17 de Junho de 2024
- 2º Grau
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Detalhes
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS
Órgão 5ª Turma Cível
Processo N. APELAÇÃO CÍVEL XXXXX-27.2020.8.07.0006
APELANTE (S) VANESSA CANDIDA NERES
APELADO (S) GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. e GOSHME SOLUCOES PARA A
INTERNET LTDA - ME
Relatora Desembargadora MARIA IVATÔNIA
Acórdão Nº 1386662
EMENTA
DIREITO CIVIL. PROCESSO CIVIL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À DIALETICIDADE.
INSUBSISTÊNCIA. RECURSO CONHECIDO. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL.
ILEGITIMIDADE PASSIVA. INTERESSE DE AGIR. PRELIMINARES REJEITADAS.
MÉRITO. PROVEDORES DE BUSCA. PUBLICAÇÃO DE CONTEÚDO NA INTERNET.
NOME DA APELANTE VINCULADO A PROCESSOS JUDICIAIS. INCOMPATIBILIDADE DO DIREITO AO ESQUECIMENTO COM A CRFB/88. STF, TEMA 786. SENTENÇA
MANTIDA.
1. Hipótese em que impugnados efetivamente os fundamentos da sentença recorrida, exposto o
inconformismo em relação à improcedência da pretensão de ver retirado da rede mundial de
computadores resultado de pesquisa que menciona nome da autora-apelante vinculado a processos
judiciais, não há que se falar em violação ao princípio da dialeticidade.
2. Petição inicial inepta é aquela que não atende aos requisitos do art. 330, § 1º do CPC. Na hipótese,
contudo, não se evidencia a alegada inépcia: pedido discriminado, lógico, conclusão que decorre da
narração dos fatos – petição inicial apta a produzir efeitos jurídicos. 2.1. O pedido foi deduzido de
modo específico: “remoção de todos os conteúdos em nome da Autora, devidamente individualizado
através de suas URLs acima, sob pena de multa a ser fixada pelo nobre Juízo”. A causa de pedir é
clara: dificuldade em “conseguir emprego devido às notícias existentes na internet” sobre os processos nos quais figura como ré. Ressalta jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que
direito ao esquecimento afasta “o caráter perpétuo das informações no mundo digital”. Da narração
dos fatos decorre conclusão lógica: da perspectiva da autora-apelante, faz jus ao direito de ver retirados dos sites de pesquisa resultados que informam processos judiciais nos quais figura como parte ré.
assertionis), sem cognição exauriente acerca do alegado. 3.2. Na petição inicial, narra a autora-apelante dificuldade em “conseguir emprego devido às notícias existentes na internet”, sobre os processos nos quais figura como ré. Afirma terem as rés-apeladas, GOSHME SOLUÇÕES PARA INTERNET
LTDA-ME (Jusbrasil) e GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA, provedores de pesquisa na internet, o dever de remover informações dos respectivos sítios eletrônicos da rede mundial de computadores.
Evidencia-se, pois, relação jurídica de direito material existente entre as partes, havendo correlação
entre os indicados na relação de direito material e os que figuram nos polos da ação, não havendo que se falar em ilegitimidade passiva 3.3. Para que se reconheça interesse de agir, imprescindíveis
necessidade e utilidade associadas à adequação do meio processual eleito. Há interesse processual
quando a parte, ao aviar a pretensão por meio processual adequado, demonstra a necessidade de se
valer do Judiciário para alcançar o pretendido, e a utilidade que a demanda ajuizada pode lhe trazer.
3.4. No caso, necessário e útil à autora-apelada o ajuizamento da presente ação dada a manutenção dos conteúdos dos resultados de pesquisas relacionados ao seu nome nos sítios eletrônicos das recorridas.
4. O Supremo Tribunal Federal, no RE XXXXX/RJ, julgado sob a sistemática da repercussão geral,
definiu a incompatibilidade do direito ao esquecimento com a Constituição Federal de 1988 (Tema
786): “É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido
como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais
excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais - especialmente os relativos à proteção da honra, da
imagem, da privacidade e da personalidade em geral - e das expressas e específicas previsões legais
nos âmbitos penal e cível”. 4.1. Segundo o STJ, a responsabilidade dos provedores de pesquisa deve se restringir à natureza própria das suas atividades: facilitar a localização de informações na
internet.Devem os mencionados provedores garantir, portanto, “o sigilo, a segurança e a
inviolabilidade dos dados cadastrais de seus usuários e das buscas por eles realizadas, bem como o
bom funcionamento e manutenção do sistema” (REsp XXXXX/RJ, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA,
julgado em 08/05/2018, DJe 05/06/2018). Ressalvada a hipótese de não atendimento de ordem judicial para retirada de conteúdo ofensivo, os provedores de pesquisa não podem ser responsabilizados pelo
conteúdo do resultado das buscas realizadas pelos usuários nem podem ser obrigados a filtrar o
conteúdo das pesquisas feitas pelos usuários (artigos 18 e 19 da Lei 12.965/14). Tais atividades
desdobram da natureza dos serviços por eles prestados. Ressalte-se: provedores de pesquisa “realizam suas buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se
restringe à identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados” (REsp XXXXX/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe 29/06/2012). 4.2. No caso, o conteúdo da
informação impugnada pela autora-apelante guarda relação com processos judiciais nos quais figurou como ré, informação pública e verídica disponibilizada pelo Poder Judiciário por meio público de
divulgação — Diário de Justiça do Distrito Federal (DJDF). Não há qualquer imputação de fato
ofensivo à imagem, à honra ou à intimidade da autora-apelante. Trata-se, como mencionado, de
divulgação de informação de interesse público, o que, portanto, define a insubsistência do pleito da
apelante: afinal, a regra é a publicidade dos atos do poder público, em especial dos atos processuais,
publicidade que só pode ser restringida por lei quando assim o exigirem a defesa da intimidade, o
interesse social, a segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, incisos LX e XXXII e art. 93, inciso IX, CRFB/88). Não é o caso dos autos.
5. Recurso conhecido, preliminares de inépcia da petição inicial e carência de ação rejeitada e, no
mérito, recurso desprovido.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores do (a) 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios, MARIA IVATÔNIA - Relatora, FÁBIO EDUARDO MARQUES - 1º Vogal e JOÃO LUIS FISCHER DIAS - 2º Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora MARIA
IVATÔNIA, em proferir a seguinte decisão: CONHECER. REJEITAR AS PRELIMINARES. NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME., de acordo com a ata do julgamento e notas
taquigráficas.
Brasília (DF), 24 de Novembro de 2021
Desembargadora MARIA IVATÔNIA
Presidente e Relatora
RELATÓRIO
Adoto, em parte, o relatório da sentença proferida pelo Núcleo Permanente de Gestão de Metas do
Primeiro Grau – NUPMETAS-1 (ID26635929 – p.1/2):
“Cuida-se de ação pelo procedimento comum ajuizada por VANESSA CANDIDA NERES em desfavor de GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA. (primeira ré) e GOSHME SOLUCOES PARA A INTERNET LTDA. – ME (segunda ré), partes devidamente qualificadas nos autos.
Consta da petição inicial que a autora figurou como reclamada no Juizado Especial em razão de
requerimento de seu irmão, que possui problemas psicológicos, sem sofrer condenação, e em razão de uma empresa que já não mais está ligada a seu nome. Porém, não tem conseguido emprego, ante as
notícias dos processos na rede mundial de computadores.
Diz, a autora, que os processos são de conhecimento em razão de aparecerem nas pesquisas
relacionadas a seu nome junto às empresas Google, Jusbrasil e Escavador.
Depois de expor as razões jurídicas, a autora pede a concessão do benefício da justiça gratuita e da
tutela de urgência, e, em definitivo, a condenação das rés a removerem os conteúdos vinculados a seu nome.
Foi atribuído à causa o valor de 1.000,00.
A petição inicial foi apresentada com documentos.
O benefício da justiça gratuita foi concedido à autora, mas a tutela de urgência requerida foi
indeferida (ID XXXXX).
Diz que não se pode imputar aos provedores a obrigação de implementar o direito ao esquecimento.
Há, portanto, carência de ação por ilegitimidade de parte.
Ainda, afirma que os provedores de pesquisa não são responsáveis pelos conteúdos indexados.
Na contestação da segunda ré (ID XXXXX), foi arguida sua ilegitimidade passiva e a carência de
ausência por ausência de resistência à pretensão e pela não comprovação da remoção do documento original.
Aduz que os conteúdos não foram publicados pela demandada e decorrem do Diário de Justiça do
Distrito Federal.
Nega, no mais, a obrigação que a autora lhe quer impor.
Réplica ao ID XXXXX, com ratificação dos pedidos inaugurais.
Os autos vieram conclusos para julgamento".
O pedido foi julgado improcedente nos seguintes termos (ID26635929 – p.6):
“ANTE O EXPOSTO,
Julgo IMPROCEDENTE o pedido apresentado na petição inicial.
Por conseguinte, resolvo o mérito da lide, na forma do art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil.
Custas e honorários, fixados em R$ 2.000,00, conforme dispõe o art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil, pela parte autora.
Tendo em vista que a autora é beneficiária da justiça gratuita, fica suspensa a exigibilidade dos ônus sucumbenciais"
A autora VANESSA CANDIDA NERES apela (ID26635932). Nas razões recursais, sustenta terem as rés-apeladas, provedoras de internet, o dever de remover da rede mundial de computadores os
resultados de pesquisas que mencionam seu nome vinculado a processos judiciais (ID26635932 – p.4). Assevera que “embora () não conste mais em pesquisas recentes realizadas no site do TJDF (id- Num. XXXXX), seu nome permanece figurando como ré perante pesquisas realizadas no sitio das
empresas recorridas, fato que continua causando prejuízo a recorrente que não consegue emprego”
(ID26635932 – p.4). Afirma que “vem sofrendo constrangimentos e perda de chances de conseguir
emprego, pois, embora os processos ajuizados indevidamente por seu irmão, já foram finalizados,
julgados sem mérito e também eliminados, não constando mais no site do TJDFT em pesquisas
relacionadas ao seu nome, ainda persistem, tais informações disponibilizadas no site das empresas
recorridas” (ID26635932 – p.6).
Requer, ao final:
Sem preparo dada a gratuidade de justiça (ID26635880).
Contrarrazões de GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA (ré), suscitadas as seguintes preliminares:
a) Violação ao princípio da dialeticidade, alegação de não impugnação específica dos fundamentos da
sentença (ID26635938 – p.4);
b) Inépcia da petição inicial porque nenhuma “indicação das URLs específicas dos materiais tidos por
infringentes”, nem “demonstração da existência de indexação do material aduzido na inicial” (
ID26635938 – p.5); e
c) Carência de ação “por falta de legitimidade [passiva] e interesse processual”, pois não “detêm o
conteúdo tido por ofensivo, e, por isso mesmo, () a capacidade de removê-lo”, e porque “a tutela
pretendida é inútil e desnecessária no que tange à pretendida remoção de resultados de buscas” (
ID26635938 – p.5).
No mérito, GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA pugna pelo não provimento do recurso
(ID26635938 – p.33).
A ré GOSHME SOLUÇÕES PARA INTERNET LTDA-ME (Jusbrasil) apresentou contrarrazões.
Preliminarmente, alega ser parte ilegítima; no mérito, requer o não provimento da apelação
(ID26635941 – p.12).
Oportunizado o contraditório acerca das preliminares suscitadas em contrarrazões (despacho de
ID27237374), VANESSA CANDIDA NERES (autora) não se manifestou (certidão de ID27541455).
É o relatório.
VOTOS
A Senhora Desembargadora MARIA IVATÔNIA - Relatora
DA PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA (ré-apelada) suscita, em contrarrazões, preliminar de não
conhecimento do recurso, argumento de não impugnação específica dos fundamentos da sentença,
violado o princípio da dialeticidade (ID26635938 – p.4).
Sem razão.
Apelação deve infirmar os fundamentos da sentença impugnada a fim de evidenciar confronto de teses
sob pena de violação do princípio da dialeticidade, conforme dispõem os artigos 932, III e 1.010 do CPC: “Art. 932. Incumbe ao relator:
[ ]
III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os
fundamentos da decisão recorrida;"
“Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:
I - os nomes e a qualificação das partes;
II - a exposição do fato e do direito;
III - as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade;
IV - o pedido de nova decisão."
O princípio da dialeticidade diz respeito a elemento narrativo da apelação (fundamentos de fato e de
direito e pedido), recorrente que deve expor causa de pedir e pedido, de modo a permitir o efetivo
exercício do contraditório pelo recorrido e fixar limites para atuação do Tribunal.
Sobre o tema, Fredie Didier e Leonardo Cunha:
“A doutrina costuma mencionar a existência de um princípio da dialeticidade dos recursos. De acordo
com este princípio, exige-se que todo recurso seja formulado por meio de petição pela qual a parte não
apenas manifeste sua inconformidade com ato judicial impugnado, mas, também e necessariamente,
indique os motivos de fato e de direito pelos quais requer o novo julgamento da questão nele cogitada.
Rigorosamente, não é um princípio: trata-se de exigência que decorre do princípio do contraditório, pois a exposição das razões de recorrer é indispensável para que a parte recorrida possa defender-se. Bem
como para que o órgão jurisdicional possa cumprir seu dever de fundamentar suas decisões” (DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competê ncia originária de tribunal. 13. ed. reform. Salvador: JusPodivm, 2016. v.3. p. 124).
No caso dos autos, julgado improcedente o pedido formulado na inicial, sentença nos seguintes termos:
“() decerto que o provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos
decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, consoante dispõe o art. 18 da supracitada lei, cabendo
eventual ação ser dirigida a quem venha eventualmente a causa prejuízo a outrem.
Se não bastasse, no caso dos autos, todos os processos que são objetos da insurgência da autora, de fato, tramitaram em Juízos do e. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, cujo acesso, à
míngua de segredo de justiça decretado nos autos correspondentes, é público.
Afinal, o inc. LX do art. 5º da Constituição Federal garante a publicidade dos atos processuais, cíveis e penais, ao preceituar que:
(...) a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o
interesse social o exigirem; (...)
( )
pesquisas, que não possuem ingerência sobre a informação e/ou conteúdo, qualquer espécie de
responsabilidade sobre ela (e).” (ID26635929 – p.5/6).
VANESSA CANDIDA NERES (autora-apelante) insurge-se contra a conclusão exposta em sentença
(“nada há para ser reclamado das rés [pela autora], a uma, porque as informações processuais, como já foi exposto, são públicas e obtidas, como se percebe, de fonte fidedigna (sítio do e. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios), e, a duas, em razão do fato de não competir aos provedores de
pesquisas, que não possuem ingerência sobre a informação e/ou conteúdo, qualquer espécie de
responsabilidade sobre ela (e).” (ID26635928 – p.6), rebatendo-a com argumentos e fundamentos em
sentido contrário: as rés-apeladas, provedoras de internet, têm o dever de remover da rede mundial de
computadores os resultados de pesquisas que mencionam o seu nome vinculado a processos judiciais
(ID26635932 – p.4). Ressalta que “vem sofrendo constrangimentos e perda de chances de conseguir
emprego, pois, embora os processos ajuizados indevidamente por seu irmão, já foram finalizados,
julgados sem mérito e também eliminados, não constando mais no site do TJDFT em pesquisas
relacionadas ao seu nome, ainda persistem, tais informações disponibilizadas no site das empresas
recorridas” (ID26635932 – p.6).
Como se vê, além do inconformismo, VANESSA CANDIDA NERES (autora-apelante) impugnou os
fundamentos da sentença e apresentou argumentos tendentes a rechaçar a conclusão adotada na origem.
Se as razões recursais podem ou não subsistir, análise a ser realizada no mérito.
Atendidos, portanto, os requisitos previstos nos incisos II e III do artigo 1.010 do CPC, não há que se
falar em violação do princípio da dialeticidade.
Por oportuno:
“APELAÇÃO CÍVEL. CONTRRAZÕES. PRELIMINAR DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA
DIALETICIDADE. REJEIÇÃO. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. NÃO CONHECIMENTO. PREJUDICIAL DE MÉRITO DA PRESCRIÇÃO. NÃO CONHECIMENTO.
PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. MÉRITO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. BANCO DO
BRASIL. PASEP. CONTAS VINCULADAS. ALEGAÇÃO DE FALHA NA ADMINISTRAÇÃO.
LEGITIMIDADE PASSIVA. RECONHECIMENTO. SENTENÇA TORNADA SEM EFEITO. 1. Não há
ofensa ao princípio da dialeticidade quando estão expostas as razões, de fato e de direito, pelas quais a parte recorrente entende que deve ser reformada a sentença recorrida . [ ] (Acórdão XXXXX,
XXXXX20208070009, Relator: ANA CANTARINO, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 1/7/2020,
publicado no DJE: 14/7/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)”
Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e o recebo nos efeitos devolutivo e
suspensivo (art. 1.012, caput, CPC).
DA PRELIMINAR DE INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL
GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA (ré-apelada) alega que a presente ação deve ser extinta por
inépcia da petição inicial, já que não indicadas as “URLs específicas dos materiais tidos por
infringentes”, nem demonstrada “existência de indexação do material aduzido na inicial” (ID26635938 – p.5).
Nenhuma razão.
Petição inepta é aquela que não atende aos requisitos do art. 330, § 1º do CPC:
I - for inepta;
[ ]
§ 1º Considera-se inepta a petição inicial quando:
I - lhe faltar pedido ou causa de pedir;
II - o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico;
III - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;
IV - contiver pedidos incompatíveis entre si."
Não há que se falar em inépcia da petição inicial.
O pedido é determinado (“remoção de todos os conteúdos em nome da Autora, devidamente
individualizado através de suas URLs acima, sob pena de multa a ser fixada pelo nobre Juízo” (petição inicial, ID26635758 – p.8); a causa de pedir é clara (dificuldade de “conseguir emprego devido às
notícias existentes na internet” sobre os processos nos quais figura como ré; afirma direito ao
esquecimento para o fim de afastar “o caráter perpétuo das informações no mundo digital” -ID26635758 – p.5); da narração dos fatos decorre conclusão lógica (faz jus ao direito de ver retirados dos sites de pesquisa de resultados que informam processos judiciais nos quais figura como parte ré); não há cumulação de pedidos incompatíveis.
Rejeito a preliminar de inépcia da petição inicial.
DA PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO
1 – Das alegações de ilegitimidade passiva
As rés-apeladas GOSHME SOLUÇÕES PARA INTERNET LTDA-ME (Jusbrasil) e GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA sustentam ilegitimidade passiva (ID26635941 – p.12 e ID26635938 – p.5).
Sem razão.
Ainda que autônomo e abstrato o direito de ação, submete-se a certas condições para que legitimamente se possa demandar prestação jurisdicional. No ordenamento jurídico pátrio, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, duas são as condições da ação: interesse de agir e legitimidade para a causa
(artigo 17, CPC).
Análise dos pressupostos processuais e das condições da ação se baseia na teoria da asserção, de modo
que legitimidade e interesse de agir são aferidos com base na narrativa da inicial (in statu assertionis),
sem cognição exauriente acerca do alegado.
A doutrina assim explica:
“deve o juiz raciocinar admitindo, provisoriamente, e por hipótese, que todas as afirmações do autor são verdadeiras [ ] o que importa é a afirmação do autor, e não a correspondência entre a afirmação e a
realidade, que já seria problema de mérito.” (DIDIER Jr., Fredie. Curso de direito processual civil:
introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 20.ed., Salvador:
Juspodivm, 2018, p.425)”.
Por oportuno:
"PROCESSO CIVIL. RECOMPOSIÇÃO DE SALDO EXISTENTE EM CONTA VINCULADA AO PASEP. EXTINÇÃO DO FEITO SEM APRECIAÇÃO DO MÉRITO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO BANCO
DO BRASIL. ALEGAÇÃO DE NÃO OBSERVÂNCIA DAS NORMAS EM REGÊNCIA NA CORREÇÃO
DOS VALORES DEPOSITADOS. INDICAÇÃO DE FATOS LIGADOS À ATUAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. TEORIA DA ASSERÇÃO. LEGITIMIDADE VERIFICADA. SENTENÇA ANULADA. 1. O ordenamento jurídico pátrio adota a teoria da asserção, segundo a qual os pressupostos processuais,
dentre os quais se encontra a legitimidade das partes, devem ser aferidos de forma abstrata, de acordo com a narrativa dos fatos apresentada na inicial . [ ] (Acórdão XXXXX, XXXXX20198070001,
Relator: JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 24/6/2020,
publicado no PJe: 6/7/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)”
"APELAÇÃO. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONDIÇÕES DA AÇÃO. PRELIMINAR DE
ILEGITIMIDADE PASSIVA. TEORIA DA ASSERÇÃO. INTERESSE PROCESSUAL. PRINCÍPIO DA
INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. DANO MORAL. CHEQUES EXTRAVIADOS. FRAUDE.
TERCEIRO. DIVERGÊNCIA DE ASSINATURAS. EQUÍVOCO NO MOTIVO REGISTRADO.
AUSÊNCIA DE FUNDOS. REPARAÇÃO DO DANO MORAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. 1. A teoria da asserção defende que as questões relacionadas às condições da ação, como a legitimidade
passiva, são aferidas à luz do que o autor afirma na petição inicial, adstritas ao exame da
possibilidade, em tese, da existência do vínculo jurídico-obrigacional entre as partes, e não do direito
provado . [ ]” (Acórdão XXXXX, XXXXX20168070001, Relator: HECTOR VALVERDE, 5ª Turma
Cível, data de julgamento: 17/6/2020, publicado no PJe: 26/6/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)”
Legitimidade ad causam diz respeito à pertinência subjetiva da ação, decorrente da relação jurídica de
direito material existente entre as partes, exigindo-se apenas que haja correlação entre os indicados na
relação de direito material e os que figuram nos polos da ação.
Nesse sentido, entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça:
“() 2. A legitimidade de agir (legitimatio ad causam) é uma espécie de condição da ação consistente na pertinência subjetiva da demanda, ou seja, decorre da relação jurídica de direito material existente entre as partes. () 4. As condições da ação, aí incluída a legitimidade para a causa, devem ser aferidas com
base na teoria da asserção, isto é, à luz das afirmações contidas na petição inicial. ( ) (REsp
1522142/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em
13/06/2017, DJe 22/06/2017).
Na petição inicial, como dito, narra a autora-apelante dificuldade em “conseguir emprego devido às
notícias existentes na internet” relativas a processos nos quais figurou como ré (petição inicial,
ID26635758 – p.4). As rés-apeladas, GOSHME SOLUÇÕES PARA INTERNET LTDA-ME (Jusbrasil) e GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA, provedores de pesquisa na internet, têm o dever de remover
informações dos respectivos sítios eletrônicos da rede mundial de computadores (ID26635932 – p.4).
É o quanto basta em sede de relação jurídica de direito material entre as partes, havendo correlação entre os indicados na relação de direito material e os que figuram nos polos da ação, preliminar de
ilegitimidade passiva que deve ser rejeitada .
2 – Da alegada falta de interesse de agir
Nenhuma razão.
Reconhecimento de interesse de agir significa definição de que a parte, ao aviar a pretensão por meio
processual adequado, demonstra a necessidade de se valer do Judiciário para alcançar o pretendido, e a
utilidade que a demanda ajuizada irá lhe trazer.
Por oportuno:
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E
MORAIS.GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DEFERIMENTO EM PRIMEIRA INSTÂNCIA.IMPUGNAÇÃO
EM CONTRARRAZÕES. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA NÃO DEMONSTRADA. BENEFÍCIO
REVOGADO.PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. REJEIÇÃO.
ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E INCIDÊNCIA DE JUROS SOBRE O SALDO CREDOR DE CONTA
INDIVIDUAL DO PASEP. EVENTUAL INCORREÇÃO NO VALOR CREDITADO NA CONTA
INDIVIDUAL E SAQUES INDEVIDOS. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO BANCO DO
BRASIL. REJEIÇÃO. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. EXTINÇÃO DO FEITO.
SENTENÇA CASSADA.
1 - Para que haja interesse processual ou interesse de agir, como alguns denominam, é necessário que o processo seja o meio adequado, necessário e útil à resolução da pendência surgida entre as partes, ou seja, é indispensável que a parte autora não tenha como obter, de outra maneira, a providência
almejada em relação ao réu, e que a ação escolhida seja capaz de ensejar uma prestação jurisdicional apropriada , o que se afigura presente no caso ora em apreciação em que busca a Autora que sua conta
individual do PASEP seja devidamente corrigida e que sejam repostos os saques indevidos realizados. [ ] (Acórdão XXXXX, XXXXX20208070001, Relator: ANGELO PASSARELI, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 17/6/2020, publicado no PJe: 30/6/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)”
“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR, CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE
CONHECIMENTO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA. PRELIMINAR DE
FALTA DE INTERESSE DE AGIR REJEITADA. ATRASO NA ENTREGA DE EMPREENDIMENTO
IMOBILIÁRIO.CASO FORTUITO. INOCORRÊNCIA. CUMULAÇÃO DE CLÁUSULA PENAL
MORATÓRIA COM LUCROS CESSANTES. IMPOSSIBILIDADE. TEMA 970 DO STJ. DANOS
MORAIS. INDEVIDOS. MERO DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. RECURSO CONHECIDO E
PARCIALMENTE PROVIDO.
[ ] 2. O interesse de agir se refere à utilidade da prestação jurisdicional para a proteção do bem
jurídico resistido, caracterizado pelo binômio" necessidade e adequação ". Dessa forma, sendo a
propositura da ação indispensável para a satisfação da pretensão vindicada pela parte autora,
encontra-se patente a presença do seu interesse de agir . Preliminar e falta de interesse de agir
rejeitada. [ ] (Acórdão XXXXX, XXXXX20128070007, Relator: ROBSON BARBOSA DE
AZEVEDO, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 11/3/2020, publicado no DJE: 4/5/2020. Pág.: Sem
Página Cadastrada.)”
Na petição inicial, alegada a dificuldade de “conseguir emprego devido às notícias existentes na
internet” relativas a processos nos quais a autora-apelante figurou como ré; e para reverter tal quadro,
fundamental a remoção de tais informações dos sítios da rede mundial de computadores das recorridas (petição inicial, ID26635758 – p.4).
Como se vê, necessário e útil a VANESSA CANDIDA NERES (autora-apelante) o ajuizamento da
presente ação.
DO MÉRITO RECURSAL
Trata-se de apelação interposta por VANESSA CANDIDA NERES contra sentença proferida por
NUPMETAS-1 - Núcleo Permanente de Gestão de Metas do Primeiro Grau – pela qual, em ação de
conhecimento c/c pedido de tutela provisória de urgência ajuizada em face de GOSHME SOLUÇÕES
PARA INTERNET LTDA-ME (Jusbrasil) e GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA, julgado
improcedente o pedido (sentença, ID26635929 – p.6).
Cinge-se a controvérsia a verificar se GOSHME SOLUÇÕES PARA INTERNET LTDA-ME (Jusbrasil) e GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA devem retirar dos respectivos sítios eletrônicos de internet os
resultados de pesquisas contendo o nome da autora-apelante vinculado a processos judiciais.
Na petição inicial, a autora VANESSA CANDIDA NERES narra que “foi demandada no Juizado
Especial por seu irmão que possui problemas psicológicos, em 2007 e 2012, sob alegações infundadas de injúria/calúnia, que gerou os Processos XXXXX-9/2007, 0013129- 68.2012.8.07.0006, 13498-7/12 e
13.885-2/12, () todos os processos julgados sem condenação” (ID26635758 – p.4). Afirma que “está
enfrentando dificuldades para conseguir emprego devido às notícias existentes na internet sobre tais
processos” (ID26635758 – p.4). Assevera que “Em entrevista recente, teve conhecimento que sua
colocação não teria sido aceita devido aos processos que ela respondeu na justiça, que aparecem
quando realizadas buscas nos provedores das empresas Requeridas” (ID26635758 – p.5). Ressalta que, além disso, “a mera exposição do nome da Autora como Ré em processos, expõe a Autora de forma
constrangedora perante familiares, amigos e sociedade, causando-lhe transtornos e prejuízos
irreparáveis” (ID26635758 – p.6). Alega ter “direito ao esquecimento dos processos que constam seu
nome como Ré”; e requer a “exclusão do seu nome das redes sociais administradas pelas empresas
Requeridas” (ID26635758 – p.5).
Visando comprovar o alegado, colacionou documentos, dentre os quais destaca-se:
1) Resultado de pesquisa do nome da autora-apelante realizada no site “www.jusbrasil.com.br”,
informando “1 processo de Vanessa Candida Neres nos Diários Oficiais. Todos os processos são do
TJDFT”. Informação referente aos processos: a) XXXXX-68.2012.8.07.0006 e b) 2012.06.1.013885-2,
este publicado na página 9 do Diário de Justiça do Distrito Federal (DJDF) de 14 de fevereiro de 2019
(ID26635870).
Depreende-se dos autos que a autora-apelante figurou como ré em processos judiciais que tramitaram
neste Tribunal de Justiça. Seu nome figura no sítio eletrônico da ré-apelada GOSHME SOLUÇÕES
PARA INTERNET LTDA-ME (Jusbrasil) relacionado àqueles processos, informação extraída de
publicação oficial no Diário de Justiça do Distrito Federal (DJDF) — ID26635870.
Direito ao esquecimento, direito da personalidade, é assim tratado pela doutrina:
“Reputa-se direito ao esquecimento a garantia de que os fatos desabonadores de uma biografia não
devem ser perenizados, sob pena de eternizar-se o escárnio na memória coletiva e, com isso, inibir o
progresso da pessoa a quem se atribua a desonra. Cuida-se, pois, do direito de não se penitenciar pelos erros mais remotos da vida. Em suma, de ver esquecidos os equívocos, infelicidades, tragédias,
humilhações, crimes, escândalos, vexames, constrangimentos ou simplesmente escolhas que, dadas as
circunstâncias atuais, não mais seriam realizadas” (FONTELES, Samuel Sales. Direitos Fundamentais. 3. ed. rev., atual. e ampl. – Salvador: Juspodivm, 2019, p.141).
Não se desconhecem julgados do Superior Tribunal de Justiça acolhendo a tese do direito ao
esquecimento — REsp 1.335.153-RJ e REsp 1.334.097-RJ, respectivamente:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA
DIRETA-JUSTIÇA. HOMICÍDIO DE REPERCUSSÃO NACIONAL OCORRIDO NO ANO DE 1958.
CASO" AIDA CURI ". VEICULAÇÃO, MEIO SÉCULO DEPOIS DO FATO, DO NOME E IMAGEM DA VÍTIMA. NÃO CONSENTIMENTO DOS FAMILIARES. DIREITO AO ESQUECIMENTO.
ACOLHIMENTO. NÃO APLICAÇÃO NO CASO CONCRETO. RECONHECIMENTO DA
HISTORICIDADE DO FATO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE
DESVINCULAÇÃO DO NOME DA VÍTIMA. ADEMAIS, INEXISTÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE
DANO MORAL INDENIZÁVEL. VIOLAÇÃO AO DIREITO DE IMAGEM. SÚMULA N. 403/STJ. NÃO
INCIDÊNCIA.
1. Avulta a responsabilidade do Superior Tribunal de Justiça em demandas cuja solução é transversal,
interdisciplinar, e que abrange, necessariamente, uma controvérsia constitucional oblíqua, antecedente, ou inerente apenas à fundamentação do acolhimento ou rejeição de ponto situado no âmbito do
contencioso infraconstitucional, questões essas que, em princípio, não são apreciadas pelo Supremo
Tribunal Federal.
2. Nos presentes autos, o cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de fatos passados, a qual, segundo o entendimento dos autores, reabriu antigas feridas já superadas quanto à morte de sua irmã, Aida Curi, no distante ano de 1958.
Buscam a proclamação do seu direito ao esquecimento, de não ter revivida, contra a vontade deles, a dor antes experimentada por ocasião da morte de Aida Curi, assim também pela publicidade conferida ao
caso décadas passadas.
3. Assim como os condenados que cumpriram pena e os absolvidos que se envolveram em processo-crime (REsp. n. 1.334/097/RJ), as vítimas de crimes e seus familiares têm direito ao esquecimento - se assim
desejarem -, direito esse consistente em não se submeterem a desnecessárias lembranças de fatos
passados que lhes causaram, por si, inesquecíveis feridas. Caso contrário, chegar-se-ia à antipática e
desumana solução de reconhecer esse direito ao ofensor (que está relacionado com sua ressocialização) e retirá-lo dos ofendidos, permitindo que os canais de informação se enriqueçam mediante a indefinida
exploração das desgraças privadas pelas quais passaram.
4. Não obstante isso, assim como o direito ao esquecimento do ofensor - condenado e já penalizado -deve ser ponderado pela questão da historicidade do fato narrado, assim também o direito dos ofendidos deve observar esse mesmo parâmetro. Em um crime de repercussão nacional, a vítima - por torpeza do
destino - frequentemente se torna elemento indissociável do delito, circunstância que, na generalidade
das vezes, inviabiliza a narrativa do crime caso se pretenda omitir a figura do ofendido.
5. Com efeito, o direito ao esquecimento que ora se reconhece para todos, ofensor e ofendidos, não
alcança o caso dos autos, em que se reviveu, décadas depois do crime, acontecimento que entrou para o domínio público, de modo que se tornaria impraticável a atividade da imprensa para o desiderato de
retratar o caso Aida Curi, sem Aida Curi.
6. É evidente ser possível, caso a caso, a ponderação acerca de como o crime tornou-se histórico,
podendo o julgador reconhecer que, desde sempre, o que houve foi uma exacerbada exploração
midiática, e permitir novamente essa exploração significaria conformar-se com um segundo abuso só
porque o primeiro já ocorrera.
Porém, no caso em exame, não ficou reconhecida essa artificiosidade ou o abuso antecedente na
cobertura do crime, inserindo-se, portanto, nas exceções decorrentes da ampla publicidade a que podem se sujeitar alguns delitos.
infeliz constatação: na medida em que o tempo passa e vai se adquirindo um" direito ao esquecimento ", na contramão, a dor vai diminuindo, de modo que, relembrar o fato trágico da vida, a depender do
tempo transcorrido, embora possa gerar desconforto, não causa o mesmo abalo de antes.
8. A reportagem contra a qual se insurgiram os autores foi ao ar 50 (cinquenta) anos depois da morte de Aida Curi, circunstância da qual se conclui não ter havido abalo moral apto a gerar responsabilidade
civil. Nesse particular, fazendo-se a indispensável ponderação de valores, o acolhimento do direito ao
esquecimento, no caso, com a consequente indenização, consubstancia desproporcional corte à liberdade de imprensa, se comparado ao desconforto gerado pela lembrança.
9. Por outro lado, mostra-se inaplicável, no caso concreto, a Súmula n. 403/STJ. As instâncias ordinárias reconheceram que a imagem da falecida não foi utilizada de forma degradante ou desrespeitosa.
Ademais, segundo a moldura fática traçada nas instâncias ordinárias - assim também ao que alegam os próprios recorrentes -, não se vislumbra o uso comercial indevido da imagem da falecida, com os
contornos que tem dado a jurisprudência para franquear a via da indenização.
10. Recurso especial não provido (REsp XXXXX/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 10/09/2013)”
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE IMPRENSA VS.
DIREITOS DA PERSONALIDADE. LITÍGIO DE SOLUÇÃO TRANSVERSAL. COMPETÊNCIA DO
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOCUMENTÁRIO EXIBIDO EM REDE NACIONAL. LINHA
DIRETA-JUSTIÇA. SEQUÊNCIA DE HOMICÍDIOS CONHECIDA COMO CHACINA DA
CANDELÁRIA. REPORTAGEM QUE REACENDE O TEMA TREZE ANOS DEPOIS DO FATO.
VEICULAÇÃO INCONSENTIDA DE NOME E IMAGEM DE INDICIADO NOS CRIMES. ABSOLVIÇÃO POSTERIOR POR NEGATIVA DE AUTORIA. DIREITO AO ESQUECIMENTO DOS CONDENADOS
QUE CUMPRIRAM PENA E DOS ABSOLVIDOS. ACOLHIMENTO. DECORRÊNCIA DA PROTEÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DAS LIMITAÇÕES
POSITIVADAS À ATIVIDADE INFORMATIVA. PRESUNÇÃO LEGAL E CONSTITUCIONAL DE
RESSOCIALIZAÇÃO DA PESSOA. PONDERAÇÃO DE VALORES. PRECEDENTES DE DIREITO
COMPARADO.
1. Avulta a responsabilidade do Superior Tribunal de Justiça em demandas cuja solução é transversal,
interdisciplinar, e que abrange, necessariamente, uma controvérsia constitucional oblíqua, antecedente, ou inerente apenas à fundamentação do acolhimento ou rejeição de ponto situado no âmbito do
contencioso infraconstitucional, questões essas que, em princípio, não são apreciadas pelo Supremo
Tribunal Federal.
2. Nos presentes autos, o cerne da controvérsia passa pela ausência de contemporaneidade da notícia de fatos passados, que reabriu antigas feridas já superadas pelo autor e reacendeu a desconfiança da
sociedade quanto à sua índole. O autor busca a proclamação do seu direito ao esquecimento, um direito de não ser lembrado contra sua vontade, especificamente no tocante a fatos desabonadores, de natureza criminal, nos quais se envolveu, mas que, posteriormente, fora inocentado.
3. No caso, o julgamento restringe-se a analisar a adequação do direito ao esquecimento ao
ordenamento jurídico brasileiro, especificamente para o caso de publicações na mídia televisiva,
porquanto o mesmo debate ganha contornos bem diferenciados quando transposto para internet, que
desafia soluções de índole técnica, com atenção, por exemplo, para a possibilidade de compartilhamento de informações e circulação internacional do conteúdo, o que pode tangenciar temas sensíveis, como a
soberania dos Estados-nações.
o inverso], e sua gradual mas incessante transformação numa espécie de teatro de variedades dedicado à diversão ligeira" (BAUMAN, Zygmunt. Danos colaterais: desigualdades sociais numa era global.
Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, pp. 111-113). Diante dessas
preocupantes constatações, o momento é de novas e necessárias reflexões, das quais podem mesmo advir novos direitos ou novas perspectivas sobre velhos direitos revisitados.
5. Há um estreito e indissolúvel vínculo entre a liberdade de imprensa e todo e qualquer Estado de
Direito que pretenda se autoafirmar como Democrático. Uma imprensa livre galvaniza contínua e
diariamente os pilares da democracia, que, em boa verdade, é projeto para sempre inacabado e que
nunca atingirá um ápice de otimização a partir do qual nada se terá a agregar. Esse processo
interminável, do qual não se pode descurar - nem o povo, nem as instituições democráticas -, encontra
na imprensa livre um vital combustível para sua sobrevivência, e bem por isso que a mínima cogitação
em torno de alguma limitação da imprensa traz naturalmente consigo reminiscências de um passado
sombrio de descontinuidade democrática.
6. Não obstante o cenário de perseguição e tolhimento pelo qual passou a imprensa brasileira em
décadas pretéritas, e a par de sua inegável virtude histórica, a mídia do século XXI deve fincar a
legitimação de sua liberdade em valores atuais, próprios e decorrentes diretamente da importância e
nobreza da atividade. Os antigos fantasmas da liberdade de imprensa, embora deles não se possa
esquecer jamais, atualmente, não autorizam a atuação informativa desprendida de regras e princípios a todos impostos.
7. Assim, a liberdade de imprensa há de ser analisada a partir de dois paradigmas jurídicos bem
distantes um do outro. O primeiro, de completo menosprezo tanto da dignidade da pessoa humana
quanto da liberdade de imprensa; e o segundo, o atual, de dupla tutela constitucional de ambos os
valores.
8. Nesse passo, a explícita contenção constitucional à liberdade de informação, fundada na
inviolabilidade da vida privada, intimidade, honra, imagem e, de resto, nos valores da pessoa e da
família, prevista no art. 220, § 1º, art. 221 e no § 3º do art. 222 da Carta de 1988, parece sinalizar que,
no conflito aparente entre esses bens jurídicos de especialíssima grandeza, há, de regra, uma inclinação ou predileção constitucional para soluções protetivas da pessoa humana, embora o melhor
equacionamento deva sempre observar as particularidades do caso concreto. Essa constatação se mostra consentânea com o fato de que, a despeito de a informação livre de censura ter sido inserida no seleto
grupo dos direitos fundamentais (art. 5º, inciso IX), a Constituição Federal mostrou sua vocação
antropocêntrica no momento em que gravou, já na porta de entrada (art. 1º, inciso III), a dignidade da
pessoa humana como - mais que um direito - um fundamento da República, uma lente pela qual devem
ser interpretados os demais direitos posteriormente reconhecidos.
Exegese dos arts. 11, 20 e 21 do Código Civil de 2002. Aplicação da filosofia kantiana, base da teoria da dignidade da pessoa humana, segundo a qual o ser humano tem um valor em si que supera o das "coisas humanas".
9. Não há dúvida de que a história da sociedade é patrimônio imaterial do povo e nela se inserem os
mais variados acontecimentos e personagens capazes de revelar, para o futuro, os traços políticos,
sociais ou culturais de determinada época. Todavia, a historicidade da notícia jornalística, em se
tratando de jornalismo policial, há de ser vista com cautela. Há, de fato, crimes históricos e criminosos famosos; mas também há crimes e criminosos que se tornaram artificialmente históricos e famosos, obra da exploração midiática exacerbada e de um populismo penal satisfativo dos prazeres primários das
multidões, que simplifica o fenômeno criminal às estigmatizadas figuras do "bandido" vs. "cidadão de
bem".
nele envolvidas sejam retratados indefinidamente no tempo - a pretexto da historicidade do fato - pode
significar permissão de um segundo abuso à dignidade humana, simplesmente porque o primeiro já fora cometido no passado.
Por isso, nesses casos, o reconhecimento do "direito ao esquecimento" pode significar um corretivo -tardio, mas possível - das vicissitudes do passado, seja de inquéritos policiais ou processos judiciais
pirotécnicos e injustos, seja da exploração populista da mídia.
11. É evidente o legítimo interesse público em que seja dada publicidade da resposta estatal ao fenômeno criminal. Não obstante, é imperioso também ressaltar que o interesse público - além de ser conceito de
significação fluida - não coincide com o interesse do público, que é guiado, no mais das vezes, por
sentimento de execração pública, praceamento da pessoa humana, condenação sumária e vingança
continuada.
12. Assim como é acolhido no direito estrangeiro, é imperiosa a aplicabilidade do direito ao
esquecimento no cenário interno, com base não só na principiologia decorrente dos direitos
fundamentais e da dignidade da pessoa humana, mas também diretamente do direito positivo
infraconstitucional. A assertiva de que uma notícia lícita não se transforma em ilícita com o simples
passar do tempo não tem nenhuma base jurídica. O ordenamento é repleto de previsões em que a
significação conferida pelo Direito à passagem do tempo é exatamente o esquecimento e a estabilização do passado, mostrando-se ilícito sim reagitar o que a lei pretende sepultar. Precedentes de direito
comparado.
13. Nesse passo, o Direito estabiliza o passado e confere previsibilidade ao futuro por institutos bem
conhecidos de todos: prescrição, decadência, perdão, anistia, irretroatividade da lei, respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito, coisa julgada, prazo máximo para que o nome de inadimplentes figure
em cadastros restritivos de crédito, reabilitação penal e o direito ao sigilo quanto à folha de
antecedentes daqueles que já cumpriram pena (art.
93 do Código Penal, art. 748 do Código de Processo Penal e art. 202 da Lei de Execuções Penais).
Doutrina e precedentes.
14. Se os condenados que já cumpriram a pena têm direito ao sigilo da folha de antecedentes, assim
também a exclusão dos registros da condenação no Instituto de Identificação, por maiores e melhores
razões aqueles que foram absolvidos não podem permanecer com esse estigma, conferindo-lhes a lei o
mesmo direito de serem esquecidos.
15. Ao crime, por si só, subjaz um natural interesse público, caso contrário nem seria crime, e eventuais violações de direito resolver-se-iam nos domínios da responsabilidade civil. E esse interesse público, que é, em alguma medida, satisfeito pela publicidade do processo penal, finca raízes essencialmente na
fiscalização social da resposta estatal que será dada ao fato. Se é assim, o interesse público que orbita o fenômeno criminal tende a desaparecer na medida em que também se esgota a resposta penal conferida ao fato criminoso, a qual, certamente, encontra seu último suspiro, com a extinção da pena ou com a
absolvição, ambas consumadas irreversivelmente. E é nesse interregno temporal que se perfaz também a vida útil da informação criminal, ou seja, enquanto durar a causa que a legitimava. Após essa vida útil
da informação seu uso só pode ambicionar, ou um interesse histórico, ou uma pretensão subalterna,
estigmatizante, tendente a perpetuar no tempo as misérias humanas.
16. Com efeito, o reconhecimento do direito ao esquecimento dos condenados que cumpriram
integralmente a pena e, sobretudo, dos que foram absolvidos em processo criminal, além de sinalizar
uma evolução cultural da sociedade, confere concretude a um ordenamento jurídico que, entre a
memória - que é a conexão do presente com o passado - e a esperança - que é o vínculo do futuro com o presente -, fez clara opção pela segunda. E é por essa ótica que o direito ao esquecimento revela sua
maior nobreza, pois afirma-se, na verdade, como um direito à esperança, em absoluta sintonia com a
presunção legal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana.
deve ser analisada em concreto -, cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo,
desde que a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável.
18. No caso concreto, a despeito de a Chacina da Candelária ter se tornado - com muita razão - um fato histórico, que expôs as chagas do País ao mundo, tornando-se símbolo da precária proteção estatal
conferida aos direitos humanos da criança e do adolescente em situação de risco, o certo é que a fatídica história seria bem contada e de forma fidedigna sem que para isso a imagem e o nome do autor
precisassem ser expostos em rede nacional. Nem a liberdade de imprensa seria tolhida, nem a honra do autor seria maculada, caso se ocultassem o nome e a fisionomia do recorrido, ponderação de valores
que, no caso, seria a melhor solução ao conflito.
19. Muito embora tenham as instâncias ordinárias reconhecido que a reportagem se mostrou fidedigna
com a realidade, a receptividade do homem médio brasileiro a noticiários desse jaez é apta a reacender a desconfiança geral acerca da índole do autor, o qual, certamente, não teve reforçada sua imagem de
inocentado, mas sim a de indiciado.
No caso, permitir nova veiculação do fato, com a indicação precisa do nome e imagem do autor,
significaria a permissão de uma segunda ofensa à sua dignidade, só porque a primeira já ocorrera no
passado, uma vez que, como bem reconheceu o acórdão recorrido, além do crime em si, o inquérito
policial consubstanciou uma reconhecida "vergonha" nacional à parte.
20. Condenação mantida em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por não se mostrar exorbitante.
21. Recurso especial não provido (REsp XXXXX/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 10/09/2013)”
O Supremo Tribunal Federal, no entanto, enfrentou a questão no RE XXXXX/RJ , julgado sob a
sistemática da repercussão geral, definindo, em 11/02/2021, a incompatibilidade do direito ao
esquecimento com a Constituição Federal de 1988, consignada a seguinte tese ( Tema 786 ):
“É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o
poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e
licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais . Eventuais
excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais - especialmente os relativos à proteção da honra, da
imagem, da privacidade e da personalidade em geral - e das expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.
Como se vê, a Suprema Corte privilegiou a liberdade de expressão/informação em detrimento dos direitos da personalidade da pessoa natural (privacidade, intimidade, imagem).
Sobre essa posição privilegiada da liberdade de expressão/informação na colisão com outros interesses
fundamentais, elucidativa é a explicação do Ministro Roberto Barroso na Reclamação 22.328, julgada em 06/03/2018:
“A Carta de 88 incorporou um sistema de proteção reforçado às liberdades de expressão, informação e imprensa, reconhecendo uma prioridade prima facie destas liberdades públicas na colisão com outros
interesses juridicamente tutelados, inclusive com os direitos da personalidade. Assim, embora não haja
hierarquia entre direitos fundamentais, tais liberdades possuem uma posição preferencial (preferred
position), o que significa dizer que seu afastamento é excepcional ( )
quais se destacam cinco principais: (i) a função essencial que desempenha para a democracia, ao
assegurar um livre fluxo de informações e a formação de um debate público robusto e irrestrito,
condições essenciais para a tomada de decisões da coletividade e para o autogoverno democrático; (ii) a dignidade humana, ao permitir que indivíduos possam exprimir de forma desinibida suas ideias,
preferências e visões de mundo, bem como terem acesso às dos demais indivíduos, fatores essenciais ao desenvolvimento da personalidade, à autonomia e à realização existencial; (iii) a busca da verdade, ao
contribuir para que ideias só possam ser consideradas ruins ou incorretas após o confronto com outras ideias; (iv) a função instrumental ao gozo de outros direitos fundamentais, como o de participar do
debate público, o de reunir-se, de associar-se, e o de exercer direitos políticos, dentre outros; e,
conforme destacado anteriormente (v) a preservação da cultura e da história da sociedade, por se tratar de condição para a criação e o avanço do conhecimento e para a formação e preservação do patrimônio cultural de uma nação.”
A posição privilegiada da liberdade de expressão/informação não significa, no entanto, que os direitos da personalidade deixaram de ser tutelados pelo ordenamento jurídico; apenas que, numa análise abstrata,
deverá prevalecer o direito de se expressar e informar em detrimento da censura; eventual conflito
decorrente do excesso no exercício da liberdade de expressão/informação deverá ser analisado no caso
concreto, como será feito na presente hipótese.
Isto definido, importa perquirir se o fato de, nos respectivos sítios eletrônicos de internet, constar a
informação do nome da autora-apelante relacionado a processos judiciais finalizados significou exercício abusivo da liberdade de informação e, por conseguinte, violação de direito da personalidade da apelante.
Pois bem.
A Lei 12.965/14 instituiu o denominado Marco Civil da Internet, estabelecendo princípios, garantias,
direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. No seu art. 5º, conceituou dois tipos de registros: a)
registro de conexão e; b) registro de acesso a aplicações da internet.
O registro de conexão é “o conjunto de informações referentes à data e hora de início e término de uma conexão à internet, sua duração e o endereço IP utilizado pelo terminal para o envio e recebimento de
pacotes de dados” (art. 5º, inciso VI). Quando um usuário da internet se conecta ao ambiente virtual é
possível saber a data e hora exatas de entrada e saída, assim como a sua duração e o endereço de IP
(internet protocol) usado na conexão por meio do registro de conexão.
O registro de acesso a aplicações de internet , por sua vez, é “o conjunto de informações referentes à
data e hora de uso de uma determinada aplicação de internet a partir de um determinado endereço IP” (art. 5º, inciso VIII). Aplicações de internet são funcionalidades geradas por um terminal conectado à
internet, locais em que os usuários podem realizar diversas ações. São os serviços oferecidos na grande
rede: portais de conteúdo, plataformas de mídias sociais, microblogs, comunicadores instantâneos,
e-mails, blogs etc.
Dentre os agentes envolvidos na prestação do serviço de internet, GOSHME SOLUÇÕES PARA
INTERNET LTDA-ME (Jusbrasil) e GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA (apeladas) se enquadram na categoria provedores de pesquisa , espécie do gênero provedores de conteúdo : a pessoa natural ou
jurídica que disponibiliza na internet as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de
informação (ou autores), utilizando servidores próprios ou os serviços de um provedor de hospedagem
para armazená-las.
Provedores de pesquisa não “incluem, hospedam, organizam ou de qualquer outra forma gerenciam as
páginas virtuais indicadas nos resultados disponibilizados, se limitando a indicar links onde podem ser encontrados os termos ou expressões de busca fornecidos pelo próprio usuário” (REsp XXXXX/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe 08/11/2019).
suas atividades: facilitar a localização de informações na internet.Devem garantir, portanto, “o sigilo, a segurança e a inviolabilidade dos dados cadastrais de seus usuários e das buscas por eles realizadas,
bem como o bom funcionamento e manutenção do sistema” (REsp XXXXX/RJ, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/05/2018, DJe 05/06/2018).
Ressalvada a hipótese de não atendimento de ordem judicial para retirada de conteúdo ofensivo, os
provedores de pesquisa não podem ser responsabilizados pelo conteúdo do resultado das buscas
realizadas pelos usuários nem podem ser obrigados a filtrar o conteúdo das pesquisas feitas por eles
(artigos 18 e 19 da Lei 12.965/14[1]), pois são atividades que se desdobram da natureza dos serviços por eles prestados. Ressalte-se: provedores de pesquisa “realizam suas buscas dentro de um universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se restringe à identificação de páginas na web onde determinado dado ou informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados” (REsp
1316921/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe
29/06/2012).
No caso em exame , como visto, o conteúdo da informação impugnada pela autora-apelante guarda relação com processos judiciais nos quais figurou como ré, informação pública, completa e verídica disponibilizada pelo Poder Judiciário por meio público de divulgação — Diário de Justiça do
Distrito Federal (DJDF) .
Com relação aos autos XXXXX-2, as informações disponibilizadas no sítio eletrônico de
GOSHME SOLUÇÕES PARA INTERNET LTDA-ME (Jusbrasil) permite que se pesquise o teor do
processo no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que, por sua vez, anuncia processo arquivado em razão da extinção da punibilidade (art. 107, V, CPB)[2].
Da mesma forma, permite pesquisa do teor dos autos XXXXX-68.2012.8.07.0006, extinto sem resolução do mérito em decorrência da desistência da parte autora[3].
Não há qualquer imputação de fato ofensivo à imagem, à honra ou à intimidade da autora-apelante.
Trata-se , como mencionado, de divulgação de informação de interesse público, completa e verídica , o que, portanto, define a insubsistência do pleito da apelante: afinal, a regra é a publicidade dos atos do
poder público, em especial dos atos processuais; publicidade que só pode ser restringida por lei quando
assim o exigir a necessidade de defesa da intimidade, do interesse social, da segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, incisos LX e XXXII e art. 93, inciso IX, CRFB/88[4]). Não é o caso dos autos .
Por oportuno:
“() 3. A apelada, como mero provedor de pesquisa, disponibiliza ferramentas que, por meio de
algoritmos e de indexação, auxiliam o usuário a localizar páginas da Internet que contenham os
parâmetros de pesquisa inseridos no serviço de busca, não sendo responsável pela hospedagem das
informações constantes nos sites. 4. Ademais, verifica-se que o conteúdo divulgado relaciona-se à
investigação de fatos de interesse público, referentes à CPI dos Fundos de Pensão, razão pela qual o
direito ao esquecimento invocado pelos apelantes não tem o condão de se sobrepor ao exercício regular do direito de informação e ao princípio constitucional da publicidade na administração pública, nos
termos dos arts. 5º, XXXIII, e 220, § 1º, ambos da Constituição da Federal. 5. Recurso conhecido e
desprovido. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC, honorários advocatícios majorados em R$100,00 (cem reais), totalizando R$1.600,00 (mil e seiscentos reais). (Acórdão XXXXX, XXXXX20178070001,
Relator: SANDRA REVES, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 9/5/2018, publicado no DJE:
16/5/2018. Pág.: Sem Página Cadastrada.)”
DISPOSITIVO
Ante o exposto, rejeito a preliminar de violação do princípio da dialeticidade e conheço do recurso;
rejeito as preliminares de inépcia da petição inicial e de carência de ação e, no mérito, nego provimento
ao recurso.
Em atenção ao artigo 85, § 11, CPC, honorários advocatícios majorados em R$500,00 (quinhentos reais),
agora fixados em R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), observada a gratuidade de justiça deferida à
autora-apelante.
É como voto.
[1] “Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos
decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de
aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de
conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no
âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo
apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”
[2] Disponível em <
https://cache-internet.tjdft.jus.br/cgi-bin/tjcgi1?MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPGM=tjhtml34&ORIGEM=INTER&CIRCUN=6&SEQAND=19&CDNUPROC=20120610138852>
[3] Disponível em
[4] “Art.5ºº LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem
( ) XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou
de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
() Art. 93 () IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas
todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às
próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à
intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”
O Senhor Desembargador FÁBIO EDUARDO MARQUES - 1º Vogal
Com o relator
O Senhor Desembargador JOÃO LUIS FISCHER DIAS - 2º Vogal
Com o relator
DECISÃO