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 351, de 2007, limitou-se a esclarecer que a alteração do art. 44 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, efetuada pelo art. 14 do Projeto, tem o objetivo de reduzir o percentual da multa de ofício, lançada isoladamente, nas hipóteses de falta de pagamento mensal devido pela pessoa física a título de carnê-leão ou pela pessoa jurídica a título de estimativa, bem como retira a hipótese de incidência da multa de ofício no caso de pagamento do

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Fl. 11816

Fl. 34 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

tributo após o vencimento do prazo, sem o acréscimo da multa de mora. E, ainda que se entenda que a identidade de bases de cálculo foi superada pela nova redação do dispositivo legal, para essas pessoas subsistiria o fato de as duas penalidades decorrerem de falta de recolhimento de tributo, o que imporia o afastamento da penalidade menos gravosa.

Ora, a vinculação entre os recolhimentos antecipados e a apuração do ajuste anual é inconteste, até porque a antecipação só é devida porque o sujeito passivo opta por postergar para o final do ano-calendário a apuração dos tributos incidentes sobre o lucro.

Contudo, a sistemática de apuração anual demanda uma punição diferenciada em face de infrações das quais resulta falta de recolhimento de tributo pois, na apuração anual, o fluxo de arrecadação da União está prejudicado desde o momento em que a estimativa é devida, e se a exigência do tributo com encargos ficar limitada ao devido por ocasião do ajuste anual, além de não se conseguir reparar todo o prejuízo experimentado à União, há um desestímulo à opção pela apuração trimestral do lucro tributável, hipótese na qual o sujeito passivo responderia pela infração com encargos desde o trimestre de sua ocorrência.

Na redação original do art. 44 da Lei nº 9.430, de 1996, esta penalidade foi prevista nos mesmos termos daquela aplicável ao tributo não recolhido no ajuste anual, ou seja, calculadas sobre a totalidade ou diferença de tributo ou contribuição , inclusive no mesmo percentual de 75%, e passível de agravamento ou qualificação se presentes as circunstâncias indicadas naquele dispositivo legal. Veja-se:

Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas, calculadas sobre a totalidade ou diferença de tributo ou contribuição:

I - de setenta e cinco por cento, nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, pagamento ou recolhimento após o vencimento do prazo, sem o acréscimo de multa moratória, de falta de declaração e nos de declaração inexata, excetuada a hipótese do inciso seguinte;

II - cento e cinqüenta por cento, nos casos de evidente intuito de fraude, definido nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis. (Vide Lei nº 10.892, de 2004)

§ 1º As multas de que trata este artigo serão exigidas:

I - juntamente com o tributo ou a contribuição, quando não houverem sido anteriormente pagos; [...]

III - isoladamente, no caso de pessoa física sujeita ao pagamento mensal do imposto (carnê-leão) na forma do art. da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, que deixar de fazê-lo, ainda que não tenha apurado imposto a pagar na declaração de ajuste;

IV - isoladamente, no caso de pessoa jurídica sujeita ao pagamento do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, na forma do art. 2º, que deixar de fazê-lo, ainda que tenha apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa para a contribuição social sobre o lucro líquido, no ano-calendário correspondente;

V - isoladamente, no caso de tributo ou contribuição social lançado, que não houver sido pago ou recolhido. (Revogado pela Medida Provisória nº 1.725, de 1998) (Revogado pela Lei nº 9.716, de 1998)

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Fl. 11817

Fl. 35 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

[...]

A redação original do dispositivo legal resultou, assim, em punições equivalentes para a falta de recolhimento de estimativas e do ajuste anual. E, decidindo sobre este conflito, a jurisprudência administrativa posicionou-se majoritariamente contra a subsistência da multa isolada, porque calculada a partir da mesma base de cálculo punida com a multa proporcional, e ainda no mesmo percentual desta.

Frente a tais circunstâncias, o art. 44 da Lei nº 9.430, de 1996, foi alterado pela Medida Provisória nº 351, de 2007, para prever duas penalidades distintas: a primeira de 75% calculada sobre o imposto ou contribuição que deixasse de ser recolhido e declarado, e exigida conjuntamente com o principal (inciso I do art. 44), e a segunda de 50% calculada sobre o pagamento mensal que deixasse de ser efetuado, ainda que apurado prejuízo fiscal ou base negativa ao final do ano-calendário, e exigida isoladamente (inciso II do art. 44). Além disso, as hipóteses de qualificação (§ 1º do art. 44) e agravamento (2º do art. 44) ficaram restritas à penalidade aplicável à falta de pagamento e declaração do imposto ou contribuição. Observe-se:

Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas:

I - de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata; II de 50% (cinqüenta por cento), exigida isoladamente, sobre o valor do pagamento mensal:

a) na forma do art. da Lei no 7.713, de 22 de dezembro de 1988, que deixar de ser efetuado, ainda que não tenha sido apurado imposto a pagar na declaração de ajuste, no caso de pessoa física;

b) na forma do art. 2º desta Lei, que deixar de ser efetuado, ainda que tenha sido apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa para a contribuição social sobre o lucro líquido, no ano-calendário correspondente, no caso de pessoa jurídica.

§ 1º O percentual de multa de que trata o inciso I do caput deste artigo será duplicado nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei no 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.

I - (revogado);

II - (revogado);

III - (revogado);

IV - (revogado);

V - (revogado pela Lei nº 9.716, de 26 de novembro de 1998).

As conseqüências desta alteração foram apropriadamente expostas pelo Conselheiro Marcos Aurélio Pereira Valadão no voto condutor do Acórdão nº 9101-002.251:

Logo, tendo sido alterada a base de cálculo eleita pelo legislador para a multa isolada de totalidade ou diferença de tributo ou contribuição para valor do pagamento mensal, não há mais qualquer vínculo, ou dependência, da multa isolada com a apuração de tributo devido.

Perfilhando o entendimento de que não se confunde a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição com o valor do pagamento mensal, apurado sob base estimada ao longo do ano, é vasta a jurisprudência desta CSRF, valendo

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Fl. 36 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

mencionar dos últimos cinco anos, entre outros, os acórdãos nºs 9101-00577, de 18 de maio de 2010, 9101-00.685, de 31 de agosto de 2010, 9101-00.879, de 23 de fevereiro de 2011, nº 9101-001.265, de 23 de novembro de 2011, nº 9101- 001.336, de 26 de abril de 2012, nº 9101-001.547, de 22 de janeiro de 2013, nº 9101-001.771, de 16 de outubro de 2013, e nº 9101-002.126, de 26 de fevereiro de 2015, todos assim ementados (destaquei):

O artigo 44 da Lei nº 9.430, de 1996, preceitua que a multa de ofício deve ser calculada sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição, materialidade que não se confunde com o valor calculado sob base estimada ao longo do ano.

Daí porque despropositada a decisão recorrida que, após reconhecer expressamente a modificação da redação do art. 44 da Lei nº 9.430, de 1996 pela Lei nº 11.488, de 2007, e transcrever os mesmos dispositivos legais acima, abruptamente conclui no sentido de que (e-fls. 236):

Portanto, cabe excluir a exigência da multa de ofício isolada concomitante à multa proporcional.

Em despacho de admissibilidade de embargos de declaração por omissão, interpostos pela Fazenda Nacional contra aquela decisão, e rejeitados, foi dito o seguinte (e-fls. 247):

Por fim, reafirmo a impossibilidade da aplicação cumulativa dessas multas. Isso porque é sabido que um dos fatores que levou à mudança da redação do citado art. 44 da Lei 9.430/1996 foram os julgados deste Conselho, sendo que à época da edição da Lei 11.488/2007 já predominava esse entendimento. Vejamos novamente a redação de parte [das] disposições do art. 44 da Lei 9.430/1996 alteradas/incluídas pela Lei 11.488/2007:

[...].

Ora, o legislador tinha conhecimento da jurisprudência deste Conselho quanto à impossibilidade de aplicação cumulativa da multa isolada com a multa de oficio, além de outros entendimentos no sentido de que não poderia ser exigida se apurado prejuízo fiscal no encerramento do ano-calendário, ou se o tributo tivesse sido integralmente pago no ajuste anual.

Todavia, tratou apenas das duas últimas hipóteses na nova redação, ou seja, deixou de prever a possibilidade de haver cumulatividade dessas multas. E não se diga que seria esquecimento, pois, logo a seguir, no parágrafo § 1º, excetuou a cumulatividade de penalidades quando a ensejar a aplicação dos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502/1964.

Bastava ter acrescentado mais uma alínea no inciso II da nova redação do art. 44 da [Lei nº] 9.430/1996, estabelecendo expressamente essa hipótese, que aliás é a questão de maior incidência.

Ao deixar de fazer isso, uma das conclusões factíveis é que essa cumulatividade é mesmo indevida.

Ora, o legislador, no caso, fez mais do que faria se apenas acrescentasse" mais uma alínea no inciso II da nova redação do art. 44 da [Lei nº] 9.430/1996 ".

Na realidade, o que, na redação primeira, era apenas um inciso subordinado a um parágrafo do artigo (art. 44, § 1º, inciso IV, da Lei nº 9.430, de 1996), tornou-se um inciso vinculado ao próprio caput do artigo (art. 44, inciso II, da

Original

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Fl. 11819

Fl. 37 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Lei nº 9.430, de 1996), no mesmo patamar, portanto, do inciso então preexistente, que previa a multa de ofício.

Veja-se a redação do art. 44 da Lei nº 9.430, de 1996, dada pela Lei nº 11.488, de 2007 (sublinhei):

Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas: I - de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata;

II - de 50% (cinquenta por cento), exigida isoladamente, sobre o valor do pagamento mensal:

[...];

Dessa forma, a norma legal, ao estatuir que"nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas", está a se referir, iniludivelmente, às duas multas em conjunto, e não mais em separado, como dava a entender a antiga redação do dispositivo.

Nessas condições, não seria necessário que a norma previsse" a possibilidade de haver cumulatividade dessas multas ". Pelo contrário: seria necessário, sim se fosse esse o caso, que a norma excetuasse essa possibilidade, o que nela não foi feito. Por conseguinte, não há que se falar como pretendeu o sujeito passivo, por ocasião de seu recurso voluntário em" identidade quanto ao critério pessoal e material de ambas as normas sancionatórias ".

Se é verdade que as duas normas sancionatórias, pelo critério pessoal, alcançam o mesmo contribuinte (sujeito passivo), não é verdade que o critério material (verbo + complemento) de uma e de outra se centre" no descumprimento da relação jurídica que determina o recolhimento integral do tributo devido ".

O complemento do critério material de ambas é, agora, distinto:

o da multa de ofício é a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição; já o da multa isolada é o valor do pagamento mensal, apurado sob base estimada ao longo do ano, cuja materialidade, como visto anteriormente, não se confunde com aquela. (grifos do original)

Destaque-se, ainda, que a penalidade agora prevista no art. 44, inciso II da Lei nº 9.430, de 1996, é exigida isoladamente e mesmo se não apurado lucro tributável ao final do ano-calendário.

A conduta reprimida, portanto, é a inobservância do dever de antecipar, mora que prejudica a União durante o período verificado entre data em que a estimativa deveria ser paga e o encerramento do ano-calendário.

A falta de recolhimento do tributo em si, que se perfaz a partir da ocorrência do fato gerador ao final do ano-calendário, sujeita-se a outra penalidade e a juros de mora incorridos apenas a partir de 1º de fevereiro do ano subseqüente 9 .

Diferentes, portanto, são os bens jurídicos tutelados, e limitar a penalidade àquela aplicada em razão da falta de recolhimento do ajuste anual é um incentivo ao descumprimento do dever de antecipação ao qual o sujeito passivo voluntariamente se

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Fl. 11820

Fl. 38 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

vinculou, ao optar pelas vantagens decorrentes da apuração do lucro tributável apenas ao final do ano-calendário.

E foi, justamente, a alteração legislativa acima que motivou a edição da referida Súmula CARF nº 105.

Explico.

O enunciado de súmula em referência foi aprovado pela 1a Turma da CSRF em 08 de dezembro de 2014. Antes, enunciado semelhante foi, por sucessivas vezes, rejeitado pelo Pleno da CSRF, e mesmo pela 1a Turma da CSRF. Vejase, abaixo, os verbetes submetidos a votação de 2009 a 2014:

PORTARIA Nº 97, DE 24 DE NOVEMBRO DE XXXXX

[...]

ANEXO I

I - ENUNCIADOS A SEREM SUBMETIDOS À APROVAÇÃO DO PLENO: [...]

12. PROPOSTA DE ENUNCIADO DE SÚMULA nº :

Até a vigência da Medida Provisória nº 351/2007, a multa isolada decorrente da falta ou insuficiência de antecipações não pode ser exigida concomitantemente com a multa de ofício incidente sobre o tributo apurado no ajuste anual.

[...]

PORTARIA Nº 27, DE 19 DE NOVEMBRO DE XXXXX

[...]

ANEXO ÚNICO

[...]

II - ENUNCIADOS A SEREM SUBMETIDOS À APROVAÇÃO DA 1a TURMA DA CSRF:

[...]

17. PROPOSTA DE ENUNCIADO DE SÚMULA nº:

Até 21 de janeiro de 2007, descabe o lançamento de multa isolada em razão do não recolhimento do imposto de renda devido em carnêleão aplicada em concomitância com a multa de ofício prevista no art. 44, inciso I, da Lei nº 9.430/96.

Acórdãos precedentes: 104-22036, de 09/06/2006; 3401-00078, de 01/06/2009; 3401-00047, de 06/05/2009; 104-23338, de 26/06/2008; 9202-00.699, de 13/04/2010; 920-201.833, de 25/ 10/ 2011.

[...]

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Fl. 11821

Fl. 39 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

III - ENUNCIADOS A SEREM SUBMETIDOS À APROVAÇÃO DA 2a TURMA DA CSRF:

[...]

22. PROPOSTA DE ENUNCIADO DE SÚMULA nº:

Até 21 de janeiro de 2007, descabe o lançamento de multa isolada em razão do não recolhimento do imposto de renda devido em carnêleão aplicada em concomitância com a multa de ofício prevista no art. 44, inciso I, da Lei nº 9.430/96.

Acórdãos precedentes: 104-22036, de 09/06/2006; 3401-00078, de 01/06/2009; 3401-00047, de 06/05/2009; 104-23338, de 26/06/2008; 9202-00.699, de 13/04/2010; 9202-01.833, de 25/10/ 2011.

[...]

PORTARIA Nº 18, DE 20 DE NOVEMBRO DE XXXXX

[...]

ANEXO I

I - Enunciados a serem submetidos ao Pleno da CSRF:

[...]

9a. PROPOSTA DE ENUNCIADO DE SÚMULA Até a vigência da Medida Provisória nº 351, de 2007, incabível a aplicação concomitante de multa isolada por falta de recolhimento de estimativas e de ofício pela falta de pagamento de tributo apurado no ajuste anual, devendo subsistir a multa de ofício.

Acórdãos Precedentes: 9101-001261, de 22/11/11; 9101-001203, de 22/11/11; 9101-001238, de 21/11/11; 9101-001307, de 24/04/12; 1402-001.217, de 04/10/12; 1102-00748, de 09/05/12; 1803-001263, de 10/04/12.

[...]

PORTARIA Nº 23, DE 21 DE NOVEMBRO DE XXXXX

[...]

ANEXO I

[...]

II - Enunciados a serem submetidos à 1a Turma da CSRF:

[...]

13a. PROPOSTA DE ENUNCIADO DE SÚMULA A multa isolada por falta de recolhimento de estimativas, lançada com fundamento no art. 44 § 1º, inciso IV da Lei nº 9.430, de 1996, não pode ser exigida ao mesmo tempo da multa de ofício por falta de pagamento de IRPJ e CSLL apurado no ajuste anual, devendo subsistir a multa de ofício.

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Fl. 11822

Fl. 40 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Acórdãos Precedentes: 9101-001.261, de 22/11/2011; 9101-001.203, de 17/10/2011; 9101-001.238, de 21/11/2011; 9101-001.307, de 24/04/2012; 1402- 001.217, de 04/10/2012; 1102-00.748, de 09/05/2012; 1803-001.263, de 10/04/2012.

[...]

É de se destacar que os enunciados assim propostos de 2009 a 2013 exsurgem da jurisprudência firme, contrária à aplicação concomitante das penalidades antes da alteração promovida no art. 44 da Lei nº 9.430, de 1996, pela Medida Provisória nº 351, de 2007, convertida na Lei nº 11.488, de 2007. Jurisprudência esta, aliás, que motivou a alteração legislativa .

De outro lado, a discussão acerca dos lançamentos formalizados em razão de infrações cometidas a partir do novo contexto legislativo ainda não apresentava densidade suficiente para indicar qual entendimento deveria ser sumulado.

Considerando tais circunstâncias, o Pleno da CSRF, e também a 1a Turma da CSRF, rejeitou, por três vezes, nos anos de 2009, 2012 e 2013, o enunciado contrário à concomitância das penalidades até a vigência da Medida Provisória nº 351, de 2007. As discussões nestas votações motivaram alterações posteriores com o objetivo de alcançar redação que fosse acolhida pela maioria qualificada, na forma regimental.

Com a rejeição do enunciado de 2009, a primeira alteração consistiu na supressão da vigência da Medida Provisória nº 351, de 2007, substituindo-a, como marco temporal, pela referência à data de sua publicação. Também foram separadas as hipóteses pertinentes ao IRPJ/CSLL e ao IRPF, submetendo-se à 1a Turma e à 2a Turma da CSRF os enunciados correspondentes. Seguindo-se nova rejeição em 2012, o enunciado de 2009 foi reiterado em 2013 e, mais uma vez, rejeitado.

Este cenário deixou patente a imprestabilidade de enunciado distinguindo as ocorrências alcançadas a partir da expressão"até a vigência da Medida Provisória nº 351", de 2007, ou até a data de sua publicação. E isto porque a partir da redação proposta havia o risco de a súmula ser invocada para declarar o cabimento da exigência concomitante das penalidades a partir das alterações promovidas pela Medida Provisória nº 351, de 2007, apesar de a jurisprudência ainda não estar consolidada neste sentido.

Para afastar esta interpretação, o enunciado aprovado pela 1a Turma da CSRF em 2014 foi redigido de forma direta, de modo a abarcar, apenas, a jurisprudência firme daquele Colegiado: a impossibilidade de cumulação, com a multa de ofício proporcional aplicada sobre os tributos devidos no ajuste anual, das multas isoladas por falta de recolhimento de estimativas exigidas com fundamento na legislação antes de sua alteração pela Medida Provisória nº 351, de 2007. Omitiu-se, intencionalmente, qualquer referência às situações verificadas depois da alteração legislativa em tela, em razão da qual a multa isolada por falta de recolhimento de estimativas passou a estar prevista no art. 44, inciso II, alínea b, e não mais no art. 44, § 1º, inciso IV da Lei nº 9.430, de 1996, sempre com vistas a atribuir os efeitos sumulares 14 à parcela do litígio já pacificada.

14 Regimento Interno do CARF, aprovado pela Portaria MF nº 256, de 2009, e alterado pela Portaria MF nº 586, de

2010:

[...]

Anexo II

[...]

Art. 18. Aos presidentes de Câmara incumbe, ainda:

[...]

XXI - negar, de ofício ou por proposta do relator, seguimento ao recurso que contrarie enunciado de súmula ou de resolução do Pleno da CSRF, em vigor, quando não houver outra matéria objeto do recurso;

Original

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Fl. 11823

Fl. 41 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Assim, a Súmula CARF nº 105 tem aplicação, apenas, em face de multas lançadas com fundamento na redação original do art. 44, § 1º, inciso IV da Lei nº 9.430, de 1996, ou seja, tendo por referência infrações cometidas antes da alteração promovida pela Medida Provisória nº 351, de 2007, publicada em 22 de janeiro de 2007, e ainda que a exigência tenha sido formalizada já com o percentual reduzido de 50%, dado que tal providência não decorre de nova fundamentação do lançamento, mas sim da retroatividade benigna prevista pelo art. 106, inciso II, alínea c, do CTN.

Neste sentido, vale observar que os precedentes indicados para aprovação da súmula reportam-se, todos, a infrações cometidas antes de 2007:

Acórdão nº 9101-001.261:

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ

Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL

Ano-calendário: 2001

Ementa: APLICAÇÃO CONCOMITANTE DE MULTA DE OFICIO E MULTA ISOLADA NA ESTIMATIVA - Incabível a aplicação concomitante de multa isolada por falta de recolhimento de estimativas no curso do período de apuração e de oficio pela falta de pagamento de tributo apurado no balanço. A infração relativa ao não recolhimento da estimativa mensal caracteriza etapa preparatória do ato de reduzir o imposto no final do ano. Pelo critério da consunção, a primeira conduta é meio de execução da segunda. O bem jurídico mais importante é sem dúvida a efetivação da arrecadação tributária, atendida pelo recolhimento do tributo apurado ao fim do ano-calendário, e o bem jurídico de relevância secundária é a antecipação do fluxo de caixa do governo, representada pelo dever de antecipar essa mesma arrecadação.

Acórdão nº 9101-001.203:

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ

Exercício: 2000, 2001

Ementa: MULTA ISOLADA. ANOS-CALENDÁRIO DE 1999 e 2000. FALTA DE RECOLHIMENTO POR ESTIMATIVA.

[...]

Art. 53. A sessão de julgamento será pública, salvo decisão justificada da turma para exame de matéria sigilosa, facultada a presença das partes ou de seus procuradores.

[...]

§ 4º Serão julgados em sessões não presenciais os recursos em processos de valor inferior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) ou, independentemente do valor, forem objeto de súmula ou resolução do CARF ou de decisões do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça na sistemática dos artigos 543B e 543C da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, Código de Processo Civil.

[...]

Art. 67. Compete à CSRF, por suas turmas, julgar recurso especial interposto contra decisão que der à lei tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra câmara, turma de câmara, turma especial ou a própria CSRF. [...]

§ 2º Não cabe recurso especial de decisão de qualquer das turmas que aplique súmula de jurisprudência dos Conselhos de Contribuintes, da Câmara Superior de Recursos Fiscais ou do CARF, ou que, na apreciação de matéria preliminar, decida pela anulação da decisão de primeira instância.

[...]

Original

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Fl. 11824

Fl. 42 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

CONCOMITÂNCIA COM MULTA DE OFICIO EXIGIDA EM LANÇAMENTO LAVRADO PARA A COBRANÇA DO TRIBUTO. Incabível a aplicação concomitante da multa por falta de recolhimento de tributo sobre bases estimadas e da multa de oficio exigida no lançamento para cobrança de tributo, visto que ambas penalidades tiveram como base o valor das glosas efetivadas pela Fiscalização.

Acórdão nº 9101-001.238:

Assunto: Imposto sobre a Renda Retido na Fonte - IRRF

Exercício: 2001

[...]

MULTA ISOLADA. ANO-CALENDÁRIO DE 2000. FALTA DE

RECOLHIMENTO POR ESTIMATIVA. CONCOMITÂNCIA COM MULTA DE

OFICIO EXIGIDA EM LANÇAMENTO LAVRADO PARA A COBRANÇA DO

TRIBUTO. Incabível a aplicação concomitante da multa por falta de

recolhimento de tributo sobre bases estimadas e da multa de oficio exigida no

lançamento para cobrança de tributo, visto que ambas penalidades tiveram

como base o valor da receita omitida apurado em procedimento fiscal.

Acórdão nº 9101-001.307:

Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica - IRPJ

Ano-calendário: 1998

[...]

MULTA ISOLADA APLICAÇÃO CONCOMITANTE COM A MULTA DE

OFICIO - Incabível a aplicação concomitante de multa isolada por falta de

recolhimento de estimativas no curso do período de apuração e de oficio pela

falta de pagamento de tributo apurado no balanço. A infração relativa ao não

recolhimento da estimativa mensal caracteriza etapa preparatória do ato de

reduzir o imposto no final do ano. Pelo critério da consunção, a primeira

conduta é meio de execução da segunda. O bem jurídico mais importante é sem

dúvida a efetivação da arrecadação tributária, atendida pelo recolhimento do

tributo apurado ao fim do ano-calendário, e o bem jurídico de relevância

secundária é a antecipação do fluxo de caixa do governo, representada pelo

dever de antecipar essa mesma arrecadação.

Acórdão nº 1402-001.217:

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA - IRPJ

Ano-calendário: 2003

[...]

MULTA DE OFICIO ISOLADA POR FALTA DE RECOLHIMENTO DE ESTIMATIVAS MENSAIS CONCOMITANTE COM A MULTA DE OFICIO.

INAPLICABILIDADE. É inaplicável a penalidade quando existir concomitância com a multa de oficio sobre o ajuste anual (mesma base).

[...]

Acórdão nº 1102-000.748:

Original

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Fl. 11825

Fl. 43 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA - IRPJ

Ano-calendário: 2000, 2001

Ementa:

[...]

LANÇAMENTO DE OFÍCIO. PENALIDADE. MULTA ISOLADA. FALTA DE

RECOLHIMENTO DE ESTIMATIVAS.

Devem ser exoneradas as multas isoladas por falta de recolhimento de

estimativas, uma vez que, cumulativamente foram exigidos os tributos com multa

de ofício, e a base de cálculo das multas isoladas está inserida na base de

cálculo das multas de ofício, sendo descabido, nesse caso, o lançamento

concomitante de ambas.

[...]

Acórdão nº 1803-001.263:

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA - IRPJ

Ano-calendário: 2002

[...]

APLICAÇÃO CONCOMITANTE DE MULTA DE OFÍCIO E MULTA ISOLADA NA ESTIMATIVA Incabível a aplicação concomitante de multa isolada por falta de recolhimento de estimativas no curso do período de apuração e de ofício pela falta de pagamento de tributo apurado no balanço. A infração relativa ao não recolhimento da estimativa mensal caracteriza etapa preparatória do ato de reduzir o imposto no final do ano.

Pelo critério da consunção, a primeira conduta é meio de execução da segunda. O bem jurídico mais importante é sem dúvida a efetivação da arrecadação tributária, atendida pelo recolhimento do tributo apurado ao fim do ano- calendário, e o bem jurídico de relevância secundária é a antecipação do fluxo de caixa do governo, representada pelo dever de antecipar essa mesma arrecadação.

Frente a tais circunstâncias, ainda que precedentes da súmula veiculem fundamentos autorizadores do cancelamento de exigências formalizadas a partir da alteração promovida pela Medida Provisória nº 351, de 2007, não são eles, propriamente, que vinculam o julgador administrativo, mas sim o enunciado da súmula, no qual está sintetizada a questão pacificada.

Digo isso porque esses precedentes têm sido utilizados para se tentar aplicar outra tese no sentido de afastar a multa, qual seja a do princípio da consunção. Ora se o princípio da consunção fosse fundamento suficiente para inexigibilidade concomitante das multas em debate, o enunciado seria genérico, sem qualquer referência ao fundamento legal dos lançamentos alcançados. A citação expressa do texto legal presta-se a firmar esta circunstância como razão de decidir relevante extraída dos paradigmas, cuja presença é essencial para aplicação das conseqüências do entendimento sumulado.

Há quem argumente que o princípio da consunção veda a cumulação das penalidades. Sustentam os adeptos dessa tese que o não recolhimento da estimativa mensal seria etapa preparatória da infração cometida no ajuste anual e, em tais circunstâncias o princípio da consunção autorizaria a subsistência, apenas, da penalidade aplicada sobre o tributo devido ao final do ano-calendário, prestigiando o bem jurídico mais relevante,

Original

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Fl. 11826

Fl. 44 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

no caso, a arrecadação tributária, em confronto com a antecipação de fluxo de caixa assegurada pelas estimativas. Ademais, como a base fática para imposição das penalidades seria a mesma, a exigência concomitante das multas representaria bis in idem , até porque, embora a lei tenha previsto ambas penalidades, não determinou a sua aplicação simultânea. E acrescentam que, em se tratando de matéria de penalidades, seria aplicável o art. 112 do CTN.

Entretanto, com a devida vênia, discordo desse entendimento. Para tanto, aproveito-me, inicialmente do voto proferido pela Conselheira Karem Jureidini Dias na condução do acórdão nº 9101-001.135, para trazer sua abordagem conceitual acerca das sanções em matéria tributária:

[...]

A sanção de natureza tributária decorre do descumprimento de obrigação tributária - qual seja, obrigação de pagar tributo. A sanção de natureza tributária pode sofrer agravamento ou qualificação, esta última em razão de o ilícito também possuir natureza penal, como nos casos de existência de dolo, fraude ou simulação. O mesmo auto de infração pode veicular, também, norma impositiva de multa em razão de descumprimento de uma obrigação acessória obrigação de fazer - pois, ainda que a obrigação acessória sempre se relacione a uma obrigação tributária principal, reveste-se de natureza administrativa.

Sobre as obrigações acessórias e principais em matéria tributária, vale destacar o que dispõe o artigo 113 do Código Tributário Nacional:

"Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária."

Fica evidente da leitura do dispositivo em comento que a obrigação principal, em direito tributário, é pagar tributo, e a obrigação acessória é aquela que possui características administrativas, na medida em que as respectivas normas comportamentais servem ao interesse da administração tributária, em especial, quando do exercício da atividade fiscalizatória. O dispositivo transcrito determina, ainda, que em relação à obrigação acessória, ocorrendo seu descumprimento pelo contribuinte e imposta multa, o valor devido converte-se em obrigação principal. Vale destacar que, mesmo ocorrendo tal conversão, a natureza da sanção aplicada permanece sendo administrativa, já que não há cobrança de tributo envolvida, mas sim a aplicação de uma penalidade em razão da inobservância de uma norma que visava proteger os interesses fiscalizatórios da administração tributária.

Assim, as sanções em matéria tributária podem ter natureza (i) tributária principal quando se referem a descumprimento da obrigação principal, ou seja, falta de recolhimento de tributo; (ii) administrativa - quando se referem à mero descumprimento de obrigação acessória que, em verdade, tem por objetivo auxiliar os agentes públicos que se encarregam da fiscalização; ou, ainda (iii) penal - quando qualquer dos ilícitos antes mencionados representar, também, ilícito penal. Significa dizer que, para definir a natureza da sanção aplicada,

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Fl. 11827

Fl. 45 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

necessário se faz verificar o antecedente da norma sancionatória, identificando a relação jurídica desobedecida.

Aplicam-se às sanções o princípio da proporcionalidade, que deve ser observado quando da aplicação do critério quantitativo.

Neste ponto destacamos a lição de Helenilson Cunha Pontes a respeito do princípio da proporcionalidade em matéria de sanções tributárias, verbis:

"As sanções tributárias são instrumentos de que se vale o legislador para buscar o atingimento de uma finalidade desejada pelo ordenamento jurídico. A análise da constitucionalidade de uma sanção deve sempre ser realizada considerando o objetivo visado com sua criação legislativa. De forma geral, como lembra Régis Fernandes de Oliveira, "a sanção deve guardar proporção com o objetivo de sua imposição". O princípio da proporcionalidade constitui um instrumento normativo-constitucional através do qual pode-se concretizar o controle dos excessos do legislador e das autoridades estatais em geral na definição abstrata e concreta das sanções".

O primeiro passo para o controle da constitucionalidade de uma sanção, através do princípio da proporcionalidade, consiste na perquirição dos objetivos imediatos visados com a previsão abstrata e/ou com a imposição concreta da sanção. Vale dizer, na perquirição do interesse público que valida a previsão e a imposição de sanção" . (in "O Princípio da Proporcionalidade e o Direito Tributário", ed. Dialética, São Paulo, 2000, pg.135)

Assim, em respeito a referido princípio, é possível afirmar que: se a multa é de natureza tributária, terá por base apropriada, via de regra, o montante do tributo não recolhido. Se a multa é de natureza administrativa, a base de cálculo terá por grandeza montante proporcional ao ilícito que se pretende proibir. Em ambos os casos as sanções podem ser agravadas ou qualificadas. Agravada, se além do descumprimento de obrigação acessória ou principal, houver embaraço à fiscalização, e, qualificada se ao ilícito somar-se outro de cunho penal - existência de dolo, fraude ou simulação.

A MULTA ISOLADA POR NÃO RECOLHIMENTO DAS ANTECIPAÇÕES

A multa isolada, aplicada por ausência de recolhimento de antecipações, é regulada pelo artigo 44, inciso II, alínea b, da Lei nº 9.430/96, verbis:

[...]

A norma prevê, portanto, a imposição da referida penalidade quando o contribuinte do IRPJ e da CSLL, sujeito ao Lucro Real Anual, deixar de promover as antecipações devidas em razão da disposição contida no artigo da Lei nº 9.430/96, verbis:

[...]

A natureza das antecipações, por sua vez, já foi objeto de análise do Superior Tribunal de Justiça, que manifestou entendimento no sentido de considerar que as antecipações se referem ao pagamento de tributo, conforme se depreende dos seguintes julgados:

"TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE RENDA. CSSL. RECOLHIMENTO ANTECIPADO.

ESTIMATIVA. TAXA SELIC. INAPLICABILIDADE.

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Fl. 11828

Fl. 46 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

1."É firme o entendimento deste Tribunal no sentido de que o regime de antecipação mensal é opção do contribuinte, que pode apurar o lucro real, base de cálculo do IRPJ e da CSSL, por estimativa, e antecipar o pagamento dos tributos, segundo a faculdade prevista no art. da Lei n. 9430/96"( AgRg no REsp XXXXX RJ, relator Ministro Humberto Martins, DJ de 3/8/2006).

2. A antecipação do pagamento dos tributos não configura pagamento indevido à Fazenda Pública que justifique a incidência da taxa Selic.

3. Recurso especial improvido."

( Recurso Especial XXXXX / SC Relator Ministro João Otávio de Noronha Segunda Turma Data do Julgamento 19/09/2006 DJ 26.10.2006 p. 277)

"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL TRIBUTÁRIO IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURIDICA IRPJ E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO CSSL APURAÇÃO POR ESTIMATIVA PAGAMENTO ANTECIPADO OPÇÃO DO CONTRIBUINTE LEI N. 9430/96.

É firme o entendimento deste Tribunal no sentido de que o regime de antecipação mensal é opção do contribuinte, que pode apurar o lucro real, base de cálculo do IRPJ e da CSSL, por estimativa, e antecipar o pagamento dos tributos, segundo a faculdade prevista no art. da Lei n. 9430/96. Precedentes: REsp XXXXX/RS, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ25.4.2005 e REsp XXXXX/SC, Rel. Min. José Delgado, DJ 27.9.2004.Agravo regimental improvido."

(Agravo Regimental No Recurso Especial 2004/01397180 Relator Ministro Humberto Martins Segunda Turma DJ 17.08.2006 p. 341)

Do exposto, infere-se que a multa em questão tem natureza tributária, pois aplicada em razão do descumprimento de obrigação principal, qual seja, falta de pagamento de tributo, ainda que por antecipação prevista em lei.

Debates instalaram-se no âmbito desse Conselho Administrativo sobre a natureza da multa isolada. Inicialmente me filiei à corrente que entendia que a multa isolada não poderia prosperar porque penalizava conduta que não se configurava obrigação principal, tampouco obrigação acessória. Ou seja, mantinha o entendimento de que a multa em questão não se referia a qualquer obrigação prevista no artigo 113 do Código Tributário Nacional, na medida em que penalizava conduta que, a meu ver à época, não podia ser considerada obrigação principal, já que o tributo não estava definitivamente apurado, tampouco poderia ser considerada obrigação acessória, pois evidentemente não configura uma obrigação de caráter meramente administrativo, uma vez que a relação jurídica prevista na norma primária dispositiva é o "pagamento" de antecipação.

Nada obstante, modifiquei meu entendimento, mormente por concluir que trata- se, em verdade, de multa pelo não pagamento do tributo que deve ser antecipado. Ainda que tenha o contribuinte declarado e recolhido o montante devido de IRPJ e CSLL ao final do exercício, fato é que caberá multa isolada quando o contribuinte não efetua a antecipação deste tributo.

Tanto assim que, até a alteração promovida pela Lei nº 11.488/07, o caput do artigo 44 da Lei nº 9.430/96, previa que o cálculo das multas ali estabelecidas seria realizado "sobre a totalidade ou diferença de tributo ou contribuição".

Frente a estas considerações, releva destacar que a penalidade em debate é exigida isoladamente, sem qualquer hipótese de agravamento ou qualificação e, embora seu

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Fl. 11829

Fl. 47 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

cálculo tenha por referência a antecipação não realizada, sua exigência não se dá por falta de "pagamento de tributo", dado o fato gerador do tributo sequer ter ocorrido. De forma semelhante, outras penalidades reconhecidas como decorrentes do descumprimento de obrigações acessórias são calculadas em razão do valor dos tributos devidos 15 e exigidas de forma isolada.

Sob esta ótica, o recolhimento de estimativas melhor se alinha ao conceito de obrigação acessória que à definição de obrigação principal, até porque a antecipação do recolhimento é, em verdade, um ônus imposto aos que voluntariamente optam pela apuração anual do lucro tributável, e a obrigação acessória, nos termos do art. 113, § 2º do CTN, é medida prevista não só no interesse da fiscalização, mas também da arrecadação dos tributos.

Veja-se, aliás, que as manifestações do Superior Tribunal de Justiça acima citadas expressamente reconhecem este ônus como decorrente de uma opção, e distinguem a antecipação do pagamento do pagamento em si, isto para negar a aplicação de juros a partir de seu recolhimento no confronto com o tributo efetivamente devido ao final do ano-calendário.

É certo que a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça já consolidou seu entendimento contrariamente à aplicação concomitante das penalidades em razão do princípio da consunção, conforme evidencia a ementa de julgado recente proferido no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.576.289/RS:

TRIBUTÁRIO. MULTA ISOLADA E MULTA DE OFÍCIO. ART. 44, I E II, DA LEI 9.430/1996 (REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.488/2007). EXIGÊNCIA CONCOMITANTE. IMPOSSIBILIDADE NO CASO. PRECEDENTES.

1. A Segunda Turma do STJ tem posição firmada pela impossibilidade de aplicação concomitante das multas isolada e de ofício previstas nos incisos I e II do art. 44 da Lei 9.430/1996 ( AgRg no REsp XXXXX/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28/9/2015; REsp XXXXX/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 24/3/2015).

2. Agravo Regimental não provido.

Todavia, referidos julgados não são de observância obrigatória na forma do art. 62, § 1º, inciso II, alínea b do Anexo II do Regimento Interno do CARF aprovado pela Portaria MF nº 343, de 2015.

15 Lei nº 10.426, de 2002: Art. 7º O sujeito passivo que deixar de apresentar Declaração de Informações Econômico-

Fiscais da Pessoa Jurídica - DIPJ, Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais - DCTF, Declaração Simplificada da Pessoa Jurídica, Declaração de Imposto de Renda Retido na Fonte - DIRF e Demonstrativo de Apuração de Contribuições Sociais - Dacon, nos prazos fixados, ou que as apresentar com incorreções ou omissões, será intimado a apresentar declaração original, no caso de não-apresentação, ou a prestar esclarecimentos, nos demais casos, no prazo estipulado pela Secretaria da Receita Federal SRF, e sujeitar-se-á às seguintes multas: (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)

I - de dois por cento ao mês-calendário ou fração, incidente sobre o montante do imposto de renda da pessoa jurídica informado na DIPJ, ainda que integralmente pago, no caso de falta de entrega desta Declaração ou entrega após o prazo, limitada a vinte por cento, observado o disposto no § 3º;

II - de dois por cento ao mês-calendário ou fração, incidente sobre o montante dos tributos e contribuições informados na DCTF, na Declaração Simplificada da Pessoa Jurídica ou na Dirf, ainda que integralmente pago, no caso de falta de entrega destas Declarações ou entrega após o prazo, limitada a vinte por cento, observado o disposto no § 3º;

III - de 2% (dois por cento) ao mês-calendário ou fração, incidente sobre o montante da Cofins, ou, na sua falta, da contribuição para o PIS/Pasep, informado no Dacon, ainda que integralmente pago, no caso de falta de entrega desta Declaração ou entrega após o prazo, limitada a 20% (vinte por cento), observado o disposto no § 3o deste artigo; e (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)

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Fl. 11830

Fl. 48 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Além disso, a interpretação de que a falta de recolhimento da antecipação mensal é infração abrangida pela falta de recolhimento do ajuste anual, sob o pressuposto da existência de dependência entre elas, sendo a primeira infração preparatória da segunda, desconsidera o prejuízo experimentado pela União com a mora subsistente em razão de o tributo devido no ajuste anual sofrer encargos somente a partir do encerramento do ano-calendário.

Favorece, assim, o sujeito passivo que se obrigou às antecipações para apurar o lucro tributável apenas ao final do ano-calendário, conferindo-lhe significativa vantagem econômica em relação a outro sujeito passivo que, cometendo a mesma infração, mas optando pela regra geral de apuração trimestral dos lucros, suportaria, além do ônus da escrituração trimestral dos resultados, os encargos pela falta de recolhimento do tributo calculados desde o encerramento do período trimestral.

Quanto à transposição do princípio da consunção para o Direito Tributário, vale a transcrição da oposição manifestada pelo Conselheiro Alberto Pinto Souza Junior no voto condutor do acórdão nº 1302-001.823:

Da inviabilidade de aplicação do princípio da consunção

O princípio da consunção é princípio específico do Direito Penal, aplicável para solução de conflitos aparentes de normas penais, ou seja, situações em que duas ou mais normas penais podem aparentemente incidir sobre um mesmo fato.

Primeiramente, há que se ressaltar que a norma sancionatória tributária não é norma penal stricto sensu. Vale aqui a lembrança que o parágrafo único do art. 273 do anteprojeto do CTN (hoje, art. 112 do CTN), elaborado por Rubens Gomes de Sousa, previa que os princípios gerais do Direito Penal se aplicassem como métodos ou processos supletivos de interpretação da lei tributária, especialmente da lei tributária que definia infrações. Esse dispositivo foi rechaçado pela Comissão Especial de 1954 que elaborou o texto final do anteprojeto, sendo que tal dispositivo não retornou ao texto do CTN que veio a ser aprovado pelo Congresso Nacional. À época, a Comissão Especial do CTN acolheu os fundamentos de que o direito penal tributário não tem semelhança absoluta com o direito penal (sugestão 789, p. 513 dos Trabalhos da Comissão Especial do CTN) e que o direito penal tributário não é autônomo ao direito tributário, pois a pena fiscal mais se assemelha a pena cível do que a criminal (sugestão 787, p.512, idem). Não é difícil, assim, verificar que, na sua gênese, o CTN afastou a possibilidade de aplicação supletiva dos princípios do direito penal na interpretação da norma tributária, logicamente, salvo aqueles expressamente previstos no seu texto, como por exemplo, a retroatividade benigna do art. 106 ou o in dubio pro reo do art. 112.

Oportuna, também, a citação da abordagem exposta em artigo publicado por Heraldo Garcia Vitta 16 :

O Direito Penal é especial, contém princípios, critérios, fundamentos e normas particulares, próprios desse ramo jurídico; por isso, a rigor, as regras dele não podem ser estendidas além dos casos para os quais foram instituídas. De fato, não se aplica norma jurídica senão à ordem de coisas para a qual foi estabelecida; não se pode pôr de lado a natureza da lei, nem o ramo do Direito a que pertence a regra tomada por base do processo analógico.[15 Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito, p.212 ] Na hipótese de concurso de crimes, o legislador escolheu critérios específicos, próprios desse ramo de Direito. Logo, não se justifica a analogia das normas do Direito Penal no tema concurso real de infrações administrativas.

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Fl. 11831

Fl. 49 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

A ‘forma de sancionar’ é instituída pelo legislador, segundo critérios de conveniência/oportunidade, isto é, discricionariedade. Compete-lhe elaborar, ou não, regras a respeito da concorrência de infrações administrativas. No silêncio, ocorre cúmulo material.

Aliás, no Direito Administrativo brasileiro, o legislador tem procurado determinar o cúmulo material de infrações, conforme se observa, por exemplo, no artigo 266, da Lei nº 9.503, de 23.12.1997 ( Código de Trânsito Brasileiro), segundo o qual "quando o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as respectivas penalidades". Igualmente o artigo 72, § 1º, da Lei 9.605, de 12.2.1998, que dispõe sobre sanções penais e administrativas derivadas de condutas lesivas ao meio ambiente: "Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações [administrativas, pois o disposto está inserido no Capítulo VI -Da Infração Administrativa] ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as sanções a elas cominadas". E também o parágrafo único, do artigo 56, da Lei nº 8.078, de 11.9.1990, que regula a proteção do consumidor: "As sanções [administrativas] previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar antecedente ou incidente de procedimento administrativo".[16 Evidentemente, se ocorrer, devido ao acúmulo de sanções, perante a hipótese concreta, pena exacerbada, mesmo quando observada imposição do mínimo legal, isto é, quando a autoridade administrativa tenha imposto cominação mínima, estabelecida na lei, ocorrerá invalidação do ato administrativo, devido ao princípio da proporcionalidade .]

No Direito Penal são exemplos de aplicação do princípio da consunção a absorção da tentativa pela consumação, da lesão corporal pelo homicídio e da violação de domicílio pelo furto em residência. Característica destas ocorrências é a sua previsão em normas diferentes, ou seja, a punição concebida de forma autônoma, dada a possibilidade fática de o agente ter a intenção, apenas, de cometer o crime que figura como delito-meio ou delito-fim.

Já no caso em debate, a norma tributária prevê expressamente a aplicação das duas penalidades em face da conduta de sujeito passivo que motive lançamento de ofício, como bem observado pelo Conselheiro Marcos Aurélio Pereira Valadão no já citado voto condutor do acórdão nº 9101-002.251:

[...]

Ora, o legislador, no caso, fez mais do que faria se apenas acrescentasse "mais uma alínea no inciso II da nova redação do art. 44 da [Lei nº] 9.430/1996".

Na realidade, o que, na redação primeira, era apenas um inciso subordinado a um paragrafodo artigoo (art. 44, § 1º, inciso IV, da Lei nº 9.430, de 1996), tornou-se um inciso vinculado ao próprio caput do artigo (art. 44, inciso II, da Lei nº 9.430, de 1996), no mesmo patamar, portanto, do inciso então preexistente, que previa a multa de ofício.

Veja-se a redação do art. 44 da Lei nº 9.430, de 1996, dada pela Lei nº 11.488, de 2007 (sublinhei):

Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas: I - de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata;

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Fl. 11832

Fl. 50 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

II - de 50% (cinquenta por cento), exigida isoladamente, sobre o valor do pagamento mensal:

[...];

Dessa forma, a norma legal, ao estatuir que "nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas", está a se referir, iniludivelmente, às duas multas em conjunto, e não mais em separado, como dava a entender a antiga redação do dispositivo.

Nessas condições, não seria necessário que a norma previsse "a possibilidade de haver cumulatividade dessas multas". Pelo contrário: seria necessário, sim se fosse esse o caso, que a norma excetuasse essa possibilidade, o que nela não foi feito. Por conseguinte, não há que se falar como pretendeu o sujeito passivo, por ocasião de seu recurso voluntário em "identidade quanto ao critério pessoal e material de ambas as normas sancionatórias".

Se é verdade que as duas normas sancionatórias, pelo critério pessoal, alcançam o mesmo contribuinte (sujeito passivo), não é verdade que o critério material (verbo + complemento) de uma e de outra se centre "no descumprimento da relação jurídica que determina o recolhimento integral do tributo devido".

O complemento do critério material de ambas é, agora, distinto: o da multa de ofício é a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição; já o da multa isolada é o valor do pagamento mensal, apurado sob base estimada ao longo do ano, cuja materialidade, como visto anteriormente, não se confunde com aquela. (grifos do original)

A alteração legislativa promovida pela Medida Provisória nº 351, de 2007, portanto, claramente fixou a possibilidade de aplicação de duas penalidades em caso de lançamento de ofício frente a sujeito passivo optante pela apuração anual do lucro tributável. Somente desconsiderando-se todo o histórico de aplicação das penalidades previstas na redação original do art. 44 da Lei nº 9.430, de 1996, seria possível interpretar que a redação alterada não determinou a aplicação simultânea das penalidades. A redação alterada é direta e impositiva ao firmar que "serão aplicadas as seguintes multas". Ademais, quando o legislador estipula na alínea b do inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430, de 1996, a exigência isolada da multa sobre o valor do pagamento mensal ainda que tenha sido apurado prejuízo fiscal ou base negativa no ano-calendário correspondente, claramente afirma a aplicação da penalidade mesmo se apurado lucro tributável e, por conseqüência, tributo devido sujeito à multa prevista no inciso I do seu art. 44.

Acrescente-se que não se pode falar, no caso, de bis in idem sob o pressuposto de que a imposição das penalidades teria a mesma base fática. Basta observar que as infrações ocorrem em diferentes momentos, o primeiro correspondente à apuração da estimativa com a finalidade de cumprir o requisito de antecipação do recolhimento imposto aos optantes pela apuração anual do lucro, e o segundo apenas na apuração do lucro tributável ao final do ano-calendário.

A análise, assim, não pode ficar limitada, por exemplo, à omissão de receitas ou ao registro de despesas indedutíveis, especialmente porque, para fins tributários, estas ocorrências devem, necessariamente, repercutir no cumprimento da obrigação acessória de antecipar ou na constituição, pelo sujeito passivo, da obrigação tributária principal. A base fática, portanto, é constituída pelo registro contábil ou fiscal, ou mesmo sua supressão, e pela repercussão conferida pelo sujeito passivo àquela ocorrência no cumprimento das obrigações tributárias. Como esta conduta se dá em momentos distintos e com finalidades distintas, duas penalidades são aplicáveis, sem se cogitar de bis in idem.

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Fl. 11833

Fl. 51 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Neste sentido, aliás, são as considerações do Conselheiro Alberto Pinto Souza Júnior no voto condutor do Acórdão nº 1302-001.823:

Ainda que aplicável fosse o princípio da consunção para solucionar conflitos aparentes de norma tributárias, não há no caso em tela qualquer conflito que justificasse a sua aplicação.

Conforme já asseverado, o conflito aparente de normas ocorre quando duas ou mais normas podem aparentemente incidir sobre um mesmo fato, o que não ocorre in casu , já que temos duas situações fáticas diferentes: a primeira, o não recolhimento do tributo devido; a segunda, a não observância das normas do regime de recolhimento sobre bases estimadas. Ressalte-se que o simples fato de alguém, optante pelo lucro real anual, deixar de recolher o IRPJ mensal sobre a base estimada não enseja per se a aplicação da multa isolada, pois esta multa só é aplicável quando, além de não recolher o IRPJ mensal sobre a base estimada, o contribuinte deixar de levantar balanço de suspensão, conforme dispõe o art. 35 da Lei no 8.981/95. Assim, a multa isolada não decorre unicamente da falta de recolhimento do IRPJ mensal, mas da inobservância das normas que regem o recolhimento sobre bases estimadas, ou seja, do regime.

[...]

Assim, demonstrado que temos duas situações fáticas diferentes, sob as quais incidem normas diferentes, resta irrefutável que não há unidade de conduta, logo não existe qualquer conflito aparente entre as normas dos incisos I e IV do § 1º do art. 44 e, consequentemente, indevida a aplicação do princípio da consunção no caso em tela.

Noutro ponto, refuto os argumentos de que a falta de recolhimento da estimativa mensal seria uma conduta menos grave, por atingir um bem jurídico secundário - que seria a antecipação do fluxo de caixa do governo. Conforme já demonstrado, a multa isolada é aplicável pela não observância do regime de recolhimento pela estimativa e a conduta que ofende tal regime jamais poderia ser tida como menos grave, já que põe em risco todo o sistema de recolhimento do IRPJ sobre o lucro real anual - pelo menos no formato desenhado pelo legislador.

Em verdade, a sistemática de antecipação dos impostos ocorre por diversos meios previstos na legislação tributária, sendo exemplos disto, além dos recolhimentos por estimativa, as retenções feitas pelas fontes pagadoras e o recolhimento mensal obrigatório (carnê-leão), feitos pelos contribuintes pessoas físicas. O que se tem, na verdade são diferentes formas e momentos de exigência da obrigação tributária. Todos esses instrumentos visam ao mesmo tempo assegurar a efetividade da arrecadação tributária e o fluxo de caixa para a execução do orçamento fiscal pelo governo, impondo-se igualmente a sua proteção (como bens jurídicos). Portanto, não há um bem menor, nem uma conduta menos grave que possa ser englobada pela outra, neste caso.

Ademais, é um equívoco dizer que o não recolhimento do IRPJ-estimada é uma ação preparatória para a realização da "conduta mais grave" - não recolhimento do tributo efetivamente devido no ajuste. O não pagamento de todo o tributo devido ao final do exercício pode ocorrer independente do fato de terem sido recolhidas as estimativas, pois o resultado final apurado não guarda necessariamente proporção com os valores devidos por estimativa. Ainda que o contribuinte recolha as antecipações, ao final pode ser apurado um saldo de tributo a pagar, com base no resultado do exercício. As infrações tributárias que ensejam a multa isolada e a multa de ofício nos casos em tela são autônomas. A ocorrência de uma delas não pressupõe necessariamente a existência da outra,

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Fl. 11834

Fl. 52 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

logo inaplicável o princípio da consunção, já que não existe conflito aparente de normas.

Tais circunstâncias são totalmente distintas das que ensejam a aplicação de multa moratória ou multa de ofício sobre tributo não recolhido. Nesta segunda hipótese, sim, a base fática é idêntica, porque a infração de não recolher o tributo no vencimento foi praticada e, para compensar a União o sujeito passivo poderá, caso não demande a atuação de um agente fiscal para constituição do crédito tributário por lançamento de ofício, sujeitar-se a uma penalidade menor 17 . Se o recolhimento não for promovido depois do vencimento e o lançamento de ofício se fizer necessário, a multa de ofício fixada em maior percentual incorpora, por certo, a reparação que antes poderia ser promovida pelo sujeito passivo sem a atuação de um Auditor Fiscal.

Imprópria, portanto, a ampliação do conteúdo expresso no enunciado da súmula a partir do que consignado no voto condutor de alguns dos paradigmas .

É importante repisar, assim, que as decisões acerca das infrações cometidas depois das alterações promovidas pela Medida Provisória nº 351, de 2007, no art. 44 da Lei nº 9.430, de 1996, não devem observância à Súmula CARF nº 105 e os Conselheiros têm plena liberdade de convicção.

Somente a essência extraída dos paradigmas, integrada ao enunciado no caso, mediante expressa referência ao fundamento legal aplicável antes da edição da Medida Provisória nº 351, de 2007 (art. 44, § 1º, inciso IV da Lei nº 9.430, de 1996), representa o entendimento acolhido pela 1a Turma da CSRF a ser observado, obrigatoriamente, pelos integrantes da 1a Seção de Julgamento. Nada além disso.

De outro lado, releva ainda destacar que a aprovação de um enunciado não impõe ao julgador a sua aplicação cega. As circunstâncias do caso concreto devem ser analisadas e, caso identificado algum aspecto antes desconsiderado, é possível afastar a aplicação da súmula.

Veja-se, por exemplo, que o enunciado da Súmula CARF nº 105 é omisso acerca de outro ponto que permite interpretação favorável à manutenção parcial de exigências formalizadas ainda que com fundamento no art. 44, § 1º, inciso IV da Lei nº 9.430, de 1996.

Neste sentido é a declaração de voto da Conselheira Edeli Pereira Bessa no Acórdão nº 1302-001.753:

A multa isolada teve em conta falta de recolhimento de estimativa de CSLL no valor de R$ 94.130,67, ao passo que a multa de ofício foi aplicada sobre a CSLL apurada no ajuste anual no valor de R$ 31.595,78. Discute-se, no caso, a aplicação da Súmula CARF nº 105 de seguinte teor: A multa isolada por falta de recolhimento de estimativas, lançada com fundamento no art. 44 § 1º, inciso IV da Lei nº 9.430, de 1996, não pode ser exigida ao mesmo tempo da multa de ofício por falta de pagamento de IRPJ e CSLL apurado no ajuste anual, devendo subsistir a multa de ofício.

17 Lei nº 9.430, de 1996, art. 61. Os débitos para com a União, decorrentes de tributos e contribuições administrados

pela Secretaria da Receita Federal, cujos fatos geradores ocorrerem a partir de 1º de janeiro de 1997, não pagos nos prazos previstos na legislação específica, serão acrescidos de multa de mora, calculada à taxa de trinta e três centésimos por cento, por dia de atraso.

§ 1º A multa de que trata este artigo será calculada a partir do primeiro dia subseqüente ao do vencimento do prazo previsto para o pagamento do tributo ou da contribuição até o dia em que ocorrer o seu pagamento.

§ 2º O percentual de multa a ser aplicado fica limitado a vinte por cento.

§ 3º Sobre os débitos a que se refere este artigo incidirão juros de mora calculados à taxa a que se refere o § 3º do art. 5º, a partir do primeiro dia do mês subseqüente ao vencimento do prazo até o mês anterior ao do pagamento e de um por cento no mês de pagamento. (Vide Medida Provisória nº 1.725, de 1998) (Vide Lei nº 9.716, de 1998)

Original

DF CARF MF

Fl. 11835

Fl. 53 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Os períodos de apuração autuados estariam alcançados pelo dispositivo legal apontado na Súmula CARF nº 105. Todavia, como evidenciam as bases de cálculo das penalidades, a concomitância se verificou apenas sobre parte da multa isolada exigida por falta de recolhimento da estimativa de CSLL devida em dezembro/2002. Importa, assim, avaliar se o entendimento sumulado determinaria a exoneração de toda a multa isolada aqui aplicada.

A referência à exigência ao mesmo tempo das duas penalidades não possui uma única interpretação. É possível concluir, a partir do disposto, que não subsiste a multa isolada aplicada no mesmo lançamento em que formalizada a exigência do ajuste anual com acréscimo da multa de ofício proporcional, ou então que a multa isolada deve ser exonerada quando exigida em face de antecipação contida no ajuste anual que ensejou a exigência do principal e correspondente multa de ofício. Além disso, pode-se interpretar que deve subsistir apenas uma penalidade quando a causa de sua aplicação é a mesma.

Os precedentes que orientaram a edição da Súmula CARF nº 105 auxiliam nesta interpretação. São eles:

[...]

Observa-se nas ementas dos Acórdãos nº 9101-001.261, 9101-001.307 e 1803- 001.263 a abordagem genérica da infração de falta de recolhimento de estimativas como etapa preparatória do ato de reduzir o imposto no final do ano, e que por esta razão é absorvida pela segunda infração, devendo subsistir apenas a punição aplicada sobre esta. Sob esta vertente interpretativa, qualquer multa isolada aplicada por falta de recolhimento de estimativas sucumbiria frente à exigência do ajuste anual com acréscimo de multa de ofício.

Porém, os Acórdãos nº 9101-001.203 e 9101-001.238, reportam-se à identidade entre a infração que, constatada pela Fiscalização, enseja a apuração da falta de recolhimento de estimativas e da falta de recolhimento do ajuste anual, assim como os Acórdãos nº 1402-001.217 e 1102-000.748 fazem referência a aplicação de penalidades sobre a mesma base, ou ao fato de a base de cálculo das multas isoladas estar contida na base de cálculo da multa de ofício. Tais referências permitem concluir que, para identificação da concomitância, deve ser avaliada a causa da aplicação da penalidade ou, ao menos, o seu reflexo na apuração do ajuste anual e nas bases estimativas.

A adoção de tais referenciais para edição da Súmula CARF nº 105 evidencia que não se pretendeu atribuir um conteúdo único à concomitância, permitindo-se a livre interpretação acerca de seu alcance.

Considerando que, no presente caso, as infrações foram apuradas de forma independente estimativa não recolhida em razão de seu parcelamento parcial e ajuste anual não recolhido em razão da compensação de bases negativas acima do limite legal e assim resultaram em distintas bases para aplicação das penalidades, é válido concluir que não há concomitância em relação à multa isolada aplicada sobre a parcela de R$ 62.534,89 (= R$ 94.130,67 R$ 31.595,78), correspondente à estimativa de CSLL em dezembro/2002 que excede a falta de recolhimento apurada no ajuste anual.

Divergência neste sentido, aliás, já estava consubstanciada antes da aprovação da súmula, nos termos do voto condutor do Acórdão nº 120100.235, de lavra do Conselheiro Guilherme Adolfo dos Santos Mendes:

[...]

Original

DF CARF MF

Fl. 11836

Fl. 54 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

O valor tributável é o mesmo (R$ 15.470.000,00). Isso, contudo, não implica necessariamente numa perfeita coincidência delitiva, pois pode ocorrer também que uma omissão de receita resulte num delito quantitativamente mais intenso.

Foi o que ocorreu. Em razão de prejuízos posteriores ao mês do fato gerador, o impacto da omissão sobre a tributação anual foi menor que o sofrido na antecipação mensal. Desse modo, a absorção deve é apenas parcial.

Conforme o demonstrativo de fls. 21, a omissão resultou numa base tributável anual do IR no valor de R$ 5.076.300,39, mas numa base estimada de R$ 8.902.754,18. Assim, deve ser mantida a multa isolada relativa à estimativa de imposto de renda que deixou de ser recolhida sobre R$ 3.826.453,79 (R$ 8.902.754,18- R$ 5.076.300,39), parcela essa que não foi absorvida pelo delito de não recolhimento definitivo, sobre o qual foi aplicada a multa proporcional.

Abaixo, segue a discriminação dos valores:

Base estimada remanescente: R$ 3.826.453,79

Estimativa remanescente (R$ 3.826.453,79 x 25%): R$ 956.613,45

Multa isolada mantida (R$ 956.613,45 x 50%): R$ 478.306,72

Multa isolada excluída (R$ 1.109.844,27 - R$ 478.306,72: R$ 631.537,55

[...]

A observância do entendimento sumulado, portanto, pressupõe a identificação dos requisitos expressos no enunciado e a análise das circunstâncias do caso concreto, a fim de conferir eficácia à súmula, mas não aplica-la a casos distintos. Assim, a referência expressa ao fundamento legal das exigências às quais se aplica o entendimento sumulado limita a sua abrangência, mas a adoção de expressões cujo significado não pode ser identificado a partir dos paradigmas da súmula confere liberdade interpretativa ao julgador.

Como antes referido, no presente processo a multa isolada por falta de recolhimento das estimativas mensais foi exigida para fatos ocorridos após alterações promovidas pela Medida Provisória nº 351, de 2007, no art. 44 da Lei nº 9.430, de 1996.

Sendo assim e diante do todo o exposto, não só não há falar na aplicação ao caso da Súmula CARF nº 105, como não se pode cogitar da impossibilidade de lançamento da multa isolada por falta de recolhimento das estimativas após o encerramento do ano- calendário.

Como se viu, a multa de 50% prevista no inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430, de 1996 e calculada sobre o pagamento mensal de antecipação de IRPJ e CSLL que deixe de ser efetuado penaliza o descumprimento do dever de antecipar o recolhimento de tais tributos e independe do resultado apurado ao final do ano-calendário e da eventual aplicação de multa de ofício.

Nessa condição, a multa isolada é devida ainda que se apure prejuízo fiscal ou base negativa de CSLL, conforme estabelece a alínea b do referido inciso II do art. 44 da Lei nº 9.430, de 1996, sendo que não haveria sentido em comando nesse sentido caso não se pudesse aplicar a multa após o encerramento do ano-calendário, eis que antes de encerrado o ano sequer pode se determinar se houve ou não prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa de CSLL.

No mesmo sentido do entendimento aqui manifestado citam-se os seguintes acórdãos desta 1a Turma da CSRF: 9101-002.414 (de 17/08/2016), 9101-002.438 (de 20/09/2016) e 9101-002.510 (de 12/12/2016).

Original

DF CARF MF

Fl. 11837

Fl. 55 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

É de se negar, portanto, provimento ao recurso da Contribuinte, mantendo-se o lançamento de multa isolada por falta de recolhimento das estimativas.

Especificamente acerca do princípio da consunção, vale o acréscimo das razões de decidir adotadas pelo Conselheiro Fernando Brasil de Oliveira Pinto e expostas, dentre outros, no voto condutor do Acórdão nº 9101-006.056 18 :

A alteração da redação do art. 44 da Lei nº 9.430/96 buscou adequar o dispositivo face à jurisprudência então dominante no CARF, mais precisamente a firmada em torno do entendimento do então Conselheiro e Presidente de Câmara José Clóvis Alves, o qual atacava a redação do caput do art. 44 da Lei nº 9.430/96 ("Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas, calculadas sobre a totalidade ou diferença de tributo ou contribuição..."), e divisava bis in idem , entendendo que a "mesma" multa seria aplicada quando do lançamento de ofício do tributo (Acórdão CSRF XXXXX-05503 - 101-134520).

Na nova redação do citado artigo, o caput não mais faz referência à diferença de tributo ("Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas..."), sendo tal expressão utilizada somente no inciso I, que trata da multa de 75% aplicada sobre a diferença de tributo lançado de ofício. A multa isolada ora é tratada em dispositivo específico (inciso II), que estabelece percentual distinto do da multa de ofício (esta é de 75%, e aquela de 50%). Ve-se, assim, que a nova multa isolada é aplicada, em percentual próprio, sobre o valor do pagamento mensal que deixou de ser efetuado a título de estimativa, não mais se falando em diferença sobre tributo que deixou de ser recolhido.

Em voto que a meu ver bem reflete a tese aqui exposta, o ilustre Conselheiro GUILHERME ADOLFO DOS SANTOS MENDES foi preciso na análise do tema (Acórdão XXXXX-23.370, Sessão de 24/01/2008):

[...]

Nada obstante, as regras sancionatórias são em múltiplos aspectos totalmente diferentes das normas de imposição tributária, a começar pela circunstância essencial de que o antecedente das primeiras é composto por uma conduta antijurídica, ao passo que das segundas se trata de conduta lícita.

Dessarte, em múltiplas facetas o regime das sanções pelo descumprimento de obrigações tributárias mais se aproxima do penal que do tributário.

Pois bem, a Doutrina do Direito Penal afirma que, dentre as funções da pena, há a PREVENÇÃO GERAL e a PREVENÇÃO ESPECIAL.

A primeira é dirigida à sociedade como um todo. Diante da prescrição da norma punitiva, inibe-se o comportamento da coletividade de cometer o ato infracional. Já a segunda é dirigida especificamente ao infrator para que ele não mais cometa o delito.

É, por isso, que a revogação de penas implica a sua retroatividade, ao contrário do que ocorre com tributos. Uma vez que uma conduta não mais é tipificada como delitiva, não faz mais sentido aplicar pena se ela deixa de cumprir as funções preventivas.

18 Participaram do presente julgamento os Conselheiros: Edeli Pereira Bessa, Livia De Carli Germano, Fernando

Brasil de Oliveira Pinto, Luis Henrique Marotti Toselli, Luiz Tadeu Matosinho Machado, Alexandre Evaristo Pinto, Gustavo Guimarães da Fonseca (suplente convocado) e Andréa Duek Simantob (Presidente em exercício), e divergiram na matéria os Conselheiros Lívia De Carli Germano, Luis Henrique Marotti Toselli e Alexandre Evaristo Pinto.

Original

DF CARF MF

Fl. 11838

Fl. 56 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Essa discussão se torna mais complexa no caso de descumprimento de deveres provisórios ou excepcionais.

Hector Villegas, (em Direito Penal Tributário. São Paulo, Resenha Tributária, EDUC, 1994), por exemplo, nos noticia o intenso debate da Doutrina Argentina acerca da aplicação da retroatividade benigna às leis temporárias e excepcionais. No direito brasileiro, porém, essa discussão passa ao largo há muitas décadas, em razão de expressa disposição em nosso Código Penal, no caso, o art. :

Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.

O legislador penal impediu expressamente a retroatividade benigna nesses casos, pois, do contrário, estariam comprometidas as funções de prevenção. Explico e exemplifico.

Como é previsível, no caso das extraordinárias, e certo, em relação às temporárias, a cessação de sua vigência, a exclusão da punição implicaria a perda de eficácia de suas determinações, uma vez que todos teriam a garantia prévia de, em breve, deixarem de ser punidos. É o caso de uma lei que impõe a punição pelo descumprimento de tabelamento temporário de preços. Se após o período de tabelamento, aqueles que o descumpriram não fossem punidos e eles tivessem a garantia prévia disso, por que então cumprir a lei no período em que estava vigente?

Ora, essa situação já regrada pela nossa codificação penal é absolutamente análoga à questão ora sob exame, pois, apesar de a regra que estabelece o dever de antecipar não ser temporária, cada dever individualmente considerado é provisório e diverso do dever de recolhimento definitivo que se caracterizará no ano seguinte."

Desse modo, após o advento da MP nº 351/2007, entendo que as multas isoladas devem ser mantidas, ainda que aplicadas em concomitância com as multas de ofício pela ausência de recolhimento/pagamento de tributo apurado de forma definitiva. Tal conclusão decorre da constatação de se tratarem de penalidades distintas, com origem em fatos geradores e períodos de apuração diversos, e ainda aplicadas sobre bases de cálculos diferenciadas. A legislação, em nenhum momento, vedou a aplicação concomitante das penalidades em comento.

Em complemento, e em especial em relação à suposta aplicação do princípio da consunção, transcrevo o entendimento firmado pelo Conselheiro Leonardo de Andrade Couto em seus votos sobre o tema em debate:

"Manifestei-me em outras ocasiões pela aplicação ao caso do princípio da consunção, pelo qual prevalece a penalidade mais grave quando uma pluralidade de normas é violada no desenrolar de uma ação.

De forma geral, o princípio da consunção determina que em face a um ou mais ilícitos penais denominados consuntos , que funcionam apenas como fases de preparação ou de execução de um outro, mais grave que o (s) primeiro (s), chamado consuntivo , ou tão-somente como condutas, anteriores ou posteriores, mas sempre intimamente interligado ou inerente, dependentemente, deste último, o sujeito ativo só deverá ser responsabilizado pelo ilícito mais grave. 19 .

DF CARF MF

Fl. 11839

Fl. 57 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

Veja-se que a condição básica para aplicação do princípio é a íntima interligação entre os ilícitos. Pelo até aqui exposto, pode-se dizer que a intenção do legislador tributário foi justamente deixar clara a independência entre as irregularidades, inclusive alterando o texto da norma para ressaltar tal circunstância.

No voto paradigma que decidiu casos como o presente sob a ótica do princípio da consunção, o relator cita Miguel Reale Junior que discorre sobre o crime progressivo, situação típica de aplicação do princípio em comento.

Pois bem. Doutrinariamente, existe crime progressivo quando o sujeito, para alcançar um resultado normativo (ofensa ou perigo de dano a um bem jurídico), necessariamente deverá passar por uma conduta inicial que produz outro evento normativo, menos grave que o primeiro.

Noutros termos: para ofender um bem jurídico qualquer, o agente, indispensavelmente, terá de inicialmente ofender outro, de menor gravidade - passagem por um minus em direção a um plus. 20 (destaques acrescidos).

Estaríamos diante de uma situação de conflito aparente de normas. Aparente porque o princípio da especialidade definiria a questão, com vistas a evitar a subsunção a dispositivos penais diversos e, por conseguinte, a confusão de efeitos penais e processuais.

Aplicando-se essa teoria às situações que envolvem a imputação da multa de ofício, a irregularidade que gera a multa aplicada em conjunto com o tributo não necessariamente é antecedida de ausência ou insuficiência de recolhimento do tributo devido a título de estimativas, suscetível de aplicação da multa isolada.

Assim, não há como enquadrar o conceito da progressividade ao presente caso, motivo pelo qual tal linha de raciocínio seria injustificável para aplicação do princípio da consunção.

Ainda seguindo a analogia com o direito penal, a grosso modo poder-se-ia dizer que a situação sob exame representaria um concurso real de normas ou, mais especificamente, um concurso material: duas condutas delituosas causam dois resultados delituosos.

Abstraindo-se das questões conceituais envolvendo aspectos do direito penal, a Lei nº 9.430/96, ao instituir a multa isolada sobre irregularidades no recolhimento do tributo devido a título de estimativas, não estabeleceu qualquer limitação quanto à imputação dessa penalidade juntamente com a multa exigida em conjunto com o tributo."

Nestes termos, ainda que as infrações cometidas repercutam na apuração da estimativa mensal e do ajuste anual, diferentes são as condutas punidas: o dever de antecipar e o dever de recolher o tributo devido ao final do ano-calendário. As alterações promovidas pela Medida Provisória nº 351, de 2007, convertida na Lei nº 11.488, de 2007, por sua vez, não excetuaram a aplicação simultânea das penalidades, justamente porque diferentes são as condutas reprimidas, o mesmo se verificando na Instrução Normativa SRF nº 93, de 1997, replicado atualmente na Instrução Normativa RFB nº 1700, de 2017, que em seu art. 52 prevê a imposição, apenas, da multa isolada durante o ano-calendário, enquanto não ocorrido o fato gerador que somente se completará ao seu final, restando a possibilidade de aplicação

20 Idem, Idem

Original

DF CARF MF

Fl. 11840

Fl. 58 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

concomitante com a multa de ofício, depois do encerramento do ano-calendário, reconhecida expressamente em seu art. 53. Veja-se:

Art. 52. Verificada, durante o ano-calendário em curso, a falta de pagamento do IRPJ ou da CSLL por estimativa, o lançamento de ofício restringir-se-á à multa isolada sobre os valores não recolhidos.

§ 1º A multa de que trata o caput será de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do pagamento mensal que deixar de ser efetuado.

§ 2º As infrações relativas às regras de determinação do lucro real ou do resultado ajustado, verificadas nos procedimentos de redução ou suspensão do IRPJ ou da CSLL a pagar em determinado mês, ensejarão a aplicação da multa de ofício sobre o valor indevidamente reduzido ou suspenso.

§ 3º Na falta de atendimento à intimação de que trata o § 1º do art. 51, no prazo nela consignado, o Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil procederá à aplicação da multa de que trata o caput sobre o valor apurado com base nas regras previstas nos arts. 32 a 41, ressalvado o disposto no § 2º do art. 51.

§ 4º A não escrituração do livro Diário ou do Lalur de que trata o caput do art. 310 até a data fixada para pagamento do IRPJ e da CSLL do respectivo mês, implicará desconsideração do balanço ou balancete para efeito da suspensão ou redução de que trata o art. 47 e a aplicação do disposto no § 2º deste artigo.

§ 5º Na verificação relativa ao ano-calendário em curso o livro Diário e o Lalur a que se refere o § 4º serão exigidos mediante intimação específica, emitida pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil.

Art. 53. Verificada a falta de pagamento do IRPJ ou da CSLL por estimativa, após o término do ano-calendário, o lançamento de ofício abrangerá:

I - a multa de oficio de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor do pagamento mensal que deixar de ser efetuado, ainda que tenha sido apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa da CSLL no ano-calendário correspondente; e

II - o IRPJ ou a CSLL devido com base no lucro real ou no resultado ajustado apurado em 31 de dezembro, caso não recolhido, acrescido de multa de ofício e juros de mora contados do vencimento da quota única do tributo.

Observe-se, também, que as manifestações do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema foram editadas, apenas, no âmbito da 2a Turma, e o posicionamento desta, inclusive, está renovado em acórdão mais recente, mas sem acréscimos nas razões de decidir, exarado nos autos do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.603.525/RJ, proferido em 23/11/2020 21 e assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. MULTA ISOLADA E DE OFÍCIO. ART. 44 DA LEI N. 9.430/96 (REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 11.488/07). EXIGÊNCIA CONCOMITANTE. IMPOSSIBILIDADE NO CASO.

I - Na origem, trata-se de ação objetivando a anulação de três lançamentos tributários, em virtude da existência de excesso do montante cobrado.

II - Após sentença que julgou parcialmente procedente o pleito elaborado na exordial, foram interpostas apelações pelo contribuinte e pela Fazenda Nacional, recursos que

DF CARF MF

Fl. 11841

Fl. 59 do Acórdão n.º 9101-006.516 - CSRF/1a Turma

Processo nº 16561.720025/2018-45

tiveram, respectivamente, seu provimento parcialmente concedido e negado pelo Tribunal Regional Federal da 2a Região, ficando consignado o entendimento de que é ilegal a aplicação concomitante das multas de ofício e isolada, previstas no art. 44 da Lei n. 9.430/1996.

III - Conquanto a parte insista que a única hipótese em que se poderá cobrar a multa isolada é se não for possível cobrar a multa de ofício, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica ao afirmar que é ilegal a aplicação concomitante das multas isolada e de ofício previstas nos incisos I e II do art. 44 da Lei n. 9.430/1996. Nesse sentido: REsp XXXXX/PR, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 17/3/2015, DJe 24/3/2015 e AgRg no REsp XXXXX/PB, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17/9/2015, DJe 28/9/2015.

IV - Agravo interno improvido.

Cabe esclarecer, por fim, que a Súmula CARF nº 82 confirma a presente exigência. Isto porque o entendimento consolidado de que após o encerramento do ano- calendário, é incabível lançamento de ofício de IRPJ ou CSLL para exigir estimativas não recolhidas decorre, justamente, da previsão legal de aplicação da multa de ofício isolada quando constatada tal infração. Ou seja, encerrado o ano-calendário, descabe exigir as estimativas não recolhidas, vez que já evidenciada a apuração final do tributo passível de lançamento se não recolhido e/ou declarado. Contudo, a lei não deixa impune o descumprimento da obrigação de antecipar os recolhimentos decorrentes da opção pela apuração do lucro real, estipulando desde a redação original do art. 44, § 1º, inciso IV da Lei nº 9.430, de 1996, a exigência isolada da multa por falta de recolhimento das estimativas, assim formalizada sem o acompanhamento do principal das estimativas não recolhidas que passarão, antes, pelo filtro da apuração ao final do ano-calendário.

Estas as razões, portanto, para NEGAR PROVIMENTO ao recurso especial da Contribuinte neste ponto.

(documento assinado digitalmente)

Edeli Pereira Bessa

Original

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/carf/1823788436/inteiro-teor-1823788442

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