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3 de Junho de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Órgão Julgador

QUINTA CÂMARA CRIMINAL

Publicação

Julgamento

Relator

Des(a). PETERSON BARROSO SIMÃO

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-RJ_AI_00706685920218190000_98ffb.pdf
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Inteiro Teor

Agravo de Instrumento nº XXXXX-59.2021.8.19.0000

Agravante: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Agravado: TIAGO VIANNA GOMES

Relator: DESEMBARGADOR PETERSON BARROSO SIMÃO

ACÓRDÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Decisão deferiu liminar em Mandado de Segurança para determinar a exclusão da imagem do agravante do cadastro de suspeitos da 57a Delegacia de Polícia Civil de Nilópolis/RJ. Afasta-se a preliminar de incompetência. A autoridade apontada como coatora é Delegado de Polícia e o ato combatido diz respeito à atividade policial. Portanto, o Juízo de Direito em matéria criminal é competente para processar o julgar o Mandado de Segurança (art. 53, I, b, Lei Estadual RJ 6.956/2015). Refuta-se a preliminar de inépcia da petição inicial, pois ausentes quaisquer dos vícios do art. 330, § 1º, CPC. Rejeita-se a prejudicial de decadência. A Defensoria Pública formalizou pedido, em 18/01/2021, de exclusão da imagem do impetrante do álbum fotográfico da Delegacia de Polícia, mas não houve resposta. A manutenção da foto naquele catálogo caracteriza omissão e, em consequência, a foto continua disponível para reiterados atos de reconhecimento, não havendo falar em decadência. A imagem de uma pessoa pode ser utilizada quando necessária "à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública" (art. 20 do Código Civil). O reconhecimento fotográfico é meio de prova inominado e lícito, que não contraria expressamente qualquer norma constitucional ou legal. Contudo, a falta de regulamentação legal do cadastro de suspeitos deixa ao crivo de cada autoridade policial a confecção do álbum a ser utilizado naquela circunscrição. Embora a inegável importância na elucidação de crimes, não pode o referido cadastro ser motivo de violação de direitos de inocentes. O art. 20, do Código Civil, ressalva que "a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da

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indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade". Em 2016, o agravante foi denunciado pelo crime de receptação, mas ao final foi absolvido. Em seguida, foi denunciado por 09 vezes por crimes patrimoniais com base em reconhecimentos fotográficos realizados na 57a Delegacia de Polícia Civil de Nilópolis/RJ. Foi absolvido em 05 desses processos, estando os outros 04 ainda em curso. Narra que os reconhecimentos fotográficos são realizados sem observar o procedimento do art. 226, do CPP, não havendo qualquer indício que o incrimine. Afirma que nesses processos não houve apreensão de quaisquer bens das vítimas ou arma em seu poder. Neste contexto, o agravante tem o direito de exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade (art. 12, Código Civil). Isso porque a inserção da sua imagem em álbum de suspeitos vem o colocando, reiteradas vezes, em situação de desprezo público, com consequências aflitivas decorrentes de investigações policiais por fatos que, a princípio, não teve qualquer participação, ao menos naqueles 05 processos já concluídos com absolvição. Assim, prudente a decisão agravada que, em cognição sumária, determinou a exclusão da foto do álbum de suspeitos, pois as particularidades do presente caso demonstram reiteradas ofensas à honra, boa fama e respeitabilidade do agravante. A decisão agravada não possui natureza teratológica, contrária à Lei ou à evidente prova dos autos. Logo, deve ser mantida, não sendo caso de qualquer retoque. Mantida a decisão agravada. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

A C O R D A M os Desembargadores da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do Relator.

RELATÓRIO

Trata-se de Agravo de Instrumento contra decisão que deferiu liminar em Mandado de Segurança para determinar a exclusão da imagem

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do agravante do cadastro de suspeitos da 57a Delegacia de Polícia Civil de Nilópolis/RJ, nos seguintes termos (ind.176, processo originário):

"Trata-se de mandado de segurança proposto por TIAGO VIANNA GOMES, apontando como autoridade coatora o delegado de polícia da 57a delegacia de polícia, na qual a parte autora requer a concessão de liminar para determinar a exclusão da imagem do impetrante do cadastro de suspeitos da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, notadamente do álbum de suspeitos existente na 57a Delegacia de Polícia Civil, confirmando-se, no mérito, a liminar requerida. Na causa de pedir, alega que o impetrante teve sua foto incluída no álbum de suspeitos, sendo reconhecido por 09 (nove) vezes. Entretanto, alega que a exibição das fotos do impetrante foi feita em desacordo com o disposto no artigo 226 do Código de Processo Penal, fato que restou comprovado durante as instruções feitas junto ao juízo criminal. Destaca que a foto do impetrante segue sendo exibida aleatoriamente em outros procedimentos, sendo que se trata de imagem antiga e que o impetrante é presumidamente inocente, não havendo motivo para a manutenção da foto do acusado no dito álbum. Por fim, informa que o órgão de atuação da Defensoria Pública junto a este juízo expediu ofício à autoridade coatora, com a solicitação da exclusão da imagem do impetrante. Todavia, o ofício não foi sequer respondido, permanecendo a imagem do impetrante no álbum mencionado. Instado a se manifestar, o Ministério Público apresentou parecer (fls. 64/86), no qual sustenta: a) não haver prova pré-constituída do direito liquido e certo alegado; b) erro na indicação da autoridade coatora; c) impossibilidade de concessão de tutela de evidência em mandado de segurança; d) ausência de requisitos para a concessão da tutela de evidência; e) ausência de requisitos para a concessão de tutela liminar. Diante do parecer ministerial, os autos foram novamente encaminhados para a Defensoria Pública, que se manifestou (fls. 94/102), aduzindo: a) que pretende tão somente a retirada da foto do álbum de suspeitos da 57a Delegacia de Polícia, razão pela qual é o delegado de polícia daquela unidade a autoridade coatora; b) ser possível a concessão de tutela de evidência em sede de mandado de segurança, com fulcro no artigo 311, IV do CPC/15; c) estarem presentes os requisitos para a concessão de tutela de urgência. Os autos retornaram ao Ministério Público, que apresentou novo parecer (fls. 138/165), no qual alega: a) incompetência do juízo, uma vez que a providência pretendida teria efeitos para além do âmbito de atuação da autoridade coatora; b) decadência do direito liquido e certo alegado; c) inépcia da inicial por ausência de pedido de intimação da pessoa jurídica à qual se acha vinculada a autoridade coatora; d) inépcia da inicial por ilegitimidade da autoridade coatora; e) ausência dos requisitos para a concessão da liminar pleiteada, notadamente diante do fato de o réu ter sido absolvido diversas vezes por insuficiência probatória e ainda ter em curso ação penal, pendente de recurso, na qual foi condenado em 2a instância pelo TJRJ. Dada nova oportunidade para a Defensoria Pública se manifestar (fls. 172/174), essa que repisou seus argumentos já existentes nos autos. Fundamento e decido. A questão versa sobre a possibilidade de manutenção da foto de determinada pessoa no álbum de suspeitos da delegacia de polícia, malgrado tratar-se de pessoa que não ostente condenações e que foi reiteradamente absolvida por este juízo em procedimentos onde se constatou que a exibição da foto do impetrante se deu ao arrepio da norma insculpida no artigo 226 do Código de Processo Penal. De início, afasto a preliminar de incompetência do juízo suscitada pelo Ministério Público, na medida em que o impetrante esclareceu pretender a retirada de sua foto tão somente do álbum de suspeitos da 57a Delegacia de Polícia. Desta maneira, é o Delegado Titular daquela delegacia a autoridade coatora a ser indicada no presente mandamus, uma vez que é ele o responsável pelas investigações em curso no aludido órgão, bem como pela administração das atividades ali desenvolvidas, estando aí inserida a criação, guarda e exibição do álbum de pessoas suspeitas da prática de crimes na região onde tem atribuição para atuar. Aqui, devo anotar que não foi alegado e muito

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menos demonstrado que a foto do impetrante vem sendo exibida em diversas delegacias de polícia ou que decorre de ordem emanada do Secretário de Estado de Polícia Civil, fato esse que, se comprovado, poderia ensejar a necessidade de readequação da indicação da autoridade coatora. Tampouco é pretendida a retirada da foto do impetrante dos cadastros da SEPOL ou da SEAP, o que, igualmente, imporia o deslocamento da competência deste juízo. Acrescente-se que é fato notório que o chamado álbum de suspeitos é criado em cada delegacia e abrange pessoas que supostamente teriam atuação naquela área. Por isso, não há que se falar em qualquer alcance da presente decisão para além da área vinculada à esfera de atuação da autoridade coatora apontada na inicial, na medida em que não há sequer notícia de que a foto do impetrante esteja inserida e venha sendo exibida em álbuns de suspeitos de outras delegacias de polícia e muito menos que venha sendo utilizada em algum tipo de procedimento de responsabilidade do Secretário de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Diante dos fundamentos acima exposto, tem-se por correta a indicação da autoridade coatora, sendo este juízo o competente para o julgamento do presente writ. Na mesma esteira e diante dos mesmos fundamentos, não há se que falar em inépcia da inicial. Afasto, também a prejudicial de mérito de decadência, na medida em que a foto do impetrante segue sendo exibida em diversos procedimentos investigativos, como comprova a documentação de fls. 103/130. Mais que isso, o pedido de retirada da foto do requerente foi feito através do ofício constante a fls. 47/48, o qual sequer foi respondido pela autoridade coatora, de forma que sequer teria se iniciado o prazo decadencial para a reivindicação do direito liquido e certo mencionado na inicial. Passando à análise do mérito, tenho que o pano de fundo da presente demanda é a contraposição do direito individual à imagem e a aplicação do princípio da não culpabilidade, com o direito do Estado exercer o seu poder punitivo, iniciando suas ações através de uma investigação que leve à delimitação da autoria de determinado delito, cuja punição se pretenda. Como se sabe, o direito à imagem constitui direito da personalidade, estando consagrado no artigo , inciso X da Constituição da Republica, que dispõe:"X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Grifos nossos Da mesma forma, o artigo 20 do Código Civil trata do tema, assim estabelecendo:"Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais."Grifos nossos Portanto, da leitura dos dispositivos destacados, pode-se dizer que o direito à imagem constitui direito individual, com proteção feita pela legislação constitucional e infraconstitucional, sendo, em regra, inviolável, salvo de houver a autorização ou se necessário à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. Não se trata, contudo, de direito absoluto, sendo que, além das hipóteses previstas no artigo 20 do Código Civil, tem-se por certo que pode ser relativizado em situações"voltadas ao interesse geral (fins didáticos, científicos, jornalístico), no âmbito do espaço público, especialmente de pessoas que exerçam atividades públicas ou famosas, sempre se vedando o abuso (ilustrativamente, STJ, 4a turma, REsp 1.594.865, rel. min. Luiz Felipe Salomão, por unanimidade, j. 18.08.17)."No caso da criação de álbum de suspeitos, não há nenhuma dúvida de que o direito à imagem pode ser relativizado. Assim, os órgãos responsáveis pela administração podem criar um álbum de suspeitos e utilizá-lo para fins de delimitação da autoria de determinados delitos, passando a exibir fotos a quem for capaz de fazer o ato de reconhecimento do objeto mostrado. E aqui, deve-se anotar que recentemente a jurisprudência vem avançando muito na forma de realização do reconhecimento fotográfico durante a fase inquisitiva, ocasião em que já se sedimentou a necessidade de aplicação do artigo 226 do Código de Processo Penal . Por isso, deve ficar claro que não se pode buscar impedir que haja um álbum de suspeitos a ser utilizado pela polícia civil ou pelo Ministério Público. Entretanto,

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deve-se aprofundar na forma que esse é álbum é feito, estabelecendo-se critérios que permitam avaliar a legalidade das fotografias ali inseridas, perquirindo-se os motivos que levaram àquela inclusão e também buscando-se maiores informações sobre o tipo de foto que foi utilizada, a forma que foi tirada, a fonte de sua extração e a data. E tudo isso para saber se o direito à imagem poderia, naquele caso concreto, ser relativizado, com a preponderância do direito estatal de punir e de preservar a ordem pública violada através da prática de um crime. Note-se que a prática na justiça criminal tem revelado que boa parte das fotografias utilizadas para a criação do álbum de suspeitos são aquelas tiradas quando, por algum motivo, determinada pessoa é presa ou conduzida à delegacia. Assim, aquela pessoa é recolhida a uma sala na delegacia policial responsável pela lavratura do flagrante ou pelo cumprimento do mandado de prisão preventiva, temporária ou prisão pena e em seguida é tirada uma fotografia. Essa, por suavez, é feita da cintura pra cima e, geralmente, com uma fita métrica ao fundo, de forma que possa se saber a altura daquele acusado. Em seguida, aquela foto é lançada no portal de segurança, passando a ser utilizada para fins administrativos pela polícia civil, pelo Ministério Público e pela Secretaria de Administração Penitenciária. Entretanto, ao passo que aquela foto passa a ser utilizada para fins administrativos, ela também passa a ser utilizada no álbum de suspeitos, o que, como se verá, não é legal. Com efeito, o artigo 20 do Código de Processo Civil admite que a foto de determinada pessoa seja utilizada se necessário à administração da justiça. Assim, clara está a possibilidade de que o preso seja fotografado para que seja adequadamente identificado nos registros policiais e para que possa ingressar e ser movimentado através do sistema carcerário. Todavia, o artigo 13 da 13.869/19 (lei de abuso de autoridade) possui a seguinte disposição: Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência a: I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública; II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei; III - (VETADO); III - produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro: (Promulgação partes vetadas) Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência. Portanto, cotejando o artigo 20 do Código Civil com o artigo 13, inciso II da lei de abuso de autoridade, tem-se que, em sede policial, ninguém pode, sem que assim autorize, ter sua imagem captada para fins de que seja utilizada como meio de prova contra si, ficando aí abarcada a impossibilidade de utilização daquela foto para fins de inclusão em álbum de suspeitos. É claro que haverá quem diga que o próprio artigo 20 do Código Civil admite a possibilidade de utilização de determinada fotografia para fins de manutenção da ordem pública, o que inegável. Entretanto, uma interpretação sistemática, baseada na análise do próprio artigo 20 do Código Civil, aliado ao artigo 13 da lei 13.869/19 e baseado no texto constitucional, que consagrada os princípios da presunção de não culpabilidade, do devido processo legal e da não auto incriminação permite afirmar que a foto de determinada pessoa tirada em sede policial somente pode ser utilizada em álbum de suspeitos se o fotografado expressamente assim autorizar e após ser informado de seu direito constitucional a não auto incriminação. Aqui, anoto que a lei 12.037/09 disciplina a identificação criminal do civilmente identificado, sendo que o artigo , inciso IV estabelece que: Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando: IV - a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa; O artigo 5º do mesmo diploma legal ainda estabelece que: Art. 5º A identificação criminal incluirá o processo datiloscópico e o fotográfico, que serão juntados aos autos da comunicação da prisão em flagrante, ou do inquérito policial ou outra forma de investigação. Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético. Com efeito, a análise dos dispositivos em comento releva que, quando não for para fins estritamente administrativos, poderá haver a identificação criminal, que se dará através de processo datiloscópico e fotográfico e

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que poderá ocorrer se essencial às investigações policiais, desde que haja despacho da autoridade judiciária competente. Neste sentido, é possível concluir que, somente mediante despacho fundamentado, que obedeçaao disposto no artigo 20 do Código de Processo Civil e que, além de não violar o artigo 13,inciso III da lei 13.869/19, ainda contenha a expressa autorização do fotografado e sua ciência que tem o direito de não produzir prova contra si mesmo, pode a autoridade policial fazer a foto e passá-la a incluir em álbum de suspeitos. Lembre-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a impossibilidade de condução coercitiva de réu ou investigado para fins de interrogatório, ocasião em que reconheceu que a regra do artigo 260 do Código de Processo Penal não foi recepcionada pela Constituição de 1988. Assim, se determinada pessoa não pode ser conduzida coercitamente para fins de interrogatório a ser feito em juízo ou em sede policial; se o direito constitucional ao silêncio e a não auto incriminação deve ser sempre observado, é claro que o preso não pode ser obrigado a se permitir fotografar com vistas a, sem seu consentimento, ter sua foto inserida em álbum de suspeitos, passando a ser apresentada indistintamente a toda pessoa que vá até a delegacia de polícia se dizendo vítima de um crime. Também merece destaque a lei 10.709/19 (Lei Geral de Proteção de dados), que disciplina"o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural". Naturalmente, a imagem de determinada pessoa se enquadra na ideia de dado pessoal, razão pela qual goza da proteção legal trazida pela lei 10.709/19, onde se consagra a ideia de inviolabilidade da imagem. E assim, tem-se que, apesar de o artigo 4º, inciso III, alínea a da dita lei dizer que ela não se aplica ao tratamento de dados pessoais realizados para fins exclusivos de segurança pública, o § 1º do mesmo artigo 4º dispõe que:"§ 1º O tratamento de dados pessoais previsto no inciso III será regido por legislação específica, que deverá prever medidas proporcionais e estritamente necessárias ao atendimento do interesse público, observados o devido processo legal, os princípios gerais de proteção e os direitos do titular previstos nesta Lei."Portanto, de acordo com a Lei Geral de Proteção de dados, a utilização de uma imagem para fins de segurança pública deve ser feita através de medidas proporcionais, com a observância do devido processo legal e com a garantia dos direitos do seu titular. Com efeito, para além de todas as questões que já foram levantadas até aqui e diante da ausência de regulamentação específica, é necessário que a jurisprudência se encarregue de traçar requisitos para que uma foto possa ser incluída no álbum de suspeitos e possa ser considerada, pois somente assim estará sendo observado o devido processo legal. Neste caminhar, tenho que é essencial que a criação do álbum de suspeitos seja tratada como ato administrativo da autoridade policial, sendo que toda foto que ali venha a ser inserida deve ter sua inserção baseada em decisão fundamentada, que observe o devido processo legal e na qual restem resguardados os interesses individuais envolvidos. Note-se que a criação do álbum de suspeitos e a inserção de uma determinada foto neste álbum constitui verdadeiro ato administrativo de cunho decisório, razão pela qual deve obedecer a todos os requisitos dos atos administrativos. Por isso, a criação do álbum de suspeitos somente será válida se for emanada da autoridade competente, que deverá agir da forma prevista em lei, com a indicação da finalidade para a qual o ato se destina, os motivos que levaram àquele ato e o seu objetivo. Não por menos o artigo 48 da lei estadual nº 5427/09, a qual"estabelece normas sobre atos e processos administrativos no âmbito do Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências"preceitua que: Art. 48. As decisões proferidas em processo administrativo deverão ser motivadas, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I. neguem, limitem, modifiquem ou extingam direitos; II. imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; (...) IX. tenham conteúdo decisório relevante; (...) § 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte

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integrante do ato e deverão compor a instrução do processo. Grifos nossos Portanto, a criação de um álbum de suspeitos e a inserção de uma foto naquele álbum não pode ocorrer da maneira que vem sendo usualmente feita, isto é, sem qualquer critério ou sem qualquer controle. Ao contrário, ela deve decorrer de processo administrativo instaurado em atenção às normas legais supra mencionadas, de modo que se permita que haja o controle de legalidade do ato administrativo, a ser feito pela autoridade judiciária competente. Apenas para exemplificar, dentre os inúmeros dados que devem constar no procedimento administrativo de criação de álbum de suspeitos e de inclusão de uma foto, tenho que a indicação da origem da foto é fundamental para análise da legalidade de sua inserção. E assim ocorre, pois além das usuais fotos tiradas quando alguém é preso em flagrante ou vai à delegacia de polícia, também há fotos decorrentes de compartilhamento de informações de inteligência entre outros órgãos estatais e que somente poderiam ser compartilhadas se houvesse requerimento expresso de compartilhamento, devidamente fundamentado. Por outro lado, poderia a autoridade policial se valer de fotos obtidas através de fontes abertas, sobretudo em redes sociais ou através de fotos feitos em locais abertos ao público ou através de mecanismos de reconhecimento facial por inteligência artificial, as quais prescindiriam de autorização do investigado para que fossem captadas e utilizadas. Por isso, no que se refere às fotos tiradas durante uma prisão em flagrante ou por ocasião de comparecimento em sede policial, nenhuma dúvida tenho que de sua inserção no álbum de suspeitos somente pode ocorrer se o investigado tiver autorizado que fosse fotografado, sabedor de que aquela foto poderia ser utilizada em procedimento investigativo. Caso contrário, a foto tirada em delegacia somente pode ser utilizada para fins de identificação do acusado na via administrativa da secretaria de Administração Penitenciária ou afins. E mais: se a autoridade policial não adverte o acusado de que sua foto poderá ser utilizada em procedimento investigativo e, apesar disso, faz a fotografia e a insere em álbum de suspeito, poderá incorrer no crime de abuso de autoridade, pois uma vez preso ou conduzido à delegacia, o investigado tem naturalmente reduzida sua capacidade de resistência ao ato. Afinal, quem irá esconder o rosto ou dizer que não permite ser fotografado estando sozinho e sem assistência jurídica em uma delegacia repleta de policiais que, por necessidade de sua profissão, devem estar armados? Já no caso de fotografias extraídas dos sistemas de inteligência dos diversos órgãos estatais, é fundamental que seja possível aferir a forma que foram compartilhadas com a autoridade policial. Assim, deve constar dos autos o requerimento de compartilhamento, a fim de que se verifique se havia, de fato, procedimento instaurado e se o requerimento foi individualizado ou se foi feito se forma genérica e indiscriminada, com a violação de diversos direitos individuais. Bom exemplo disso seria o compartilhamento das fotos utilizadas nas carteiras de identidade das pessoas, as quais, no Rio de Janeiro, são armazenadas pelo Detran e que somente poderiam ser utilizadas em um álbum de suspeitos se a autoridade policial solicitasse, de forma fundamentada, o compartilhamento da imagem. Assim, não pode a autoridade policial simplesmente ingressar no sistema do Detran e obter todas as fotos de pessoas civilmente identificadas. Muito menos, pode o Detran compartilhar indistintamente seus arquivos de identificação civil com a Secretaria de Segurança ou com a Secretaria de Administração Penitenciária, uma vez que o compartilhamento de informações de inteligência depende de procedimento onde haja fundamentação idônea à prática daquele ato. Já no que se refere às fotos extraídas de fontes abertas, tais como redes sociais, nenhuma dúvida há de que podem ser utilizadas pela autoridade policial, independentemente do consentimento do investigado. Afinal, se foi o próprio quem publicizou sua imagem, não pode invocar o direito à privacidade e intimidade em seu favor, pois assim estaria se aproveitando de sua própria torpeza. Entretanto, caso a autoridade policial queira quebrar o sigilo de dados de algum perfil de uma rede social, também terá que fazer o requerimento ao magistrado responsável por aquela demanda. De toda sorte, seja no caso de fotografias obtidas através de fontes fechadas ou através de fonte abertas, é essencial que a autoridade policial em seu despacho fundamentado

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insira a data em que a foto foi tirada ou, no caso de fotos extraídas de redes sociais, caso essa data não esteja disponível, que faça constar a data da publicação da imagem. Por último, deve ser traçado o limite para que uma foto possa ser utilizada. É claro que apesar do princípio da não culpabilidade ser princípio constitucional, a formação de álbum de suspeitos não pode ser feita meramente com fotos de quem tenha condenação transitada em julgado. Por outro lado, não pode haver a inserção aleatória de fotos e tampouco a inserção de foto de alguém que nunca tenha notícia de ter praticado um crime similar ao que se investiga. Com efeito, é importante para a legalidade do ato administrativo de criação do álbum de suspeitos e de inserção de uma fotografia que a autoridade policial fundamente por escrito e através de procedimento próprio a fundada suspeita que a fez concluir que aquela pessoa deva ter sua foto veiculada no álbum da delegacia. Assim, como já dito, não se pode abrir mão da fundamentação do ato administrativo e que sua motivação possa ser acessada não apenas pelos responsáveis pela investigação e seu controle, mas também pela defesa e pelo magistrado, cabendo a este último fazer o controle de legalidade daquele ato administrativo. Apenas a título de exemplo, não pode a autoridade policial inserir no álbum de suspeitos da prática de crime de homicídio alguém que tenha sido acusado de crime de estelionato, pois nenhuma relação há entre os dois crimes. Caso opte por fazê-lo, deve expressamente revelar as razões que levaram àquela inserção de foto, sob pena de violação ao devido processo legal e ao princípio da não culpabilidade. De igual forma, não pode a autoridade policial manter no álbum de suspeitos alguém que foi absolvido em sentença penal transitada em julgado e que não tenha contra si qualquer processo, devendo, neste caso, fazer a retirada da fotografia eventualmente existente no álbum, eis que o motivo ensejador do ato administrativo não existirá mais, aplicando-se para tanto a teoria dos motivos determinantes. Neste ponto específico, tenho que seria de suma importância que o legislador se incumbisse de aprimorar o alcance do acesso e utilização de dados referentes a processos penais, de forma que determinada pessoa que porventura tenha sua foto nos cadastros dos órgãos de persecução pudesse mais facilmente postular a retirada de seus dados, evitando o seu compartilhamento e exibição de forma aleatória e indiscriminada. Diante de todo o exposto, pode-se dizer que a formação do álbum de suspeitos e a inserção de fotos neste album deve ser vista como ato administrativo, através do qual a autoridade policial, mediante decisão fundamentada, deverá aclarar os elementos que criaram a fundada suspeita de que aquela pessoa cuja foto se inseriu possa ser a autora de determinada espécie de crime, sendo que, nos casos de fotos extraídas de fontes fechadas, a foto deverá ser veiculada mediante autorização do fotografado, ocasião em que deverá haver o respeito aos princípios do devido processo legal e da presunção de não culpabilidade, dispensada tal autorização na hipótese de fotografias extraídas de fontes abertas, devendo, em qualquer hipótese, haver a indicação da data da foto ou de sua publicação e a forma pela qual foi obtida, ficando as razões do ato administrativo disponíveis para consulta junto à delegacia de polícia, conferindo ao álbum de suspeitos o mesmo acesso que é dado aos inquéritos policiais, inclusive com a possibilidade de requisição dos registros e das razões do ato durante o processo criminal em curso no juízo natural da causa, a fim de que haja o controle de legalidade do ato administrativo. Feitas todas essas ponderações, passo ao caso concreto. De plano, observo que a concessão de tutela de evidência em sede de mandado de segurança é matéria controvertida, sendo que, a princípio, entendo que se trata de instituto de difícil compatibilidade com o presente writ, pois a evidência do direito é fundamento do pedido principal e não do pedido cautelar. Desta forma, analisarei o requerimento da parte autora tão somente à luz dos dispositivos legais pertinentes à tutela de urgência. A concessão da tutela provisória de urgência de natureza antecipada requer a presença dos requisitos instituídos no artigo 300 do Código de Processo Civil, quais sejam: a probabilidade de existência do direito material afirmado pelo demandante (artigo 300, caput, CPC); o perigo de dano iminente para o direito material, resultante da demora do processo (artigo 300, caput, CPC); e a reversibilidade dos efeitos práticos

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produzidos pela decisão concessiva da tutela antecipada (artigo 300, § 3º, CPC). Analisando-se os documentos juntados aos autos pela parte autora e aliando-se a isso o fato de que este magistrado é titular da única Vara Criminal da Comarca de Nilópolis, tendo julgado e absolvido o impetrante em diversas oportunidades, sendo que algumas delas foram colacionadas a fls. 123/128, percebe-se que a foto do impetrante segue sendo reiterada e aleatoriamente veiculada pela autoridade coatora no álbum de suspeitos da 57a Delegacia Policial, mesmo após as diversas absolvições feitas por este juízo e também após a decisão dada pelo Superior Tribunal de Justiça no HC XXXXX/RJ, ocasião em que foi reconhecida a ilegalidade nos atos de reconhecimento do impetrante. Note-se que a foto do acusado que é estampada no álbum de suspeitos da 57a Delegacia Policial não possui a indicação de onde foi retirada e tampouco a data em que foi feito o registro. Muito menos há qualquer menção de que o impetrante tenha consentido que aquela foto fosse retirada e viesse a ser compartilhada para fins de investigação penal. A análise da FAC do impetrante indica que esse foi preso em flagrante uma única vez, sendo que tal fato ocorreu no dia 11.07.16. Assim, é bastante provável que a foto tenha sido obtida nesse dia, motivo pelo qual não há motivo para que, quase 05 (cinco) anos depois, a mesma foto siga sendo apresentada no álbum de suspeitos da 57a Delegacia de Polícia. Mas não é só. Ainda de acordo com a FAC do impetrante, esse foi absolvido por sentença transitada em julgado da imputação de receptação oriunda de sua prisão em flagrante, tendo aquela decisão transitado em julgado em 27.02.2020. Ademais, o impetrante foi absolvido diversas vezes por este juízo das acusações de roubo que decorreram do reconhecimento da foto inserida no álbum de suspeitos da 57a delegacia de polícia. Assim, pergunta-se à autoridade policial e espero que tal questão conste na resposta ao pedido de informações que lhe será enviado: de qual crime o Sr. TIAGO VIANNA GOMES é suspeito e por qual motivo sua foto ainda continua aser exibida no álbum de suspeitos da 57a Delegacia de Polícia, mesmo após a solicitação de retirada feita pela Defensoria Pública. Qual é o critério adotado pela autoridade policial para tanto? O álbum de suspeitos individualiza o crime do qual é pessoa é suspeita ou é apresentado indistintamente para qualquer vítima de qualquer crime. Aqui, anoto que em julgamentos nesta comarca, já pude constatar que a foto do Sr. TIAGO VIANNA GOMES foi inserida até mesmo no mosaico de suspeitos de prática de crimes sexuais, sendo que, como bem mostram os mosaicos que instruem o presente mandado de segurança e os mosaicos de fls. 129/130, sua foto é exibida em diversos procedimentos, inclusive para fatos ocorridos no ano corrente, isto é, quase 05 (cinco) anos após a foto de TIAGO ter sido tirada. Por isso, novamente indago: por qual motivo a foto de TIAGO VIANNA GOMES também é exibida em inquéritos que apuram crimes sexuais? E até quando a sua foto será exibida o apontando como suspeito de crimes recentes? Quantas absolvições devem ocorrer para que sua foto deixe de ser exibida? Acrescento, também, que embora ainda não seja possível ter absoluta certeza sobre a forma de inserção das fotos do impetrante no álbum de suspeitos, certo é que ao longo da carreira deste magistrado nunca verifiquei que alguém foi fotografado em sede policial mediante a assinatura de termo de consentimento e após ser informado sobre a possibilidade de se recusar e de não se auto incriminar. Da mesma forma, nunca tive conhecimento de que a criação do álbum de suspeitos de uma delegacia seja feita através de procedimento próprio e pormenorizado e que a inserção de uma foto tenha alguma formalidade ou muito menos motivação, ainda que sucinta. Assim, é bastante provável que esse seja o caso de TIAGO, cuja foto constante no presente procedimento atende ao padrão clássico, consistindo em registro feito por ocasião de uma prisão em flagrante e para fins administrativos e que, sem o consentimento da pessoa e sem qualquer despacho fundamentado da autoridade policial acaba sendo inserida no álbum de suspeitos da delegacia, ali permanecendo por anos a fio. Por oportuno, anoto que, dentre os inúmeros processos que o impetrante já respondeu, ainda há um onde ainda correr risco de ser condenado, não obstante tenha sido absolvido por este magistrado. E isso porque, no processo nº XXXXX-62.2019.8.19.0036, após ser absolvido em primeira instância, o impetrante foi condenado por 2 votos a 1 em 2a instância.

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Assim, pendente está o julgamento de embargos infringentes, ocasião em que é possível que a sentença absolutória deste magistrado seja restabelecida. De toda, o aludido processo apenas revela o tamanho do risco ao qual o impetrante vem se submetendo dia após dia e em razão do ilegal atuar da autoridade coatora. Ora, o impetrante é uma pessoa negra, de baixa renda e com características físicas similares a tantas outras pessoas que são igualmente negras e de baixa renda e que, por circunstâncias da vida, se envolvem em práticas criminosas. Por isso, é natural que a exibição indistinta de sua foto nos inúmeros inquéritos policiais em curso na 57a Delegacia de Polícia implicará, em muitas vezes, no seu reconhecimento fotográfico. E o mesmo poderia ocorrer com qualquer pessoa parecida com o impetrante, pois a falibilidade da memória humana, aliada à inobservância das normas processuais penais pela autoridade policial e à falta de investigação adequada do fato criminoso naturalmente levará a vários reconhecimentos ilegais, fazendo com que o impetrante siga, pelo resto de sua vida, respondendo a processos por roubo. E aí, naturalmente, em algum momento será reconhecido também em juízo e talvez condenado por quem não tem uma visão mais ampla do seu caso e está distante da Comarca, acreditando que o reconhecimento baseado em uma foto de 2016 e através da palavra exclusiva da vítima possa ser idôneo para condenação de quem reiteradamente foi declarado inocente. Entretanto, a condenação do impetrante no processo nº 0019281- 62.2019.8.19.0036 nada mais é do o infeliz resultado decorrente da materialização das arbitrariedades que o impetrante vem sofrendo em razão do ilegal atuar da autoridade coatora. E isso porque a cada exibição ilegal da foto do impetrante, esse se vê inserido involuntariamente em uma brincadeira de roleta russa. E nesse tipo de brincadeira, em algum momento o desfecho é trágico. Logo, com base em juízo de probabilidade formado no exercício de cognição sumária, considero provável a existência do direito a ter sua foto excluída do álbum de suspeitos da 57a Delegacia de Polícia afirmado pelo (a) demandante (artigo 300, caput, CPC). A situação de fato exposta na petição inicial, por seu turno, importa, em virtude da demora natural do processo, perigo de dano iminente para o direito material afirmado, na medida em que o perigo alegado decorre de dados concretamente demonstrados - e não de mero temor subjetivo -, além de ser capaz de provocar grave prejuízo à parte autora (artigo 300, caput, CPC). Afinal, dia após dia a foto de TIAGO VIANNA GOMES segue sendo apresentada pela 57a Delegacia de Policia, sem base em qualquer elemento concreto, gerando a possibilidade de inúmeros processos que decorrem de reconhecimentos que, além de tudo, ainda são feitos ao arrepio do artigo 226 do Código de Processo Penal. É patente, ademais, a reversibilidade dos efeitos práticos produzidos pela decisão concessiva da tutela antecipada, por ser nitidamente possível, na eventualidade de sua revogação, o retorno à situação de fato anterior à sua concessão (artigo 300, § 3º, CPC), bastando para tanto reinserir a foto de TIAGO VIANNA GOMES, no álbum de suspeitos da 57a Delegacia de Polícia. Posto isso, reputo presentes, no caso, os requisitos legais para a concessão liminar e, por conseguinte , CONCEDO a liminar para determinar o delegado de polícia da 57a Delegacia exclua a imagem de TIAGO VIANNA GOMES do cadastro de suspeitos da da 57a Delegacia de Polícia Civil, vedando-se, por consequência lógica, a exibição de sua fotografia em qualquer procedimento referente a qualquer crime em apuração e que tenha ocorrido dentro do limite territorial da Comarca de Nilópolis , fixando-se o prazo de 48 horas para efetivação da ordem, contado da intimação da presente decisão (artigo 231, § 3º, CPC e enunciado nº 271 do FPPC), sob pena de multa diária de R$ 1000,00 (mil reais), da responsabilização por crime de desobediência (artigo 536, § 3º, parte final, c/c artigos 297, parágrafo único, e 519, todos do CPC), de representação junto ao órgão correicional da PCERJ e de busca e apreensão do álbum de suspeitos da 57a Delegacia de Polícia. Intime-se o delegado titular da 57a Delegacia de Polícia, a fim de que a autoridade coatora seja notificada e preste as informações, no prazo de 10 dias. Dê-se ciência ao Ministério Público e à Defensoria Pública".

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Decisão nega efeito suspensivo ao recurso (ind.59).

Resposta apresentada pelo agravado (ind.85).

Manifestação da Procuradoria Geral do Estado (ind.123).

Manifestação da Procuradoria de Justiça (ind.125).

É o relatório. Passo à fundamentação.

VOTO

Presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal.

É firme o entendimento jurisprudencial no sentido de que a decisão interlocutória só deve ser revogada ou modificada quando se tratar de decisão teratológica, contrária à Lei ou à evidente prova dos autos. Isso porque se deve prestigiar a conclusão a que chegou o Magistrado em primeira instância, pois detém contato direto com as partes e é quem conduz o processo para um provimento final. Neste sentido, seguem entendimentos sumulados deste Tribunal de Justiça:

Súmula n.º 58, TJRJ "Somente se reforma a concessão ou indeferimento de liminar, se teratológica, contrária à Lei ou à evidente prova dos autos".

Súmula n.º 59, TJRJ "Somente se reforma a decisão concessiva ou não da antecipação de tutela, se teratológica, contrária à Lei ou à evidente prova dos autos".

Afasta-se a preliminar de incompetência. A autoridade apontada como coatora é Delegado de Polícia e o ato combatido diz respeito à atividade policial. Portanto, o Juízo de Direito em matéria criminal é competente para processar o julgar o Mandado de Segurança (art. 53, I, b, Lei Estadual RJ 6.956/2015).

Refuta-se a preliminar de inépcia da petição inicial, pois ausentes quaisquer dos vícios do art. 330, § 1º, CPC. Pela narrativa dos fatos e fundamentos jurídicos apresentados, possível compreender a pretensão formulada pelo impetrante, que apontou a autoridade coatora e o ato

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combatido, não havendo situação que caracterize prejuízo ao exercício do contraditório e da ampla defesa (art. , LV, CRFB).

Rejeita-se a prejudicial de decadência. A Defensoria Pública formalizou pedido, em 18/01/2021, de exclusão da imagem do impetrante do álbum fotográfico da Delegacia de Polícia (ind.47, processo originário), mas não houve resposta. A manutenção da foto naquele catálogo caracteriza omissão ao pleito de exclusão. Em consequência, a foto continua disponível para reiterados atos de reconhecimento, não havendo falar em decadência.

Com relação ao pedido liminar, correta a decisão agravada que, por prudência, determinou a exclusão da foto do agravante, que já respondeu a algumas ações penais originadas exclusivamente em reconhecimento fotográfico, mas posteriormente foi absolvido.

Extrai-se do art. 20 do Código Civil que a imagem de uma pessoa pode ser utilizada quando necessária "à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública".

O reconhecimento fotográfico é meio de prova inominado e lícito, que não contraria expressamente qualquer norma constitucional ou legal.

O Superior Tribunal de Justiça entende que o reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Segue julgado paradigma:

HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DE PESSOA REALIZADO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO. RIGOR PROBATÓRIO. NECESSIDADE PARA EVITAR ERROS JUDICIÁRIOS. PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. O reconhecimento de pessoa, presencialmente ou por fotografia, realizado na fase do inquérito policial, apenas é apto, para identificar o réu e fixar a autoria delitiva, quando observadas as formalidades previstas no art. 226 do Código de Processo Penal e quando corroborado por outras provas

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colhidas na fase judicial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

2. Segundo estudos da Psicologia moderna, são comuns as falhas e os equívocos que podem advir da memória humana e da capacidade de armazenamento de informações. Isso porque a memória pode, ao longo do tempo, se fragmentar e, por fim, se tornar inacessível para a reconstrução do fato. O valor probatório do reconhecimento, portanto, possui considerável grau de subjetivismo, a potencializar falhas e distorções do ato e, consequentemente, causar erros judiciários de efeitos deletérios e muitas vezes irreversíveis.

3. O reconhecimento de pessoas deve, portanto, observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime, não se tratando, como se tem compreendido, de "mera recomendação" do legislador. Em verdade, a inobservância de tal procedimento enseja a nulidade da prova e, portanto, não pode servir de lastro para sua condenação, ainda que confirmado, em juízo, o ato realizado na fase inquisitorial, a menos que outras provas, por si mesmas, conduzam o magistrado a convencer-se acerca da autoria delitiva. Nada obsta, ressalve-se, que o juiz realize, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório.

4. O reconhecimento de pessoa por meio fotográfico é ainda mais problemático, máxime quando se realiza por simples exibição ao reconhecedor de fotos do conjecturado suspeito extraídas de álbuns policiais ou de redes sociais, já previamente selecionadas pela autoridade policial. E, mesmo quando se procura seguir, com adaptações, o procedimento indicado no Código de Processo Penal para o reconhecimento presencial, não há como ignorar que o caráter estático, a qualidade da foto, a ausência de expressões e trejeitos corporais e a quase sempre visualização apenas do busto do suspeito podem comprometer a idoneidade e a confiabilidade do ato.

5. De todo urgente, portanto, que se adote um novo rumo na compreensão dos Tribunais acerca das consequências da atipicidade procedimental do ato de reconhecimento formal de pessoas; não se pode mais referendar a jurisprudência que afirma se tratar de mera recomendação do legislador, o que acaba por permitir a perpetuação desse foco de erros judiciários e, consequentemente, de graves injustiças.

6. É de se exigir que as polícias judiciárias (civis e federal) realizem sua função investigativa comprometidas com o absoluto respeito às formalidades desse meio de prova. E ao

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Ministério Público cumpre o papel de fiscalizar a correta aplicação da lei penal, por ser órgão de controle externo da atividade policial e por sua ínsita função de custos legis, que deflui do desenho constitucional de suas missões, com destaque para a "defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis" (art. 127, caput, da Constituição da Republica), bem assim da sua específica função de "zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos [inclusive, é claro, dos que ele próprio exerce] [...] promovendo as medidas necessárias a sua garantia" (art. 129, II).

7. Na espécie, o reconhecimento do primeiro paciente se deu por meio fotográfico e não seguiu minimamente o roteiro normativo previsto no Código de Processo Penal. Não houve prévia descrição da pessoa a ser reconhecida e não se exibiram outras fotografias de possíveis suspeitos; ao contrário, escolheu a autoridade policial fotos de um suspeito que já cometera outros crimes, mas que absolutamente nada indicava, até então, ter qualquer ligação com o roubo investigado.

8. Sob a égide de um processo penal comprometido com os direitos e os valores positivados na Constituição da Republica, busca-se uma verdade processual em que a reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo se vincula a regras precisas, que assegurem às partes um maior controle sobre a atividade jurisdicional; uma verdade, portanto, obtida de modo "processualmente admissível e válido" (Figueiredo Dias).

9. O primeiro paciente foi reconhecido por fotografia, sem nenhuma observância do procedimento legal, e não houve nenhuma outra prova produzida em seu desfavor. Ademais, as falhas e as inconsistências do suposto reconhecimento - sua altura é de 1,95 m e todos disseram que ele teria por volta de 1,70 m; estavam os assaltantes com o rosto parcialmente coberto; nada relacionado ao crime foi encontrado em seu poder e a autoridade policial nem sequer explicou como teria chegado à suspeita de que poderia ser ele um dos autores do roubo - ficam mais evidentes com as declarações de três das vítimas em juízo, ao negarem a possibilidade de reconhecimento do acusado.

10. Sob tais condições, o ato de reconhecimento do primeiro paciente deve ser declarado absolutamente nulo, com sua consequente absolvição, ante a inexistência, como se deflui da sentença, de qualquer outra prova independente e idônea a formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de roubo que lhe foi imputado.

11. Quanto ao segundo paciente, teria, quando muito - conforme reconheceu o Magistrado sentenciante - emprestado

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o veículo usado pelos assaltantes para chegarem ao restaurante e fugirem do local do delito na posse dos objetos roubados, conduta que não pode ser tida como determinante para a prática do delito, até porque não se logrou demonstrar se efetivamente houve tal empréstimo do automóvel com a prévia ciência de seu uso ilícito por parte da dupla que cometeu o roubo. É de se lhe reconhecer, assim, a causa geral de diminuição de pena prevista no art. 29, § 1º, do Código Penal (participação de menor importância).

12. Conclusões: 1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime;

2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo;

3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento;

4) O reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia (s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.

13. Ordem concedida, para: a) com fundamento no art. 386, VII, do CPP, absolver o paciente Vânio da Silva Gazola em relação à prática do delito objeto do Processo n. XXXXX- 22.2019.8.24.0075, da 1a Vara Criminal da Comarca de Tubarão - SC, ratificada a liminar anteriormente deferida, para determinar a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso; b) reconhecer a causa geral de diminuição relativa à participação de menor importância no tocante ao paciente Igor Tártari Felácio, aplicá- la no patamar de 1/6 e, por conseguinte, reduzir a sua reprimenda para 4 anos, 5 meses e 9 dias de reclusão e pagamento de 10 dias-multa.

Dê-se ciência da decisão aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Presidentes dos Tribunais

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Regionais Federais, bem como ao Ministro da Justiça e Segurança Pública e aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, encarecendo a estes últimos que façam conhecer da decisão os responsáveis por cada unidade policial de investigação.

( HC XXXXX/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020)

Quem faz o reconhecimento deve indicar as características físicas, especialmente o rosto daquele que teve oportunidade de bem olhar durante o crime. A fotografia deve ter plena e eficaz nitidez. O reconhecimento deve estar em harmonia com as demais provas, a fim de que erros não sejam potencializados.

Contudo, a falta de regulamentação legal do cadastro de suspeitos deixa ao crivo de cada autoridade policial a confecção do álbum a ser utilizado naquela circunscrição.

Embora a inegável importância na elucidação de crimes, não pode o referido cadastro ser motivo de violação de direitos de inocentes.

O art. 20, do Código Civil, ressalva que "a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade".

O agravante relata que, em 2016, foi acusado de ter praticado crime de receptação, em processo que tramitou perante a 7a Vara Criminal de Nova Iguaçu, e ao final foi absolvido (ind.35, processo originário).

Em seguida, foi denunciado por 09 vezes por crimes patrimoniais com base em reconhecimentos fotográficos realizados na 57a Delegacia de Polícia Civil de Nilópolis/RJ (ind.36/44, processo originário). Foi absolvido em 05 desses processos, estando os outros 04 ainda em curso.

Narra que os reconhecimentos fotográficos são realizados sem observar o procedimento do art. 226, do CPP, não havendo qualquer indício que o incrimine. Afirma que nesses processos não houve apreensão de quaisquer bens das vítimas ou arma em seu poder.

Neste contexto, o agravante tem o direito de exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade (art. 12, Código Civil).

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Isso porque a inserção da sua imagem em álbum de suspeitos vem o colocando, reiteradas vezes, em situação de desprezo público, com consequências aflitivas decorrentes de investigações policiais por fatos que, a princípio, não teve qualquer participação, ao menos naqueles 05 processos já concluídos com absolvição.

Assim, prudente a decisão agravada que, em cognição sumária, determinou a exclusão da foto do álbum de suspeitos, pois as particularidades do presente caso demonstram reiteradas ofensas à honra, boa fama e respeitabilidade do agravante.

A decisão agravada não possui natureza teratológica, contrária à Lei ou à evidente prova dos autos. Logo, deve ser mantida, não sendo caso de qualquer retoque.

Ante o exposto, voto no sentido de NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO . Mantém-se a sentença tal como prolatada.

Rio de Janeiro, data da assinatura eletrônica.

Desembargador PETERSON BARROSO SIMÃO

Relator

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-rj/1811524500/inteiro-teor-1811524502