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1 de Junho de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Órgão Julgador

TERCEIRA TURMA

Julgamento

Relator

VÂNIA HACK DE ALMEIDA
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Inteiro Teor

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº XXXXX-57.2014.4.04.7202/SC

RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

APELANTE: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO - FNDE (RÉU)

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelações interpostas pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, pela União e pelo Estado de Santa Catarina, contra sentença que julgou procedente o pedido formulado pelo Ministério Público Federal em sede de ação civil pública, nos seguintes termos:

Ante o exposto REJEITO as preliminares arguidas e no mérito, JULGO PROCEDENTE o pedido para o fim de condenar os réus, cada um em sua esfera de competência na obrigação de fazer, consistente na retomada e viabilização da construção da Escola Indígena de Ensino Fundamental Sape-Ty-Kó, localizada na Reserva Indígena Aldeia Condá, neste Município, de forma imediata, considerando que o prazo deferido para a retomada liminar das obras já se encontra esgotado.

Condeno o Secretário Estadual de Educação e o Presidente do FNDE ao pagamento de multanos termos do artigo 14, incisos IV e V, parágrafo único do CPC, no valor de R$ 20.000,00 cada um, corrigidos pelo IPCA-E, até o efetivo pagamento, a ser revertido ao mesmo Fundo indicado para a reversão da multa.

Em razão do descumprimento do prazo de 60 (sessenta) dias concedido para o reinício das obras, a multa aplicada na decisão proferida no evento 16, reduzida para R$ 1.000,00, passou a incidir no dia 16 de maio de 2015 contados da data da última intimação da decisão proferida no Agravo de Instrumento n. XXXXX-83.2015.4.04.000 (evento 2), que determinou o início do prazo em 16 de março de 2015 (eventos 3 e 5). A cobrança da multa apenas se suspenderá com a reinício efetivo das obras, comprovado documentalmente nos autos.

O valor da multa deverá ser revertido totalmente a favor da Escola Sape-Ty-Ko. A importância deverá ser depositada em conta judicial vinculada ao processo até a indicação de uma conta ou fundo vinculado à referida instituição e criada especificamente para este fim. Sua aplicação deverá ser fiscalizada diretamente pela FUNAI e pelo Ministério Público Federal.

A mesma destinação deverá ser dada à multa aplicada aos gestores públicos nesta decisão.

Não são devidos honorários e as partes são dispensadas do pagamento das custas.

Alega o Estado de Santa Catarina, em suas razões de apelação, a impossibilidade de fixação de multa diária para cumprimento de decisão judicial em face do Poder Público. Requer o seu afastamento ou a redução do valor estabelecido. Sustenta a impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que é descabido o exame do ato administrativo pelo Poder Judiciário. No tocante ao mérito, assevera que a Escola de Educação Indígena de Ensino Fundamental Sape-Ty-Kó encontra-se funcionando regularmente, no prédio antigo, próximo à obra objeto da presente demanda, sendo que a paralisação das obras na nova edificação não causou qualquer prejuízo aos alunos, nem comprometeu o ano letivo, conforme noticiou o Ofício 100/2014, oriundo da Gerência de Educação em Chapecó. Aduz que não se verifica qualquer omissão do Estado de Santa Catarina. Ressalta a impossibilidade de imposição de multa diária aos gestores públicos.

Apela também a União, alegando a carência de ação por inadequação da via eleita no caso concreto. Aponta a sua ilegitimidade passiva para a causa, tendo em vista tratar-se de recursos oriundos do FNDE. Sustenta a ausência de responsabilidade concreta da União. Pondera que a obra da Escola Indígena de Ensino Fundamental Sape-Ty-Kó, localizada na Reserva Indígena Aldeia Condá, está sob responsabilidade exclusiva do Estado de Santa Catarina, não tendo a União qualquer ingerência, seja sob o aspecto administrativo (licitação/contratos), seja sob aspecto físico (acesso à obra/materiais), de forma que o pedido é, inclusive, materialmente impossível em face da União. Afirma que ao Poder Judiciário é vedado apreciar o mérito dos atos administrativos, em razão do princípio constitucional da separação dos poderes. Pugna pelo afastamento ou redução da multa diária fixada pelo Juízo.

Recorre, ainda, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE. Argumenta que não estão entre as obrigações institucionais do Fundo a realização material de ações como a construção da escola em comento. Aponta a sua ilegitimidade para figurar no polo passivo da lide. Pondera que o FNDE deve ser admitido na lide ao lado do autor. Insurge-se contra a multa estabelecida pelo Juiz de Primeiro Grau. Destaca que não compete à União prover a educação a nível regional ou local, mas apenas a relativa às Instituições Federais de Ensino. Aduz que, a nível regional e local a atuação da União é redistributiva e supletiva por meio de assistência técnica e financeira (art. 211, § 1º, da CF/88), onde atua o FNDE, responsável pela execução de suas políticas educacionais. Ressalta que o FNDE não atua localmente, limitando-se a prestar assistência técnica e financeira ao ente federativo que estiver cumprindo sua competência material.

Contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público Federal (Evento 93);

O FNDE (Evento 94) e o Estado de Santa Catarina (Evento 95) informaram a retomada das obras de construção da escola em 20/02/2016.

Antônio Idilvan de Lima Alencar, Presidente do FNDE, insurgiu-se contra a pena de multa pessoal aplicada na sentença. Alegou que não é parte no processo e não houve a sua intimação acerca da multa fixada, sustentando a nulidade do processo. Pugnou pela sua intimação acerca dos termos da sentença, notadamente para ciência da multa e para interposição de recuro de apelação (Evento 97).

O FNDE juntou documentos com a finalidade de comprovar o cumprimento das decisões do Juízo originário (Evento 99; Evento 100 e Evento 106).

O Ministério Público Federal manifestou-se pela rejeição do pedido formulado pelo Presidente do FNDE (Evento 103).

O Estado de Santa Catarina juntou ao processo a informação, datada de 26/07/2016, de que a obra da Escola está concluída (Evento 107).

O Juiz de Primeiro Grau rejeitou o pedido de desconstituição da sentença e de anulação dos atos pela sua não intimação, formulados pelo Presidente do FNDE. Determinou a intimação do Sr. Antônio Idilvan de Lima Alencar e do Secretario da Educação do Estado de Santa Catarina, Eduardo Deschamps, da sentença do Evento 63 e das apelações dos Eventos 71, 72 e 73 (Evento 108).

Neste grau de jurisdição, manifestou-se o Ministério Público Federal, na condição de fiscal da lei, pelo improvimento dos recursos (Evento 4).

É o relatório.

Peço dia para julgamento.

VOTO

Do Direito Intertemporal

Considerando que o presente processo está sendo apreciado por esta Turma após o início da vigência da Lei n.º 13.105/15, novo Código de Processo Civil, necessário se faz a fixação, à luz do direito intertemporal, dos critérios de aplicação dos dispositivos processuais concernentes ao caso em apreço, a fim de evitar eventual conflito aparente de normas.

Para tanto, cabe inicialmente ressaltar que o CPC/2015 procurou estabelecer, em seu CAPÍTULO I, art. que 'o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da Republica Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código'; em seu CAPÍTULO II, art. 14, que 'a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada'; bem como, em suas DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS, art. 1.046, caput, que 'ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973' (grifo nosso).

Neste contexto, percebe-se claramente ter o legislador pátrio adotado o princípio da irretroatividade da norma processual, em consonância com o art. , inc. XXXVI da Constituição Federal, o qual estabelece que 'a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada'.

Desta forma, a fim de dar plena efetividade às referidas disposições normativas, e tendo em vista ser o processo constituído por um conjunto de atos, dirigidos à consecução de uma finalidade, qual seja, a composição do litígio, adoto, como critério de solução de eventual conflito aparente de normas, a Teoria dos Atos Processuais Isolados, segundo a qual cada ato deve ser considerado separadamente dos demais para o fim de se determinar a lei que o rege, a qual será, segundo o princípio tempus regit actum, aquela que estava em vigor no momento em que o ato foi praticado.

Por consequência, para deslinde da antinomia aparente supracitada, deve ser aplicada no julgamento a lei vigente:

(a) Na data do ajuizamento da ação, para a verificação dos pressupostos processuais e das condições da ação;

(b) Na data da citação (em razão do surgimento do ônus de defesa), para a determinação do procedimento adequado à resposta do réu, inclusive quanto a seus efeitos;

(c) Na data do despacho que admitir ou determinar a produção probatória, para o procedimento a ser adotado, inclusive no que diz respeito à existência de cerceamento de defesa;

(d) Na data da publicação da sentença (entendida esta como o momento em que é entregue em cartório ou em que é tornado público o resultado do julgamento), para fins de verificação dos requisitos de admissibilidade dos recursos, de seus efeitos, da sujeição da decisão à remessa necessária, da aplicabilidade das disposições relativas aos honorários advocatícios, bem como de sua majoração em grau recursal.

Inadequação da Via Eleita

Refere a União que não seria cabível a ação civil pública no caso concreto, uma vez que o autor pretende a implementação de um ato concreto pela Administração Pública, e não a responsabilização de algum agente por eventual dano causado àqueles bens juridicamente tutelados na Lei nº 7.347/85.

Correta andou a sentença ao afastar a preliminar de inadequação da ação civil pública para discussão da questão posta, tendo em vista que os danos causados a qualquer interesse difuso ou coletivo, e ainda aqueles provocados à honra e à dignidade de grupos étnicos encontram-se abarcados pelas disposições do referido diploma legal:

Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

(...)

IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;

(...)

VII – à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos.

(...)

O artigo 3º da mencionada Lei, por sua vez, estabelece expressamente que a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

Logo, a tutela coletiva está permitida para os direitos individuais homogêneos, aqueles que, embora tenham destinatários identificáveis e individualizáveis, se originam de uma causa comum (de fato e/ou de direito), sendo viável o ajuizamento de ação civil pública por meio da qual se busca a condenação ao cumprimento de obrigação de fazer.

No caso em tela, então, não devem ser acolhidas as alegações da parte apelante neste ponto.

Observância ao art. da Constituição Federal

Quanto à intervenção judicial para a promoção de políticas públicas, segundo entendo, embora por vezes necessária, deve ser excepcional, notadamente quando imprescindível para a promoção do mínimo existencial.

Respeitado o núcleo intangível dos direitos fundamentais, forçosa se apresenta a consideração da comprovada carência de recursos financeiros públicos e das escolhas levadas a efeito pelo Administrador, com a autocontenção judicial.

Ou seja, para a promoção do mínimo existencial, não se admitem, de ordinário, alegações de impossibilidade fática ou jurídica, abrindo-se as portas para a sindicabilidade judicial; respeitado o núcleo duro dos direitos fundamentais intergeracionais, deve-se respeitar - também de ordinário - a gestão pública administrativa, sob pena de infundado ativismo judicial.

Tal exame da sindicabilidade judicial demanda, contudo, inserção no mérito propriamente dito, o que se fará na sequência.

Apelação do Estado de Santa Catarina

Legitimidade Passiva do Estado de Santa Catarina

Quanto à legitimidade do Estado de Santa Catarina para compor o polo passivo da lide, este Tribunal afastou os argumentos contrários à manutenção do Estado no processo ao julgar o Agravo de Instrumento nº 50063-99.2015.404.0000.

É o que se vê do seguinte trecho do voto proferido naquele recurso:

1) Legitimidade

Inicialmente, destaco que a questão relativa à legitimidade diz respeito também ao próprio mérito da ação de origem, âmbito em que se deve verificar a existência de dever legal dos réus quanto às medidas buscadas pelo Ministério Público Federal com a propositura da ação.

Com efeito, a Constituição Federal dispõe, em seu art. 205, que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Portanto, todos os entes federativos são responsáveis pela promoção da educação. A Constituição inclusive deixa claro, no art. 211, que ela deve ser prestada em regime de colaboração entre Municípios, Estados e União, cabendo aos estados, prioritariamente, atuar no ensino fundamental e médio (§ 3º).

Assim, não há que se falar em ilegitimidade passiva ad causam do Estado de Santa Catarina na situação processual telada, uma vez que a própria Carta da Republica, como referido, fixa a obrigação dos estados neste âmbito. (evento 2 - DEC1)

Assim, não deve ser acolhida a irresignação do Estado de Santa Catarina neste ponto.

Legitimidade Passiva da União

A questão relativa à legitimidade da União para figurar no polo passivo da presente demanda foi examinada por esta Corte nos autos do Agravo de Instrumento nº 5005970-19.2015.404.0000, interposto contra decisão que deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela formulado pelo Ministério Público Federal (Evento 16).

A legitimidade passiva da União foi reconhecida nos seguintes termos:

1) Legitimidade da União

Inicialmente, destaco que os argumentos ventilados pela parte agravante, com a finalidade de ver reconhecida a sua ilegitimidade e justificar a sua exclusão da lide, dizem respeito também ao próprio mérito da ação de origem, âmbito em que se deve verificar a existência de dever legal dos réus quanto às medidas buscadas pelo Ministério Público Federal com a propositura da ação.

"Com efeito, a Constituição Federal dispõe, em seu art. 205, que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Portanto, todos os entes federativos são responsáveis pela promoção da educação. A Constituição inclusive deixa claro, no art. 211, que ela deve ser prestada em regime de colaboração entre Municípios, Estados e União, cabendo a esta última, além de organizar o sistema federal de ensino, atuar de forma retributiva e supletiva para garantir o cumprimento do objetivo estatal.

De outro lado, a Lei nº 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação -, quanto à educação dos indígenas, estabelece expressamente que:

Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilingüe e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos:

I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;

II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias.

Dessa forma, tenho que resta caracterizada a legitimidade passiva da União, na medida em que, ao menos do ponto de vista formal, ostenta também responsabilidades e deveres de implantação de políticas adequadas à educação dos indígenas. A averiguação acerca do cumprimento desses deveres, ou não, é questão afeta diretamente ao mérito da demanda, não se caracterizando como condição da ação.

A respeito da legitimidade passiva da União para integrar o polo passivo de demandas dessa natureza, os seguintes precedentes desta Corte:

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. FUNAI. UNIÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. OBRIGAÇÃO DE AUXÍLIO TÉCNICO E FINANCEIRO. PROMOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. MÍNIMO EXISTENCIAL. AUTOCONTENÇÃO. EDUCAÇÃO DE POVO INDÍGENA. CONSTRUÇÃO DE ESCOLA. NECESSIDADE DEMONSTRADA. INTERVENÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. 1. Não há que se falar em ilegitimidade passiva ad causam da União na situação processual telada, uma vez que a própria Carta da Republica fixa a obrigação da União de demarcar, proteger e fazer respeitar as terras indígenas e todos os direitos dos silvícolas (artigo 231 da CRFB), no que se inclui o direito à educação. 2. A intervenção judicial para a promoção de políticas públicas, embora por vezes necessária, deve ser excepcional, notadamente quando imprescindível para a promoção do mínimo existencial. 3. Respeitado o núcleo intangível dos direitos fundamentais, forçosa se apresenta a consideração da comprovada carência de recursos financeiros públicos e das escolhas trágicas (difíceis) levadas a efeito pelo Administrador, com a autocontenção judicial. 4. Ou seja, para a promoção do mínimo existencial, não se admitem, de ordinário, alegações de impossibilidade fática ou jurídica, abrindo-se as portas para a sindicabilidade judicial; observado, porém, o núcleo duro dos direitos fundamentais intergeracionais, deve-se respeitar - também de ordinário - a gestão pública administrativa, sob pena de infundado ativismo judicial. 5. Na espécie, identifica-se a mora estatal em garantir o acesso da comunidade indígena ao ensino público de qualidade, posto que ainda em 2008 houve o início das tratativas para a construção da escola, estando o projeto pronto desde 2010, sem que houvesse a liberação dos recursos para início da construção, deixando desassistidos os estudantes em idade escolar, atendidos durante o período em local precário e inapropriado, o que autoriza a intervenção judicial postulada. 6. Apelação improvida. (TRF4, APELREEX 5007680-76.2013.404.7200, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 05/02/2015)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FUNAI. UNIÃO. LEGITIMIDADE OBRIGAÇÃO DE FAZER. AQUISIÇÃO DA ÁREA RESTANTE DE TERRA PARA COMPLETAR A RESERVA INDÍGENA. INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO. INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. 1. Tanto a FUNAI, quanto a União possuem legitimidade passiva ad causam para integrar ação civil pública, ajuizada com o objetivo de obter o cumprimento da obrigação de fazer relacionada à comunidade Indígena. 2. Os documentos juntados à inicial dão conta não só da existência, como da legitimidade e da assunção de responsabilidade por parte de autoridades da FUNAI em relação à obrigação assumida no Termo de Conduta para a aquisição de terras aos indígenas da Aldeia Condá. Os documentos oficiais, os quais gozam de fé pública, são firmados por diretores, administradores e Coordenadores da Fundação Nacional do Índio e também por procuradores da República e trazem como conteúdo informação inequívoca acerca da referida obrigação. 3. Configurada a desídia da Administração Pública, cabível a intervenção do Poder Judiciário para condenar a FUNAI e a União a adquirir, no prazo de 180 dias a contar do trânsito em julgado desta decisão, área remanescente das terras a que se comprometeu, totalizando os 800 hectares acordados, sob pena de aplicação de multa diária no valor de R$ 2.000,00 a ser revertida em favor dos indígenas que compõem a reserva. (TRF4, AC XXXXX-30.2012.404.7202, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Marga Inge Barth Tessler, D.E. 21/09/2013)

Assim, não há que se falar em ilegitimidade passiva ad causam da União na situação processual telada, uma vez que a própria Carta da Republica fixa a obrigação da União de demarcar, proteger e fazer respeitar as terras indígenas e todos os direitos dos silvícolas (artigo 231 da CRFB), no que se inclui o direito à educação.

Ressalto que tal garantia vem reforçada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96), em seu art. 78, com referência à obrigação da União em garantir o direito à educação do povo indígena." (evento 2 - DEC1 do Agravo).

Não merece prosperar, dessa forma, o recurso da União neste ponto.

Legitimidade passiva do FNDE

A análise da legitimidade passiva do FNDE foi procedida por esta Corte nos autos do Agravo de Instrumento nº XXXXX-34.2015.4.04.0000, no qual a Turma julgadora também manifestou seu entendimento no sentido da legitimidade de todos os entes da Federação, conforme se vê da transcrição a seguir:

1) Legitimidade

Registro, no entanto, por oportuno, que a decisão recorrida atribuiu à União e ao FNDE a obrigação de fiscalizar a obra, controlar a aplicação dos recursos públicos e prestar a assistência técnica necessária.Tais medidas, portanto, devem ser adotadas no âmbito da competência de cada um dos réus. Anoto que a Constituição Federal dispõe, em seu art. 205, que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Portanto, todos os entes federativos são responsáveis pela promoção da educação. A Constituição inclusive deixa claro, no art. 211, que ela deve ser prestada em regime de colaboração entre Municípios, Estados e União, cabendo à União organizar o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiar as instituições de ensino públicas federais e exercer, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (§ 1º).

Assim, não há que se falar em ilegitimidade passiva ad causam da União na situação processual telada, uma vez que a própria Carta da Republica, como referido, fixa a obrigação da União neste âmbito.

Ressalto, ainda, que a determinação contida na decisão recorrida, no sentido de impor ao agravante a obrigação de fiscalizar a obra, controlar a aplicação dos recursos públicos, ao menos em uma primeira análise, não desborda da competência do FNDE, que atua também no campo da infraestrutura educacional. (evento 2 - DEC1)

Portanto, deve ser mantida a sentença recorrida também neste ponto.

Mérito

No caso em exame, o Ministério Público Federal ajuizou a demanda originária com a finalidade de compelir os réus a concluir a construção de escola na comunidade indígena em comento, bem como adotar outras medidas atinentes à implementação do ensino naquela localidade. O autor argumenta, em síntese, que o direito à educação do povo indígena estaria sendo inconstitucionalmente desrespeitado pelo Estado Santa Catarina, pelo FNDE e pela União - que teriam ficado inertes diante do abandono da obra para a construção da escola, deixando desassistida a comunidade afetada.

Depreende-se dos elementos dos autos, nada obstante as alegações deduzidas pelos apelantes, que restou devidamente demonstrado o abandono da obra em discussão, por meio das informações contidas no Inquérito Civil nº 1.33.002.000429/2005-01 e demais documentos carreados aos autos pelo Ministério Público Federal junto com a petição inicial do processo originário (Evento 1 - OUT2 a OUT8).

Mesmo considerando que os alunos tenham assistindo aulas na "escola antiga", não há nos autos qualquer informação mais detalhada acerca desta situação, bem como nenhuma prova das condições das instalações ou da qualidade do ensino então disponibilizado à comunidade indígena. Não há, portanto, nenhum documento capaz de demonstrar que a paralisação das obras não trouxe prejuízos para os alunos ou não interferiu na qualidade do ensino.

Portanto, verifica-se a ocorrência de mora estatal em garantir o acesso da comunidade indígena ao ensino público de qualidade, posto que os trâmites para a construção da escola duraram mais de dez anos, e ainda em 2011 houve o início das obras, as quais entretanto restaram paralisadas em 2013, deixando desassistidos os estudantes em idade escolar, o que autorizou a intervenção judicial postulada e justificou o deferimento do pedido liminar, bem como a sentença de procedência do pedido.

Dessa forma, entendo que deve ser mantida a sentença apelada, da qual transcrevo o trecho a seguir e cujos fundamentos adoto, também, como razões de decidir:

(...)

DO MÉRITO

Efetividade do direito a Educação e possibilidade de atuação do Poder Judiciário na concretização de normas constitucionais.

Atualmente não há que se dizer de ofensa a tripartição de poderes quando da atuação da Justiça Federal chamada a julgar questões advindas da aplicabilidade de normas constitucionais, que formam as bases de serviços do Estado, qual seja: Saúde, Segurança, Educação. Tal entendimento, inclusive, foi invocado na nossa maior instância, quando do Julgamento do STF da questão do acesso a medicamentos diferenciados, por meio de ingresso judicial do pleito:

"É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário e nas desta Suprema Corte, em especial , a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (José Carlos Vieira de Andrade. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra Almedina, 1987, p. 207, item 5), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto - consoante já proclamou esta Suprema Corte -, que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, pó um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei do Estado. (RTJ XXXXX-1212/1213, rel. Min. Celso de Mello)"

Nesse trilhar e à luz destas premissas, conclui-se que a especificidade do caso em concreto é que poderá estabelecer a existência, ou não, de um direito público subjetivo a ser tutelado no que concerne ao direito a educação indígena, não cabendo ao Poder Judiciário declinar da análise da lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico EDUCAÇÃO (art. , inc. XXXV da CRFB/1988), forte no princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Do Caso Concreto

A Constituição Federal de 1988, rompendo com séculos de uma política de catequização e integração forçada dos índios à sociedade, dedicou à questão indígena um capítulo específico. O art. 231 assim dispõe:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

(...)

O texto constitucional garante aos índios, também, o direito à manutenção de sua identidade cultural, de modo que a escola indígena seja um instrumento de valorização de sua cultura. Assim expressa o art. 210:

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.

§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

§ 2º - O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.

A partir dessa nova configuração da educação indígena, iniciou-se um processo de efetivação dos direitos reconhecidos na Constituição. Em 1991, o Decreto Presidencial n. 26, de 4 de fevereiro de 1991, atribuiu ao Ministério da Educação - MEC a tarefa de integrar a educação escolar indígena aos sistemas de ensino regulares. Em seguida, foi editada a Portaria Interministerial n. 559/91, dos Ministros da Justiça e da Educação, que, pautada no respeito à cultura indígena, criou no âmbito do MEC uma Coordenação Nacional de Educação Indígena. O enunciado da portaria mostra a preocupação com o modo como a educação até então destinada aos índios acabou por servir como um instrumento de sua aculturação. Por conta disso, entre outras medidas, resolveram os ministros:

Art. 7º - Determinar que os profissionais responsáveis pela educação indígena, em todos os níveis, sejam preparados e capacitados para atuar junto às populações étnicas e culturalmente diferenciadas.

§ 1º Nesse sentido deverão ser mantidos e executados programas permanentes de formação, capacitação e especialização de recursos humanos para atuação junto às comunidades indígenas.

§ 2º È garantido, preferencialmente, o acesso do professor índio a essas programas permanentes.

Art. 8º - Determinar que, no processo de reconhecimento das escolas destinadas às comunidades indígenas, sejam consideradas, na sua normatização, as caraterísticas específicas da educação indígena no que se refere a:

a) conteúdo curriculares, calendário, metodologias e avaliação adequada à realidade sócio-cultural de cada grupo étnico;

b) materiais didáticos para o ensino bilingüe, preferencialmente elaborados pela própria comunidade indígena, com conteúdos adequados às especificidades sócio-culturais das diferentes etnias e à aquisição do conhecimento universal;

c) cumprimento das normas legais e respeito ao ciclo de produção econômica e às manifestações sócio-culturais das comunidades indígenas;

d) funcionamento de escolas indígenas de ensino fundamental no interior das áreas indígenas, a fim de não afastar o aluno índio do convívio familiar e comunitário;

e) construção das escolas nos padrões arquitetônicos característicos de cada grupo étnico.

A referida Portaria criou, ainda, a Coordenação Nacional de Educação Indígena, bem assim dispôs sobre o estímulo à criação de núcleos nas Secretarias Estaduais de Educação, com a finalidade de apoiar e assessorar as escolas indígenas (art. 5º). Previu-se, ainda, que "esses núcleos deverão contar com a participação de representantes das comunidades indígenas locais atuantes na educação, de organizações e não governamentais (sic) afetas a educação indígena e de universidades" (parágrafo único do art. 5º).

Posteriormente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional - Lei n. 9.394/96, em seu artigo 32, dispôs:

Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: (Redação dada pela Lei nº 11.274, de 2006)

(...)

§ 3º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.

Do mesmo modo, pelo Programa Nacional de Direitos Humanos, instituído, inicialmente, pelo Decreto n. 1.904/96 e hoje regulado pelo Decreto n. 7.037/2009, reafirmou-se a importância de respeitar, proteger e inclusive promover os conhecimentos tradicionais dos indígenas, estabelecendo-se as ações necessárias e distribuindo a incumbência entre diversos órgãos da União.

O MEC, em 1998, visando dar efetividade às diretrizes da Lei n. 9.394/96, criou o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas e, posteriormente, por meio da Resolução CNE/CEB n. 3/99, fixou as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena. Nesses documentos consta expressamente que a escolas indígenas devem ter as seguintes características: comunitária, intercultural, bilígue/multilingüe, específica e diferenciada. Ressaltou-se, ainda, a importância da formação do professor indígena e o regime de colaboração entre a União, os Estados e os Municípios.

Ainda visando dar efetividade ao comando constitucional de respeito à cultura indígena o Ministério da Educação tem constantemente editado normas, de modo a direcionar as ações governamentais necessárias.

Não obstante todo o arcabouço legislativo, o relato da inicial dá conta de que o Estado ainda não foi capaz de implementar as medidas necessárias à efetivação dos direitos dos indígenas a uma educação que leve em conta as particularidades da sua cultura. Apesar de até mesmo ter acatado a Convenção n. 169, da Organização Internacional do Trabalho, a qual reconhece aos povos indígenas o direito de tomar decisões e interferir em assuntos que lhe digam respeito, com a previsão da participação das comunidades indígenas na formulação e execução de programas correlatos, na prática, pouca coisa se fez. Veja-se que neste instrumento internacional também está previsto o direito dos indígenas à alfabetização de suas crianças na língua oficial do país e na materna.

Com efeito, o caso dos autos é um exemplo claro da incapacidade governamental de por em prática suas políticas públicas já estabelecidas, em que pese inclusive não haver qualquer óbice do ponto de vista econômico, já que, como alega a União o Estado não postulou qualquer auxílio financeiro com a finalidade de reformar ou construir uma nova escola na comunidade, ou de melhor qualificar os professores.

Consoante se observa dos documentos juntados aos autos, o Estado de Santa Catarina, a quem foi atribuída pelo MEC a tarefa de concretizar os programas previstos na legislação acerca da educação aos indígenas, não cumpriu com seus deveres. Nem mesmo depois de instado por várias vezes pelo Ministério Público Federal na via administrativa e ainda por este Juízo na esfera judicial foi capaz de cumprir com suas obrigações.

Conforme já ressaltado na decisão que deferiu a liminar, observa-se da documentação juntada com a inicial, especialmente o que está contido no inquérito civil instaurado pelo Ministério Público Federal (evento 1, documentos OUT2 a OUT6), os trâmites para a construção da Escola Indígena de Ensino Fundamental Sape-Ty-Kó na Reserva Indígena Aldeia Condá vêm se arrastando há mais de dez anos. Vencidas as etapas burocráticas, a obra teve início no ano de 2011, tendo sido paralisada no mês de abril de 2013, às vésperas de sua finalização, como se pode observar pelo registro fotográfico da obra (evento 1, documento OUT7)

Disso tudo, a conclusão a que se chega é a de que o Estado de Santa Catarina, a quem foi atribuída pelo MEC a tarefa de concretizar os programas previstos na legislação acerca da educação aos indígenas, não cumpriu com seus deveres. Nas palavras do órgão ministerial, o Estado de Santa Catarina, por meio da Secretaria de Estado da Educação, deveria estar efetivamente empenhada em implementar as providências necessárias para que a obra em tela fosse concluída com a maior brevidade possível, atendendo às evidentes necessidades dos indígenas daquela aldeia, o que não vem ocorrendo.

O Estado de Santa Catarina, por sua vez, ao se manifestar nestes autos, pareceu prometer um solução para o problema, afirmando o seguinte (evento 9, documento PET1, pp. 6/7):

Quanto às obras da nova edificação da escola, objeto da presente demanda, de fato, restaram paralisadas por algum tempo, tendo em vista problemas verificados na configuração do projeto de engenharia. Entretanto, conforme noticiam os documentos anexos, referidas irregularidades foram sanadas e, no momento presente, aguarda-se tão somente a liberação de recursos pelo corréu FNDE – o que deverá ocorrer já nos próximos dias -, para se dar sequência ao processo de conclusão dos serviços.

Nesse sentido, esclarecem as informações prestadas pela Consultoria Jurídica da Secretaria de Estado da Educação, por meio de sua Consultora Vera Marta Mirales:

"Informação

Conforme contato telefônico nesta tarde, de interesse da Gerencia de Educação/SDR de Chapecó, informo que o Projeto de construção da EIEF Sape Ty Kó, localizada na Aldeia Kondá em Chapecó, devido a problemas na configuração do projeto de engenharia, restou recentemente aprovado pelo FNDE, comunicada a SED/SC pelo Of. 1219/2014/CGET/DIGAP/FNDE/MEC, de 03/12/2014 cópia em anexo.

Também consta, até mesmo pelo fato da aprovação acima mencionada, o fato de haver em pendência liberação recursos de pelo FNDE/MEC (Convenio XXXXX/2010) para o Estado de Santa Catarina/SED – o que deverá ocorrer nos próximos dias, pois até a presente data não percebemos o depósito.

Assim sendo, tão logo os recursos sejam depositados, mediante análise jurídica já em curso na COJUR/SED-SC, o processo de sequencia da Contratação para conclusão dos serviços – Construção da EIEF Sape Ty Kó, deverá ser iniciado.

Atenciosamente Vera marta Mirales"

Nesse sentido e, conforme noticiado nas informações acima transcritas (e anexas), a Comunicação Interna n. 6486/2014, oriunda da Diretoria de Infraestrutura Escolar/Secretaria de Estado da Educação, esclarece:

"Diante dos quesitos recomendados em Relatório específico do CONTROLE INTERNO N. 01/2013, as adequações dos projetos de engenharia da Escola Indígena Sape Ty Kó, foram encaminhadas ao FNDE (ver cópia anexa – Ofício DINE 3343/2013, de 24/10/2013), a qual foi suprida somente no dia 03/12/2014, consoante encaminhamento à esta Secretaria do documento Ofício nº 1.219/2.014 – CGEST/DIGP/FNDE/MEC, sendo recebido nesta Diretoria em 09/12/2.014, motivo pelo qual o Contrato se encontra em status de paralisado. Após recebimento deste documento serão retomadas as providências para a conclusão das obras.

Diante do exposto, encaminhamos toda a documentação que referencia o Convenio e demais feitos por execução parcial do contrato 105/2010-SED, solicitando os próximos encaminhamentos legais, relatados especificamente quanto às demais RECOMENDAÇÕES – 2 a 6 do mesmo documento.

[...]."

Em que pese o Estado de Santa Catarina ter afirmado estar empenhado para com a conclusão da obra, sinalizando que as irregularidades que pendiam sobre esta estão sendo sanadas, após o decurso do prazo concedido para a retomada das obras ainda não iniciou concretamente o cumprimento, referindo unicamente, que efetuou o levantamento da situação da obra e , após o "fechamento do orçamento para conclusão da obra", o processo licitatório será retomado (evento 53). Diga-se que a referida informação foi prestada em junho de 2015, ou seja, quando já há muito tempo havia se encerrado o prazo para o reinício das obras, que, considerando a dilação concedido no Agravo de Instrumento n. XXXXX-83.2015.4.04.0000, encerrou-se em 15 de maio de 2015.

Refira-se que, da mesma forma, o FNDE e a União não demonstraram ter tomado nenhuma medida mais enérgica para garantir o cumprimento da decisão judicial, limitando-se a remessa de ofícios e pedidos de informações.

Em suas contestações nenhum dos réus aponta justificativa plausível para a demora na retomada das obras, que, segundo o último relatório acostado aos autos pelo Ministério Público Federal, já causa prejuízos sérios ao erário público face à deterioração e depredação da obra inacabada.

É inadmissível que o Estado demore mais de dois anos para sanar "problemas verificados na configuração do projeto de engenharia", causando prejuízos de ordem federal e estadual, já que os recursos repassados pelo FNDE estão sendo objeto de má gestão e deterioração.

Também inadmissível que a União e o FNDE responsáveis pela educação indígena e pelo financiamento das atividades educacionais se omitam de maneira tamanha e que beira ao descaso com as crianças indígenas, permitindo a paralisação e deterioração de obra que, segundo relatório do FNDE já demandou o repasse de ao menos R$ 603.891,15 (seiscentos e três mil oitocentos e noventa e um reais e quinze centavos) (evento 39 - PROCADM2 - fl. 5)

Como bem apontado pelo órgão ministerial, as omissões dos gestores públicos beira a improbidade administrativa.

Há uma necessidade premente de conclusão das obras da escola, visto que os alunos estão sendo atendidos em diversas instituições de ensino fora da aldeia e do convívio familiar, e sem receber educação diferenciada em razão da qualidade de indígenas. Outrossim, a atual escola não se mostra adequada ao acolhimento de todos os alunos, especialmente em virtude do reduzido espaço físico e da precariedade de sua estrutura.

(...)

Não merece, deste modo, qualquer alteração o entendimento adotado pelo Juiz de Primeiro Grau, impondo-se a manutenção integral da sentença ora recorrida.

Multa Aplicada aos Gestores Públicos

O Juiz de Primeiro Grau, tendo em vista recalcitrância no cumprimento da determinação judicial, estabeleceu na sentença multa de R$ 20.000,00 para cada gestor indicado pelo Ministério Público Federal, nos termos do disposto no artigo 14, incisos IV e V do CPC/1973.

A aplicação da multa em questão não tem necessariamente os mesmos fundamentos de eventual condenação na Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa nº 5000925-25.2016.404.7202, proposta pelo MPF com a finalidade de obter a condenação de Eduardo Deschamps e Antônio Idilvan de Lima Alencar às penas previstas no artigo 12, I, II e III da Lei nº 8.429/92.

Ocorre que, naquela ação, os pedidos formulados pelo autor foram julgados improcedentes, tendo esta Turma mantido a sentença em sede de reexame necessário.

Naquela oportunidade, esta Corte corroborou o entendimento do Juiz de Primeiro Grau no sentido de que os gestores públicos não contribuíram para o atraso na conclusão da obra de construção da escola na área indígena, tendo empenhado esforços no sentido de cumprir com celeridade a determinação judicial, os quais foram frustrados pelas exigências burocráticas dos órgãos aos quais pertenciam à época.

É o que se vê da transcrição do seguinte trecho do acórdão juntado no Evento 11 do processo nº 5000925-25.2016.404.7202:

e) Secretário Estadual de Educação

De acordo com o Ministério Público Federal, a responsabilidade por ato de improbidade de EDUARDO DESCHAMPS, Secretário Estadual de Educação de Santa Catarina, é inconteste. Afirma que há muitos anos o Secretário Estadual tem plena ciência dos problemas enfrentados para conclusão da obra, tendo firmado o primeiro aditivo ao Convênio, participado de várias reuniões tratando do tema, bem como intimado para cumprimento das decisões proferidas na ação civil pública XXXXX-57.2014. 404.7202, tendo tomado deliberadamente a decisão de postergar a retomada da obra.

Como explicitado no item c da presente decisão, a caracterização da existência ou não de ato de improbidade administrativa está limitada ao descumprimento às decisões judiciais proferidas na referida ação civil pública, dados os termos da inicial proposta pelo Ministério Público Federal.

Dito isso, observo que embora a decisão que antecipou a tutela para determinar a imediata retomada da construção da escola indígena tenha sido exarada em 30/01/2015, em virtude da decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em sede de agravo de instrumento o prazo para cumprimento dessa decisão foi ampliado para 60 dias (ACP, Evento 31; AI nº 5006399-83.2015.404.0000/SC). Com isso, e considerando que o Estado de Santa Catarina foi intimado dessa decisão ocorreu em 04/03/2015 (AI, Evento 7), o prazo para cumprimento se se esgotou em 04/05/2015.

Observo que a decisão que determinou a retomada da obra não fixou prazos específicos para suas diversas etapas, como abertura de processo de licitação, execução e conclusão, limitando-se a fixar prazo, de 30 dias, para tanto.

Porém a retomada da obra dependia de abertura de processo de licitação, pois a empresa que a vinha executando a havia abandonado aparentemente em virtude de controvérsia entre o valor originalmente licitado e o montante total que seria disponibilizado para sua execução (ACP, Evento 54 - OUT2).

Como bem observado na defesa preliminar do Evento 18, o art. , § 2º, III, da Lei nº 8.666/93, prevê que obras e serviços públicos somente podem ser objeto de licitação quando houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das respectivas obrigações.

O Ministério Público Federal não esclarece, na petição inicial da presente ação, se houve os recursos remanescentes do Convênio nº 700127/2010 foram liberados em favor do Estado de Sanata Catarina em algum momento, tampouco há informações disponíveis a esse respeito neste processo ou na ação civil pública. Examinando as informações prestadas pelo FNDE em 16/10/2014, transcritas na inicial, extrai-se que até aquela data havia sido liberado um montante de R$ 603.891,15, com um saldo a liberar de R$ 201.297,05.

Era necessário assim que fossem obtidos os recursos necessários e suficientes para retomar a execução da obra.

O Secretário de Educação comprova ter encaminhado oficio, em 26/05/2015, solicitandos recursos ao FUNDOSOCIAL, dentre os quais a quantia no valor de R$ 125.000,00 para a EEIF SAPETICÓ, que figurava como prioridade (Evento 18, INF3, pp. 01-02).

Tais recursos foram disponibilizados somente no mês de 28/09/2015 (Evento 18, INF3, p. 08).

Dias após, em 05/10/2015 procedeu-se à retomada do procedimento licitatório (Evento 18, INF3, p. 10). Observo que em documentos enviados à 2ª Vara Federal de Chapecó ainda em 29/06/2015 a Secretaria de Educação comprovava já possuir o projeto básico para realizar nova licitação (ACP, Evento 53, OUT3).

Em 21/10/2015 o processo de licitação foi encaminhado ao denominado Grupo Gestor do Governo Estadual, o qual a autorizou em 16/11/2015. No dia 25/11/2015 foi publicado edital para licitação, na modalidade convite (Evento 18, INF3, pp. 18, 23 e 31/32).

Porém devido à vedação contida na legislação estadual (Decreto nº 445, de 10/11/2015), não foi possível o empenho de recursos e a emissão de ordem de serviços no exercício 2015 (Evento 18, INF3, p. 33).

Devido ao contingenciamento orçamentários, tais recursos foram liberados somente em fevereiro de 2016, firmando-se então o respectivo contrato (Evento 18, INF3, pp. 11-23).

Retomada a obra no dia 20/02/2016, sua conclusão ocorreu em 07/07/2016, conforme se extrai de relatório apresentado nessa data (ACP, Evento 107, OUT3).

Não vejo como possível, dentro de uma tal contexto, vislumbrar intenção deliberada por parte do Secretário Estadual da Educação em não dar cumprimento à determinação judicial para retomada da obra. Pelo contrário, examinando de forma detida a documentação apresentada percebe-se que tal autoridade fez o que estava a seu alcance para reiniciar os trabalhos de construção da escola indígena, não sendo possível imputar-lhe a demora decorrente dos trâmites burocráticos necessários à realização de uma obra pública, que não se concretiza mediante simples fiat.

Não obstante, como já observado, pudesse se discutir sua eventual omissão no período durante a obra esteve paralisada (2013 e 2014), deve-se reconhecer a inexistência de conduta dolosa ou mesmo culposa de sua parte no descumprimento de decisão judicial.

f) Presidente do FNDE

No que tange à ANTONIO IDILVAN DE LIMA ALENCAR, observo que tomou posse no cargo de Presidente do FNDE apenas em 03/02/2015, tendo sido exonerado em 05/04/2016 (Evento 27 - PROCADM12 e 13).

A decisão liminar determinando a retomada da obra, proferida no dia 30/01/2015, foi dirigida exclusivamente ao Estado de Santa Catarina. O teor da decisão em relação à União e ao FNDE foi no sentido de que deveriam 'fiscalizar a obra, controlar a aplicação dos recursos públicos e prestar a assistência técnica necessária' (ACP, Evento 16).

Decisão datada de 15/06/2015 foi na mesma linha, determinando apenas ao Estado de Santa Catarina a comprovação do cumprimento da antecipação de tutela (ACP, Evento 49).

Destaca-se que a atribuição de fiscalizar a execução da obra sempre constituiu uma das obrigações do FNDE, possivelmente a principal, juntamente com a liberação de recursos para sua realização, previstas no Convênio XXXXX/2010 firmado com o Estado de Santa Catarina para a construção da escola (Evento 27, PROCADM26, pp. 33-43, Cláusula Terceira, I, alíneas d e h).

Compreendidos os limites das obrigações do órgão federal na execução da obra, e considerando o período de gestão do réu ANTONIO, observo que o FNDE, em 25/02/2016, pouco tempo após ter sido citado, enviou ofício ao Secretário de Educação de Santa Catarina solicitando informações acerca da retomada da obra, inclusive com a apresentação de cronograma físico e financeiro de conclusão, consignando que caso não adotadas as medidas para tanto haveria rescisão do Convênio celebrado para sua realização e instauração de processo de tomada de contas especial - TCE (ACP XXXXX-57.2014, Evento 39, PROCADM2, p. 04).

Mesmo no período anterior ao ajuizamento da ação civil pública, o FNDE já vinha exigindo do Estado de Santa Catarina a prestação de informações relativas à obra, conforme se extrai de ofício desse órgão datado de 15/10/2014 (Evento 27 - PROCADM30).

Durante o período de tramitação da ação civil pública, conforme adiante se verá, foram adotadas pelo Estado de Santa Catarina diversas providências para conclusão da obra, devendo-se a demora, ao menos nesse período, a dificuldades relacionadas à falta de recursos orçamentários e aos trâmites inerentes ao procedimento licitatório.

Retomada a obra com a liberação de recursos e conclusão da licitação, o que ocorreu somente no início de 2016, foi realizada vistoria por técnicos do FNDE, com a subsequente indicação de arquiteto e engenheiro civil para seu acompanhamento (Evento 27 - PROCADM22 e 19).

Finalmente, não obstante autorizada por Cláusula do Convênio, tenho como inviável, ao menos nos anos de 2015 e 2016 a alternativa indicada pelo MPF de que a obra fosse retomada pelo próprio FNDE, tanto pelo teor da decisão liminar proferida na ação civil pública, que determinava ao Governo Estadual a comprovação de conclusão da obra, assim como as ações adotadas nesse período para sua retomada.

Desse modo, tenho que também em relação a tal autoridade pública não é possível reconhecer que tenha agido com dolo ou culpa necessários à caracterização de ato de improbidade administrativa.

Com efeito, descabida a aplicação de multa dirigida aos gestores públicos quando comprovado nos autos que atuaram no sentido de cumprir a determinação judicial, ainda que por outros motivos não tenha sido atendida a ordem do Juízo.

Dessa forma, merece provimento a apelação do Estado de Santa Catarina e do FNDE neste ponto, para afastar da condenação a multa imposta aos gestores públicos.

Multa Diária Por Descumprimento da Decisão Judicial Aplicada aos Entes Públicos

Quanto às astreintes, tenho que a multa cominatória tem a função de emprestar força coercitiva à ordem judicial, conferindo-lhe efetividade, sendo em tal sentido a jurisprudência pátria, conforme os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA OBTER JUDICIALMENTE A REMOÇÃO DOS PRESOS DA CADEIA PÚBLICA DE PORTO FELIZ/SP ATÉ QUE SE ESTABELEÇAM CONDIÇÕES MÍNIMAS DE FUNCIONAMENTO DO LOCAL. CABIMENTO DE IMPOSIÇÃO DE MULTA DIÁRIA, CONTRA A FAZENDA PÚBLICA, POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO. REVISÃO DO VALOR ARBITRADO DE R$ 10.000,00. MONTANTE QUE DEVE SER CONTRASTADO COM A OBRIGAÇÃO QUE PRETENDE ASSEGURAR SEU CUMPRIMENTO E NÃO APENAS QUANTO AO SEU VALOR NOMINAL. AGRAVO INTERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. É cabível, mesmo contra a Fazenda Pública, a cominação de multa diária (astreintes) como meio coercitivo para cumprimento de obrigação de fazer (fungível ou infungível) ou entregar coisa (EREsp. 770.969/RS, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 21.8.2006).
2. A apreciação dos critérios para a fixação do valor arbitrado a título de multa diária, ensejaria o reexame de matéria fático-probatória, o que encontra óbice na Súmula 7/STJ.
Excepcionam-se, apenas, as hipóteses de valor irrisório ou exorbitante, o que não se configura neste caso, por se tratar de caso grave de segurança pública.
3. A exorbitância do valor da astreinte não pode ser apreciada somente pelo seu valor nominal de R$ 10.000,00, mas em comparação à obrigação que se busca assegurar, o que, neste caso, se refere não apenas à situação dos detentos e servidores públicos que trabalham naquele estabelecimento prisional, mas, também, das residências e estabelecimentos comerciais circunvizinhos, como constou do acórdão local (fls. 240/241).
4. Agravo Interno do ESTADO DE SÃO PAULO a que se nega provimento.
( AgInt no REsp XXXXX/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/08/2018, DJe 23/08/2018)

ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. ASTREITENTES CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE REsp XXXXX/RS. ALTERAÇÃO DO VALOR DA MULTA. PRETENSÃO DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA DO STJ.
I - Como a decisão recorrida foi publicada sob a égide da legislação processual civil anterior, observam-se em relação ao cabimento, processamento e pressupostos de admissibilidade dos recursos, as regras do Código de Processo Civil de 1973, diante do fenômeno da ultratividade e do Enunciado Administrativo n. 2 do Superior Tribunal de Justiça.
II - Considerando que o agravante impugnou a fundamentação apresentada na decisão agravada, e atendidos os demais pressupostos de admissibilidade do agravo, passo ao exame do recurso especial.
III - Ao julgar o REsp n. 1.474.665/RS, sob o rito dos recursos repetitivos no âmbito da Primeira Seção, o STJ entendeu cabível a aplicação de multa à Fazenda Pública em condenações de obrigação de fazer constante de fornecimento de medicamentos. Assim, totalmente descabida a pretensão recursal no sentido de ser desarrazoada a incidência da referida multa.
IV - No entanto, a despeito desse entendimento, sabe-se que o STJ possui jurisprudência no sentido de que o quantum da multa pode, de forma excepcional nesta instância, ser aumentado, reduzido ou até mesmo suprimido, se considerado desproporcional em relação à obrigação principal, em análise do caso concreto, superando, assim, o óbice do enunciado n. 7 da súmula do STJ.
V - Para a fixação da multa o magistrado deve levar em consideração os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, exatamente como fez o Tribunal de origem (fl. 155): "Todavia, entendo que a multa deve ser mantida, pois o valor arbitrado é razoável se posto em cotejo com a relevância do bem jurídico em discussão. Ademais, as Câmaras de Direito Público deste Tribunal de Justiça vêm arbitrando em R$ 1.000,00 (mil reais) o valor da multa diária, para o caso de descumprimento da decisão que determina o fornecimento de medicamento pelo Estado".
VI - In casu, não se está diante de violação dos referidos princípios, e para chegar ao valor da multa, o Tribunal a quo analisou o contexto fático-probatório, avaliando a necessidade da paciente, chegando à conclusão de que não se mostra desarrazoado o valor, em cotejo com o bem jurídico em discussão, sendo inviável a pretensão de se discutir a apontada violação do art. 461, § 4º, do CPC/73 sem malferir o óbice do enunciado n. 7 da Súmula do STJ.
VII - Agravo interno improvido.
( AgInt no AREsp XXXXX/PE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/03/2018, DJe 12/03/2018)

Examinando o processo, verifica-se que, embora devidamente intimada do teor da decisão que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela e cominou a multa em questão em 13/02/2015 (Evento 16), os réus limitaram-se a interpôr recursos de agravo de instrumento, sem cumprir as determinações contidas na referida decisão.

Ao apreciar os recursos interpostos, esta Turma entendeu pela manutenção da multa fixada, apenas reduzindo o montante originalmente estabelecido pelo Juiz de Primeiro Grau (R$ 5.000,00) para R$ 1.000,00 (um mil reais).

Contudo, em razão da mesma fundamentação adotada em relação aos gestores públicos, verifica-se que (...) a retomada da obra dependia de abertura de processo de licitação, pois a empresa que a vinha executando a havia abandonado aparentemente em virtude de controvérsia entre o valor originalmente licitado e o montante total que seria disponibilizado para sua execução.

Ainda conforme os elementos da Ação Civil Pública nº nº 5000925-25.2016.404.7202, (...) em 05/10/2015 procedeu-se à retomada do procedimento licitatório (Evento 18, INF3, p. 10).

Dessa forma, embora inicialmente os réus não tenham demonstrado interesse no efetivo cumprimento da ordem judicial, gerando a imposição da multa confirmada nos agravos de instrumento, posteriormente manifestaram a intenção de cumprir a determinação veiculada na decisão que antecipou os efeitos da tutela, realizando os procedimentos administrativos necessários à continuidade das obras da escola em comento.

Importante referir que foi informada nos autos, inclusive, a conclusão das obras em comento.

Assim, considerando a ponderação entre o valor estabelecido a título de multa diária, o tempo decorrido até a efetiva retomada das obras e os demais elementos dos autos, verifica-se que o valor global da multa desborda da razoabilidade e da proporcionalidade.

Anoto que pode o Juiz, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva, conforme previsão do § 1º do art. 237 do CPC (art. 461, § 6º do CPC/1973), uma vez que o seu objetivo é o cumprimento do julgado e não o enriquecimento da parte autora.

De fato, no caso em exame, ainda que o valor inicialmente fixado por este Tribunal a título de multa fosse adequado àquele momento, as alterações ocorridas posteriormente no contexto fático a que se refere a presente demanda, com a movimentação das entidades envolvidas no sentido de cumprir a determinação judicial, indica que o montante total a ser alcançado pela incidência da multa diária revela-se excessivo, especialmente por se tratar de sanção aplicada a entes públicos, motivo pelo qual entendo razoável a limitação do valor total da multa em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Dispositivo

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação da União e dar parcial provimento às apelações do Estado de Santa Catarina e do FNDE, para afastar da condenação a multa imposta aos gestores públicos e limitar o valor total da multa aplicada aos entes públicos a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).


Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Relatora, na forma do artigo , inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000757596v53 e do código CRC de2d3694.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Data e Hora: 29/11/2018, às 16:51:25

40000757596 .V53

Conferência de autenticidade emitida em 30/11/2018 22:12:41.

Documento:40000757597
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº XXXXX-57.2014.4.04.7202/SC

RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

APELANTE: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO - FNDE (RÉU)

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CONSTRUÇÃO DE ESCOLA EM COMUNIDADE INDÍGENA. CONTINUIDADE DAS OBRAS. ENTES FEDERATIVOS. FNDE. LEGITIMIDADE. MULTA. FAZENDA PÚBLICA. CABIMENTO. MULTA GESTORES PÚBLICOS. AFASTADA. MULTA ENTES PÚBLICOS. REDUZIDA.

1. A tutela coletiva está permitida para os direitos individuais homogêneos, aqueles que, embora tenham destinatários identificáveis e individualizáveis, se originam de uma causa comum (de fato e/ou de direito), sendo viável o ajuizamento de ação civil pública por meio da qual se busca a condenação ao cumprimento de obrigação de fazer (art. , Lei nº 7.347/85).

2. Respeitado o núcleo intangível dos direitos fundamentais, forçosa se apresenta a consideração da comprovada carência de recursos financeiros públicos e das escolhas levadas a efeito pelo Administrador, com a autocontenção judicial. Ou seja, para a promoção do mínimo existencial, não se admitem, de ordinário, alegações de impossibilidade fática ou jurídica, abrindo-se as portas para a sindicabilidade judicial.

3. Todos os entes federativos são responsáveis pela promoção da educação. A Constituição inclusive deixa claro, no art. 211, que ela deve ser prestada em regime de colaboração entre Municípios, Estados e União, cabendo aos estados, prioritariamente, atuar no ensino fundamental e médio (§ 3º).

4. Identifica-se a mora estatal em garantir o acesso da comunidade indígena ao ensino público de qualidade, posto que os trâmites para a construção da escola duram mais de dez anos, e ainda em 2011 houve o início das obras, as quais entretanto restaram paralisadas em 2013, deixando desassistidos os estudantes em idade escolar, o que autoriza a intervenção judicial postulada e justifica o deferimento do pedido liminar.

5. Descabida a aplicação de multa dirigida aos gestores públicos quando comprovado nos autos que atuaram no sentido de cumprir a determinação judicial, ainda que por outros motivos não tenha sido atendida a ordem do Juízo.

6. A imposição de multa aos entes públicos pelo não cumprimento da ordem do Juízo visa a garantir a eficácia da determinação judicial, bem como dar efetividade e agilidade ao processo, sendo certo que o seu descumprimento, quando há possibilidade de fazê-lo, também constitui ato atentatório à dignidade da justiça, a qual não pode ser medida tal como os interesses das partes.

7. Pode o Juiz, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva, conforme previsão do § 1º do art. 237 do CPC (art. 461, § 6º do CPC/1973), uma vez que o seu objetivo é o cumprimento do julgado e não o enriquecimento da parte autora.

8. No caso em exame, ainda que o valor inicialmente fixado por este Tribunal a título de multa fosse adequado àquele momento, as alterações ocorridas posteriormente no contexto fático a que se refere a presente demanda, com a movimentação das entidades envolvidas no sentido de cumprir a determinação judicial, indica que o montante total a ser alcançado pela incidência da multa diária revela-se excessivo, especialmente por se tratar de sanção aplicada a entes públicos, mostrando-se razoável a limitação do valor total da multa em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da União e dar parcial provimento às apelações do Estado de Santa Catarina e do FNDE, para afastar da condenação a multa imposta aos gestores públicos e limitar o valor total da multa aplicada aos entes públicos a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de novembro de 2018.


Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Relatora, na forma do artigo , inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000757597v9 e do código CRC 8e3a6cc3.

Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Data e Hora: 29/11/2018, às 16:51:25

40000757597 .V9

Conferência de autenticidade emitida em 30/11/2018 22:12:41.

Extrato de Ata
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 27/11/2018

Apelação Cível Nº XXXXX-57.2014.4.04.7202/SC

RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

PROCURADOR (A): CÍCERO AUGUSTO PUJOL CORRÊA

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

APELANTE: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO - FNDE (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 27/11/2018, na sequência 1008, disponibilizada no DE de 08/11/2018.

Certifico que a 3ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA UNIÃO E DAR PARCIAL PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES DO ESTADO DE SANTA CATARINA E DO FNDE, PARA AFASTAR DA CONDENAÇÃO A MULTA IMPOSTA AOS GESTORES PÚBLICOS E LIMITAR O VALOR TOTAL DA MULTA APLICADA AOS ENTES PÚBLICOS A R$ 50.000,00 (CINQUENTA MIL REAIS).

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

MÁRCIA CRISTINA ABBUD

Secretária


Conferência de autenticidade emitida em 30/11/2018 22:12:41.

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