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25 de Maio de 2024

Descaracterização da função de confiança do bancário

Publicado por Lucas Fernandes
há 7 anos

INTRODUÇÃO

As regras do direito do trabalhador bancário encontram-se dispostas principalmente na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), nos artigos 224 a 226 e em seus parágrafos e nas decisões sumuladas que o Tribunal Superior do Trabalho tem editado, com a finalidade de padronizar a jurisprudência.

Sobre as questões mais relevantes que envolvem a relação do trabalhador com os bancos, recebe destaque aquela se relaciona com as horas extras. O que muitos bancários não sabem é que a duração normal do trabalho bancário é de seis horas por dia e de trinta horas semanais, sendo excluído o trabalho aos sábados.

A jornada de trabalho é o período estabelecido no contrato da empresa que deve ser cumprido pelo empregado. A CLT e a Constituição Federal preveem uma jornada padrão onde a quantidade máxima é de 8 horas diárias, um total de 44 horas semanais, desde que não seja definido outro horário específico

A duração da jornada de trabalho do bancário foi estabelecida na CLT. De acordo com o art. 224 deste diploma, a duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 horas contínuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 horas de trabalho por semana.

Entretanto, a duração normal do trabalho trazida no texto do artigo 224 da CLT, que define a jornada de trabalho em seis horas diárias e 30 (trinta) horas semanais para os empregados do setor bancário, não se estende a todos aqueles que fazem parte da referida categoria profissional. O § 2º, do art. 224 da CLT, regula as exceções à jornada paradigma do bancário.

O referido artigo determina que a duração normal do trabalho não se aplica aos que exercem, enquanto empregados bancários, funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes, ou que desempenhem outros cargos de confiança, desde que o valor da gratificação não seja inferior a 1/3 do salário do cargo efetivo.

Desta forma, embora a jornada de trabalho geral dos bancários possua um limite semanal de 30 horas determinado pelo art. 224, da CLT, o mesmo dispositivo, em seu parágrafo 2º, cria uma exceção para esta regra em relação aos empregados que exercem cargos de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes, cujo valor da gratificação paga pela empresa pelo exercício do cargo não seja inferior a 1/3 (um terço) do salário.

No mesmo sentido, a Súmula 287 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) firmou o entendimento de que a jornada de trabalho do empregado de banco gerente de agência rege-se pelo art. 224, § 2º, da CLT, enquanto a jornada do gerente geral de agência bancária, devido ao encargo de gestão, segue os parâmetros do art. 62 da CLT.

A súmula 287 denota a existência de dois tipos de gerentes bancários, o empregado de banco gerente de agência e o gerente geral de agência bancária e suas implicações normativas, aclarando desta forma a interpretação do § 2º, do art. 224 da CLT.

Nesse contexto, é importante enfatizar que, muito embora os bancos enquadrem quase todos seus empregados em cargos comissionados, portanto, exercentes de função de confiança, tal situação nem sempre encontra respaldo do Judiciário Trabalhista que demonstra entendimento diverso dos bancos quanto ao que seja cargo de confiança.

O Princípio da primazia da realidade que norteia o Direito do Trabalho exerce grande importância nesse contexto, já que ele valoriza o fato real em detrimento dos documentos formais, tendo em vista que por ser o empregador o detentor de uma posição privilegiada de poder econômico em relação ao empregado, pouco importa o nome jurídico ou a qualificação formal atribuída a determinado documento.

É válido esclarecer que os bancários que cumprem jornada de trabalho de seis horas diárias são aqueles detentores de fidúcia ordinária, os quais têm direito a horas extras quando prestam serviços além da 6ª hora diária.

Os exercentes de cargo de confiança (poder diretivo e fidúcia diferenciada), objeto deste estudo, cumprem jornada de oito horas, com direito a gratificação superior a 1/3 de seu salário, remuneratória da 7ª e 8ª horas diárias. Caso prestado labor após a 8ª hora do dia, têm direito a perceber as horas extras correspondentes.

Os gestores (significativos poderes de mando), por sua vez, não têm qualquer limitação de jornada de trabalho, não sofrem controle, nem fazem jus à percepção de remuneração a título de hora extra.

Ocorre ainda que, a partir da análise da jurisprudência, pode-se perceber que no mundo prático ocorre um embaraço muito grande em relação aos que exercem cargos de confiança ou gerência, pois os bancos de uma maneira geral, enquadram os seus funcionários em cargos de confiança ou gerência, mesmos que estes não exerçam tais cargos ou funções e sem o devido pagamento do adicional. Desta forma, cabe ao judiciário resolver estes conflitos.

De acordo com a jurisprudência trabalhista, não basta a nomenclatura do cargo, haja vista que o verdadeiro enquadramento depende das reais atribuições executadas pelo empregado. Pode-se afirmar que esta situação é mais uma oportunidade de aplicação do princípio da primazia da realidade

É com base nesta problemática que se desenvolverá a pesquisa, que tem como objetivo maior identificar a sincronização constitucional dos dispositivos legais, jurisprudenciais e sumulares utilizados para disciplinar a jornada de trabalho do gerente de instituição financeira, causa de flagrante violação aos princípios constitucionais trabalhistas e ao que está disposto de forma literal na Constituição Federal.

Ainda, o presente artigo visa propor uma revisão doutrinária e jurisprudencial dos temas pertinentes à jornada do gerente geral de agência bancária sob a lente do direito constitucional e crítica.

O estudo encontra-se organizado na seguinte ordem; inicialmente, desenvolve-se uma exposição acerca do direito fundamental ao trabalho e suas implicações e posicionamento jurídico. Posteriormente, parte-se para uma análise da jornada de trabalho, seu conceito, base legal e suas consequências para o direito.

Após, é trazida uma análise crítica do posicionamento doutrinário jurisprudencial relativo à temática em questão. O trabalho é encerrado com uma conclusão que busca trazer uma proposta de solução para o problema discutido, com vistas a amenizar a aparente situação de desvantagem.

A presente pesquisa faz uso do método lógico-dedutivo, por meio do qual se busca uma conclusão sobre a questão levantada. Para tanto, utiliza-se o levantamento bibliográfico da literatura jurídica, além da análise dos dispositivos legais pertinentes, bem como de pesquisa jurisprudencial atualizada.

1 DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO DIGNO

O trabalho é inerente ao homem, e isto se verifica desde a Antiguidade, onde homem buscava, de forma constante, meios para satisfazer suas necessidades, como por exemplo, saciar sua fome, abrigar-se e defender-se, através de uma forma de trabalho. Desta forma, é possível afirmar que o trabalho é tão antigo quanto o homem, que o utilizava como instrumento de sobrevivência.

Conceituar o que vem a ser “trabalho” é tarefa árdua, haja vista o fato de existirem diversas classificações, de acordo com a perspectiva a partir da qual ele é analisado. Aluísio Rodrigues conceitua o trabalho como sendo, no mundo moderno “um valor fundamental, que sofre impacto direto dos acertos ou desacertos econômicos de um país, que se reflete sobre as relações de trabalho, favorecendo ou penalizando”1. Saulo Duette Prattes Gomes Pereira informa que, em geral, o trabalho é tido como a:

[...] modificação da natureza pelo homem; com vista à criação de valor de troca para o mercado, a apropriação da categoria pela sociedade estruturada em uma ordem capitalista reduz indevidamente, o trabalho-ação em trabalho-produção.

Já para Rafael da Silva Marques:

[...] o trabalho a que se refere a Carta de 1988 não é apenas aquele fruto da relação de emprego, senão toda forma de trabalho, que gere riqueza não só para quem o presta, mas para a sociedade em geral. O trabalho não é apenas um elemento de produção. É bem mais do que isso. É algo que valoriza o ser humano e lhe traz dignidade, além, é claro, do sustento. É por isso que deve ser visto, antes de tudo, como um elemento ligado de forma umbilical à dignidade da pessoa humana.2

1 PEREIRA, Saulo Duette Prattes Gomes; TUPONI JUNIOR. Benedito Aparecido. Trabalho Artístico Infantil na Televisão. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Curitiba. 2004, v. 6, p. 21

2 MARQUES, Rafael Silva. Valor Social do Trabalho na Ordem Econômica, na Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: LTR, 2007. pg. 111.

Por sua vez, o Direito do trabalho, ou direito laboral, é o conjunto de normas jurídicas que regem as relações entre empregados e empregadores, e os direitos resultantes da condição jurídica dos trabalhadores. Direito do trabalho no Brasil se refere ao modo como o Estado brasileiro regula as relações de trabalho e as normas e conceitos importantes para o seu entendimento. As normas do direito do trabalho brasileiro estão regidas pela Constituição Federal de 1988 e pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Ele encontra-se positivado no artigo da Carta Política de 1988, que o trata como sendo um direito social fundamental. Mais adiante, a partir da leitura dos artigos 170 e 193, percebe-se que a CR/88 o trata, ainda, como um dos fundamentos da ordem econômica, sendo que, a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça social.

Para além da Carta Magna de 1988 e da CLT, este direito está garantido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Assembleia Geral da ONU, que enuncia claramente que: a fim de garantir cabalmente os direitos humanos e a plena dignidade pessoal, é necessário garantir o direito ao trabalho.3

Majoritariamente, há uma corrente que entende o direito ao trabalho como um ramo do direito privado, pois ele regula relações entre entes privados que acontecem entre empregador e empregado. Porém, o direito do trabalho tem hoje várias regras cogentes (de caráter público - obrigatórias) visando garantir os direitos mínimos do trabalhador ante o empregador. Tais comando normativos que trazem consigo regras públicas existem em virtude da doutrina do intervencionismo básico do Estado que visa proteger o empregado, elo mais fraco da relação.

A existência deste intervencionismo Estatal por meio de normas cogentes nos traz a ideia de que sua natureza jurídica é híbrida, ou seja, se encaixa tanto no direito privado quanto público, mas nunca em um só.

Portanto, tem-se que o trabalho é um valor conferido a pessoa humana na ordem ético-jurídica por meio do qual ele evolui. O trabalho também é figura de grande importância também na religião, haja vista que ele se liga a ideia de

3 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do Direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. pg 18.

transcendência. A partir desta análise, constata-se que o trabalho adquire, dos pontos de vista econômico, técnico, jurídico e religioso, uma importância cada vez maior no sentido de que é indispensável à própria compreensão da vida humana.

Qualquer que seja a interpretação, não se pode negar que o trabalho tem existido desde as origens da humanidade, sendo certo que ele facilitou o surgimento e posterior sobrevivência e evolução do gênero humano. Nesse sentido, é também importante que ele seja visto a partir de sua consolidação histórica.

O tema da presente dissertação é o trabalho humano, tido não em sua dimensão econômica, técnica ou religiosa, mas sim na esfera jurídica. Estuda-se o labor humano como direito subjetivo fundamental, analisando a evolução, o conteúdo, sobretudo os entraves que dificultam sua efetividade e que favorecem seu distanciamento da dignidade humana.

1.1 Direito fundamental ao trabalho digno

O trabalho, como direito humano fundamental, integrante do rol dos direitos sociais, somente pode ser concebido se apresentar, em sua exteriorização a consecução do princípio da dignidade da pessoa humana, pois a natureza de quem o realiza não comporta manipulação, descaso ou discriminação. O trabalho, enquanto direito universal fundamental, deve fundamentar-se no referencial valorativo da dignidade humana.

A dignidade humana não pode ser concedida a alguém, vez que ela já pertence ao homem enquanto ser humano. Da mesma forma, tem-se que, em tese, a dignidade não poderia ser retirada do homem, posto que é condição intrínseca e indissociável ao ser humano; Todavia, deve-se admitir que ela pode ser violada4. A realidade fática nos mostra que ela é passível de violação, o que, por sinal, acontece com frequência.

4 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 42

Dada a possibilidade de sua violação é que Sarlet identifica a dignidade como “limite e tarefa do Estado e da comunidade”5. Entretanto, como visto, para se ter dignidade não é preciso necessariamente se ter direitos positivados, visto ser a dignidade uma condição intrínseca do homem.

Todavia, quanto à sua proteção, tem-se que, em termos nacionais, o Estado Brasileiro é o principal responsável, haja vista o modelo de República Federativa Democrática no qual ele se erige. O Estado, pela via normativa, desempenha função singular em favor de sua manutenção da dignidade ao trabalho. A Constituição Federal de 1988, ao consagrar a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito:

[...] reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal.6

Para além, o texto constitucional reconhece o direito social ao trabalho “como condição da efetividade da existência digna”7. Por essa razão é que o valor social do trabalho é fundamento da República Federativa do Brasil (art. , IV, CF/88); a ordem econômica deve assegurar a todos existência digna, pautando-se na valorização do trabalho (art. 170, CF/88) e a ordem social deve ter como base o primado do trabalho e como objetivos o bem-estar e a justiça social (art. 193, CF/88).

Este entendimento no qual o ser humano é tido como uma espécie de centro convergente de direitos, como fim em si mesmo, deve orientar inclusive as relações de trabalho e seu correspondente: o Direito do Trabalho. No desempenho das relações sociais, com destaque para as relações trabalhistas, deve ser repreendida toda e qualquer a violação da dignidade, o que significa que o sistema valorativo que deve ser utilizado como paradigma do Estado Democrático de Direito não poderá se revelar utilitarista, ou seja, como mera expressão da vontade dos governantes. Deverá, em contrapartida, concentrar-se no ser humano enquanto pessoa.

5 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 47

6 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 65

7 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p.1114

E é em função de sua condição humana que o homem tem o direito de participar da riqueza social, provendo suas necessidades espirituais e materiais básicas. O trabalho não violará o homem enquanto fim em si mesmo, desde que prestado em condições dignas.

O valor da dignidade deve servir de base para todo e qualquer trabalho humano. Tendo isto em vista, é possível defender que, ao menos em tese, os direitos trabalhistas colocados a condição de indisponibilidade absoluta sejam assegurados a todo e qualquer trabalhador. Onde o direito ao trabalho não for minimamente assegurado, não haverá dignidade humana que sobreviva.

Para cada direito fundamental existente, é necessário que também exista um dever fundamental de proteção. Quando o Direito se utiliza da regulamentação jurídica significa, antes de tudo, que ele servirá como suporte de valor para proteger o homem em seus direitos. Ressalte-se que, apesar de o Direito do Trabalho não demarcar de forma clara seu âmbito de atuação sendo ele a relação de emprego, isso não significa que deva ser compreendido como uma área jurídica fechada e limitada que não admite reformas. Muito pelo contrário

Ademais, é importante ressaltar que, se o trabalho é um direito fundamental, ele deve pautar-se na dignidade da pessoa humana. Desta forma, quando a Constituição Federal de 1988 se refere ao direito ao trabalho, implicitamente já está compreendido que o trabalho valorizado pelo texto constitucional é o trabalho digno. Primeiro, devido a uma interpretação lógica existente entre direitos fundamentais, sobretudo o direito ao trabalho, e o fundamento basilar do Estado Democrático de Direito que é a dignidade da pessoa humana. Segundo, porque apenas o trabalho exercido em condições dignas é que é instrumento hábil a construir a identidade social do trabalhador.

Quanto à titularidade do direito em comento, defende-se que ela pertence à pessoa humana, e não apenas do indivíduo que esteja empregado. Em relação às prestações positivas, o destinatário não é apenas o Estado, mas principalmente ele, haja vista que que não se pode impor ao particular o dever de promover o direito ao trabalho, através da elaboração de políticas de emprego e criação de postos de

trabalho. Todavia é possível, por meio de políticas públicas, exigir que grandes empresas e corporações promovam cada vez mais condições dignas de trabalho.

Em relação ao dever de abstenção, de respeito às liberdades do titular, os particulares também têm o dever de não intromissão e respeito, dever esse que os vincula, como regra geral mediatamente e, excepcionalmente, de forma imediata também como destinatários.

Após esta breve análise deste direito, tem-se que, ao se reconhecer o trabalho digno como valor e direito fundamental, é também necessário torná-lo viável. Entretanto, o papel do Direito do Trabalho na garantia de condições dignas não condiz com a realidade socioeconômica, pois a preocupação do mercado de trabalho não é essa.

Devido à falta de efetividade a grande ocorrência de violações a este direito, tem-se como importante a tarefa de se analisar os mecanismos jurídicos de proteção.

1.2 Regulamentação jurídica

Conforme mencionado, o direito ao trabalho digno faz parte do rol dos chamados direitos econômicos e sociais. Ele tem como uma de suas bases a igualdade, e, talvez por isto, ele prevê que todas as pessoas têm direito de ganhar a vida por meio de um trabalho livremente escolhido, de possuir condições equitativas e satisfatórias de trabalho e renda e de ser protegida em caso de desemprego.

No Brasil, a Constituição da República de 1988, em seus artigos ,7 º, 8 º, 10º e 11º, além de reconhecer o trabalho como um direito fundamental, descreve os principais direitos para os trabalhadores que atuam sob as leis brasileiras.

Ainda de acordo com a Constituição de 1988, o direito ao trabalho não é visto de forma isolada, ele vem acompanhado do direito a um salário que garanta a subsistência do trabalhador e de sua família, sendo esta uma obrigação que deveria ser garantida pelo Estado. Contudo, apesar de ser constitucionalmente garantido, na

prática, tanto o direito ao trabalho como o direito à renda são muitas vezes violados e não são raros os casos de desemprego, salários injustos, trabalho sem férias ou repouso, em condições inadequadas etc.

Além da Constituição, a Consolidação das Leis Trabalhistas regulamenta também as situações decorrentes das relações de trabalho no Brasil e, em casos específicos, no exterior.

A Consolidação das Leis do Trabalho, também conhecida por CLT, regulamenta as relações trabalhistas, tanto do trabalhador urbano quanto do rural e, também, as relações individuais ou coletivas. Ela foi decretada durante o governo de Getúlio Vargas, em 1º de maio de 1943. Essa legislação visa a proteger o trabalhador, a regular as relações de trabalho e criar o direito processual do trabalho.

Havia uma necessidade imperiosa de consolidar as leis relativas a atividades trabalhistas porque, antes da CLT, a legislação regulava apenas algumas categorias profissionais específicas ou diziam respeito a determinadas questões do direito processual do trabalho. Além disso, por não ser completamente regulado, um processo trabalhista demorava muito para ser julgado. A CLT, por outro lado, criou o que se chama de “celeridade processual”, que é a aceleração desse rito.

A CLT é um marco histórico de grande importância. Sua relevância é ainda maior, pois se propõe a coibir relações abusivas de trabalho, que antes eram comuns: não havia leis que regulassem horários, condições de trabalho nem de benefícios. Ou seja, ela foi uma conquista dos trabalhadores, pois garantiu condições mínimas de trabalho.

Diferente de alguns outros direitos, não existe nenhum mecanismo formal que garanta trabalho aos cidadãos brasileiros. O que existe são algumas medidas que, durante um período, buscam assistir ao desempregado, como: seguro desemprego, auxílio-transporte e isenção de taxas para retirar alguns documentos. Além disso, tanto governos como alguns sindicatos possuem serviços de cadastro de trabalhadores para recolocá-los no mercado de trabalho e requalificação profissional.

O Direito do Trabalho, enquanto direito social fundamental, pode ser compreendido sob diversos aspectos, mas dois deles se destacam: como direito social e como direito individual e coletivo. Em relação ao direito ao trabalho, tem-se o direito individual subjetivo de todo homem de acesso ao mercado de trabalho e à capacidade de prover a si mesmo e à sua família, mediante seu próprio trabalho, que deve ser digno.

Por sua vez, o Direito do Trabalho propriamente dito é tido como direito social, coletivo, inerente a determinado grupo merecedor de proteção especial em face de sua desigualdade fática: os trabalhadores. Ele determina um conjunto de condições mínimas para os trabalhadores, sem as quais eles não deveriam viver. Tal aspecto deriva da igualdade substancial e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.

Ambas as características são interdependentes e se completam para formatar a concepção correta da dignidade da pessoa humana. Isso porque não há que se falar em direito à vida ou à liberdade sem que se garanta o acesso de todos à saúde, à educação e ao trabalho. E, também, não se pode falar em direito ao trabalho e à educação sem se afirmar o direito à vida e à liberdade. A concretização do princípio da dignidade da pessoa humana só é possível pela conjugação de suas duas dimensões: individual e social.

Ao se reconhecer o direito do trabalho digno como valor e direito fundamental é também necessário torná-lo viável. Entretanto, o papel do Direito do Trabalho na garantia de condições dignas não condiz com a realidade socioeconômica, pois a preocupação do mercado de trabalho não é essa.

Quando há uma situação em que um direito que exige do Estado a criação de oportunidades, mas, por circunstâncias diversas ele não consegue atender à demanda, surge a necessidade de se criar mecanismos de defesa que visem a solucionar os sérios problemas à efetividade deste direito.

A seguir serão analisados alguns aspectos que favorecem ou não a efetividade a este direito fundamental especificamente no caso do bancário e sua jornada especial de trabalho.

2 O BANCÁRIO E SUA JORNADA DE TRABALHO ESPECIAL

Para a doutrina, “a jornada de trabalho é o lapso temporal diário em que o empregado se coloca à disposição do empregador em virtude do respectivo contrato de trabalho”8 De uma forma geral, os empregados podem ter uma jornada padrão e uma advinda do contrato. A jornada de trabalho pode ser classificada de várias formas, de acordo com seu período, duração e ou profissão.

Em relação à classificação da jornada com base na profissão exercida, ela pode ser subdividida em normal, quando se tem uma regra básica geral, ou específica, quando for criada para atender as peculiaridades de certas atividades, sendo regida por normas Estatais heterônomas ou autônomas (negociação coletiva).

As jornadas especiais são definidas pela legislação, que estabelece regras especificas para determinadas profissões. Desta forma, existem profissões com jornadas diferenciadas das jornadas padrão, como a dos bancários, que têm jornada de 6 horas diárias.

De acordo com artigo 224 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), “A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 (seis) horas continuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 (trinta) horas de trabalho por semana”. Sendo que, esta jornada normal de trabalho deverá ser cumprida entre 7 (sete) e 22 (vinte e duas) horas.

É importante ressaltar que, o artigo 225 da CLT determina que a duração normal de trabalho dos bancários poderá ser excepcionalmente prorrogada até 8 (oito) horas diárias, não excedendo de 40 (quarenta) horas semanais, observados os preceitos gerais sobre a duração do trabalho. Qualquer alteração deve ser excepcional, portanto deverá ser fundamentada em uma exceção.

Continuando a tratar da jornada dos bancários, a CLT nos informa que tal jornada diária de trabalho de seis horas contínuas e 30 horas semanais e o horário limite em que esta deverá ser praticada não se aplicam aos que exercem funções de

8DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr. 2011. P. 53

direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes, ou que desempenhem outros cargos de confiança. Desde que o valor da gratificação não seja inferior a 1/3 (um terço) do salário do cargo efetivo. Em relação aos cargos e funções de confiança, vale mencionar as lições trazidas pela doutrina:

Cargos bancários de confiança. Os cargos de confiança em questão não são aqueles do art. 62, II, da CLT. Entra em consideração aqui a hierarquia dos serviços bancários, normalmente mais elaborada que a de outras empresas menores, que comporta vários cargos de nível intermediário, os quais demandam um grau de confiança do mesmo quilate, que não é aquele ordinariamente exigido de qualquer empregado, nem é tão grande ao ponto de autorizar a conclusão de que o trabalhador representa o empregador. São posições tradicionalmente classificadas como de chefia intermediária, às quais mais modernamente tem-se procurado atribuir denominação mais larga, que sugere maiores poderes, mas que, em realidade, não extrapolam daqueles da concepção tradicional. Assim, ouve- se falar em cargos tais como de “gerente de contas”; “gerente do setor tal”; “gerente adjunto”, ou até”diretor ou superintendente disto ou daquilo”. Tais cargos, se não envolverem efetivos poderes de gestão e mando, não consistindo na representação da pessoa jurídica, poderão ser cargos de chefia intermediária, mas não aqueles do art. 62, II, da CLT.9

Ocorre que, a partir da análise da jurisprudência, pode-se perceber que no mundo prático ocorre um embaraço muito grande em relação aos que exercem cargos de confiança ou gerência, pois os bancos, de uma maneira geral, enquadram os seus funcionários em cargos de confiança ou gerência, mesmos que estes não exerçam tais cargos ou funções e sem o devido pagamento do adicional. Desta forma, cabe ao judiciário resolver estes conflitos.

Na atualidade, os bancários têm se mobilizado para que seja respeitada a jornada de 6 (seis) horas diárias, evitando-se a prática abusiva de horas extraordinárias, à revelia dos limites previstos na legislação.

A Constituição Federal, no art. , inciso XIII10, consagrou a duração ordinária do trabalho em 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) horas semanais. De forma diversa foi a fixação da jornada diária do empregado bancário fixada em 6 (seis) horas diárias. A par desta diferenciação, muitos estudiosos tentam compreende-la buscando o contexto histórico para tentar justifica-la.

9 ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo Von. Comentários à CLT - Consolidação das Leis do Trabalho. p.107, 2009.

10BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.htm>. Acesso em 20 de janeiro de 2017.

Neste sentido o Ministro do TST, Aloysio da Veiga menciona outros aspectos que também geram dificuldades na compreensão do tema, sobretudo a compatibilização da existência de duas jornadas:

O enquadramento da função do bancário, a excepcionalidade da prorrogação da jornada de trabalho, o trabalho noturno, as normas coletivas, os anseios de flexibilização das normas trabalhistas, tudo está a exigir dos estudiosos do Direito uma profunda reflexão, com o fim de retirar e harmonizar o conflito de interesses, sempre presente nas relações de trabalho do bancário, a compatibilizar a existência de duas jornadas de trabalho, de 6 e de 8 horas, criadas por lei, para uma mesma categoria.11

Como será visto adiante, paralelamente a isto tem havido mobilização das entidades representativas de empregados pela redução da jornada semanal de trabalho, de ordem geral, prevista no art. , inciso XIII, da Constituição Federal de 1988.

11VEIGA, Aloysio Corrêa da. Jornada especial dos bancários. Rev.TST, Brasília, vol. 75, no 2, abr/jun 2009.

3 CONCEITO E BASE LEGAL DA JORNADA ESPECIAL DE TRABALHO DOS BANCÁRIOS.

Para efeitos jurídicos, são considerados bancários os trabalhadores empregados em bancos e instituições financeiras. Equiparam-se a estes, para fins trabalhistas, aqueles que trabalham em empresas de crédito, financiamento ou investimento, conforme o entendimento pacífico do Tribunal Superior do Trabalho (TST) expresso por meio de sua Súmula n. 55 que nos diz:

BRASIL, TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, Súmula 55

FINANCEIRAS (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

As empresas de crédito, financiamento ou investimento, também denominadas financeiras, equiparam-se aos estabelecimentos bancários para os efeitos do art. 224 da CLT.12

De acordo com orientação jurisprudencial de número. 23913 do TST, considera-se bancário, ainda, o empregado de centro de processamento de dados que presta serviços a banco integrante do mesmo grupo econômico. A exceção desta regra, ou seja, o não enquadramento na qualidade de bancário, ocorre quando a empresa de processamento de dados presta serviços a banco e a empresas não bancárias do mesmo grupo econômico ou a terceiros.

Em relação as instituições financeiras e de acordo com o art. 17 da Lei n. 4595/6414, são consideradas instituições financeiras as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória, em especial, a

12 Disponível em:

<http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_51_100.html#SUM-55>; Acesso em 20 de janeiro de 2017.

13BANCÁRIO. EMPREGADO DE EMPRESA DE PROCESSAMENTO DE DADOS (incorporadas as

Orientações Jurisprudenciais n. º 64 e 126 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 É bancário o empregado de empresa de processamento de dados que presta serviço a banco integrante do mesmo grupo econômico, exceto quando a empresa de processamento de dados presta serviços a banco e a empresas não bancárias do mesmo grupo econômico ou a terceiros.

(primeira parte - ex-Súmula nº 239 - Res. 15/1985, DJ 09.12.1985; segunda parte - ex-OJsnºs 64 e 126 da SBDI-1 - inseridas, respectivamente, em 13.09.1994 e 20.04.1998). Disponível em:

<http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_201_250.html#SUM-239>; Acesso em 20 de janeiro de 2017.

14 BRASIL. Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964, dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, Cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4595.htm >. Acesso em 21 de janeiro de 2017

captação, a intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, seja em moeda nacional ou estrangeira, bem como a custódia de valores de propriedade de terceiros.

A jornada de trabalho dos empregados bancários é regulamentada pelo caput do artigo 224 e seu parágrafo 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e, na hipótese de empregados que exercem cargos de gestão e equiparados, pela regra geral, com a aplicação prevista no art. 62, da CLT, conforme será visto adiante.

Em linhas gerais, os bancários têm jornada de trabalho de seis horas diárias, de segunda a sexta-feira, totalizando trinta horas semanais, com a garantia de um intervalo de quinze minutos, como previsto no art. 71, § 1º, da CLT. É importante ressaltar que, para o bancário, o sábado é considerado dia útil não trabalhado, conforme súmula de número 113 do TST que nos diz:

BRASIL, TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, Súmula 113. BANCÁRIO. SÁBADO. DIA ÚTIL (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003.

O sábado do bancário é dia útil não trabalhado, não dia de repouso remunerado. Não cabe a repercussão do pagamento de horas extras habituais em sua remuneração.15

Desta forma, caso o trabalho seja realizado aos sábados, o tempo em que o trabalhado estiver efetivamente laborando ou à disposição de seu empregador, deverá ter as horas relativas ao sábado remuneradas como extraordinárias, com um acréscimo de no mínimo 50%, conforme determinação do art. , inciso XVI, da Constituição Federal, caso inexista previsão de percentual mais favorável, em norma coletiva da categoria ou sentença normativa, por exemplo.

Neste ponto, é importante salientar que não há espaço para a tese do empregador, no sentido de que a sua condenação ao pagamento das horas trabalhadas no sábado, como extraordinárias, estaria contrariando a Súmula nº 113/TST. Não se trata, pois, de uma condenação ao pagamento de horas extras nos sábados, mas sim de remuneração do labor em dia de sábado, em

15 Disponível em:<http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_101_150.html#SUM- 113> Acesso em 25 de janeiro de 2017>

contrariedade à jornada semanal do bancário prevista no art. 224, caput, da CLT. Neste sentido:

BRASIL. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, PROC. TST-RR- 677.987/2000.1, ACÓRDÃO DA 1ª TURMA, RELATORA JUÍZA CONVOCADA MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO WANDERLEY DE CASTRO, JULGAMENTO EM 14 JUN. 2006, PUBLICAÇÃO NO D.J. 30 JUN 2006.

“RECURSO DE REVISTA (...)

3. HORAS EXTRAS LABORADAS NO SÁBADO. BANCÁRIO. O Tribunal Regional concluiu, com base na análise da prova oral produzida, ser devido o pagamento de horas extras aos sábados porque efetivamente prestadas; trata-se de situação diversa daquela examinada na Súmula nº 113 desta Corte e que, ademais, implica a reapreciação do contexto probatório, procedimento vedado pela aplicação da Súmula nº 126 do TST. Não conhecido16.

A duração normal de trabalho do bancário já esteve compreendida entre as 07:00 e as 20:00 horas, de acordo com o art. 1º, da Lei nº 768, de 21 de julho de 1949 que nos diz:

Art. O parágrafo único do artigo 224 da Consolidação das Leis do Trabalho passa a ter a seguinte redação:

Parágrafo único. A duração normal do trabalho estabelecida neste artigo ficará sempre compreendida entre as 7 e as 20 horas. 17

Entretanto, de acordo com o Decreto-Lei nº 229, de 28 de fevereiro de 196718, a duração normal do trabalho passou a ser compreendida entre 07:00 e 22:00 horas. E, por força do Decreto-lei nº 546, de 18 de abril de 1969, dispondo sobre o trabalho noturno em estabelecimentos bancários, estabeleceu a jornada noturna aquela compreendida após as 22:00 horas, não podendo ultrapassar 6 (seis) horas.

16Processo RO 00004043820125010241 RJ, Órgão Julgador Terceira turma, Publicação 27/05/2014, Julgamento 13 de Maio de 2014, Relator Leonardo Dias Borges. Disponível em

<http://trt-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/121612914/recurso-ordinario-ro-4043820125010241-rj>; acesso em 30 de janeiro de 2017

17Disponível em: <http://www2.câmara.leg.br/legin/fed/lei/1940-1949/lei-768-21-julho-1949-363875- publicacaooriginal-1-pl.html acesso em 30 de janeiro de 2017>

18 BRASIL. Decreto-Lei nº 229, de 28 de fevereiro de 1967, “Altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, publicada no Diário Oficial da União de 28 fev. 1967. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto- Lei/Del0229.htm> Acesso em 30 de janeiro de 2017

4 FUNÇÃO DE CONFIANÇA E DENOMINAÇÃO DO CARGO

É prática comum no universo trabalhista a todo e qualquer cargo de direção, a denominação de cargo de confiança. Isso porque a lei não traz claramente o conceito de cargo de confiança. No entanto, podemos observar algumas características traçadas pela doutrina, vejamos:

“É o poder de representar o patrão, de substituir a pessoa ou pessoas do empregador. Este poder caracteriza-se pela faculdade de praticar o empregado atos jurídicos, com certa autonomia, sob uma subordinação extraordinariamente reduzida, e respondendo por perdas e danos.”[2]

É importante ressaltar que todo contrato de trabalho pressupõe certa confiança por parte do empregado, mas esta representa sinônimo de colaboração, não se confundindo com aquela que caracteriza o cargo de confiança, que poderá ensejar a substituição da pessoa do empregador.

Para a categoria bancária, serão considerados de confiança aqueles que exercem funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes. A fim de tornar mais claro o entendimento acerca de tais cargos de confiança e compreender de que maneira eles são exercidos por seus empregados, é importante mencionar o seguinte julgado:

Nos estabelecimentos bancários, os empregados somente serão reputados como de especial confiança quando, em nível intermediário da escala hierárquica, sua atividade exclusiva – e não apenas preponderante – consistir, cumulativamente, em a) dirigir, controlar ou fiscalizar o trabalho de outros, (poder de mando, subordinação) e b) praticar, mediante autorização ou delegação expressa, atos em nome do empregador (representação e substituição). Em nível intermediário, porque se estiver situado no topo da organização, tais atividades o caracterizarão como órgão ou representante com amplos poderes de mando e gestão. Isso exclui os chamados cargos técnicos, ou de direção técnica, em que prepondera uma particular habilitação do empregado, inerente a determinado ofício, arte ou profissão, ou cujas tarefas se qualificam por uma complexidade maior do que a das demais funções.19

Nas agências bancárias, a gerência é desdobrada em gerência geral ou principal e gerências setoriais, estas últimas subordinadas à primeira. O empregado

19BRASIL. TRT da 2ª região. Recurso Ordinário n. 02990255448, Ac. 20000223128, Relator: Luiz Carlos Gomes Godoi. 7ª Turma. São Paulo. Publicado em 16.06.2000. In PRUNES. op. cit. p.41.

qualificado como gerente geral ocupa cargo de confiança imediata do empregador, com poderes que o habilitam a administrar a unidade descentralizada, já o gerente setorial ocupa cargo de confiança mediata, com poderes secundários de gestão. Daí porque a Súmula nº 287 do TST enquadra o gerente de agência (setorial) no § 2º do art. 224 e o gerente geral na hipótese do inciso II do art. 62, ambos da CLT.

O cargo de confiança bancária passa a ter um alcance muito maior do que aquele previsto no art. 62, II da CLT, pois abrange todos os cargos que pressupõem atividade de coordenação, supervisão ou fiscalização, não sendo necessária a presença de amplos poderes de mando e gestão. [9]

A confiança prevista no § 2º do art. 224 da CLT é específica, não se confundindo com aquela tipificada no art. 62 da CLT, nesta o empregado deve ter amplos poderes de mando e gestão, sendo que a confiança depositada nele é excepcional, a ponto de substituir o próprio empregador, podendo colocar em risco a empresa. Naquela, os poderes não são tão elevados, sendo necessário que o empregado se enquadre na descrição do dispositivo legal próprio, ou equivalente.

É necessário ressaltar que a confiança bancária, mesmo não tendo o rigor das funções gerenciais do art. 62 da CLT, não será enquadrada como qualquer função de maior responsabilidade ou qualificação técnica, ela deverá ter algum poder de mando ou representação, além de ser fundamental que o empregado exerça uma ascendência hierárquica sobre alguns colegas.

É importante estabelecermos critérios diferenciadores entre a natureza do serviço e a denominação do cargo, a fim de evitar o errôneo enquadramento de determinadas funções como de confiança, que leva o empregador a se esquivar do pagamento de horas extras.

Existem muitos cargos que possuem denominação enganadora com o intuito de excluir o empregado da proteção legal, porém, devemos atentar para real natureza da função e não para o rótulo que ela ostenta, pois, é a natureza do serviço e não a designação que obedece a uma nomenclatura variável de caráter privado.

Nesse sentido, Prunes enfatiza que “as denominações, para serem adequadas devem ser compatíveis com o conteúdo a que se referem”20

Devemos lembrar que o Direito do Trabalho tem como princípio a Primazia da Realidade, que leva à apreciação do contrato em face de sua real natureza e finalidade. É por isso que a mera denominação de chefe, sem haver poder de chefia, não permite o enquadramento da função na hipótese do § 2º do art. 224 da CLT, é preciso que seja demonstrada alguma fidúcia especial depositada pelo empregador e que o cargo também a exija, para que assim o empregado possa ser considerado de confiança.

Além disso, a Súmula 102, I do TST é clara ao estabelecer que: “A configuração, ou não, do exercício da função de confiança a que se refere o art. 224,

§ 2º, da CLT, dependente da prova das reais atribuições do empregado, é insuscetível de exame mediante recurso de revista ou de embargos”. [15]

Portanto, o enquadramento do bancário na exceção art. 224, § 2.º, da CLT, não se relaciona com a nominação do cargo ou descrição de atividades em documentos internos, mas sim com as reais atribuições desempenhadas pelo empregado.

4.1 Requisitos legais

O § 2º do art. 224 da CLT traz como requisitos para caracterização da função de confiança dois elementos, quais sejam: que o empregado desempenhe funções de direção, gerenciamento, fiscalização ou chefia e que perceba gratificação de função de um terço do salário do cargo efetivo.

Demonstramos no tópico anterior que o título de chefe não é suficiente para que o empregado seja excepcionado da regra normal dos bancários, resta-nos esclarecer que a maior responsabilidade atribuída ao empregado enseja, portanto, uma maior remuneração e maiores acréscimos obrigacionais.

20PRUNES, José Luiz Ferreira. Cargos de confiança, direção e comissão no direito do trabalho. 1. Ed. Biblioteca LTR digital, 2006. P. 70

A função de confiança é tida como um cargo especial, que leva o empregado a ter uma posição de destaque em relação aos demais, o que necessariamente traz maior responsabilidade. É fácil entender, portanto, que tais requisitos são concomitantes, uma vez que só há remuneração superior quando a natureza do serviço prestado for alterada a ponto de colocar o empregado numa condição especial, em que terá maiores atribuições, responsabilidades e, consequentemente, maior quantidade de trabalho.

Não sendo comprovado os requisitos impostos pela norma excepcional, há que ser afastado o exercício do cargo de confiança, ressaltando, ainda, que por serem requisitos concomitantes, o cumprimento apenas da gratificação superior, por exemplo, servirá apenas para remunerar as maiores atribuições que o bancário desenvolveu, devendo o mesmo ser enquadrado na jornada especial bancária, ou seja, de seis horas, e perceber como extraordinárias as horas laboradas a título de confiança.

5 CARGO, FUNÇÂO DE CONFIANÇA E FIDÚCIA ESPECIAL

Importante se faz determinar as devidas distinções entre cargo e função de confiança. Cargo é a investidura no emprego público ou particular. Função é o conjunto de direitos, obrigações e atribuições de uma pessoa em sua atividade profissional específica.

O artigo 224 da CLT determina que a duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal (CEF) será de 6 horas contínuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 horas de trabalho por semana.

Com isto, tem-se uma regra geral. Os empregados em bancos, casas bancárias e CEF têm jornada de trabalho de 6 horas. Qualquer outra jornada de trabalho tem de ser compreendida como sendo exceção.

Tal excepcionalidade é regulada pelo § 2º do art. 224 da CLT que determina que suas disposições não se aplicam aos que exercem funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes ou que desempenhem outros cargos de confiança, desde que o valor da gratificação não seja inferior a 1/3 do salário do cargo efetivo.

Sendo assim, para seja admitida a jornada de trabalho do empregado, excepcionada pelo § 2º, necessário se faz que a função de confiança esteja demonstrada com as atribuições que diferenciam os seus exercentes da regra comum.

Conforme visto, a jornada de trabalho geral dos bancários possui um limite de 30 horas semanais. Todavia, o mesmo dispositivo da CLT que estabelece esta jornada, em seu parágrafo 2º, excepciona desta regra os empregados que exercem cargos de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes, entretanto, desde que o valor de sua gratificação paga pela empresa pelo exercício do cargo não seja menor que a 1/3 (um terço) do seu salário.

Entretanto, ao contrário do que ocorre na situação fática, não basta a nomenclatura do cargo, haja vista que o real enquadramento do funcionário depende das atribuições efetivamente executadas pelo empregado. Trata-se claramente de uma oportunidade de aplicação do princípio da primazia da realidade. Neste mesmo sentido tem-se posicionado a jurisprudência dos tribunais trabalhistas:

BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 23º REGIÃO. BANCÁRIO. FUNÇÃO DE CONFIANÇA. JORNADA DE OITO HORAS. NECESSIDADE DE AFERIÇÃO DAS VERDADEIRAS ATIVIDADES

EXERCIDAS. O enquadramento dos bancários na exceção da jornada de trabalho de 06 (seis) horas, submetendo-se ao regime geral de 08 (oito) horas, encontra-se disciplinado pelo § 2º do art. 224 da CLT, que exige, para tanto, que eles exerçam função de ‘direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes, ou que desempenhem outros cargos de confiança’ e percebam gratificação de função não inferior a 1/3 do salário do cargo efetivo. Segundo a Súmula n. 102 do Colendo TST, a configuração ou não do exercício da função de confiança depende da prova das reais atribuições inerentes ao respectivo cargo, não bastando o simples enquadramento do empregado em tal função pela entidade bancária. In casu, não demonstrando o empregador que o empregado estava jungido a uma condição tal que lhe conferia poder de fiscalização do serviço de outros funcionários ou de coordenação de determinado setor, tenho como não preenchidos os requisitos do § 2º do art. 224 da CLT, razão pela qual o reclamante está submetido à jornada de seis horas diárias do bancário comum, fazendo jus ao pagamento, como extras, a partir da 7ª diária.”21

Tal princípio dispõe que os fatos devem prevalecer sobre os documentos, ou seja, por mais que exista registro formal declarando determinada situação ou condição, este deve ser desconsiderado mediante a constatação de divergências entre ele e as circunstâncias fáticos e reais, mesmo que este possua a assinatura ou confirmação dos sujeitos da relação de emprego.

Sendo assim, como o enquadramento não depende necessariamente da remuneração/ fidúcia especial, torna-se imprescindível a prova na fase de conhecimento de um processo que discuta tal situação.

Diante desta situação, de acordo com a jurisprudência, pouco importa para o judiciário trabalhista a nomenclatura utilizada no holerite ou na Carteira de Trabalho, bem como se havia ou não, o pagamento de gratificação de função. Considera-se a

21 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região, processo TRT-RO-00110.2007.021.23.00-1, 1ª Turma, Relator Desembargador Roberto Benatar, publicação no DJE/TRT 23ªR nº 0492 / 2008 de 20 jun 2008.

realidade dos fatos a fim de se garantir os direitos trabalhistas e em virtude do “princípio da primazia da realidade sobre a forma”.22

Oportunamente, é importante dizer que que o exercício de cargo de confiança, dotado de fidúcia especial, não depende do fato de o exercente deste ter ou não subordinados à sua disposição. Nesse contexto é que nem sempre os profissionais do Direito trabalham a tese da existência dos cargos de chefias intermediárias.

Há uma preocupação maior com a condição geral do bancário prevista no caput do art. 224, da CLT e, em contraponto, com o gerente geral, enquadrado no art. 62, do mesmo diploma legal. Importantes são as lições trazidas pela doutrina, que faz referência e classifica os cargos bancários de confiança, fora da concepção do art. 62, II, da CLT. Assim expressa:

Cargos bancários de confiança. Os cargos de confiança em questão não são aqueles do art. 62, II, da CLT. Entra em consideração aqui a hierarquia dos serviços bancários, normalmente mais elaborada que a de outras empresas menores, que comporta vários cargos de nível intermediário, os quais demandam um grau de confiança do mesmo quilate, que não é aquele ordinariamente exigido de qualquer empregado, nem é tão grande ao ponto de autorizar a conclusão de que o trabalhador representa o empregador. São posições tradicionalmente classificadas como de chefia intermediária, às quais mais modernamente tem-se procurado atribuir denominação mais larga, que sugere maiores poderes, mas que, em realidade, não extrapolam daqueles da concepção tradicional. Assim, ouve- se falar em cargos tais como de “gerente de contas”; “gerente do setor tal”; “gerente adjunto”, ou até”diretor ou superintendente disto ou daquilo”. Tais cargos, se não envolverem efetivos poderes de gestão e mando, não consistindo na representação da pessoa jurídica, poderão ser cargos de chefia intermediária, mas não aqueles do art. 62, II, da CLT.23

Tal entendimento doutrinário sincroniza-se com a interpretação da prática encontrada na atividade bancária, encontra-se em harmonia com o entendimento do TST, consubstanciado por meio da redação de sua Súmula de número 28724, que separa a classificação do gerente de agência e do gerente responsável pela gestão da agência, conforme se analisa por meio da jurisprudência:

22DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr. 2011. P. 5 23 ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo Von. Comentários à Consolidação das leis do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 107.

24 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n. 287 – JORNADA DE TRABALHO – GERENTE BANCÁRIO – NOVA REDAÇÃO. A jornada de trabalho do empregado de banco gerente de agência é regida pelo art. 224, § 2º, da CLT. Quanto ao gerente geral de agência bancária, presume-se o exercício de encargo de gestão, aplicando-se lhe o art. 62 da CLT

HORAS EXTRAS. BANCÁRIO. GERENTE DE AGÊNCIA. A caracterização

do gerente do art. 62 da CLT pressupõe o exercício de amplos poderes de mando, representação e substituição do empregador, os chamados encargos de gestão, inerentes a este alter ego do empregador, situação bem diversa dos simples responsáveis por determinado setor do banco, ainda que denominados ‘gerentes’, as chamadas gerências intermediárias, as quais mais se amoldam à hipótese do § 2º do art. 224 da CLT, na qual basta demonstrar que o mister diário do bancário consiste na direção e organização do serviço, ou que exerce funções que, mesmo não correspondendo à chefia imediata de subordinados, exigem um alto grau de responsabilidade, o que autoriza a inferir que é depositário de uma acentuada fidúcia do empregador, distinta daquela conferida ao empregado comum, o simples escriturário. Na hipótese, a reclamante atuava no cargo de gerente de relacionamentos, ocupando condição especial na estrutura hierárquica do banco, não com amplos poderes de mando, representação e substituição (art. 62 da CLT), mas exercendo funções que pressuponham algum poder de mando atribuído pelo alto grau de confiança do empregador. Aplicação da Súmula n. 287 do c.TST. Sentença que concluiu pela inserção da reclamante no comando do § 2º do art. 224 da CLT que se mantém.25

Esta situação ressalta a importância de realizar a discriminação detalhada das atividades efetivamente desenvolvidas pelo empregado. Todavia, esta discriminação pormenorizada não é suficiente, torna-se imprescindível que haja, também, a prova das efetivas atividades exercidas.

Se não for provada a fidúcia especial para o exercício de atividade à qual se atribui maior grau de confiabilidade em relação aos demais empregados, o banco ou instituição financeira empregadora corre riscos jurídicos, haja vista que o exercício daquela função pode não se enquadrar na jornada de 8 (oito) horas, prevista na exceção do § 2º, do art. 224, da CLT.

Corre-se o risco de se entender que a comissão paga ao empregado, ainda que superior a 1/3 do salário do cargo efetivo conforme disposição legal, tão

25 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região, processo TRT-RO- 00972.2007.009.23.00- 0, 1ª Turma, relator Desembargador Roberto Benatar, publicação no DJE n. 476/2008, de 29 mai.

2008.

somente remunera o exercício da atividade que requer maior dificuldade, entretanto, para o exercício de jornada de 6 horas diárias, e não de 8 horas.

Desta forma, em casos assim, é comum a condenação dos bancos ao pagamento das horas extraordinárias a partir da sexta hora, sem a compensação do valor pago a título de gratificação de função, independente do que lhe será pago pelo empregador, a título de condenação como horas extraordinárias pelas 7ª e 8ª horas. Adianta, um precedente do tribunal regional da 10ª Região, dentre vários pesquisados:

Ementa: HORAS EXTRAS. BANCÁRIO. CARGO DE CONFIANÇA. ÔNUS

DA PROVA. Alegado pelo reclamado que o autor exercia cargo de confiança, a ele cumpre o ônus da prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito pretendido, qual seja, a percepção de horas extras (artigos 818 da CLT e 333, II, do CPC). (...)

Depreende-se da prova dos autos que a confiança exigida para as atividades da reclamante é aquela necessária a qualquer empregado que trabalhe em uma instituição bancária, manipulando dados. As funções desempenhadas são, de fato técnicas, e não possuía a obreira subordinados, bem como tinha todos os seus trabalhos submetidos aos superiores hierárquicos. Logo, as atribuições da reclamante não permitem enquadrá-la na exceção do artigo 224, § 2º, da CLT, não vislumbrando este juízo a presença da fidúcia especial atribuída à obreira. Considerando que o ônus de comprovar o exercício das funções capazes de enquadrar o empregado na exceção do artigo 224, § 2º, da CLT, é do reclamado, desse encargo ele não se desincumbiu. Diante de tal contexto, observo que o pagamento de gratificação superior à 1/3 por si só não possui o condão de enquadrar a recorrente no artigo 224, § 2º, da CLT, mas tão-somente remunerar a maior responsabilidade do cargo por ela ocupado. Não vislumbro as violações legais e constitucionais apontadas pelo recorrente. Em face do exposto, correta a sentença que deferiu horas extras, com adicional de 50%, divisor 180 (Enunciado nº 124 do Col. TST) e remuneração contida nos contracheques, considerando-se, como base de cálculo, o somatório de todas as verbas de natureza salarial (segundo as normas coletivas colacionadas aos autos), com os reflexos correspondentes, devendo ser observado o disposto na Súmula nº 109, do Col. TST. A teor da súmula de jurisprudência supramencionada, as horas extras não podem ser compensadas com a gratificação de função paga, razão pela qual tais valores remuneram apenas a maior complexidade técnica e responsabilidade do cargo, incluindo-se no salário para todos os efeitos legais. A gratificação semestral, paga mensalmente, possui natureza salarial e por isso deve integrar a base de cálculo das horas extras, na forma dos arts. 457 e 458, da CLT, não se configurando a hipótese do Enunciado nº 253, do TST, eis que a natureza de gratificação semestral foi desconstituída pelo pagamento mensal da referida verba. Por outro lado, a conversão de férias, licença-prêmio e abonos assiduidade em pecúnia não transmuda sua natureza jurídica para salário, não havendo falar na sua inclusão na base de cálculo ou em reflexos sobre tais parcelas. Recurso parcialmente provido, para excluir da condenação os reflexos deferidos sobre férias, licença prêmio, folgas e abonos assiduidade. CONCLUSÃO Isto posto, conheço do recurso e, no mérito, dou-lhe parcial provimento,

para excluir da condenação os reflexos deferidos sobre férias, licença prêmio, folgas e abonos assiduidade, nos termos da fundamentação26

Ve-se claramente a aplicação da súmula de número 109 do Tribunal Superior do Trabalho27, que considerou o não enquadramento na exceção prevista no art. 224, § 2º, da CLT, com o devido reconhecimento de que a função exercida é meramente técnica, ainda que o empregado estivesse recebendo a percepção da comissão em valor superior a 1/3 do salário do cargo efetivo. Neste caso, foi reconhecida a jornada de trabalho de 06 horas diárias, não se permitindo a compensação das horas extras a partir desta, com o valor pago a título de comissão pelo exercício do suposto cargo de confiança.

Contudo, importa destacar que a lei não faz exigência no sentido de que o exercício de cargo técnico, por si só, gera incompatibilidade com a definição de cargo de confiança, por isso, o fato de exercer o empregado uma função considerada de natureza técnica, não inviabiliza o seu enquadramento em uma das hipóteses que caracterizam o § 2º do art. 224, da CLT.

Ressalte-se que, o entendimento de que o grau de confiabilidade que se atribui ao cargo exercido não depende se a função é técnica ou não. O importante é que a natureza da função técnica exercida seja primordial para o desempenho da empresa, inclusive, para a sua manutenção e imagem no mercado no qual está inserida, não havendo empecilhos para que haja o enquadramento na exceção prevista no art. 224, § 2º, da CLT.

Entretanto, a questão não é pacífica, sobretudo, considerando que alguns Tribunais Regionais do Trabalho, já firmaram entendimento de que, nestas situações, basta apenas o enquadramento como função técnica para que ocorra o

26 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 10a. Região. Processo TRT-00750-2005-005-10-00-1- RO, 1ª Turma, relator Desembargador André R. P. V. Damasceno, 6a. Sessão Ordinária do dia 22/02/2006, publicação no DJ de 10 mar 2006. Disponível em: http://www.trt10.jus.br/servicos/consultasap/acordao.php?nProcTrt=07923&tipo_trt=RO&aProcTrt... 05&dt_julgamento_trt=10/03/2006&np=00750-2005-005-10-00-1&nj=ANDRÉ R.P.V.DAMASCENO&npvoto=78176&tp=RO Acesso em Janeiro de 2017.

27 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n. 109 – BANCÁRIO – GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO – REDAÇÃO DADA PELA RA 97/1980, DJ 19.9.1980. O bancário não enquadrado no § 2º do art. 224 da CLT, que receba gratificação de função, não pode ter o salário relativo a horas extraordinárias compensado com o valor daquela vantagem.

reconhecimento da jornada padrão de 6 horas, a despeito do recebimento de comissão de função em razão do exercício de cargo de confiança.

Ementa: HORAS EXTRAS. BANCÁRIO. ANALISTA PLENO. ATIVIDADE TÉCNICA. ART. 224, § 2º, DA CLT. NÃO INCIDÊNCIA. A nomenclatura

emprestada ao cargo ocupado e a gratificação superior a 1/3 do salário efetivo, por si sós, não afastam o direito do bancário à percepção de horas extras além da 6ª diária. Mister se faz a comprovação de efetivo exercício de função gravada de especial fidúcia, consoante entendimento consagrado na Súmula 102, I, do colendo TST. Configurado, nos autos, o desempenho de função meramente técnica, a impossibilitar o enquadramento da autora nas disposições do art. 224, § 2º, da CLT, devido o pagamento das 7ª e 8ª horas diárias trabalhadas como extraordinárias. Recurso patronal conhecido e desprovido. (...)

De acordo com os documentos acostados pelo recorrente, verificam-se as seguintes especificações relativamente ao cargo de Analista Pleno: "Nível Organizacional - Operaional; Segmento Organizacional - Técnico; Responsabilidades Funcionais - a) responder pelo (a): I- desenvolvimento dos projetos necessários ao atingimento dos objetivos e metas estabelecidos para a Unidade; II- disponibilização de informações relativas à sua área de atuação; III- planejamento e o controle dos serviços sob sua condução; IV- satisfação dos clientes dos serviços sob sua condução; V- qualidade dos produtos e serviços sob sua condução" (à fl. 285). Tais especificações corroboram as declarações obreiras em depoimento ao Juízo, patenteando o nível técnico- operacional do cargo exercido pela autora, bem assim não estarem suas atividades resguardadas na excepcionalidade do § 2ºdo artt . 224/CLT, como se vê da seguinte transcrição:(...)

Ademais, como não se destinavam tais parcelas à contraprestação de horas extras, mas a remunerar a jornada ordinária, como decidido na origem, não há que se falar em compensação de tais verbas. Quanto à adoção do divisor de 220, pleiteado, aplicável à hipótese o divisor de 180, como decidido em primeiro grau, em decorrência do disposto na Súmula 124 do colendo TST.28

Ementa: BANCÁRIO. HORAS EXTRAS. SÉTIMA E OITAVA HORAS.

Comprovado nos autos que o reclamante não exercia efetivamente função de confiança, nos termos do art. 224, § 2º, da CLT, faz jus o empregado ao pagamento da sétima e oitava horas como extras. Recurso a que se nega provimento. BASE DE CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS. GRATIFICAÇÃO.

COMPENSAÇÃO. O fato gerador do direito da autora em receber o pagamento da 6ª e 7ª horas trabalhadas como extras é o reconhecimento de que à bancária se aplica a jornada diária de 6 horas. Nessa compreensão, o cálculo das horas extras deve levar em conta a gratificação proporcional à jornada reconhecida de seis horas, sob pena de enriquecimento ilícito da empregada. Esta, pois, a razão pela qual a gratificação de função percebida pela obreira deve compor a base de cálculo das horas extras, mas limitada, proporcionalmente, à jornada de seis horas, a ser apurada em liquidação de sentença. Sob mesmo fundamento, o valor apurado a título de horas extras deve ser compensado com o valor recebido a mais pelo obreiro, ou seja, a diferença entre a gratificação de oito

28Processo RO 383201101810000 DF 00383-2011-018-10-00-0 RO

Órgão Julgador 1ª Turma, Partes Recorrente: Keyni Borges Matsuda, Recorrido: Caixa Econômica Federal, Publicação, 27/10/2011 no DEJT, Julgamento 19 de Outubro de 2011. Relator Desembargadora Flávia Simões Falcão

horas e aquela fixada proporcionalmente à jornada de seis horas. Recurso do reclamado a que se dá parcial provimento.29

Os bancos e instituições financeiras de uma maneira geral, no intuito de acabar com esse tipo de situação, ou, ao menos, reduzir o volume de reclamações trabalhistas, nas quais empregados requerem a descaracterização do cargo de confiança e o consequente pagamento de horas extras, modificaram os planos de cargos comissionados ofertados, permitindo que empregado opte pelo exercício de cargo comissionado, com duração de 6 ou de 8 horas, mediante o recebimento de gratificação proporcional.

Por meio da SDI-1 TST-E-RR-288-2005-036-03-00.0, O TST consolidou o entendimento ao decidir pela nulidade desse tipo de cláusula, com fundamento nos arts. e 444 da CLT, por ofensa aos princípios da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas e da primazia da realidade.

Oportunamente, é importante salientar que, por unanimidade da SDI-1, o TST posicionou-se no sentido de que a opção pela jornada de 6 para 8 horas para o exercício do cargo de confiança, não importou em maior grau de responsabilidade, levando-se em consideração que a gratificação tem a finalidade de justificar apenas a majoração da jornada especial concedida ao bancário.

Por fim, ressalte-se que o empregado de banco que se encontra sujeito à regra do art. 224, § 2º, da CLT, deve cumprir a jornada de 08 (oito) horas, sendo consideradas extraordinárias aquelas que excederem a oitava trabalhada.

29 BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO, Proc. TRT-RO-50200-

59.2009.5.10.0012, Acórdão da 3ª Turma do TRT da 10ª Região, relatoria da Exma. Sra. Desembargadora Maria Piedade Bueno Teixeira, publicado no Diário da Justiça do Trabalho – 478/2010, p. 1, de 13 mai. 2010.

6 O CARGO DE CONFIANÇA DE GERENTE PREVISTO NO ART. 62, II, DA CLT.

Como visto, A jornada de trabalho é o período estabelecido no contrato da empresa que deve ser cumprido pelo empregado. A CLT prevê uma jornada padrão onde a quantidade máxima é de 8 horas diárias, um total de 44 horas semanais, desde que não seja definido outro horário específico.

A duração da jornada de trabalho do bancário encontra-se estabelecida na CLT. De acordo com o art. 224 da CLT, a duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 horas contínuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 horas de trabalho por semana.

A partir do artigo 57, A CLT trata da duração do trabalho e determina que, em qualquer atividade privada, a duração normal do trabalho não excederá de oito horas diárias. Todavia, ela também trata das hipóteses não abrangidas por esse regime, dentre eles, consoante inciso II do referido dispositivo, os gerentes, assim considerados os exercentes de cargo de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial.

Como já destacado, não basta a simples nomenclatura de “gerente” para que se configure a função, sendo necessário que reste provado de forma inequívoca um nível diferenciado de fidúcia, uma confiança especial, do banco para com o funcionário. O fato do empregado exercer função altamente técnica, que se demonstre imprescindível às atividades da empresa, ou que tenha acesso a informações administrativas, também não configura a fidúcia especial do cargo de confiança. Neste sentido, importa salientar que devem estar presentes alguns elementos constitutivos para a devida caracterização do gerente especificado no art. 62, inciso II, da CLT. Neste sentido:

É mister que o gerente possua, de fato, os poderes de que fala a lei, ou melhor, como se fala no artigo sob comentário. Três são as características que, segundo a lei, identificam o cargo de gerente de uma empresa:

mandato, em forma legal; o exercício de encargos de gestão; e salário mais alto que o dos demais empregados. (...) 30

O gerente é, sobretudo, uma espécie de representante, um preposto, recebendo de seus empregadores poderes de gestão dos negócios da empresa, auxiliando na condução das atividades empresariais.

Em diversos momentos, a CLT faz-se referência a função de confiança, porém, não o faz de forma clara, haja vista a ausência de definição ou informação de elementos que elucidem sua caracterização. O que ressalta ainda mais a importância de prova da real atividade exercida pelo empregado, sob pena de ser descaracterizado o exercício de cargo de gestão.

Por esta razão, o cargo de gestão não se limita a figura do gerente geral, podendo o tratamento dado a este, ser estendido àquele empregado detentor de significativos poderes, porém subordinado ao gerente geral que detém o mando amplo e geral no âmbito do estabelecimento.

Com isto, muito embora não trata de questões relacionadas aos interesses de banco e empregado bancário, é importante transcrever o acórdão da Seção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho que, sob a relatoria do Ministro Lélio Bentes Corrêa, em julgamento de 06/05/2010, negou provimento aos Embargos interpostos pelo empregado reclamante, confirmando o entendimento da Quinta Turma daquela Corte Superior Trabalhista.

ESTABELECIMENTO COMERCIAL. GERENTE DA ÁREA FINANCEIRA. AMPLOS PODERES DE MANDO E GESTÃO. ELEVADO PADRÃO SALARIAL. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 62, II, DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 896 DA CLT. 1. O

enquadramento do empregado na previsão do inciso II do artigo 62 da Consolidação das Leis do Trabalho pressupõe o exercício de encargo de gestão e a percepção de salário superior em, pelo menos, quarenta por cento daquele pago ao ocupante do cargo efetivo. 2. Uma vez fixadas, na instância de prova, as premissas de que o reclamante, no exercício do cargo de gerente da área financeira: a) tinha como subordinada a área contábil, os operadores de caixa e o pessoal da frente da loja ; b) podia admitir, punir e demitir funcionários, juntamente com o gerente geral da loja

; c) possuía procuração assinada pela empresa, em conjunto com outro procurador ; d) não estava obrigado a registrar o horário de labor e nem era fiscalizado ; e) auferia salários superiores aos do cargo efetivo na proporção

30 SAAD, Eduardo Gabriel. Consolidação das Leis do Trabalho comentada, 39. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 131.

aproximada de 770% , resulta incensurável a decisão mediante a qual se concluiu pelo enquadramento da hipótese na previsão excepcional do já referido dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho. 3. O fato de o reclamante estar subordinado ao gerente geral da loja não afasta a incidência do regime jurídico previsto no artigo 62, II, da CLT, em virtude de o referido dispositivo de lei não excepcionar da jornada ordinária de trabalho apenas o empregado que ocupa o cargo mais elevado no estabelecimento empresarial, mas também aquele que exerce encargo de mando e gestão, hipótese dos autos. 4. Recurso de embargos não conhecido.31

Em síntese, ficou entendido que o gerente financeiro de determinada empresa, destacava-se na estrutura desta, estando investido de significativos poderes de mando e gestão, com percepção de salário diferenciado dos demais empregados, ensejando, portanto, o seu enquadramento no inciso II do art. 62, da CLT.

A situação reforça o quanto já debatido, isto é, a importância do delineamento fático-probatório na fase inicial do conhecimento do processo, especialmente, na instrução e julgamento.

31BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho, Processo TST-E-ED.RR-103300-52.2000.5.05.0021, Acórdão da SDI-1, sob a relatoria do Ministro Lélio Bentes Corrêa, julgamento de 06 mai. 2010, publicação no DEJT, de 14 mai 2010. Disponível em:< http://brs02.tst.jus.br/cgi-bin/nph- brs?s1=5144683.nia.&u=/Brs/it01.html&p=1&l=1&d=blnk&f=g&r=1 > Acesso em 30 de janeiro de 2017.

7 CONSIDERAÇÕES ACERCA DO DISPOSTO NO ART. 224, § 2º DA CLT.

Como visto anteriormente, as regras relativas à jornada do bancário não se aplicam aos empregados que exercem funções de direção, chefia e equivalentes ou que desempenham outros cargos de confiança, desde que o valor da gratificação percebida não seja inferior a um terço do salário do cargo efetivo.

Ocorre que essa exceção vem sendo objeto de muitas reclamações trabalhistas, grande parte delas favoráveis ao empregado, porque os bancos vêm comissionando muitos dos seus empregados apenas para burlar a jornada especial de seis horas diárias da categoria.

Assim, mesmo que o bancário não exerça função de confiança, o banco o comissiona, segundo suas nomenclaturas próprias, mas destituído de poder, para que o bancário passe a receber, ao invés da hora extra, a gratificação permitida por lei. Ve-se, portanto, que ele se utiliza de uma exceção para fazer valer seus interesses, o que para o Direito, seria o mesmo que agir em benefício da própria torpeza.

O ideal seria que os empregadores seguissem à risca o que determina o dispositivo legal, que por ser excepcional, não permite interpretação extensiva. Sendo certo que a lei exclui do limite de jornada o cargo de confiança típico, não atinge aquele de mera nomenclatura, não contemplando os mascaramentos e rotulações tendentes ao alijamento de direitos do empregado.

Sabemos que a categoria bancária sempre lutou por uma jornada reduzida que compensasse o grande desgaste físico e mental que eles sofriam e que tal diferenciação justifica-se por ser um trabalho de grande responsabilidade, que expõe o empregado aos riscos da fadiga e do esgotamento.

Trata-se de uma alternativa autorizada por lei para que o empregador, em casos excepcionais, não sofresse o ônus do pagamento de horas suplementares,

estimulando o empregado a crescer na empresa. Atitude esta que é benéfica para ambas às partes.

A alternativa para evitar o desvirtuamento da norma deve ser no sentido de buscar meios para facilitar o cumprimento da lei, que poderia ser obtido com uma maior fiscalização dos normativos criados pelos bancos, observando o enquadramento de cada uma das funções, levando em consideração não o ‘nomem juris’ do cargo, mas as responsabilidades e prerrogativas do verdadeiro cargo de confiança, uma vez que a problemática surge exatamente no momento da criação do cargo e suas atribuições, sendo tal solução uma maneira de atingir a raiz do problema.

Percebemos o quanto é importante qualificar devidamente os denominados cargos de confiança, pois se trata de um imperativo legal destinado a proteger a saúde do trabalhador, não podendo ser renunciado pelo mesmo, através de acordo individual com o empregador, uma vez que as alterações contratuais, se prejudiciais aos interesses obreiros, serão inválidas.

CONCLUSÃO

Ante todo o apurado, a pesquisa procurou traçar, de forma minudente, mas sem pretender esgotar o tema, um panorama da atual situação jurídica do gerente geral de agência bancária no tocante ao tratamento legal dispensado ao seu controle de jornada e as consequências desse tratamento para sua saúde.

A problemática trabalhada evidencia a banalização do cargo de confiança, uma prática extremamente comum entre os bancos e de quem a estes são equiparados, que consiste no desvirtuamento da função de confiança, o que torna este instituto praticamente sem efeito, com consequente desvalorização do salário referente ao cargo efetivo, desempenhado pela maioria dos bancários.

A jornada de trabalho do empregado bancário tem o enquadramento especial, em razão das peculiaridades da atividade desde o início da sua normatização. Atualmente, tal diferenciação justifica-se pelos desgastes funcionais decorrentes da modernização das relações laborais, com a introdução de novos métodos de trabalho, a inserção da informática no processo produtivo, a constante cobrança pelo atingimento de metas, nem sempre estabelecidas com razoabilidade e, com a agravante de que, não raro, as cobranças não se restringem aos limites da jornada normal de trabalho.

Os exercentes de cargo de confiança (poder diretivo e fidúcia diferenciada), objeto deste estudo, cumprem jornada de oito horas, com direito a gratificação superior a 1/3 de seu salário, remuneratória da 7ª e 8ª horas diárias. Caso prestado labor após a 8ª hora do dia, têm direito a perceber as horas extras correspondentes.

Os gestores com significativos poderes de mando, por sua vez, não têm qualquer limitação de jornada de trabalho, não sofrem controle, nem fazem jus à percepção de remuneração a título de hora extra.

Quanto ao exercício de supostos cargos de confiança, é irrelevante a denominação do cargo, porque o mais importante é a realidade dos fatos. No caso,

o que importa é a existência e demonstração do exercício de uma fidúcia especial, que supera a fidúcia normal de todo contrato de trabalho, que justifique a extensão da jornada.

Sendo a hipótese debatida de casos onde a função técnica é estritamente técnica, não é justificável o exercício de jornada superior a 6 horas, pois se enquadra como atividade normal de bancário. Sendo assim, a extensão da jornada para 8 horas não aumenta a fidúcia do cargo, mas apenas a quantidade de horas trabalhadas, o que reflete no pagamento de horas que excederem a sexta hora, consoante entendimento dos tribunais trabalhistas.

A denominação do cargo pode ser irrelevante, o que importa é o detalhamento, a prova das reais atividades exercidas pelo empregado.Tudo isso implica na necessidade de os bancos reverem seus procedimentos, isto é, estabelecerem a jornada de 6 horas para as comissões não detentoras de fidúcia especial,

Tal situação poderia gerar um efeito colateral, devido ao descontentamento dos empregadores de um modo geral, ou seja, os bancos reduzirem suas estruturas, esvaziarem a quantidade de cargos criados, o que certamente implicaria na redução de possibilidades de ascensão.

Com isto, os bancos e instituições financeiras passariam a contar com menor número de gerencias médias, enquanto as diretorias, com menor número de assessores plenos, seniores, analistas de variados níveis etc. Isso é razoável, pois tende a reduzir custos operacionais e eventuais demandas trabalhistas.

Por outro giro, esta redução na quantidade de comissões e consequentemente de jornadas de trabalho, inclusive a extinção daquelas comissões que o Poder Judiciário Trabalhista não reconhece a possibilidade de enquadramento na jornada de 8 (oito) horas, poderia ser capaz de gerar de empregos, porque aumentaria o número de contratações.

Ressalte-se, que a redução da jornada de 8 para 6 horas atende as determinações feitas pelo Tribunal Superior do Trabalho, ante o não enquadramento do cargo/função na hipótese do art. 224, § 2º, da CLT e que o pagamento

proporcional, ou seja, a redução compatível do valor da gratificação, não representa redução salarial. A não redução configura uma forma de enriquecimento ilícito por parte do empregado.

A gratificação não se vincula à função e, sim, à jornada de trabalho, especialmente, porque, como já destacado, aquele cargo/função não se enquadra como cargo de confiança, dotado de fidúcia especial, portanto, sujeito a jornada de 6 horas, conforme entendimento do próprio Tribunal Trabalhista.

Como se observa, o assunto suscita discussões e, nesse contexto, até os julgamentos do Judiciário Trabalhista não podem ser da aplicação do princípio da proteção. É recomendável que esse mesmo Poder procure conhecer melhor a realidade das empresas e, nesse caso, o importante papel esclarecedor e probatório deve ser exercido pelos prepostos e advogados dos bancos.

Por fim, percebeu-se a importância deste tema diante da imensa gama de processos que se acumulam na justiça do trabalho atualmente, o que é notório devido a farta jurisprudência. Isto tudo valora a discussão do problema, não só tentando descobrir maneiras para regularização da situação, atuando de forma repressiva e condenando as empresas infratoras com o pagamento de horas extraordinárias, mas, também, estimulando uma maior fiscalização por parte dos sindicatos da categoria, sendo esta uma forma preventiva de conter essa prática que tanto prejudica o trabalhador.

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