Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
24 de Maio de 2024

Alguns apontamentos sobre a transação penal

O artigo discute, à luz da doutrina e da jurisprudência, o tema.

Publicado por Rogério Tadeu Romano
há 2 anos

ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A TRANSAÇÃO PENAL

Rogério Tadeu Romano

I - NOÇÕES GERAIS SOBRE O INSTITUTO

O artigo 76 da Lei 9.099/95, a chamada Lei dos Juizados Especiais, prescreve que, tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, ou havendo representação no de ação penal pública condicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, a ser especificada na proposta.

Determina, para tanto, o artigo 76 da Lei 9.099/95:

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

§ 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.

§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

§ 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.

§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.

§ 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei.

§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.

Portanto é requisito básico que não tenha sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva.

Estamos diante de um modelo penal despenalizador, que atua não só quando a pena deixa de ser aplicada, como ainda no perdão judicial, ocorrendo ainda quando a sanção é atenuada quanto a qualidade ou a quantidade da sanção criminal. Tal a lição que se tem da doutrina (GRINOVER, 1995).1

Ao sujeito encaminhado ao Juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá a prisão em flagrante, não se exigirá a fiança. Dispensa-se a documentação da prisão em flagrante, a lavratura do auto de prisão. Em razão disso, outra espécie de prisão cautelar, a prisão preventiva (artigo 312 do CPP), não tem aqui utilidade.

A transação se soma à suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei 9.099/95) e a recomposição de danos civis (artigo 74 da Lei 9.095), que será homologada pelo juiz, mediante sentença irrecorrível e terá eficácia de titulo executivo judicial, observando-se que, como se vê do parágrafo único, tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou de representação.

Dir-se-ia em uma mera interpretação literal que estariam excluídos da aplicação do instituto da transação os casos em que há ação penal privada2.

OLIVEIRA 3 (2012, pág.756) entende que a exclusão procede, por incompatibilidade lógica entre o regime da transação penal e a recomposição civil dos danos (artigo 74 da Lei 9.099/95).2

No entanto, registre-se, que, na hipótese de impossibilidade concreta da reparação do dano, não obstará a proposta de transação penal nas ações privadas, do ponto de vista de um direito penal despenalizador. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça considera possível a transação penal nas ações penais privadas do que se vê no RHC 8.123, DJU de 21 de junho de 1999, pág. 203.

Acentuo a conclusão da Comissão Nacional da Escola Superior da Magistratura (de número 11), onde se disse que ¨o disposto no artigo 76 abrange os casos de ação penal privada, quando o Parquet, na condição de fiscal da lei, venha a opinar sobre ela.

Arrolo, para tanto, a partir dos primeiros anos de aplicação da Lei dos Juizados Especiais, diversas opiniões, dentre as quais as de BARBIERO (1998) 3 e LEWANDOWSKI (1998). 4

O Promotor recebe o Termo Circunstanciado oriundo da Polícia, analisa se é caso de arquivamento, e, tratando-se de infração de menor potencial ofensivo5, poderá propor a transação.

Trata-se de barganha proposta em face de lei, que se distancia do instituto da plea bargaining do direito norte-americano.

Distinguem-se ação penal condenatória e transação penal. Na primeira, objetiva-se a imposição de uma pena. Na segunda, um consenso e, em consequência, uma medida alternativa à pena privativa de liberdade.

A pena imposta não implica o reconhecimento de culpa nem gera quaisquer outros efeitos penais que não o fato de impedir o exercício do mesmo direito pelo prazo de cinco anos (artigo 76, § 5º, da Lei 9.099/95).5

Da decisão que defere a transação penal poderá ser interposta apelação,no prazo de 10 (dez) dias, para a Turma Recursal do Juizado (artigo 76, § 5º).

Da decisão pelo indeferimento do pedido de transação, poder-se-ia pensar no recurso em sentido estrito (artigo 581, I, do CPP, por analogia), pois se trata de decisão que não julga o mérito, além de encerrar a competência do Juizado Criminal, exceção feita ao reconhecimento da atipicidade, uma absolvição sumária, quando então caberá recurso de apelação. No entanto, em sede de Juizados Especiais, na linha da Lei 9.099/95, o caso é de apelação.6

Independente disso, presentes os requisitos legais, cabe o habeas corpus, na medida em que há a possibilidade de oferecimento de denúncia pelo Parquet.

E se o Promotor, mesmo presentes os requisitos legais, apresenta denúncia e não oferece transação? Cabe habeas corpus.

Evita-se com a transação um processo penal condenatório.

Apresentada a proposta pelo Parquet, como titular da ação penal, aceita pelo autor do fato, será caso de sentença homologatória, impondo uma pena restritiva de direito ou multa.

A imposição da pena não importará reincidência no caso de prática de outro crime posteriormente. A imposição dessa sanção não constará de certidão de antecedentes criminais e não terá efeitos civis, como se lê do § 6º, do artigo 76 da Lei 9.099/95.

No entanto, do que se lê do artigo 76, § 2º, da Lei 9.099/95, há previsão de que a transação não possa ser aplicada, mesmo em se tratando de crime de menor potencial ofensivo, nas seguintes hipóteses: a) quando o autor da infração tiver sido condenado, pela prática de crime, a pena privativa de liberdade, por sentença definitiva; b) quando o agente tiver sido beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva de direito ou multa, em transação penal; c) quando não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária a adoção da medida.

Três observações são feitas: a uma, sentença definitiva não é a mesma coisa que sentença transitada em julgado; a duas, o período de cinco anos foi fixado à maneira do prazo previsto para a reincidência (artigo64, I, do CPP), como marco delimitador do exercício do direito à transação; a três, a expressão antecedentes não diz respeito a inquéritos policiais, pura e simplesmente, sob pena de afrontar-se a mens legis da Lei 9.099/95.

É certo que é mais benéfico para o autor do fato a interpretação de que sentença definitiva é aquela sujeita ao trânsito em julgado. Parece-nos ser razoável tal entendimento.

O impedimento subsiste tratando-se de condenação por crime, não por contravenção, e ainda a pena privativa de liberdade, não bastando a condenação a pena restritiva de direito ou ainda multa. Eventual condenação anterior cuja pena tenha sido substituída por restritiva de direitos ou por multa não impede o benefício. Ainda tal raciocínio se aplica se houver a concessão de sursis.

Considero digno de aplausos a proibição de concessão do benefício da transação penal a quem já o obtivera, nos cinco anos anteriores. Isso porque deve-se combater à impunidade, não oportunizando, de forma exagerada, medida que venha a trazer prejuízos á eficácia da política criminal.

Adianto ainda que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que não se admite a transação penal para o crime de abuso de autoridade ( HC 77.216, 1ª Turma, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJU de 21 de agosto de 1998, pág. 4).

Por sua vez, em dispositivo que vem na trilha da disciplina militar, o artigo 90 – A da Lei 9.099/95, acrescido pela Lei 9.839, de 27 de setembro de 1999, expressamente determina que é inaplicável o instituto da transação penal para os crimes militares.

Decidiu o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 77.303, 2ª Turma, Relator Ministro Maurício Corrêa, DJU de 30 de outubro de 1998, que a transação se aplica nos casos de competência por prerrogativa de foro.

O ônus da prova das causas impedientes é do Ministério Público.

Em obra essencial na matéria, cujos apontamentos trazemos aqui a colação, NOGUEIRA (2003, pág. 164) 7 aduz que através da transação, de um lado, o Ministério Público, na qualidade de dominus litis, abre mão de exercer o seu ius persequendi pela forma tradicional e, de outro, o autor do suposto fato abre mão de seu direito ao devido processo decorrente de ação própria, para que se atinja a decisão rápida, consensual e satisfatória para o caso.7

Por sua vez, JESUS (2001, pág. 59), vê na transação uma forma de despenalização.8

Esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 74.017, 1ª Turma, Relator Ministro Octávio Gallotti, DJU de 27 de setembro de 1996, pág. 36.153.

Na transação, por certo, está presente o requisito da bilateralidade, que se traduz em ônus e vantagens para as partes.

Como tal a transação é ato personalíssimo do autor do fato, isento de qualquer vício, que caracteriza a nulidade ou anulabilidade de um negócio jurídico.

Pergunta-se: trata-se de um direito subjetivo do autor do fato, ou ainda se trata de discricionariedade regulada da parte do Parquet?

Para JESUS (2001, pág. 59), estudando os princípios da indisponibilidade e da obrigatoriedade da ação penal pública, a transação tem fundamento no princípio da discricionariedade regulada, constituindo uma exceção à regra, mitigada pelo controle jurisdicional.9

Adotar-se-ia, para os que assim entendem, o princípio da oportunidade regrada. O Ministério Público aprecia a conveniência de não ser proposta a ação penal, oferecendo ao autor do fato o imediato encerramento do procedimento pela aceitação de pena menos severa.

Data vênia, afasto-me de tal conclusão, trazendo, para tanto, as ideias de Eugênio Pacelli de Oliveira (2012, 750) 10, quando diz que a transação penal, pois, constitui um direito subjetivo do réu. Assim a discricionariedade que se reserva ao Ministério Público é unicamente quanto à pena a ser proposta na transação; restritiva de direito ou multa, nos termos do artigo 76, da Lei 9.099/95.

Para tanto disse ele:

¨Ora, se essa é a prioridade, segundo comando expresso da lei, o Estado reconhece o direito do réu a não ser submetido a um modelo processual condenatório quando presentes os requisitos legais, segundo os quais a medida mais adequada ao fato seria a via conciliatória da transação penal. Note-se que quem está estabelecendo qual seria a medida mais adequada ao fato e ao seu autor é exatamente a lei. Cuida-se de opção situada no campo da política criminal, essa sim, discricionária, em princípio.10

Adota-se aqui uma posição próxima no instituto da suspensão condicional do processo, previsto no artigo 8911 da Lei dos Juizados Especiais. Aqui, preenchidas as condições legais, a suspensão provisória do processo é um direito do acusado, como se lê de decisão do Superior Tribunal de Justiça, no RHC 7.583, 5ª Turma, Relator Ministro Édison Vidigal, DJU de 3 de agosto de 1998, pág.110, dentre outras. Mas, registro que, no sursis processual, não havendo revogação da medida, culmina-se com a extinção da punibilidade, inexistindo a imposição de pena (artigo89, § 6º). Além disso, na suspensão condicional do processo, há denúncia já ofertada.11

II – DISTINÇÕES ENTRE A TRANSAÇÃO PENAL E O PLEA BARGAINING E AINDA O GUILTY PLEA

Trago as lições de GRINOVER (1996, pág. 305) 11, que faz diferenças entre a transação e o plea bargaining. São elas:

a) no plea bargaining vigora inteiramente o princípio da oportunidade da ação penal pública, enquanto na transação o Ministério Público não pode exercê-lo integralmente;

b) havendo concurso de crimes no instituto alienígena, o Ministério Público pode excluir da acusação algum ou alguns delitos, o que não ocorre na transação penal;

c) no plea bargaining o Ministério Público e a defesa podem transacionar de forma ampla sobre a conduta, fatos, adequação típica e pena;

d) o plea bargaining é aplicável a qualquer delito, ao contrário do que ocorre com a transação;

e) no plea barganing o acordo pode ser feito fora da audiência; na transação, em audiência (artigo 72) 12

Por sua vez, no guilty plea não há transação, concordando o réu com a acusação. A defesa admite a imputação, com julgamento imediato e sem processo.

III – INICIATIVA DA PROPOSTA: FACULDADE OU DEVER DA ACUSAÇÃO?

No artigo 76 da Lei 9.099/95 apresenta-se a frase: ¨O Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos e multa.¨

Para NOGUEIRA (2003, pág. 179), a expressão ¨poderá¨, utilizada pelo legislador indica um ¨poder-dever¨ para a acusação. Presentes os requisitos os Ministério Público não poderá furtar-se à apresentação da proposta de transação penal.13

Se o Ministério Público mesmo presentes os requisitos legais, negar-se a formular a proposta?

Para DUARTE14, o fato de que o Ministério Público ser o titular privativo da ação penal pública não lhe concede igual prerrogativa para decidir sobre a apresentação ou não de proposta de transação, estando presentes os requisitos legais para isso. Segundo ele, não há titularidade privativa do Ministério Público à proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade ou suspensão condicional do processo, sendo inaplicável o artigo 28 do CPP(1997, RT 744/456).

Ora, cabe exclusivamente ao Ministério Público a titularidade do ius persequendi em juízo, por força do que dita o artigo 129, I, da Constituição Federal.

Ora, uma proposta de transação ou ainda de sursis processual (artigo 89) equivale ao exercício de jurisdição sem ação, data vênia.

É certo que diverge SOUZA NETO (1999, pág. 145/146).15

Para ele, constitui dever do Parquet apresentar a proposta de transação, um verdadeiro dever vinculado, se presentes os requisitos legais. Isso porque a vontade do legislador é de não se instaurar um processo penal condenatório. E completa:

¨E aí reside a inexistência de ofensa ao princípio ne procedat iudex ex officio, pois o juiz pode conceder transação sem o pedido expresso do órgão do Ministério Público. O princípio traduz a necessidade do Ministério Público provocar a jurisdição, através da ação penal. A titularidade exclusiva da ação penal corresponde à legitimação para a propositura da ação penal, via denúncia, não compreendendo os atos processuais tendentes a impedir o processo condenatório, tal como ocorre com a transação. O objetivo dela é dar efetividade ao princípio da intervenção mínima no direito penal, com uma resposta útil e adequada para prevenir a pequena criminalidade.¨

No Superior Tribunal de Justiça tem-se decisão no Recurso Especial 187.824 – SP, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJU de 17 de maio de 1999, no sentido de que na hipótese de recusa do membro ministerial em formular a proposta de transação penal, deve ser aplicado o artigo 28 do Código de Processo Penal.

Posteriormente, no julgamento do HC 30693/SP, o Superior Tribunal de Justiça, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 17 de maio de 2004, entendeu que é defeso ao juiz oferecer a proposta de transação penal de ofício ou a requerimento da parte, uma vez que esse ato é privativo do representante do Parquet, titular da ação penal pública. Em havendo divergência entre o magistrado e o órgão da acusação acerca do oferecimento da proposta da transação penal, os autos devem remetidos ao Procurador-Geral de Justiça, em aplicação analógica ao artigo 28 do CPP.

De toda sorte, penso que a Lei 9.099/95 admite a legalidade mitigada, e não a oportunidade plena, de modo que não se pode deixar ao órgão ministerial, a ele,pura e simplesmente, a sorte da proposta da transação.

Insisto que preenchidos os requisitos legais objetivos e subjetivos, a não apresentação da proposta pelo Ministério Público constitui constrangimento ilegal atacável via o heróico remédio do habeas corpus.

IV – A PROPOSTA DE TRANSAÇÃO E SUA ACEITAÇÃO

De pronto, considero que o juiz pode, perfeitamente, diante de uma proposta desproporcional, pois não é mero expectador do processo, inadmitir ou diminuir pena alternativa que vier a ser oferecida pelo Parquet.

O promotor, à luz do princípio da legalidade, uma vez que no nosso sistema penal, não se concebe a plenitude do princípio da oportunidade, próprio do direito norte- americano, irá oferecer ao autor do fato penas restritivas de direito ou multa.

A proposta irá buscar a pena restritiva de direitos, dentro daquelas já enunciadas no artigo 5º, XLVI da Constituição Federal, que determina que a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; multa; d) prestação social alternativa; c) suspensão ou interdição de direitos.

O rol das penas restritivas de direito está inserido nos ditames do artigo 43 do Código Penal, qual seja: prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos; limitação de fim-de-semana.

Por sua vez, a multa consiste, nos termos do artigo 40 do Código Penal, no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e fixada em dias-multa.

Os inconvenientes do pagamento da multa, como pena, são explícitos, a começar do fato de pode ser paga por terceiros, que estejam por trás dos interesses que levaram o autor do fato ao ilícito.

De toda sorte, a proposta há de ser clara e suficientemente inteligível.

De importância a presença de defensor do autor do fato na audiência prevista no artigo 68 da Lei 9.099/95.

O autor do fato, ao analisar a proposta, pode optar pelo processo condenatório.

Deve haver a dupla aceitação da proposta, seja pelo autor do fato, seja pelo advogado investido de poderes para tal. Isso é consequência do principio da ampla defesa, que inclui a defesa técnica.

A vítima não deve interferir nessa análise a ser feita entre as partes envolvidas na transação (acusação e autor do fato), à vista da redação do artigo 76 da Lei 9.099/95.

Mas, leve-se em conta que a aceitação da proposta pelo autor do fato, coadjuvado por seu defensor, não leva a entender pelo acolhimento de pedido condenatório. Ele não assume a culpabilidade.

Precisamos estudar a natureza jurídica da sentença que homologa o acordo.

V – NATUREZA JURÍDICA DA SENTENÇA QUE HOMOLOGA O ACORDO

O Juiz, ao analisar a proposta formulada pela acusação e aceita pelo autor do fato, não está acolhendo pedido condenatório. Ele está convalidando uma restrição de direito ou multa livremente aceita.

Estamos, pois, diante de sentença constitutiva.

Da análise da doutrina, chegamos às seguintes conclusões:

a) sentença condenatória: LOPES (2000, pág. 613) 16, PAZZAGLINI FILHO (1999, pág. 59) 17, dentre outros;

b) sentença condenatória imprópria: MIRABETE (1998, pág.95);18

c) sentença com eficácia declaratória-constitutiva: ALBERTON (1998, RT 753/449).19

Não convence a posição dos que entendem, data vênia, a sentença de homologação como condenatória imprópria. Para eles, a pena restritiva de direitos e a multa impostas na transação penal têm nítido caráter de sanção penal, pois privam os a elas sujeitos de bens jurídicos que só podem ser atingidos através de sanções penais. Daí a sua natureza jurídica condenatória. Porém, como nela não se reconhece a culpabilidade, nem produz os efeitos comuns das sentença condenatória, fala-se numa sentença condenatória imprópria.

Com a transação a denúncia ou queixa não poderá ser formulada.

VI – DO DESCUMPRIMENTO DA SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA

Em caso de cumprimento da transação, cabe ao juiz determinar o arquivamento dos autos e declarar extinta a punibilidade do autor do fato.

Há divergências com relação ao descumprimento do acordo de transação.

Penso que no caso de descumprimento da medida ajustada consensualmente na transação penal homologada por sentença, tem o Ministério Público o poder-dever de oferecer a denúncia, visando dar início ao processo condenatório. Isso porque a decisão homologatória não forma coisa julgada material ou formal e ainda que porque não tem eficácia de condenar. Ela declara, constitui, podendo ser desconstituída, em caso de seu descumprimento com o oferecimento de denúncia, que, no procedimento sumaríssimo, será feita de forma oral, em audiência, desde que não existam diligências a serem realizadas (artigo 77 da Lei 9.099/95). Tal solução só serve no caso de descumprimento de pena restritiva de direitos, que não permite a sua execução compulsória.

No caso de descumprimento da pena de multa, o expediente será, caso não paga, promover a inscrição na dívida ativa, visando ao ajuizamento de execução fiscal corresponde, nos moldes da Lei 6.830/80, a ser ajuizada pela Procuradoria da Fazenda com atribuição para tal. Isso é o que diz o artigo 51 do Código Penal, com a redação que lhe deu a Lei 9.268/96, onde diz que ¨será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública.¨

No entanto, esse entendimento foi revertido pelo STF. Tem-se então:

Ementa: Execução penal. Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Pena de multa. Legitimidade prioritária do Ministério Público. Necessidade de interpretação conforme. Procedência parcial do pedido. 1. A Lei nº 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por força do art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal. 2. Como consequência, a legitimação prioritária para a execução da multa penal é do Ministério Público perante a Vara de Execuções Penais. 3. Por ser também dívida de valor em face do Poder Público, a multa pode ser subsidiariamente cobrada pela Fazenda Pública, na Vara de Execução Fiscal, se o Ministério Público não houver atuado em prazo razoável (90 dias). 4. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga parcialmente procedente para, conferindo interpretação conforme à Constituição ao art. 51 do Código Penal, explicitar que a expressão “aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”, não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal. Fixação das seguintes teses: (i) O Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos artigos 164 e seguintes da Lei de Execução Penal; (ii) Caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias, o Juiz da execução criminal dará ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (Federal ou Estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980.

( ADI 3150, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator (a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/12/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-170 DIVULG 05-08-2019 PUBLIC 06-08-2019)

Em decisão que se insere como referência, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 10.198 – SP20, DJU de 14 de fevereiro de 2000, em que foi Relator o Ministro Gilson Dipp, entendeu:

a) a multa acordada entre as partes e homologada pelo julgador, na forma do artigo 76 da Lei 9.099/95, não pode vir a ser revogada por falta de pagamento ou descumprimento de condição estabelecida em transação penal20. Assim se disse: A sentença homologatória da transação penal gera eficácia de coisa julgada material, impedindo a instauração da ação penal no caso de descumprimento da pena alternativa aceita pelo autor do fato20. Assim, tendo a sentença homologatória da transação penal natureza condenatória, o descumprimento da pena de multa aplicada pelo Juizado Especial Criminal deve receber o mesmo tratamento pelo Juizado Criminal Comum, aplicando-se o art. 51 do CP com a redação dada pela Lei n.º 9.268/96. Após a vigência da referida Lei, a pena de multa passou a ser considerada tão-somente dívida de valor, sendo revogadas as hipóteses de conversão em pena privativa de liberdade ou restrição de direitos. Logo, a pena de multa não cumprida no prazo legal deve ser inscrita na dívida ativa da Fazenda Pública. 20. REsp 194.637-SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, julgado em 20/4/1999.

b) a sentença homologatória tem natureza condenatória e gera eficácia de coisa julgada material e formal, obstando a instauração de ação penal contra o autor do fato, se descumprido o acordo homologado;

c) no descumprimento da pena de multa, conjuga-se o art. 85 das Lei nº 9.099/95 e o art. 51 do Código Penal, com a nova redação dada pela Lei 9.268/1996, com a inscrição da pena não paga em dívida ativa da União, para ser executada.¨

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, entendeu que a homologação da transação penal não elimina a retomada da instauração do inquérito ou ação penal pelo Ministério Público, em caso de descumprimento da transação. Ao reafirmar jurisprudência que se estabelecera nesse sentido, o Plenário do Supremo Tribunal Federal negou provimento, no dia 19 de novembro de 2009, ao RE 602.072/RS e determinou o prosseguimento de ação penal. Anoto que o recurso teve reconhecida a sua repercussão geral.

Tal posicionamento já havia sido externado no julgamento do RE 581.201 – AgR/RS, Relator Ministro Carlos Ayres Britto, DJe de 8 de outubro de 2010. No mesmo sentido, tem-se o julgamento no HC 84.976/SP, Relator Ministro Carlos Britto, DJ de 23 de março de 2007, dentre outras decisões.

Ressalto o voto proferido pelo Ministro Marco Aurélio, Segunda Turma, no HC 79.572, que reformou acórdão do Superior Tribunal de Justiça, e que aqui sintetizo, em suas conclusões:

a) a sentença que aplica a pena no caso do art. 76 da Lei dos Juizados Especiais Criminais não é nem condenatória e nem absolutória, pois é homologatória da transação penal;

b) tem eficácia de título executivo judicial, como ocorre na esfera civil, do que se vê do artigo 584, III, do Código de Processo Civil;

c) se o autor do fato não cumpre a pena restritiva de direitos o efeito é a desconstituição do acordo penal;

d) em consequência, os autos devem ser remetidos ao Ministério Público para que requeira a instauração de inquérito policial ou ofereça denúncia.

No passado, o Supremo Tribunal Federal, julgando o Recurso Extraordinário 268.320/PR, Relator Ministro Octávio Gallotti, DJ de 10 de novembro de 2000, entendeu pela inviabilidade de conversão em pena privativa de liberdade. No mesmo sentido, o julgamento do RE 268.319/PR, Relator Ministro Ilmar Galvão, DJ de 27 de outubro de 2000, 1ª Turma, onde a Corte Suprema concluiu que a conversão da pena restritiva de direito (artigo 43 do Código Penal) em privativa de liberdade,sem o devido processo legal e sem defesa, caracteriza situação não permitida em nosso ordenamento constitucional, que assegura a qualquer cidadão a defesa em juízo.

VII - ALGUMAS DECISÕES DO STJ

Trago a partir do Jurisprudência em teses do STJ algumas importantes decisões:

Compete aos Tribunais de Justiça ou aos Tribunais Regionais Federais o julgamento dos pedidos de habeas corpus quando a autoridade coatora for Turma Recursal dos Juizados Especiais (Julgados: HC 369717/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 25/04/2017, DJe 03/05/2017; RHC 61822/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe 25/02/2016; RHC 30946/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 10/12/2013, DJe 03/02/2014; HC 223550/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 27/03/2012, DJe 10/05/2012; HC 156178/MS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/09/2010, DJe 11/10/2010; HC 99878/PB, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 23/08/2010. (VIDE JURISPRUDÊNCIA EM TESES N. 36)

Julgados: HC 369717/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 25/04/2017, DJe 03/05/2017; RHC 61822/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe 25/02/2016; RHC 30946/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 10/12/2013, DJe 03/02/2014; HC 223550/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 27/03/2012, DJe 10/05/2012; HC 156178/MS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/09/2010, DJe 11/10/2010; HC 99878/PB, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 23/08/2010. (VIDE JURISPRUDÊNCIA EM TESES N. 36)

No âmbito dos Juizados Especiais Criminais, não se exige a intimação pessoal do defensor público, admitindo-se a intimação na sessão de julgamento ou pela imprensa oficial (Julgados: RHC 79148/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 18/04/2017, DJe 03/05/2017; RHC 54206/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 20/10/2016, DJe 09/11/2016; HC 241735/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 19/11/2012, DJe 26/11/2012; HC 105548/ES, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 27/04/2010, DJe 17/05/2010; RHC 48047/SP (decisão monocrática), Rel. Ministro ERICSON MARANHO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), julgado em 03/08/2015, DJe 06/08/2015).

A transação penal não tem natureza jurídica de condenação criminal, não gera efeitos para fins de reincidência e maus antecedentes e, por se tratar de submissão voluntária à sanção penal, não significa reconhecimento da culpabilidade penal nem da responsabilidade civil ( Julgados: REsp 1327897/MA, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 15/12/2016; AgRg no AREsp 619918/MT, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/02/2015, DJe 12/02/2015; AgRg no HC 248063/MG, Rel. Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), SEXTA TURMA, julgado em 13/05/2014, DJe 23/05/2014; HC 193681/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 05/11/2013; HC 239195/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 07/08/2012, DJe 24/08/2012; REsp 844941/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 14/12/2010).

A homologação da transação penal prevista no art. 76 da Lei n. 9.099/1995 não faz coisa julgada material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade da persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial. (Súmula Vinculante n. 35/STF)

( Julgados: HC 333606/TO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 18/02/2016, DJe 23/02/2016; RHC 55924/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 14/04/2015, DJe 24/06/2015; HC 216566/MS, Rel. Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), QUINTA TURMA, julgado em 14/05/2013, DJe 20/05/2013; HC 184821/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 20/11/2012, DJe 03/12/2012; HC 217659/MS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 01/03/2012, DJe 03/09/2012; RMS 44945/MG (decisão monocrática), Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, julgado em 06/07/2016, DJe 05/08/2016. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 492) (VIDE REPERCUSSÃO GERAL - TEMA 238)

Nos casos de aplicação da Súmula 337/STJ, os autos devem ser encaminhados ao Ministério Público para que se manifeste sobre a possibilidade de suspensão condicional do processo ou de transação penal (Julgados: HC 393693/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 01/06/2017, DJe 09/06/2017; HC 269678/PB, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 07/04/2015, DJe 22/04/2015; HC 302544/DF, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 10/02/2015, DJe 23/02/2015; HC 203278/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 07/05/2013, DJe 14/05/2013; HC 213058/RN, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 07/03/2013, DJe 13/03/2013; AgRg no HC 78216/PE, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEXTA TURMA, julgado em 21/02/2013, DJe 01/03/2013. (VIDE INFORMATIVO DE JURISPRUDÊNCIA N. 387) (VIDE SÚMULA N. 337/STJ).

O que diz a Súmula 337 do STJ:

É cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva.

VIII - A NÃO INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DURANTE O PRAZO DA TRANSAÇÃO PENAL

Tema importante a discutir diz respeito a incidência da prescrição com relação a transação penal.

A matéria foi objeto de discussão pelo STJ no HC 80.148.

Veja-se o que foi informado no site do STJ, em seu informativo:

“Durante o tempo transcorrido para o cumprimento das condições impostas em acordo de transação penal ( artigo 76 da Lei 9.099/1995) não há, por falta de previsão legal, a suspensão do curso do prazo prescricional.

A tese foi fixada pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao dar provimento a recurso em habeas corpus para reconhecer a prescrição e declarar a extinção da punibilidade em um caso de lesão corporal no trânsito.

Segundo o processo, o acusado bateu o carro e causou graves lesões na passageira que estava ao seu lado. Fugiu sem prestar socorro e, em seguida, retornou à Argentina, onde estudava, sem dar esclarecimentos à polícia nem o devido auxílio à vítima.

Foi celebrado acordo de transação penal, consistente no pagamento de R$ 150 mil à vítima da lesão corporal, em 60 parcelas mensais. O acordo, porém, deixou de ser cumprido – o que levou o Ministério Público a pedir a instauração da ação penal. A defesa alegou que já teria ocorrido a prescrição da pretensão punitiva e pediu o trancamento da ação.

O Tribunal de Justiça do Ceará negou o pedido sob o argumento de que não se pode falar em prescrição durante período de prova e sem o cumprimento total da transação penal oferecida pelo Ministério Público.

No recurso em habeas corpus apresentado ao STJ, o recorrente alegou constrangimento ilegal por estar sendo indevidamente processado com base em pretensão punitiva já prescrita. Disse que já tinham transcorrido 12 anos desde o acidente e que não havia causa suspensiva ou interruptiva da prescrição, motivo pelo qual pediu o trancamento da ação penal.

Segundo o relator do recurso, ministro Antonio Saldanha Palheiro, a orientação jurisprudencial do STJ considera que as causas suspensivas da prescrição exigem expressa previsão legal.

O ministro explicou que, embora a transação penal implique o cumprimento de uma pena restritiva de direitos ou multa pelo acusado, não se pode falar em condenação, muito menos em período de prova, enquanto durar o cumprimento da medida imposta, razão pela qual não se revela adequada a aplicação do artigo 117, V, do Código Penal.

"A interrupção do curso da prescrição prevista no referido dispositivo legal deve ocorrer somente em relação às condenações impostas após o transcurso do processo, e não para os casos de transação penal, que justamente impede a sua instauração", afirmou.”

Embora a transação penal implique o cumprimento de uma pena restritiva de direitos ou multa pelo acusado, nos termos do art. 76 da Lei n. 9.099/1995, não há que se falar em condenação, muito menos em período de prova enquanto durar o cumprimento da medida imposta, razão pela qual não se revela adequada a aplicação do art. 117, V, do Código Penal. Ou seja, a interrupção do curso da prescrição prevista no referido dispositivo legal deve ocorrer somente em relação às condenações impostas após o transcurso do processo, e não para os casos de transação penal, que justamente impede a sua instauração.

Lembra-se que,"em observância ao princípio da legalidade, as causas suspensivas da prescrição demandam expressa previsão legal"( AgRg no REsp n. 1.371.909/SC, relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 23/8/2018, DJe de 3/9/2018). Cabe destacar que a Lei n. 9.099/1995, ao tratar da suspensão condicional do processo, instituto diverso, previu, expressamente, no art. 89, § 6º, que"não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo". Assim, determinou, no caso específico do sursis processual, diferentemente da transação penal, que durante o seu cumprimento não correria o prazo prescricional.

Ainda é mister ter-se em conta a seguinte jurisprudência na matéria:

CRIMINAL. RESP. LESÕES CORPORAIS DE NATUREZA LEVE. LEI 9.099/95. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO FIRMADO E HOMOLOGADO EM TRANSAÇÃO PENAL. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. PRESCRIÇÃO DA PENA IN ABSTRATO VERIFICADA. MÉRITO DO RECURSO PREJUDICADO. I - Existindo sentença homologatória de transação penal e evidenciado o não recebimento de denúncia, inexiste marco interruptivo do curso prescricional. Precedentes. II - Declara-se extinta a punibilidade do recorrido, em relação ao crime de lesões corporais de natureza leve, pela ocorrência da prescrição da pena in abstrato, eis que, considerando-se o máximo da pena fixada 01 (um) ano -, e que o último marco interruptivo do curso da prescrição foi a data do fato, já se consumou o lapso prescricional necessário para tanto, ex vi do art. 109, inc. V do Código Penal. III - Declarada a extinção da punibilidade do recorrido; recurso especial julgado prejudicado. ( REsp 564.063/SP, relator Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/06/2004, DJ 02/08/2004, p. 512.)

Em razão disso tem-se que ao se tratar da suspensão condicional do processo, não ocorrerá a prescrição durante o transcorrer desse prazo.

1. GRINOVER, Ada Pellegrini. Direito Intertemporal e Âmbito de Incidência dos Recursos Especiais Crminais, Boletim do IBCCrim, São Paulo, 35:4, novembro de 1995.

2 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal, São Paulo, Ed. Atlas, 16ª edição, 2012, pág. 758.

3 BARBIERO, Louri Geraldo. Na ação penal privada cabe a suspensão condicional do processo, Boletim do IBCCrim 64/235-236, 1998.

4 LEWANDOWSKI, Ricardo. Admissibilidade da suspensão condicional do processo na ação penal privada, RT 742/463-465, 1998.

5 A teor da Lei 11.313/06, o artigo 61 da Lei 9.099/95 passou a determinar que consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos da Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

6 Na negativa de suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei 9.099/95), é caso de aplicação do recurso em sentido estrito. Do mesmo modo, se concedido de ofício, contra o entendimento do Parquet, titular da ação penal, o caso é de recurso em sentido estrito. Isso porque o procedimento continua, sendo claro que estamos diante de decisão interlocutória.

7 NOGUEIRA, Márcio Franklin, Transação Penal, São Paulo, Ed. Malheiros, 2003, pág. 164.

8 JESUS, Damásio. E .de. Lei dos Juizado Especiais Criminais Anotada, São Paulo, Ed. Saraiva, 2001, pág. 59.

9 JESUS, Damásio. E. de. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada, São Paulo, Ed. Saraiva, 2001, pág. 59.

10 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal, São Paulo, Atlas,16ª edição, 2012, pág. 757 e 758.

11 Nos crimes em que a pena mínima for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não pela Lei 9.099/95, ao oferecer a denúncia, o Parquet poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da pena (artigo 77 do CP).

12 GRINOVER, Ada Pellegrini. O novo modelo consensual da justiça penal brasileira, in Estudo de direito processual trabalhista,civil e penal, Recife, Ed.Consulex, 1996, pág. 305.

13 NOGUEIRA, Márcio Franklin.Transação Penal, São Paulo, Malheiros, 2003, pág.179.

14 DUARTE Maurício Alves. A execução das penas restritivas de direito descumpridas no regime da Lei 9.099/95 e outras questões controvertidas, RT 744/456.

15 SOUZA NETO, José Laurindo de. Processo Penal. Modificações da Lei dos Juizados Especiais, 1ª edição, Curitiba, Juruá, 1999, pág. 145 a 146.

16 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Civeis e Criminais, 3ª Ed. São Paulo, Ed. RT, 2000, pág. 613.

17 PAZZAGLINI FILHO Marino; MORAES, Alexandre de; SMANIO Giampaolo Poggio e VAGGLIONE, Luiz Fernando. Juizado Especial Criminal. Aspectos Políticos da Lei nº 9.099/1995, 3ª ed, São Paulo, Atlas 1999, pág. 59.

18 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais, São Paulo, Atlas, 1998, pág. 95.

19ALBERTON, Genacéia da Silva. Juizado Especial Criminal: avanços e retrocessos. Transação penal, responsável civil; recursos e ações constitucionais, RT 753, São Paulo, Ed. RT, 1998.

20 Nessa linha de pensar, o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça, no REsp 172.951/SP, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma, DJ de 31 de maio de 1999; REsp 194.637/SP, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, 5ª Turma, DJ de 24 de maio de 1999; REsp 172.981/SP, RT 770/536, Relator Ministro Fernando Gonçalves, 6ª Turma, dentre outros.

  • Publicações2328
  • Seguidores673
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoArtigo
  • Visualizações1247
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/alguns-apontamentos-sobre-a-transacao-penal/1517922974

Informações relacionadas

Débora Magri, Advogado
Artigoshá 7 anos

A transação penal como um benefício processual

Luiz Flávio Gomes, Político
Artigoshá 13 anos

Qual a consequência do descumprimento da transação penal?

Adv Márcio Santos, Advogado
Modeloshá 4 anos

Modelo de Petição penhora online via Sisbajud - “teimosinha”

Afonso Maia, Advogado
Artigoshá 8 anos

Fontes do Direito Penal explicado de modo simples e fácil

Endireitados
Notíciashá 9 anos

O que é e como funciona a "Transação Penal"?

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)