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28 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Órgão Julgador

SEGUNDA TURMA

Publicação

Julgamento

Relator

LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
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Inteiro Teor


D.E.
Publicado em 14/08/2008
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.71.08.008047-0/RS
RELATORA
:
Des. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
APELANTE
:
RIO GRANDE ENERGIA S/A - RGE
ADVOGADO
:
Rafael Mallmann e outros
APELANTE
:
AES SUL DISTRIBUIDORA GAUCHA DE ENERGIA S/A
ADVOGADO
:
Vinicius de Oliveira Berni e outros
:
Luis Renato Ferreira da Silva
APELANTE
:
UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO
:
Luis Antonio Alcoba de Freitas
APELANTE
:
AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA - ANEEL
ADVOGADO
:
Heliomar Alencar de Oliveira e outro
APELADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL







EMENTA








AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SEGURO-APAGÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA ANEEL. LEGITIMIDADE DO MPF. ENCARGOS EMERGENCIAIS CRIADOS PELO ARTIGO , e DA LEI Nº 10.438/2002. NATUREZA JURÍDICA TARIFÁRIA. PREÇO PÚBLICO. CONSTITUCIONALIDADE.

1. A recomposição tarifária extraordinária, prevista no artigo 4.º da Lei 10.438/2002, não atingiu os consumidores da Região Sul do País. Ausente, desse modo, interesse de agir do MPF enquanto substituto processual de consumidores dessa região.
2 - A ANEEL não é litisconsorte passiva necessária na lide, pois não tem competência para suspender a exigibilidade do encargo. Do mesmo modo, não se beneficia com o produto da arrecadação da exação atacada.
3. Conquanto no caso em tela se trate de ação civil pública veiculando pretensão jungida a direito individual (inexigibilidade de adicionais sobre a tarifa de energia elétrica e devolução dos valores indevidamente pagos), é evidente a homogeneidade diante da identidade dos milhares de interesses individuais afetados, bem como inegável a necessidade de tratá-los em conjunto, em face da dimensão coletiva e da natureza dos interesses a serem protegidos. Há, assim, legitimidade do Parquet para a presente demanda, já que a defesa dos interesses individuais homogêneos é atribuição ínsita às suas funções institucionais.
4. A presença das concessionárias de energia elétrica - agentes arrecadadores dos valores controvertidos, com poderes para exigi-los e impor sanções ao usuário pelo não-pagamento - no pólo passivo condiciona a eficácia da sentença, pois ausentes as concessionárias, não estariam elas sujeitas aos efeitos da sentença; presentes, então, os requisitos de formação do litisconsórcio necessário. Confere-se, com a integração delas à lide, estabilidade às questões decididas. Por outro fundamento ainda, as concessionárias de energia são destinatárias de um dos encargos debatidos, com o qual cobrem parte dos custos com a aquisição de energia no âmbito do Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE). Há, assim, possibilidade de imediata repercussão em sua esfera jurídica, pelo que está legitimada passivamente para o feito.
5 - A energia elétrica é um serviço disponibilizado por meio de concessionária, cuja contraprestação do serviço não se configura como tributo, muito menos da espécie de contribuição.
6 - Havendo previsão legal de criação de adicionais tarifários para manter a continuidade do fornecimento de energia elétrica, não há falar em inconstitucionalidade, pois os encargos em exame são adicionais tarifários.
7 - A Corte Especial deste Tribunal, em julgamento da Argüição de Inconstitucionalidade nº 2002.72.05.002803-3, da relatoria do Des. Luiz Fernando Wowk Penteado, por maioria de votos, reconheceu a constitucionalidade do Encargo de Capacidade Emergencial e demais encargos tarifários instituídos pelo art. , §§ 1º e da Lei 10.438/2002.











ACÓRDÃO










Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, extinguir o processo, sem julgamento do mérito, por falta de interesse de agir, quanto ao pedido relativo ao art. 4.º da Lei n.º 10.438/02, e, também de ofício, reconheçer a ilegitimidade passiva da ANEEL, extinguindo o processo sem julgamento do mérito em relação a ela, e no mérito, dar provimento às apelações e à remessa oficial para julgar improcedente a ação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de julho de 2008.




































Des. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
Relatora


Documento eletrônico assinado digitalmente pelo (a) Des. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, Relatora , conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e Portaria do TRF4R nº 195 de 16 de dezembro de 2004 (DJU de 24/12/2004 pg. 25). A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://www.trf4.gov.br/trf4/processos/verifica.php informando o código verificador 2348217v3 e, se solicitado, o código CRC 9ECEDAC4 .
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Signatário (a): LUCIANE AMARAL CORREA MUNCH
Nº de Série do Certificado: 42C50813
Data e Hora: 23/07/2008 13:38:03



APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.71.08.008047-0/RS
RELATORA
:
Des. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
APELANTE
:
RIO GRANDE ENERGIA S/A - RGE
ADVOGADO
:
Rafael Mallmann e outros
APELANTE
:
AES SUL DISTRIBUIDORA GAUCHA DE ENERGIA S/A
ADVOGADO
:
Vinicius de Oliveira Berni e outros
:
Luis Renato Ferreira da Silva
APELANTE
:
UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO
:
Luis Antonio Alcoba de Freitas
APELANTE
:
AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA - ANEEL
ADVOGADO
:
Heliomar Alencar de Oliveira e outro
APELADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
























RELATÓRIO
























O Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Pública contra a União, Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Rio Grande Energia S.A. (RGE), Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial (CBEE) e AES-SUL - Distribuidora Gaúcha de Energia S/A, objetivando o reconhecimento da inconstitucionalidade e ilegalidade dos encargos instituídos pelos artigos 1.º, 2.º e 4.º da Lei n.º 10.438/2002 (conversão da Medida Provisória n.º 14/2001), e a decorrente inexigibilidade deles em relação aos consumidores da Circunscrição Judiciária de Novo Hamburgo, com condenação das rés a devolverem os valores cobrados a tais títulos.
A rés contestaram o feito.
Sentenciando, o MM. Juízo a quo, entendendo tratar-se precipuamente, de questão concernente à relação de consumo, reconheceu a legitimidade ativa do Ministério Público, afastou as alegações de inadequação da via eleita, de falta de interesse de agir, de impossibilidade jurídica do pedido e de inépcia da inicial. Ainda em preliminar, reconheceu a legitimidade passiva da rés.
No mérito, julgou procedente o pedido, reconhecendo a inconstitucionalidade dos encargos instituídos pelos artigos 1.º, 2.º e 4.º da Lei n.º 10.438/2002 (conversão da Medida Provisória n.º 14/2001).
Condenou, ainda, as rés ao pagamento de honorários advocatícios, estipulados em R$ 2.000,00.

Inconformadas, apelaram as rés, repisando os argumentos das contestações.
Com contra-razões oferecidas pelo Ministério Público Federal subiram os autos.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento dos apelos.

























VOTO
























Trata-se de apelação contra sentença que, em ação civil pública promovida pelo MPF, reconheceu a ilegalidade dos encargos sobre energia elétrica criados pela Lei n.º 10.438/02.

PRELIMINAR

A relação debatida pode assim ser resumida: a CBEE é destinatária de dois dos três encargos criados, com os quais financia a contratação de capacidade emergencial e a aquisição de energia elétrica emergencial. A União, subsidiariamente, garante os contratos firmados pela CBEE que atendam aos objetivos sociais desta; o terceiro encargo cobre parte dos custos das concessionárias de energia com a aquisição de energia no âmbito do Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE). O MPF pretende desobrigar do pagamento de tais encargos os consumidores da Circunscrição Judiciária de Novo Hamburgo, bem como a devolução, aos consumidores, dos valores pagos a tais títulos. Além disso, verifica-se (fls. 4 e 1.188) que a ação civil objetiva, ainda, afastar a cobrança decorrente da aplicação do art. 4.º da Lei n.º 10.438/02.

Falta de interesse de agir

A recomposição tarifária extraordinária, prevista no referido artigo, não atingiu os consumidores da Região Sul do País:
Art. 4.º - A ANEEL procederá à recomposição tarifária extraordinária prevista no art. 28 da Medida Provisória n o 2.198-5, de 24 de agosto de 2001, sem prejuízo do reajuste tarifário anual previsto nos contratos de concessão de serviços públicos de distribuição de energia elétrica. § 1.º - A recomposição tarifária extraordinária de que trata o caput será implementada por meio de aplicação às tarifas de fornecimento de energia elétrica, pelo prazo e valor máximos a serem divulgados por concessionária, em ato da ANEEL a ser publicado até 30 de agosto de 2002, dos seguintes índices: I - até 2,9% (dois vírgula nove por cento), para os consumidores integrantes das Classes Residencial, Rural e iluminação pública;
II - até 7,9% (sete vírgula nove por cento), para os demais consumidores; III - § 2.º Não se aplicam os índices previstos no § 1.º à tarifa de energia elétrica devida pelos consumidores integrantes da Subclasse Residencial Baixa Renda. § 3.º A recomposição tarifária extraordinária será aplicada tão-somente às áreas do Sistema Elétrico Interligado Nacional sujeitas, por disposição expressa de resolução da GCE, ao Programa Emergencial de Redução do Consumo de Energia Elétrica - Percee, e aos seguintes períodos: I - desde 1.º de junho de 2001 até 28 de fevereiro de 2002, para os consumidores atendidos por meio dos Sistemas Interligados das Regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste ; e
II - desde 1.º de julho de 2001 até 31 de dezembro de 2001, para os consumidores dos Estados do Pará e do Tocantins e da parte do Estado do Maranhão atendida pelo Sistema Interligado Norte . [. . .]"(grifei)

Constata-se que o pedido em nada será útil ao apelante, pois inexiste ofensa jurídica a ser afastada, evidenciando-se a ausência de interesse de agir.
Diante do exposto, com base no § 3.º do art. 267 do CPC, de ofício, julgo extinto o processo, sem julgamento de mérito, por falta de interesse de agir quanto ao art. 4.º da Lei n.º 10.438/02.

Adequação da Via Processual

O objeto da ação civil pública é a proteção jurisdicional de interesses coletivos em sentido amplo, sem prejuízo do cabimento das demais formas de defesa coletiva legalmente previstas. A doutrina identifica o princípio constitucional da não-taxatividade da ação civil pública, significando que o espectro de utilização desse meio processual é vasto, não se admitindo interpretação restritiva - legal ou judicial - de cabimento dela diante de interesses ou direitos coletivos em sua acepção lata.

Os adicionais debatidos foram criados como sendo adicionais tarifários, não como tributos . O Ministério Público sustenta, como causa de pedir, a inconstitucionalidade da imposição desses encargos, podendo ser identificados os seguintes fundamentos: a) os custos do aumento da oferta de energia são responsabilidade das concessionárias e do Estado, e não podem ser repassados aos consumidores; b) os critérios de fixação das tarifas de energia já contemplam o pagamento pela continuidade do serviço, não podendo ser cobrada tal finalidade a título de adicional; c) a especificidade da Região Sul impede a cobrança dos encargos dos usuários dessa Região; d) os encargos possuem natureza tributária e a instituição deles violou normas e princípios tributários.

Não obstante um dos fundamentos dizer respeito à questão tributária, verifica-se que há outros, distintos e suficientes, de natureza civil (responsabilidade de terceiro) e administrativa (composição da tarifa e motivação do ato), para, isoladamente, dar vazão à analise do pleito.

Dessa forma, passando ao largo da legalidade da restrição imposta pelo parágrafo único do art. 1.º da Lei n.º 7.347/85, acrescentado pela MP XXXXX-35/01, que veda a utilização da ação civil pública para veicular pretensão envolvendo tributos, entendo cabível a presente demanda, tendo em vista existirem fundamentos diversos do tributário a justificar o processamento do pedido.

Com relação à possibilidade de declaração de inconstitucionalidade em sede de ação civil pública, evidentemente que esta via processual não pode ser utilizada como substitutiva da ação direta de inconstitucionalidade, sob pena de adentrar na esfera de competência do Supremo Tribunal Federal, a quem incumbe o julgamento da inconstitucionalidade em controle concentrado.

Diferente é a situação na qual a questão da inconstitucionalidade se apresenta apenas como prejudicial à análise da questão de fundo, quando poderá, ainda mediante controle difuso (que cabe a qualquer juiz ou tribunal), ser apreciada, produzindo efeitos incidenter tantum , o que não subtrai do Supremo Tribunal Federal o controle do julgado. Gregório Assagra de Almeida, em obra especializada sobre direito processual coletivo, assevera:

A ação civil pública é instrumento de se buscar a tutela jurisdicional de um direito coletivo em sentido amplo (difuso, coletivo ou individuais coletivos) diante de uma lesão ou ameaça de lesão ocorrida no plano da concretude. Não se trata, assim, de processo objetivo. É processo de partes, em que se discute direito coletivo subjetivo pertencente a uma comunidade ou coletividade de pessoas.
E mais: o pedido formulado em sede de ação civil pública em nada se confunde com o pedido formulado em sede de controle direto e concentrado da constitucionalidade das leis e atos normativos. Aqui se pede a declaração da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade. Na ação civil pública , o que se pede é a condenação, constituição ou declaração de que possa ser suficiente para reparar o dano causado ou evitar que a ameaça do dano a direito coletivo se consume. A inconstitucionalidade da lei ou ato normativo é deduzida na causa de pedir, como um dos fundamentos para o pedido de tutela de direito coletivo lesado ou ameaçado. [. . .]
(Direito Processual Coletivo Brasileiro - Um novo ramo do direito processual, Ed. Saraiva, 2003, p. 603-604) (grifos no original)

O E. STF vem se manifestando pela possibilidade desse controle difuso, conforme se vê de julgamento de Reclamação naquela Corte, abaixo transcrito:

EMENTA: - Reclamação. 2. Ação civil pública contra instituição bancária, objetivando a condenação da ré ao pagamento da" diferença entre a inflação do mês de março de 1990, apurada pelo IBGE, e o índice aplicado para crédito nas cadernetas de poupança, com vencimento entre 14 a 30 de abril de 1990, mais juros de 0,5% ao mês, correção sobre o saldo, devendo o valor a ser pago a cada um fixar-se em liqüidação de sentença ". 3. Ação julgada procedente em ambas as instâncias, havendo sido interpostos recursos especial e extraordinário. 4. Reclamação em que se sustenta que o acórdão da Corte reclamada, ao manter a sentença, estabeleceu"uma inconstitucionalidade no plano nacional, em relação a alguns aspectos da Lei nº 8024/1990, que somente ao Supremo Tribunal Federal caberia decretar". 5. Não se trata de hipótese suscetível de confronto com o precedente da Corte na Reclamação nº 434-1 - SP, onde se fazia inequívoco que o objetivo da ação civil pública era declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 7.844/1992, do Estado de São Paulo. 6. No caso concreto, diferentemente, a ação objetiva relação jurídica decorrente de contrato expressamente identificado, a qual estaria sendo alcançada por norma legal subseqüente, cuja aplicação levaria a ferir direito subjetivo dos substituídos. 7. Na ação civil pública, ora em julgamento, dá-se controle de constitucionalidade da Lei nº 8024/1990, por via difusa . Mesmo admitindo que a decisão em exame afasta a incidência de Lei que seria aplicável à hipótese concreta, por ferir direito adquirido e ato jurídico perfeito, certo está que o acórdão respectivo não fica imune ao controle do Supremo Tribunal Federal, desde logo, à vista do art. 102, III, letra b, da Lei Maior, eis que decisão definitiva de Corte local terá reconhecido a inconstitucionalidade de lei federal, ao dirimir determinado conflito de interesses. Manifesta-se, dessa maneira, a convivência dos dois sistemas de controle de constitucionalidade: a mesma lei federal ou estadual poderá ter declarada sua invalidade, quer, em abstrato, na via concentrada, originariamente, pelo STF ( CF, art. 102, I, a), quer na via difusa, incidenter tantum , ao ensejo do desate de controvérsia, na defesa de direitos subjetivos de partes interessadas, afastando-se sua incidência no caso concreto em julgamento. 8. Nas ações coletivas, não se nega, à evidência, também, a possibilidade da declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum , de lei ou ato normativo federal ou local. 9. A eficácia erga omnes da decisão, na ação civil pública, ut art. 16, da Lei nº 7347/1997, não subtrai o julgado do controle das instâncias superiores, inclusive do STF. No caso concreto, por exemplo, já se interpôs recurso extraordinário, relativamente ao qual, em situações graves, é viável emprestar-se, ademais, efeito suspensivo. 10. Em reclamação, onde sustentada a usurpação, pela Corte local, de competência do Supremo Tribunal Federal, não cabe, em tese, discutir em torno da eficácia da sentença na ação civil pública (Lei nº 7347/1985, art. 16), o que poderá, entretanto, constituir, eventualmente, tema do recurso extraordinário. 11. Reclamação julgada improcedente, cassando-se a liminar.
( Rcl XXXXX/SP, Rel. Min. Neri da Silveira, DJU 05/12/2003, pleno, maioria) (grifos no original)

Portanto, a via processual da ação civil pública é cabível para o controle constitucional incidente.

Legitimidade Ativa do Ministério Público

Observando-se a evolução histórico-legislativa das atribuições do Ministério Público, verifica-se que ele deixou de ser apenas o guardião das leis ( custos legis ), assumindo, principalmente após o advento da atual Constituição, o papel de guardião dos interesses da sociedade, destacando-se, com esse novo perfil, como principal legitimado para as ações coletivas. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 127, dispõe que:

O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Nos incisos do art. 129 da Magna Carta denota-se a amplificação máxima da legitimidade do Ministério Público para a defesa dos interesses e direitos coletivos:

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

Gregório Assagra de Almeida sustenta que a afirmação da defesa de direito coletivo é princípio gerador da presunção de legitimidade do Ministério Público:

O perfil constitucional do Ministério Público, como instituição vocacionada para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, revela que, na defesa dos interesses massificados, este atua legitimado por um princípio constitucional, que constitui o princípio da presunção constitucional de legitimidade pela afirmação de direito . Basta que haja afirmação de direito difuso, coletivo ou individuais homogêneos, para que esteja legitimado o Ministério Público para agir, seja no campo jurisdicional seja no campo extrajurisdicional. É o que se extrai dos arts. 127, caput , e 129, II, III e IX, da CF.
(Op. Cit., p. 516-517) (grifos no original)

No caso dos autos, o Ministério Público Federal afirma estar em defesa dos direitos dos consumidores de energia elétrica, o que, em princípio, o legitimaria para a ação.
Não se debatem, contudo, na presente demanda, interesses difusos, cujos titulares são indetermináveis, nem coletivos, afetos a titulares indeterminados, mas determináveis, sendo, em ambos os casos, indivisível o objeto. Cuida-se, sim, de proteção de interesses individuais, visto que os seus titulares - os consumidores de energia elétrica - são perfeitamente identificáveis, assim como o seu objeto - inexigibilidade dos adicionais tarifários - que, embora de origem comum, é divisível, de modo que a ação judicial poderia perfeitamente ser exercida individualmente pelas pessoas interessadas. Todavia, a legislação protetiva dos direitos coletivos avançou também no sentido de proteger os direitos individuais, quando possível e necessário considerá-los homogeneamente: são, segundo a doutrina, designados como acidentalmente coletivos, para o fim de possibilitar a proteção coletiva deles.

Nesse contexto, a Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, incluiu, em seu art. 21, com a redação dada pela Lei n.º 8.078/90, como passíveis de proteção através de ação civil pública, os interesses ou direitos individuais homogêneos. Ademais, a Lei Complementar n.º 75, de 20 de maio de 1993, prescreve, dentre as competências do Ministério Público da União, a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção de interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos (art. 6º, VII, d ).

Conquanto no caso em tela se trate de ação civil pública veiculando pretensão jungida a direito individual (inexigibilidade de adicionais sobre a tarifa de energia elétrica), é evidente a homogeneidade diante da identidade dos milhares de interesses individuais afetados, bem como inegável a necessidade de tratá-los em conjunto, em face da dimensão coletiva e da natureza dos interesses a serem protegidos; desta forma, não há como negar, data venia aos que entendem diversamente, a legitimidade do Parquet para a presente demanda, já que, como se viu, tal atribuição é ínsita às suas funções institucionais, lastreadas constitucional e legalmente.

Conforme sustentou o Desembargador Federal Teori Zavascki, hoje Ministro do Superior Tribunal de Justiça, no artigo " O Ministério Público e a Defesa de Direitos Individuais Homogêneos "(Separata da Revista de Informação Legislativa nº 117/173), " há certos interesses individuais - de pessoas privadas e de pessoas públicas - que, quando visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, têm a força de transcender a esfera de interesses puramente individuais e passar a representar, mais do que a soma de interesses dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da comunidade como um todo ". Quanto aos mesmos, arrematou o eminente Magistrado:

"Em suma: ao Ministério Público não cabe, evidentemente, bater-se na defesa de direitos ou interesses individuais, ainda que, por terem origem comum, possam ser classificados como homogêneos. Interesses individuais homogêneos não são, necessariamente, interesses sociais. Entretanto, quando tais interesses individuais homogêneos, mais do que a soma de situações particulares, possam ser qualificados como de interesse comunitário, nos termos acima enunciados, não há dúvida que o Ministério Público estará legitimado a atuar".

Perfilhando o mesmo entendimento, o eminente Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon apresentou ilustrativo voto-vista no julgamento majoritário dos Embargos Infringentes em AC nº 1999.04.01.106695- 3/PR - de que foi relator o Des. Federal Wellington Mendes de Almeida, na sessão da 1ª Seção, em 02.10.2002 -, fazendo análise do contexto histórico do constituinte de 1988 e da ratio legis da norma constitucional que instituiu a faculdade de o Ministério Público ajuizar a ação civil pública. Colaciono excerto do referido voto:

Em primeira abordagem, quero deixar claro que o argumento de que a legitimidade para a defesa de direitos individuais homogêneos restringe-se às causas em que se substituem os consumidores cede ante uma verificação do histórico do tratamento legal dispensado à matéria. É que, quando a Constituição de 1988 foi elaborada, instituiu-se a faculdade de o Ministério Público manejar novel instrumento processual - a ação civil pública - na 'proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos', sem referência a 'direitos individuais homogêneos'. E tal omissão ocorreu tão-somente porque à época não se emprestava qualquer relevo à distinção entre os direitos coletivos e os individuais homogêneos, esboçada apenas para efeitos didáticos. Quando se pretendeu dar vida concreta ao permissivo constitucional vedando a correção das prestações da TR - surgiu como tese de contestação o discriminen segundo a divisibilidade ou não do interesse perseguido, colocação esta que restou vencida exatamente porque se entendeu que irrelevante a possibilidade de atendimento de reivindicações individuais, em razão da enorme dimensão social do bem perseguido. À mesma ocasião, reunidos estavam os notáveis que redigiam o anteprojeto do Código do Consumidor; e, exatamente para evitar que a controvérsia se repetisse, apressaram-se eles em deixar claro que a substituição processual pelo Parquet também seria possível em se tratando de direitos individuais homogêneos. Daí porque a positivação na literalidade somente se encontra no Código do Consumidor; fato que jamais obstaculizou que se considerasse autorizado o Ministério Público a brandir a ação civil pública na defesa de direitos que, ainda que divisíveis, apresentassem conotação social relevante a ponto de justificar o tratamento em ação única.

Portanto, não é qualquer interesse individual que repousa sob a égide da ação coletiva, mas só aquele que tenha cunho social, ocasião em que será perfeitamente justificada a atuação ministerial.

Na mesma linha de entendimento, decidiu a Corte Especial do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, nos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 114.908/SP (Relatora Ministra Eliana Calmon, por maioria, DJU 20.05.2002), a teor da seguinte ementa:

PROCESSO CIVIL AÇÃO CIVIL PÚBLICA - MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE.
1. O Ministério Público Federal está legitimado a recorrer à instância especial nas ações ajuizadas pelo Ministério Público Estadual.
2. O MP está legitimado a defender direitos individuais homogêneos, quando tais direitos têm repercussão no interesse público.
3. Questão referente a contrato de locação, formulado como contrato de adesão pelas empresas locadoras, com exigência da Taxa Imobiliária para inquilinos, é de interesse público pela repercussão das locações na sociedade.
4. Embargos de divergência conhecidos e recebidos.

Por fim, ainda que se admita a distinção entre consumidor e usuário de serviço público, essa diferenciação poderia afetar, quando muito, o grau de proteção deste último, ao qual não se aplicariam, em toda sua extensão, os direitos assegurados aos primeiros pelo microssistema do CDC; todavia, para fins de legitimação do Ministério Público, nenhuma implicação teriam, pois tal distinção não retira a natureza coletiva dos interesses em questão.

Desse modo, entendo ser o Ministério Público parte legítima para propor a presente ação civil pública.

Legitimidade Passiva

Quanto à legitimidade passiva para a demanda, o Juízo Singular manteve no pólo passivo a União, a ANEEL, a CBEE e as concessionárias de energia elétrica. Quanto às duas últimas, correta a decisão, por tratar-se de destinatárias dos valores controvertidos.

Contudo, de ofício e diante da alegação, de ilegitimidade passiva da RGE, da AES - SUL e da União, analiso os integrantes do pólo passivo.

Legitimidade passiva das concessionárias de energia

A presença da RGE e AES - SUL, concessionárias que atuam na área da Circunscrição de Novo Hamburgo - agentes arrecadadores dos valores controvertidos, com poderes para exigi-los e impor sanções ao usuário pelo não-pagamento - no pólo passivo condiciona a eficácia da sentença, pois ausente a concessionária, não estaria ela sujeita aos efeitos da sentença; presentes, então, os requisitos de formação do litisconsórcio necessário. Confere-se, com a integração delas à lide, estabilidade às questões decididas. Ainda por outro fundamento, as concessionárias de energia são destinatárias do terceiro encargo antes referido, com o qual cobrem parte dos custos com a aquisição de energia no âmbito do Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE). Há, assim, possibilidade de imediata repercussão na esfera jurídica delas, pelo que estão legitimadas passivamente para o feito.

Ilegitimidade passiva da ANEEL

A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), dentro de suas atribuições institucionais, ficou encarregada, segundo disposto na Lei n.º 10.438/02, de regulamentar a cobrança dos encargos debatidos.

Todavia, a simples regulamentação da matéria não lhe confere legitimidade, nem como autoridade coatora, nos casos de mandado de segurança, nem como litisconsorte, nos demais processos, pois destes últimos, como no atual, não decorrem alterações na esfera jurídica da referida Agência.

Portanto, incorreta a presença da ANEEL no pólo passivo.

Assim, tendo em vista serem as condições de desenvolvimento regular da ação matéria de ordem púbica, de ofício, com base no art. 267, VI, do CPC, reconheço a ilegitimidade passiva da ANEEL, e extingo o processo sem julgamento do mérito em relação ela


legitimidade passiva da União

O art. 5.º da Lei 9.469/97 autoriza a União a intervir nas causas em que forem partes empresas públicas.

A Medida Provisória n.º 2.209/2001, em seu art. 1.º, § 5.º, autorizou a União a oferecer garantia nos contratos celebrados pela CBEE - uma empresa pública, conforme caput do artigo referido. Já o artigo 7.º da Lei n.º 10.438/2002, autorizou a União a emitir títulos da Divida Pública, como garantia dos contratos firmados pela CBEE.
Tendo havido a extinção da CBEE, com previsão legal (artigo 20 da Lei 8.029/90) de que a União passe a ser sua sucessora, resta mantida no pólo passivo nesta condição, considerando-se que já integrava a relação processual.


Mérito

A Lei nº 10.438/2002, criou, em seu artigo , §§ 1º e , os encargos ora em exame, verbis:

" Art. 1o Os custos, inclusive de natureza operacional, tributária e administrativa, relativos à aquisição de energia elétrica (kWh) e à contratação de capacidade de geração ou potência (kW) pela Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial - CBEE serão rateados entre todas as classes de consumidores finais atendidas pelo Sistema Elétrico Nacional Interligado, proporcionalmente ao consumo individual verificado, mediante adicional tarifário específico, segundo regulamentação a ser estabelecida pela Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel.
§ 1o O rateio dos custos relativos à contratação de capacidade de geração ou potência (kW) referidos no caput não se aplica ao consumidor integrante da Subclasse Residencial Baixa Renda, assim considerado aquele que, atendido por circuito monofásico, tenha consumo mensal inferior a 80 kWh/mês ou cujo consumo situe-se entre 80 e 220 kWh/mês, neste caso desde que observe o máximo regional compreendido na faixa e não seja excluído da subclasse por outros critérios de enquadramento a serem definidos pela Aneel.
§ 2o O rateio dos custos relativos à aquisição de energia elétrica (kWh) referidos no caput não se aplica ao consumidor cujo consumo mensal seja inferior a 350 kWh integrante da Classe Residencial e 700 kWh integrante da Classe Rural.
(...) "

A ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica -, por meio da Resolução nº 24999/2002, nominou Encargo de Capacidade Emergencial - ECE - aquele decorrente da contratação de capacidade de geração ou potência; e Encargo de Aquisição de Energia Elétrica Emergencial - EAEE - aquele utilizado para aquisição de energia elétrica contratada.

Ambos têm a mesma finalidade: possibilitar a continuidade do fornecimento de energia elétrica no caso de futuro racionamento. Destinam-se, portanto, a salvaguardar o consumidor na hipótese de excessivo aumento de tarifas, impedindo que a aquisição de energia elétrica passe a ter um custo muito elevado. De outro lado, garantem a operacionalização das concessionárias, e, com isso, a continuidade da prestação do serviço.

Os valores arrecadados destacadamente nas tarifas de energia elétrica são gerenciados pela CBEE - Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica - empresa pública federal criada pelo Decreto nº 3.900/2001 para viabilizar o aumento de capacidade de geração e oferta de energia elétrica em curto prazo. Para isso, a CBEE gerencia os valores utilizando-os para a contratação de capacidade de geração.

Para melhor entendimento, cumpre, aqui uma breve digressão a respeito do Sistema Nacional Interligado. A energia elétrica é um bem econômico negociável e não armazenável. Sua circulação se dá pelo Sistema Nacional Interligado, que é constituído por linhas de transmissão e distribuição que ligam as geradoras de energia elétrica aos consumidores de todo o país. A função da Administração é coordenar essas operações de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, sempre visando à continuidade do serviço.

Dentro desse contexto se insere a CBEE, que, ao contratar capacidade de geração, repassa os valores dos encargos às empresas distribuidoras. Pode-se afirmar que a Comercializadora Brasileira de Energia Elétrica não é o destinatário dos valores pagos.

Como bem disse o Ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 9-6/DF:

"Essa tarifa especial, ademais, destina-se a remunerar custos ampliados das concessionárias e distribuidoras de energia elétrica, com a execução das resoluções da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica. Tem-se, com essa tarifa especial, redistribuição, de forma isonômica, de custos, sob condições de escassez: financiamento dos bônus, por exemplo, aos que poupam mais, o que foi ressaltado nos votos que me precederam, especialmente no voto do Ministro Nelson Jobim. Parece-me procedente, de outro lado, o argumento no sentido de que, em sistema de escassez do serviço, possa o legislador, realizando política tarifária que lhe incumbiu a Constituição, cobrar mais caro pelo serviço que excede à cota destinada ao consumidor. Tudo isso comporta-se no conceito de política tarifária, tornando-o realidade no mundo das coisas."

Com isso, conclui-se que as atribuições da CBEE para garantir o fornecimento de energia poderiam ser realizadas por concessionárias de serviço público. Sua criação teve o intuito de reduzir custos e equilibrar a oferta e a demanda, garantindo a modicidade dos preços e evitando especulações que visam puramente ao lucro. Ora, se as tarefas da empresa pública poderiam ser realizadas por concessionária, não há concluir pela natureza tributária dos encargos. Fica claro que os valores cobrados são adicionais à tarifa.

Saliente-se, ainda, que a intervenção de empresa pública não transforma os encargos em contribuições de intervenção no domínio econômico. O fato de a União intervir no setor de energia elétrica, regulando o mercado e assegurando a distribuição do produto, por si só, não atribui aos encargos natureza fiscal.

Se, por um lado, o artigo 173 da Constituição Federal limita a exploração de atividade econômica diretamente pelo Estado aos casos de imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo, por outro lado, o artigo 175 do mesmo diploma autoriza a intervenção estatal nos casos de prestação de serviços públicos, verbis:

"Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado."

Essa intervenção não significa, entretanto, que o serviço seja diretamente prestado pelo Estado. O que o Poder Público fez, ao instituir os presentes adicionais tarifários, foi regular a política tarifária, como bem analisou o Ministro Carlos Velloso em seu voto já citado.

Desse modo, a energia elétrica é um serviço disponibilizado por meio de concessionária, cuja contraprestação do serviço não se configura como tributo, muito menos da espécie de contribuição. Os encargos cobrados continuam sendo tarifa.

Deve-se, ainda, considerar que os encargos estão atrelados ao consumo de energia elétrica, portanto não são compulsórios. Consoante § 4º do artigo 176 da Constituição Federal:"não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia elétrica renovável de capacidade reduzida."Desse modo, a utilização do serviço não é compulsória.

Sobre a facultatividade da utilização do fornecimento de energia elétrica, o Ministro Moreira Alves ensina:

"O problema, sim, é o de saber se o indivíduo, diante do serviço público prestado pelo Estado, tem, pelo menos, o direito de não usar dele, sem sofrer punição por isso. Assim, por exemplo, o serviço de eletricidade é prestado pelo Estado ou por concessionário dele, mas não é compulsório, porque se alguém quiser não usar dele (preferir usar de fogão a carvão ou a gás engarrafado, e iluminar-se com vela ou lampião) não está obrigado a valer-se desse serviço, e, portanto, não está obrigado a pagar por ele. O mesmo sucede com a passagem de ônibus, que só é devida se o indivíduo se utiliza do veículo, sem estar obrigado a essa utilização, porque poderá ir ao seu destino a pé, de bicicleta, de taxi, de carro próprio, ou até mesmo não ir."(STF, Pleno, RE nº 89.876/RJ. Relator Min. Moreira Alves. j 04.09.1980)

No fornecimento de energia elétrica, os deveres e direitos dos usuários e prestadores de serviço nascem de um contrato de adesão. A tarifa de energia elétrica corresponde à venda de um bem, não configurando obrigação ex lege, mas sim obrigação contratual nascida de relação jurídica de direito privado.

Segundo o artigo do Código Tributário Nacional,"tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada."É, portanto, obrigação compulsória decorrente de lei. Como já visto, a utilização dos serviços de energia elétrica é facultativa, o que afasta a natureza tributária da contraprestação e, também, dos adicionais tarifários.

Portanto, os encargos ora em análise não têm um dos traços característicos dos tributos, a compulsoriedade (art. do Código Tributário Nacional).

Também na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 9-6/DF, o Ministro Neri da Silveira pondera:

"Parecem-me razoáveis as medidas adotadas pelo governo central a fim de amenizar o problema instaurado, qual seja, a crise energética. A razoabilidade das restrições estabelecidas pelo diploma com força de lei, pois, encontra amparo na própria Constituição, tendo em vista a natureza da causa e o interesse público.
Por outro lado, cabe evidenciar que a tarifa especial não constitui tributo, mas sim espécie de preço público. É contraprestação destinada a remunerar as pessoas jurídicas de direito privado (concessionárias ou permissionárias) que exploram os serviços de energia elétrica.
Ressalte-se que a tarifa cobrada pelo fornecimento de energia elétrica, por expressa determinação da medida provisória, destina-se a remunerar os custos das concessionárias e redistribuir, de modo isonômico, o bônus previsto aos consumidores que poupam; e, ainda, compensar revisões tarifárias. Destina-se, pois, a remunerar atividade privada de exploração do fornecimento de energia elétrica, e não a Fazenda Pública, como inerente aos tributos em geral."

Deste modo, entende-se que o Encargo de Capacidade Emergencial e o Encargo de Aquisição de Energia Elétrica Emergencial, ora em discussão, têm a mesma natureza das tarifas de energia elétrica, portanto, não se aplicam as normas constitucionais relativas aos tributos.

Como já foi anteriormente mencionado, os adicionais tarifários foram instituídos para garantir a modicidade de preço e a continuidade na prestação do serviço na hipótese de racionamento de energia elétrica. A Lei nº 8.987/95, que dispõe acerca do regime de concessões e permissões de serviços públicos, prevê em seu artigo que, sem prejuízo do disposto na Lei nº 8.078/90, é direito do usuário receber serviço adequado. A obrigação de manter serviço adequado, aliás, já estava prevista no artigo 175, IV, da Constituição Federal.

Entenda-se por serviço adequado aquele" que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas "(art. , § 1º da Lei nº 8.987/95).

O fornecimento de energia elétrica, portanto, é um serviço prestado por concessionárias sujeitas à Lei nº 8.987/95 e, também, ao Código de Defesa do Consumidor - Lei nº 8.078/90. Segundo este último diploma legal:

"Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código."

Assim, havendo previsão legal, como há no caso concreto (Lei nº 10.438/2002), de criação de adicionais tarifários para manter a continuidade do fornecimento de energia elétrica, não há falar em inconstitucionalidade, pois, como amplamente demonstrado, os encargos em exame são verdadeiros adicionais tarifários.

Tal entendimento também encontra amparo em decisão do Superior Tribunal de Justiça, conforme se pode ver no acórdão cuja ementa transcreve-se a seguir:

"Origem: STJ - SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Classe: RESP - RECURSO ESPECIAL - 692550
Processo: XXXXX UF: RS Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Data da decisão: 16/12/2004 Documento: STJ000598112
Fonte DJ DATA:21/03/2005 PÁGINA:292
Relator (a) JOSÉ DELGADO
CONSTITUCIONAL. ENCARGO TARIFÁRIO. LEI 10.438, DE 26.04.2002. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR. IMPOSSIBILIDADE.
1. "omissis".
2. O encargo tarifário criado pela Lei nº 10.438, de 26.04.2002, tem natureza de preço público. Ausência dos pressupostos para concessão de liminar em mandado de segurança que visa o seu não-pagamento.
3. Inviabilidade de depósito judicial para sustar a sua inclusão na fatura de energia elétrica. Manutenção de acórdão que reconheceu inexistir direito à efetivação de depósito e sustação do seu pagamento.
4. Recurso especial improvido."

Ademais, a Corte Especial deste Tribunal, ao julgar a argüição de inconstitucionalidade n.º 2002.72.05.002803-3, em acórdão da relatoria do Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, por maioria, reconheceu a constitucionalidade dos encargos em questão:

" APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2002.72.05.002803-3/SC
RELATOR : Des. Federal DIRCEU DE ALMEIDA SOARES
APELANTE : POSTO ISLEB LTDA/
ADVOGADO : Gustavo Nascimento Fiuza Vecchietti e outros
APELANTE : UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO : Luís Henrique Martins dos Anjos
APELADO : (Os mesmos)
: COMERCIALIZADORA BRASILEIRA DE ENERGIA ELETRICA - CBEE
ADVOGADO : Eduardo Augusto de Oliveira Ramires e outros
APELADO : AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA - ANEEL
ADVOGADO : Irisnei Leite de Andrade
APELADO : CENTRAIS ELETRICAS DE SANTA CATARINA S/A - CELESC
ADVOGADO : Dimas Espindola Soares e outros
APELADO : MERCADO ATACADISTA DE ENERGIA ELETRICA - MAE
ADVOGADO : Mauro Vinicius Sbrissa Tortorelli e outros
EMENTA
APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ARGÜIÇÃO DE INSCONSTITUCIONALIDADE DO §§ 1º E DO ARTIGO DA LEI Nº 10.438/2002. ENCARGO DE CAPACIDADE EMERGENCIAL (ECE). ENCARGO DE AQUISIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA EMERGENCIAL (EAEEE). NATUREZA JURÍDICA DE TARIFA. NÃO-COMPULSORIEDADE.
1 - A exploração de energia elétrica compete à União, diretamente ou mediante autorização, concessão e permissão ( CF, art. 21, XII), a ser remunerada mediante tarifa, contratualmente, de conformidade com a política formulada pela Administração ( CF, art. 175, parágrafo único, I e II), quando não prestada/fornecida diretamente.
2 - O denominado Sistema Elétrico Interligado Nacional é composto por agentes atuando em três etapas distintas (geração, transmissão e distribuição), todas remuneradas pelo preço pago pelo consumidor final ao distribuidor, que repassa os valores correspondentes às demais concessionárias ou autorizadas.
3 - Conforme entendimento assente do Superior Tribunal de Justiça, "a remuneração pelo fornecimento de energia elétrica constitui preço público, não constituindo imposto, taxa ou contribuição (...)" (2ª Turma, Resp nº 8570/91, Min. José de Jesus Filho, unânime, DJU de 13.12.93).
4 - O fato de eventualmente possuir fração que se reporta às despesas com aquisição emergencial de energia de produtores independentes não desnatura a tarifa, porque é igualmente preço o que à ela venha a ser acrescido segundo a política própria.
5 - Sendo a capacidade de geração um componente do Sistema, de responsabilidade dos agentes respectivos e a ser remunerado por tarifa, não haveria como concluir, sob o argumento da inexistência de prestação de serviço público, que um adicional a esse serviço, como o encargo de capacidade emergencial, não deva ser remunerado por sobretarifa ou adicional.
6 - "(...) o serviço de eletricidade é prestado pelo Estado ou por concessionário dele, mas não é compulsório, porque se alguém quiser não usar dele (preferir usar de fogão a carvão ou a gás engarrafado, e iluminar-se com vela ou lampião) não está obrigado a valer-se desse serviço e, portanto, não está obrigado a pagar por ele" ( RE nº 89.876, STF, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, DJU de XXXXX-07-1980). Ausente a compulsoriedade, não há como pretender identificar tarifa com tributo."

Dessa forma, reconhece-se a exigibilidade do combatido encargo, especialmente levando em conta entendimento consolidado desta Corte, devendo ser reformada a sentença.

Sem condenação em honorários advocatícios e custas processuais.

Diante do exposto voto por, de ofício, extinguir o processo, sem julgamento do mérito, por falta de interesse de agir, quanto ao pedido relativo ao art. 4.º da Lei n.º 10.438/02, e, também de ofício, reconheçer a ilegitimidade passiva da ANEEL, extinguindo o processo sem julgamento do mérito em relação a ela, e no mérito dar provimento às apelações e à remessa oficial para julgar improcedente a ação, nos termos da precedente fundamentação.
























Des. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
Relatora


Documento eletrônico assinado digitalmente pelo (a) Des. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, Relatora , conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e Portaria do TRF4R nº 195 de 16 de dezembro de 2004 (DJU de 24/12/2004 pg. 25). A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://www.trf4.gov.br/trf4/processos/verifica.php informando o código verificador 2348216v4 e, se solicitado, o código CRC 4294C040 .
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Signatário (a): LUCIANE AMARAL CORREA MUNCH
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Data e Hora: 23/07/2008 13:38:08



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