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28 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça de Santa Catarina
há 11 meses

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Quarta Câmara de Direito Público

Julgamento

Relator

André Luiz Dacol
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Inteiro Teor











Apelação Nº XXXXX-07.2007.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador ANDRÉ LUIZ DACOL


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: LORNA MORAIS BATALHA SERAFIM ADVOGADO: SUSANE AVELINO VALOIS (OAB SC014058) INTERESSADO: FLORAM FUNDAÇÃO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE DE FLORIANÓPOLIS


RELATÓRIO


Consecutivamente ao leading case atrelado ao Tema n. 1.010 do Superior Tribunal de Justiça, o 2º Vice-Presidente deste egrégia Corte de Justiça ordenou devolução ao fracionário (evento 166, DESPADEC1), conclamando juízo de retratação em relação ao desfecho anterior, lastreado nos termos adjacentes (fls. 300/325 do evento 130, PROCJUDIC2):
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PRECEITO DEMOLITÓRIO PROMOVIDA POR FUNDAÇÃO AMBIENTAL - AUTO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL - EDIFICAÇÃO A 16 METROS DE CÓRREGO DE PEQUENA LARGURA (CERCA DE 2 METROS) - ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO CÓDIGO FLORESTAL QUE PREVÊ RECUO DE 30 METROS - LOCAL POVOADO - ANTROPIA ANTERIORMENTE REALIZADA - AUSÊNCIA DE POTENCIALIZAÇÃO DE DANO AMBIENTAL EM RAZÃO DA OBRA - RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - DEMOLIÇÃO QUE SE REVELOU INCONVENIENTE. (TJSC, Apelação Cível n. 2012.023255-6, da Capital, rel. Jaime Ramos, Quarta Câmara de Direito Público, j. 16-08-2012).
Intimados, os litigantes quedaram-se inertes (ev172, ev174 e ev175), em que pese tenham manifestado prévio interesse no julgamento do feito nos termos do Tema 1010, STJ (evento 164, PET1, evento 162, PET1).
É o relatório.

VOTO


1. A temática sub examine acomoda-se à intelecção do disposto no artigo 1.030, II, da lei adjetiva civil, onde consta o procedimento a ser seguido em processos nos quais há julgamento de acórdão que contraria entendimento fixado pelas Cortes Superiores, em caso de recursos repetitivos ou em regime de repercussão geral. Nesse sentido, incumbe ao órgão julgador fracionário realizar o devido juízo de retratação e conferir prevalência aos comandos sublimes.
2. Do que retiro dos autos, o Ministério Público interpôs recurso de apelação cível contra a sentença que, nos autos do Preceito Demolitório n. XXXXX-07.2007.8.24.0023, julgou improcedentes os pedidos iniciais consubstanciado na demolição da obra erguida na rua Amantino Cameu, Servidão Canaã, fundos n. 876, Rio Tavares, Florianópolis e a recuperação ambiental da área.
No entender do Parquet há conflito aparente de normas no que diz respeito à largura da faixa marginal ao longo dos cursos d´água a ser considerada de preservação permanente na área urbana. Aponta que inobstante "haver entendimento no sentido da aplicação do limite de 15 metros estabelecido na Lei n. 6.766/76, a doutrina e a jurisprudência majoritárias convergem à aplicação do limiter mais restritivo estatuído no Código Florestal, em função do parágrafo único do art. da Lei n. 4.771/65".
O magistrado a quo encartou veredito fundamentado com base nas seguintes premissas:
1. Como tenho repetido em situações semelhantes (e a reiteração desses casos não é nada casual, antes enfatizando o delicado problema social que se enfrenta em Florianópolis), nenhuma das soluções que são cogitáveis me acomoda suficientemente o espírito.
A procedência seria a solução natural:
a) A construção está em loteamento clandestino. As regras a esse respeito são imperativas (Lei 6.766/79). A desatenção causa transtorno urbanístico grave.
b) A edificação está a menos de 15m de curso d´água. Cuida-se de área de preservação permanente.
c) Não há licença de construção.
d) Foi desconsiderado embargo administrativo.
[...]
3. O curso d´água é poluído. Mesmo que não tenha sido feita análise laboratorial (fls. 124).
Mais grave eé que ele passa por uma portentosa pedreira, que usa uma das margens como depósito (fls. 124).
A fotografia de fls. 127 mostra, inclusive, mais amplamente o percurso do leio d´água. Ele segue pelo bairro Rio Tavares, margeia a SC-405 (que leva ao Sul da Ilha) e seue até a Baía Sul (é aquele rio pelo qual passa a ponte qu conduz ao campo da Ressacada e ao Aeroporto Hercílio Luz). Quer dizer, ninguém se arriscará a dizer algo contrário à sua degradação ambiental. Não vejo sentido, então, em tentar proteger algo tão conspurcado.
Além disso, toda a região está habitada.
Louva-se a atitude ministerial no sentido de, apurando o fato quando da inspeçao, instar a FLORAM a exercer seu poder de polícia. Só que não existe como, neste momento, retirar as 27 casas que existem apenas naquela servidão (fls. 141 e ss.).
[...]
4. O licenciamento, como já encarecido, é também regra importante.
Aqui, entretanto, devem preponderar, creio, os fundamentos já expostos.
É que a aplicação da penalidade decorrente da desobediência à falta do alvará é desmedida: a perda integral da construção. Pelos valores antes postos, não poderia, de todo modo, ser aplicada.
[...]
Tendo em vista que não há direito fundamental absoluto, havendo o embate entre o direito fundamental diguso ao um meio ambiente hígido e o direito fundamental à moradia, que perpassa pela dignidade da pessoa huimana, em que pese a prevalência geral do primeiro, porque sensível e afeto a toda a coletividade, há casos da prevalência deste, afim de garantir o mínimo existencial no caso concreto. Trata-se de prevalência , jamais total subrogação de um sobre o outro. Desta forma, demonstrada ocupação de área de preservação permanete ou terreno de marinha, com fins de moradia por tempo considerável, deve o posseiro demolir a construção ilegitimamente levada a efeito, recompondo o meio integralmente ou pagando multa indenizatória direcionada para tal fim. Entretanto, a desocupação sometne poderá ser efetivada após garantia do Poder Público de designação de novo local adequado para a moradia da família (AC XXXXX-0, rela. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria).
Vou por trilha um pouco distinta, mas, na essência, esta sentença coincide com os fundamentos também lá postos.
Esta Corte de Justiça julgou improcedente o apelo, mantendo o entendimento exarado pelo sentenciante.
Em sede de agravo interno em recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça reconsiderou a decisão que não conheceu do recurso especial e assim consignou (evento 139, ACSTJSTF1):
Posto isso, nos termos do § 2º art. 1.021 do Código de Processo Civil de 2015, RECONSIDERO a decisão de fls. 353/358e, restando, por conseguinte, PREJUDICADO o agravo interno de fls. 363/374e, e DETERMINO a devolução dos autos ao tribunal de origem, com a devida baixa, para que o processo permaneça suspenso até a publicação dos acórdãos dos recursos acima identificados, a fim de que a Corte de origem, posteriormente, proceda ao juízo de conformidade.
A controvérsia, portanto, gira em torno da aplicação ou não dos limites de faixas non aedificandi de preservação permanente e preservação permanente às margens de cursos hídricos naturais previstos no art. da Lei Federal n. 12.651/2012 ( Código Florestal) (equivalente ao art. , a, da revogada Lei n. 4.771/1965), ainda que de urbanização consolidada, cuja largura varia de 30 (trinta) a 500 (quinhentos) metros, ou o recuo de 15 (quinze) metros previsto no art. , caput, III, da Lei n. 6.766/1979.
A rigor, relativamente ao Código Florestal anterior, o Código vigente é mais permissivo, porque delimita as zonas non aedificandi a partir de distância que é mensurada a partir da borda da calha do leito regular (médio) e não mais do seu maior nível de alagamento (art. , I, a, da Lei n. 4.771/1965).
De outra banda, revisitando a temática tratada com certa frequência nesta Corte, ensejando aplicação do Tema 1010 do Superior Tribunal de Justiça, quando tratou do conflito de normas do Código Florestal (Lei n. 12.651/2012) e da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei n. 6.766/1979) em relação às faixas marginais dos cursos d'água natural em área urbana consolidada, penso que a questão particular merece análise diferenciada diante das peculiaridades do caso concreto.
É preciso registrar que a decisão do STJ transitou pela previsão do Código Florestal que, em seu art. , inciso I, estabelece uma faixa marginal non aedificandi variável entre 30 e 15 metros, e a Lei do Parcelamento do Solo, a qual previa um afastamento de apenas 15 metros, nos termos da antiga redação do art. , III-A.
Cito, respectivamente, os dois dispositivos na íntegra:
Art. 4º Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:
I - as faixas marginais de qualquer curso d'água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: (Incluído pela Lei nº 12.727, de 2012).
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;
b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d'água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c) 100 (cem) metros, para os cursos d'água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d'água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d'água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;
Art. 4o. Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:
III-A. - ao longo das águas correntes e dormentes e da faixa de domínio das ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não edificável de, no mínimo, 15 (quinze) metros de cada lado;
Em um contexto no qual inúmeros empreendimentos foram autorizados ou licenciados em área urbana observando a metragem de 15 (quinze) metros estabelecida pela Lei de Parcelamento do Solo, um debate jurídico foi gerado acerca do conflito entre as disposições, o que levou o STJ a afetar o tema no ano de 2019.
Partindo de três casos em concreto que discutiam o mesmo tema, todos originários deste Tribunal de Justiça, a questão submetida a julgamento foi assim definida:
Extensão da faixa não edificável a partir das margens de cursos d'água naturais em trechos caracterizados como área urbana consolidada: se corresponde à área de preservação permanente prevista no art. , I, da Lei n. 12.651/2012 (equivalente ao art. , alínea 'a', da revogada Lei n. 4.771/1965), cuja largura varia de 30 (trinta) a 500 (quinhentos) metros, ou ao recuo de 15 (quinze) metros determinado no art. , caput, III, da Lei n. 6.766/1979.
Em julgamento realizado no dia 28 de abril de 2021 sob relatoria do Min. Benedito Gonçalves, a Primeira Seção do STJ entendeu que, na vigência do Código Florestal de 2012, a extensão não edificável nas APPs de curso d'água, localizados em área urbana, devem observar a metragem mínima de 30 metros, afastando, nesses casos, a aplicabilidade da Lei de Parcelamento do Solo. Transcrevo, a seguir, a tese fixada:
Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d'água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. , caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade.
Tendo em vista a prevalência das disposições do Código Florestal, alguns esclarecimentos acerca dos efeitos e da delimitação do tema 1010 são necessários para possibilitar o exame do caso em tela.
Inicialmente, destaco que a controvérsia analisada pelo STJ diz respeito unicamente ao lapso temporal de 2012 a 04/2021, datas em que houve, respectivamente, a promulgação da Lei 12.651 e o julgamento do tema 1010. Ainda que as normas anteriores ao Código Florestal de 2012 também tenham tratado, em suas disposições, a respeito do afastamento de cursos d'água, estas não foram delimitadas como parte da questão submetida a julgamento.
A delimitação do tema 1010 e as situações que foram impactadas pelo seu julgamento, trago à tona os apontamentos dos autores Mateus Stallivieri da Costa e Caio Henrique Bocchini, elencados ao longo do artigo intitulado "Qual o futuro das Áreas de Preservação Permanentes de curso d'água?" disponível no portal Direito Ambiental.com:
Uma primeira questão que precisa ser esclarecida é que o Tema 1010 tratou exclusivamente do conflito entre o Código Florestal de 2012 e a Lei de Parcelamento do Solo Urbano. Assim, não foi objeto de análise possíveis conflitos entre o Código Florestal e leis estaduais e municipais que determinam afastamentos distintos da faixa de APP.
[...]
Já a segunda questão é relacionada à delimitação temporal da decisão do STJ. A questão afetada tratava exclusivamente do conflito entre as duas normas citadas, uma de 1979 e outra de 2012. Assim, empreendimentos construídos antes de 2012 não foram afetados pelo julgamento, por mais que a faixa de APP, desde 1986, já fosse idêntica à atual.
[...]
Tornando ainda mais clara e dinâmica a incidência do tema 1010, o artigo "Lei 14.285/2021 e o novo regime das Áreas de Preservação Permanente Urbanas - Entenda os motivos, o que mudou e o que se deve esperar da nova regulamentação", de autoria de Mateus Stallivieri da Costa, trouxe uma tabela com comparativo entre a data que os empreendimentos foram construídos e as normas vigentes em cada momento.
Julgando pertinente para a resolução da presente problemática, e daquelas que futuramente venham a ser submetidas a este juízo, cito a tabela na íntegra:
Tabela 2 - Tema 1010 e o Regime de incidência das APPs Urbanas de Curso D'água
Qual a data do empreendimento? Antes de 1965 Entre 1965 e 1979 Entre 1979 e 1986 Entre 1986 e 2012 A partir de 2012 Qual a norma que regula o afastamento de cursos d'água? CFlo/34 CFlo/65 Conflito: CFlo/65 x Lei de Parc. Conflito: CFlo/65 ref. x Lei de Parc. Conflito: CFlo/12. x Lei de Parc STJ (tema 1010): Vale o CFlo/12 Onde ficam as áreas non aedificandi nessas normas? Áreas que sirvam para "conservar o regimen das águas" ou "evitar a erosão das terras" (art. 4º, a e b), são "de conservação perenne" (art. 8º) APP - 5 a 100 m CFlo/65: APP - 5 a 100 m Lei de Parc.: 15 m CFlo/65 ref.: APP - 30 a 500 m Lei de Parc.: 15 m APP - 30 a 500 m A situação é impactada pelo julgamento do tema 1010? Não Não Não Não, mas a faixa de APP é igual à do CFlo/12 (30 a 500 metros) Sim
Legenda:
CFlo/34: Código Florestal de 1934 (Decreto 23.793/34); CFlo/65: Código Florestal de 1965 (Lei 4.771/65); CFlo/65 ref.: Código Florestal de 1965 (Lei 4.771/65), com as reformas da 7.511/86 (a lei 7.803/89, posteriormente, mudou o texto sem mudança de sentido; CFlo/12: Código Florestal de 2012 (Lei 12.651/2012); Lei de Parc.: Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6.776/1979)
Fonte: COSTA, Mateus Stallivieri da. Lei 14.285/2021 e o novo regime das Áreas de Preservação Permanente Urbanas - Entenda os motivos, o que mudou e o que se esperar da nova regulamentação. In: Revista Acadêmica do IBRADIM, V.7, 2022.
Outro aspecto relevante para verificar se incidirá sobre o caso concreto os efeitos do julgamento diz respeito à necessária função ambiental da área objeto da demanda, que se caracteriza como um elemento essencial das áreas de preservação permanente, consoante a própria definição de APP apresentada no art. do Código Florestal:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
II - Área de Preservação Permanente - APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;
A partir de tal definição, retira-se que:
As áreas de preservação permanente são espaços que, a rigor e como regra, não admitem ocupação ou intervenção humana. Tal qual o próprio vocábulo sugere, são espaços que devem ser preservados de forma duradoura no tempo. Por preservação entende-se a manutenção de suas características naturais; significa protegê-los de danos ou alterações capazes de afetar aquelas características essenciais que fizeram tais espaços receberem qualificação legal especial."(NIEBUHR, Pedro. Manual das áreas de preservação permanente: regime jurídico geral, modalidades e exceções. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2022. p. 19).
Desse modo, para que uma área seja caracterizada como área de preservação permanente e a sua proteção legal seja mantida, esta deve, necessariamente, apresentar a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, além de facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. São características naturais e essenciais, sem as quais a área perderá a proteção especialmente concedida pelo legislador, gerando a denominada" perda da função ambiental ".
Acerca do assunto, esclarecem os autores Mateus Stallivieri da Costa e Caio Henrique Bocchini:
Assim, uma região que devido à antropização, ou até mesmo às mudanças naturais, perde as características elencadas, deixará de desempenhar a função ambiental que caracteriza legalmente uma APP. Portanto, inexistindo a função ambiental mencionada na Lei, não há que se falar em APP. Isso é o que na prática se chama de"perda da função ambiental", ou"perda da função ecológica".
Em Santa Catarina, a perda da função ambiental é reconhecida pelo próprio Código Estadual do Meio Ambiente, instituído pela Lei 14.675, de 13 de abril de 2009. Em seu art. 119-C, o Código dispõe que não se consideram APPs as áreas no entorno de reservatórios artificiais de água ou de acumulações naturais ou artificiais que tenham, isoladamente, superfície inferior a 1 ha (um hectare), deixando de conferir a qualificação especial, também, às faixas marginais de canais, valas, galerias de drenagem, talvegues ou cursos d'água não naturais:
Art. 119-C. Não são consideradas APPs, as áreas cobertas ou não com vegetação:
I - no entorno de reservatórios artificiais de água que não decorram de barramento ou represamento de cursos d'água naturais e nos formados preponderantemente por acumulação de água de chuva;
II - no entorno de acumulações naturais ou artificiais de água que tenham, isoladamente consideradas, superfície inferior a 1 ha (um hectare), sendo vedada nova supressão de áreas de vegetação nativa, salvo autorização do órgão ambiental estadual;
III - nas faixas marginais de canais, valas, galerias de drenagem ou de irrigação e talvegues de escoamento de águas da chuva;
IV - nas faixas marginais de cursos d'água não naturais, devido à realização de atividades de canalização, tubulação ou incorporação de cursos d'água a sistemas produtivos ou de drenagem urbana ou rural; e
O inciso III do referido dispositivo estadual reforça, acertadamente, a exigência do Código Florestal de que, para que uma área seja classificada como de preservação permanente, é necessária a existência de um curso d'água natural, perene ou intermitente, conforme disposição do art. , inciso I. Enquanto os canais, valas, galerias de drenagem ou irrigação constituem cursos d'água de origem antrópica, não sendo naturais, os talvegues são linhas que passam pela parte mais profunda de um vale, resultando da interseção das vertentes com dois sistemas de declives convergentes. Não configuram, assim, as faixas marginais de APPs de curso d'água.
Com maior relevância para a questão enfrentada por este Tribunal, o inciso IV aborda a perda da função ambiental, tratando especificamente da hipótese de canalização, tubulação ou incorporação a drenagem urbana e rural. A disposição está em conformidade com o previsto na lei federal, tendo em vista que nas hipóteses mencionadas não existe"função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas".
Em sentido complementar, também tratando da canalização e tubulação de cursos d'água, o Ministério Público de Santa Catarina consolidou o entendimento de inexistência de área de preservação permanente em todos os casos de canalizações em seção fechada por meio do Enunciado 11.
Tal Enunciado, elaborado pelo Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente, foi aprovado, em junho de 2020, pelos membros do Ministério Público do Estado de Santa Catarina e pelo Conselho Consultivo do Meio Ambiente com a seguinte redação:
ENUNCIADO 11: DA CANALIZAÇÃO E DA TUBULAÇÃO DE CURSOS D'ÁGUA
A canalização e a retificação de cursos d'água são atividades que estão previstas como potencialmente poluidoras e são passíveis de licenciamento ambiental, nos termos das Resoluções CONSEMA n. 98/2017 e n. 99/2017 e da Instrução Normativa n. 70/2015 do IMA.
Parágrafo Primeiro. O licenciamento ambiental dessas atividades ficará limitado aos casos excepcionalíssimos previstos no art. da Lei n. 12.651/2012, conceituados no art. , VIII, IX e X, do mesmo Código, observando, ainda, as exigências estabelecidas no art. 3º da Resolução CONAMA n. 369/2006, assim reconhecidas por prévio e competente estudo técnico e decisão motivada do órgão licenciador responsável.
Parágrafo Segundo. Nas áreas de preservação permanente marginais a cursos d'água canalizados ou retificados em seção aberta, devem ser mantidos os limites estabelecidos pelo art. da Lei n. 12.651/2012, respeitadas as eventuais flexibilizações previstas no procedimento de regularização ambiental.
Parágrafo Terceiro. Na hipótese de canalização ou de retificação em seção fechada (tamponamento ou tubulação), desde que regular e licenciada, bem como mantida a faixa sanitária definida em lei municipal, resta descaracterizada a área de preservação permanente.
Da leitura dos dispositivos, em especial do art. do Código Florestal, entende-se que não basta a mera existência de elemento hídrico para que incida o regime das APPs. É preciso que esse elemento hídrico seja, comprovadamente, um curso d'água natural, perene ou intermitente. Não há que se falar em faixa marginal de APP de curso d'água nos casos em que o elemento hídrico for um talvegue, vala de drenagem ou curso d'água natural efêmero.
Dessa forma, o julgamento do Tema 1010 apenas decidiu pela prevalência do Código Florestal de 2012 em relação à Lei de Parcelamento do Solo Urbano, não excluindo, ampliando ou alterando os critérios para que ocorra a caracterização das áreas de preservação permanente.
Além disso, ainda que se esteja diante de um curso d'água natural, a própria definição de área de preservação permanente existente no Código Florestal de 2012 exige, em caráter adicional, a existência de uma função ambiental. Caso contrário, também não haverá a incidência do regime e a consequente obrigatoriedade de manutenção da faixa marginal.
No caso aqui submetido a julgamento, entendo que não se trata de uma hipótese de aplicação da faixa marginal de área de preservação permanente de curso d'água dentro dos limites restritos reconhecidos pelo Tema 1010, tendo em vista que não se evidencia no local a necessária função ambiental na extensão integral protegida pelo Código Florestal, notadamente pelo fato de que referido curso d'água, mesmo natural, é praticamente impactado, na extensão do entorno do imóvel, pela expansão urbana.
Ainda, é importante esclarecer que, além do enquadramento ou não dentro do tema 1010 e da necessária caracterização do elemento hídrico como curso d'água natural com função ambiental, a correta aplicação da decisão do Superior Tribunal de Justiça também exige uma adequação ao caso concreto, sobretudo nos empreendimentos construídos, licenciados e autorizados em Santa Catarina, um Estado em que a ocupação e desenvolvimento de praticamente todas as cidades se deu a partir de vales e margens de rios.
A aplicação de forma genérica, sem se atentar para as especificidades de cada caso concreto, implicaria na" destruição "de boa parte de cidades como Blumenau, Itajaí, Joinville, Lages, Balneário Camboriú, Joaçaba, Tubarão e outras.
Na situação concreta, considerando o"overruling"ou mesmo a superação do precedente normativo decorrente da decisão do Superior Tribunal de Jusitça, verifico, à luz dos parâmetros delineados, a inviabilidade em dar procedência aos pedidos delineados pela FLORAM.
Compulsando os autos, é possível verificar que a parte ré foi autuada pela Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis (autos de infração ns. 8184 -evento 130, PROCJUDIC2, fl. 17- e 8185 -evento 130, PROCJUDIC2, fl. 24, ambos recebidos por terceiro) e, posteriormente, foi lavrado o parecer técnico com as seguintes informações (evento 130, PROCJUDIC2, fls. 29/33):



O croqui da área em questão, observo que o lote n. 10, terreno cuja edificação se pretende demolir, encontra-se, em tese, na área marginal de preservação do curso d´água de 30m (evento 130, PROCJUDIC2, fl. 33):

Dos autos ainda se retira que na região há a prestação de serviços essenciais de energia elétrica e de abastecimetno de água, bem como é recolhido o respectivo Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana:


Ademais, tenho que as alegações da ré no sentido de que 1) a área em questão se enquadra em área de exploração rural e não em APP, 2) há empresa de exploração de jazida de pedras - PEDRITA à margem do curso d´água e 3) que a edificação possui tanque séptico e sumidouro (evento 130, PROCJUDIC2, fls. 101/105) sequer foram impugnadas. Limitou-se o Ministério Público, no apelo, e a Floram, quando do ajuizamento da inicial, em argumentar tão somente que a edificação está dentro da margem de preservação do curso d´água e, portanto, deveria ser demolida.
No ponto, esclareço que o Ministério Público, munido das novas informações trazidas nos autos (empresa e demais edificações presentes na margem do curso d´água aqui discutido) solicitou informações sobre as medidas administratrivas da FLORAM acerca das irregularidades e instaurou inquérito para apurar o deslinde dos processos administrativos.
O sentenciante, à época, em inspeção in loco, no mais, assim relatou (evento 130, PROCJUDIC2, fl. 134):

Ato contínuo, foi elaborado novo relatório técnico pela Fundação Municipal do Meio Ambiente do Florianópolis com a respostas dos quesitos elaborados pelo juízo (evento 130, PROCJUDIC2, fls. 145/148):


Mutatis mutandis, este Òrgão Julgador já decidiu no sentido da relativização da aplicação dos parâmetros limitadores previstos no Código Florestal:
AMBIENTAL E URBANÍSTICO. REFORMA EM RESIDÊNCIA QUE SE ENCONTRA EM ESTADO PRECÁRIO. PEDIDO NEGADO NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA. IMÓVEL LOCALIZADO PRÓXIMO ÀS MARGENS DE UM CURSO D'ÁGUA. CONTROVÉRSIA QUANTO À NATUREZA DO ELEMENTO HÍDRICO, SE INTERMITENTE OU EFÊMERO, PROVENIENTE DE PRECIPITAÇÕES PLUVIOMÉTRICAS. PARECER TÉCNICO DA FLORAM NÃO CONCLUSIVO, QUE INDICA SE TRATAR DE CURSO D'ÁGUA INTERMITENTE E, PORTANTO, DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ESTUDO UNILATERAL DA APELANTE QUE APONTA SER EFÊMERO O CURSO D'ÁGUA, ATESTADO COM MEDIÇÕES HIDROLÓGICAS. CONJUNTO PROBATÓRIO FORTE NO SENTIDO DE NÃO CARACTERIZAR ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. SITUAÇÃO QUE NÃO RECLAMA PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. IMÓVEL SITUADO NO CANTO DA LAGOA DA CONCEIÇÃO. ÁREA URBANA CONSOLIDADA. ELEMENTO HÍDRICO INCORPORADO AO SISTEMA DE DRENAGEM URBANA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 3º, XXVI E 4º, I, A, DA LEI FEDERAL N. 12.651/2012; 28, VII, 119-C, III E IV E 120-B, I, DA LEI ESTADUAL N. 14.675/2009 E ART. 7º, X, DA LCM N. 482/2014. PREVALÊNCIA, ADEMAIS, DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. SENTENÇA REFORMADA. APELO PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. XXXXX-59.2015.8.24.0023, da Capital, rel. Rodolfo Cezar Ribeiro Da Silva Tridapalli, Quarta Câmara de Direito Público, j. 26-09-2019).
Colho, também, dos julgados deste Tribunal:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM.INCONFORMISMO VEICULADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.CONSTRUÇÃO IRREGULAR EM CURSO D'ÁGUA. ÁREA URBANA CONSOLIDADA. ADVENTO DO TEMA 1010 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CÓDIGO ESTADUAL QUE DEVE SER INTERPRETADO RESTRITIVAMENTE.EDIFICAÇÃO E CANALIZAÇÃO EXECUTADOS SEM LICENÇA OU AUTORIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE EFEITOS SIGNIFICATIVOS NA CONDIÇÃO NATURAL DO CURSO HÍDRICO DE FORMA A TOMÁ-LO NÃO-NATURAL. LAUDO TÉCNICO, ADEMAIS, QUE APONTOU PARA A RELAÇÃO DA OBRA E OS EVENTOS DE INUNDAÇÕES QUE OCORREM NO LOCAL. ÁREA DE RISCO POTENCIAL.DESRESPEITO À LEGISLAÇÃO AMBIENTAL CARACTERIZADONECESSIDADE DE DEMOLIÇÃO DO EDIFÍCIO E RECUPERAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA PELO PROPRIETÁRIO DO IMÓVEL. POSSIBILIDADE, NO ENTANTO, DE CONDICIONAR O DESFAZIMENTO DO PRÉDIO A EVENTUAL VIABILIDADE DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DO NÚCLEO, CONFORME O DISPOSTO NA LEI N. 13.465/17, QUE DISCIPLINA A REURB.AUSÊNCIA DE LESÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS DE TERCEIRA GERAÇÃO. DANO MORAL COLETIVO NÃO CONFIGURADO.SENTENÇA MODIFICADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE ACOLHIDO.( Apelação n. XXXXX-82.2018.8.24.0018, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Júlio César Knoll, Terceira Câmara de Direito Público, j. 28-02-2023).
MANDADO DE SEGURANÇA - EXTENSÃO DE APP A PARTIR DE CURSO D'ÁGUA EM ÁREA URBANA CONSOLIDADA - APLICAÇÃO DO ART. 119-C DO CÓDIGO AMBIENTAL ESTADUAL - RIO CANALIZADO - NÃO INCIDÊNCIA DO ESPAÇO TERRITORIALMENTE PROTEGIDO - JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA - NOVA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL - ANTINOMIA APARENTE - NORMA LOCAL QUE IMPLEMENTA ÁREA NÃO EDIFICIÁVEL - LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA - CONSERVAÇÃO DAS SITUAÇÕES CONSOLIDADAS - RECURSOS E REEXAME DESPROVIDOS.1. O Código Estadual do Meio Ambiente desobriga a manutenção de APP na hipótese de curso d´água canalizado (art. 119-C). É dizer, a função ambiental desempenhada pela zona de não interferência perde sua conotação original: se o objetivo principal da preservação das margens dos rios é resguardar a mata ciliar, como meio indispensável à estabilização ecológica do local, é mesmo custoso imaginar equivalente serventia para um corpo hídrico confinado em uma galeria determinada.Trata-se de norma especial, a qual regula hipótese de incidência não contemplada pelo Código Florestal, conforme jurisprudência consolidada nesta Corte de Justiça.2. O trecho fluvial que passa próximo do imóvel se encontra canalizado: seu trajeto original foi modificado pela ação humana, em intervenção antiga, e atualmente tem seu fluxo tubulado. Sob outro ângulo, o terreno do impetrante está localizado em área urbana consolidada, assim como não é considerado como área de risco.Se houve permissão da municipalidade para a interferência no recurso ambiental no sentido de promover a canalização, não pode agora negar as consequências jurídicas que advêm inevitavelmente dessa conduta liberatória.Inviável, a partir daí, o condicionamento da conservação da APP para a expedição da licença correspondente.3. A nova lei do Município de Joinville, que também trata do assunto, mas determinando a manutenção de um trecho de 5 metros, se ocupa de objeto distinto. O preceito local, ao conceber área não edificável, dispõe sobre a ordenação do território, trazendo uma limitação administrativa, competência constitucionalmente atribuída aos municípios (art. 30, inc. VIII).Seja como for, a própria norma local preserva as situações consolidadas (art. 11), hipótese na qual se enquadrada o acionante. A parte buscou a expedição da licença para construir em 2018, anteriormente à novidade legislativa. A negativa administrativa, então, deve ser avaliada sob o regramento contemporâneo ao requerimento, preservando-se as legítimas expectativas do particular.4. Recursos e remessa necessária desprovidos. ( Apelação Nº XXXXX-81.2018.8.24.0038/SC. Comarca de Joinville. Quinta Câmara de Direito Público. Rel. Des. Helio do Valle Pereira. Data do julgamento: 04.08.2021)
A demonstrar a relevância de se levar em conta, neste caso, as particularidades da localização do imóvel e da antropização como processo histórico inerente à modificação do ambiente urbano, destaco o julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1.770.760/SC, realizado em 28/06/2023, pelo Superior Tribunal de Justiça, afeto ao Tema XXXXX/STJ e originário de ação que tem como interessado o Município de Rio do Sul/SC:
PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. INCIDÊNCIA DO ART. , I, DA LEI N. 12.651/2012 (NOVO CÓDIGO FLORESTAL) OU DO ART. , CAPUT, III, DA LEI N. 6.766/1979 (LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO). DELIMITAÇÃO DA EXTENSÃO DA FAIXA NÃO EDIFICÁVEL A PARTIR DAS MARGENS DE CURSOS D'ÁGUA NATURAIS EM TRECHOS CARACTERIZADOS COMO ÁREA URBANA CONSOLIDADA. OMISSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. ANTROPIZAÇÃO (ÁREA CONSOLIDADA) EM APPS.1. Nos termos em que decidido pelo Plenário do Superior Tribunal de Justiça na sessão de 9/3/2016, aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista (Enunciado Administrativo n. 3).2. Tese fixada no julgamento do Tema XXXXX/STJ:"Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d'água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. , caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade".3. Embargos de declaração opostos pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção - CBIC, como amicus curiae, em que se alegam omissões quanto à: (a) excessiva abrangência da tese fixada, sem o enfrentamento de hipótese de pedidodemolitório em Áreas de Preservação Permanente onde ocorrida a perda da funçãoambiental (antropização em área de APPs); (b) modulação dos efeitos da decisão; e (c) falta de manifestação a respeito de dispositivos constitucionais, compatíveis, em tese, com o julgamento (artigos , caput, 30, I e VIII, 170, IV e VI, 182, §§ 1º e , 186, I a IV, 187, I a VIII, §§ 1º e , e 225 da Constituição Federal).4. Embargos de declaração opostos pelos autores, em que sustentam obscuridade e omissão consubstanciadas no fato de que, no caso concreto, haveria via pública entre a propriedade, objeto da controvérsia, e o curso d´ água localizado em área urbana consolidada, o que implicaria neutralização ou esvaziamento da função ambiental da APP local (antropização da área).5. O fato de os processos selecionados para julgamento como representativos da controvérsia não veicularem pedido demolitório em Área de Preservação Permanente, à margem de qualquer curso d´água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, tal como observado pelo amicus curiae, não conduz à existência de omissão no julgamento da tese, pois não é o tipo de ação ou de pedido nela contido que definirá a incidência, ou não, do artigo , caput, inciso I, alíneas a, b, c, d, e e, da Lei n. 12.651/2012. A tese definida no Tema XXXXX/STJ aplica-se a todo tipo de ação judicial, ainda que se trate de ação demolitória, sem que esse entendimento apresente surpresa, pois esta Corte Superior, em diversas oportunidades, já se manifestou a respeito da necessidade de se demolir aquilo indevidamente construído sobre Área de Preservação Permanente. Nesse sentido, confiram- se: REsp XXXXX/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 7/12/2017; REsp XXXXX/RS, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 13/8/2018; REsp XXXXX/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 10/12/2018; REsp XXXXX/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 13/12/2019; e AgInt nos EDcl na AR XXXXX/DF, Rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, DJe 12/8/2021.6. A antropização pode, às vezes, acarretar a perda da função ambiental em Áreas de Preservação Permanente, a partir das margens de cursos d'água naturais, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, o que ensejou a alegação de proprietários ou empreendedores de não mais ser viável a sua recomposição/restauração. Contudo, a disciplina da função ambiental prevista no inciso II do artigo da Lei n. 12.651/2012 informa que remanesce função ambiental na Área de Preservação Permanente e o dever de recuperação in natura quando esta possa, alternativamente e em tese: (a) preservar os recursos hídricos, (b) a paisagem, (c) a estabilidade geológica e a biodiversidade, (d) facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, (e) proteger o solo e (f) assegurar o bem-estar das populações humanas. Assim, havendo ao menos um dos elementos a caracterizar a proteção ao meio ambiente na Área de Preservação Permanente ou, ainda que não seja observado qualquer deles, mas seja tecnicamente possível a recuperação in natura da área para que ela possa readquiri-los para fins de restabelecimento da função ambiental no local, não se pode dizer que ocorreu o seu aniquilamento como efeito da antropização. Em síntese, se há um dos elementos ou sendo possível restabelecê-lo, tem-se que o fio condutor da proteção ambiental não se rompeu. Os esclarecimentos agora feitos não alteram a tese fixada no Tema XXXXX/STJ.O exame de eventual perda absoluta e tecnicamente irreversível in natura da funçãoecológica decorrente de suposta antropização em Área de Preservação Permanente de qualquer curso d'água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, está contido no campo das situações pontuais. São hipóteses que devem ser tratadas, caso a caso, pelas instâncias ordinárias, à luz da Súmula 613/STJ (vedação do fato consumado) e nos estritos limites e disciplina do Código Florestal, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981) e dos princípios reitores do Direito Ambiental.7. A observância da eventual perda da função ambiental na área em que contido o imóvel, objeto deste processo, além de não ter sido tratada no acórdão proferido pela Corte de origem (fls. 97-108), o que denota falta de prequestionamento da questão, impõe, como regra, o reexame de fatos e provas em recurso especial, situação que encontra óbice no teor da Súmula 7/STJ. A propósito, confira-se: AgInt no AREsp XXXXX/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe 24/4/2020.8. Não compete a este Tribunal Superior examinar suposta violação a normativos constitucionais, nem sequer para fins de prequestionamento, em razão de a matéria estar reservada ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do que dispõe o artigo 102, III, da Constituição Federal. Nesse sentido, confiram-se: EDcl no AgInt nos EAREsp XXXXX/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, DJe 7/12/2021; EDcl no AgInt nos EAREsp XXXXX/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Corte Especial, DJe 15/12/2021; EDcl no AgInt nos EREsp XXXXX/PR, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Seção, DJe 12/11/2021; EDcl no REsp XXXXX/PE, Rel. Min. Assusete Magalhães, Primeira Seção, DJe 14/6/2021; e AgInt nos EAREsp XXXXX/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Seção, DJe 23/3/2021.9. Não há falar em omissão quanto ao exame da modulação do Tema XXXXX/STJ, poisa questão foi apresentada na sessão de julgamento ocorrida em 28/4/2021, foi debatida e rejeitada pela Primeira Seção, conforme consta no voto condutor doacórdão ora embargado.10. Em 29 de dezembro de 2021 foi publicada a Lei n. 14.285/2021, que alterou normativos da Lei n. 12.651/2012 ( Código Florestal), da Lei n. 11.952/2009 e da Lei n. 6.766/1979 (Lei do Parcelamento do Solo Urbano), pelo que foi determinada a intimação das partes e do amicus curiae, em cumprimento aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, com posterior vista ao Ministério Público Federal (custos legis).11. A superveniência de norma abstrata que faculta aos Municípios e ao Distrito Federal alterar os limites das margens dos cursos d´água nas áreas urbanas consolidadas não deve ser examinada na via estreita destes embargos de declaração, pois, no julgamento do AgInt nos EREsp XXXXX/SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe de 21/3/2019, a Primeira Seção deste eg. STJ assentou compreensão segundo a qual não se admite a invocação de legislação sobreveniente no âmbito do recurso especial devido a essa espécie recursal possuir causa de pedir vinculada à fundamentação contida no acordão recorrido, não sendo possível a ampliação do seu objeto. Nesse sentido, confiram-se: AgInt nos EDcl no AREsp XXXXX/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 8/9/2022; e EDcl no REsp XXXXX/RS, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 2/6/2022.12. Eventual manifestação deste Colegiado a respeito da Lei n. 14.285/2021, neste momento, ocasionaria indevida ampliação da tese inicialmente admitida a julgamento e conduziria à inobservância da congruência objetiva, pois estar- se-ia a decidir fora dos limites do objeto litigioso e da questão inicialmente identificada e submetida a julgamento no microssistema de casos repetitivos, o que não se coaduna com as determinações contidas no caput do artigo 1.036 e no inciso I do artigo 1.037 do CPC, que tratam, respectivamente, da imprescindibilidade da multiplicidade de recursos, com idêntica questão de direito, e identificação precisa da questão a ser submetida a julgamento.13. Embargos de declaração dos autores e da CBIC rejeitados.
Diante do cenário exposto, a visão do magistrado revela-se a mais adequada para o caso em apreço, bem assim a decisão colegiada recorrida, a qual é mantida em sua conclusão, mas com os argumentos aqui explicitados.
3. Finalmente, não há espaço para fixação de honorários recursais, na forma da parte final do § 11 do artigo 85 do CPC, porque não atendidos os requisitos estipulados pela jurisprudência do STJ, consoante publicado na Edição 129 do Jurisprudência em Teses daquela Corte:
A majoração da verba honorária sucumbencial recursal, prevista no art. 85, § 11, do CPC/2015, pressupõe a existência cumulativa dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18.03.2016, data de entrada em vigor do novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou não provido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso.
4. Ante o exposto, em juízo negativo de retratação, voto no sentido de negar provimento ao apelo e à remessa necessária.

Documento eletrônico assinado por ANDRÉ LUIZ DACOL, Desembargador, na forma do artigo , inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador XXXXXv49 e do código CRC d511bd02.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANDRÉ LUIZ DACOLData e Hora: 14/7/2023, às 19:59:43
















Apelação Nº XXXXX-07.2007.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador ANDRÉ LUIZ DACOL


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: LORNA MORAIS BATALHA SERAFIM ADVOGADO: SUSANE AVELINO VALOIS (OAB SC014058) INTERESSADO: FLORAM FUNDAÇÃO MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE DE FLORIANÓPOLIS


EMENTA


JUÍZO DE ADEQUAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PRECEITO DEMOLITÓRIO. EDIFICAÇÃO CONSTRUÍDA PRÓXIMA A CURSO D´ÁGUA. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
PROVA DOCUMENTAL QUE EVIDENCIA QUE O IMÓVEL É SITUADO EM ÁREA URBANA CONSOLIDADA, CERCADO DE EDIFICAÇÕES COMERCIAIS E RESIDENCIAIS, DISPOSTA EM LOTEAMENTO PROVIDO DE SISTEMA DE ILUMINAÇÃO E DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA. DEMONSTRAÇÃO DE QUE A FUNÇÃO AMBIENTAL DA ÁREA NÃO EDIFICÁVEL NÃO SE ESTENDE, NA PRÁTICA, A 30 METROS DO BORDO MÉDIO DO CORPO HÍDRICO. ÁREA TOTALMENTE IMPACTADA E QUE PERDEU SUA FUNÇÃO AMBIENTAL. DISTINGUISHING QUE NÃO PERMITE APLICAR PRECEDENTE VINCULANTE, POR SE RECONHECER QUE A SITUAÇÃO SUB JUDICE NÃO SE ENCARTA NOS PARÂMETROS DE SUA INCIDÊNCIA. INAPLICABILIDADE DO TEMA XXXXX/STJ. INEXISTÊNCIA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA ENTRE O CASO CONCRETO E O CASO PARADIGMA FIRMADO. DECISÃO MANTIDA POR SUA CONCLUSÃO.
"O exame de eventual perda absoluta e tecnicamente irreversível in natura da função ecológica decorrente de suposta antropização em Área de Preservação Permanente de qualquer curso d'água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, está contido no campo das situações pontuais. São hipóteses que devem ser tratadas, caso a caso, pelas instâncias ordinárias, à luz da Súmula 613/STJ (vedação do fato consumado) e nos estritos limites e disciplina do Código Florestal, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981) e dos princípios reitores do Direito Ambiental"(STJ, EdCl no REsp 1.770.760, j. 28/06/2023).
No caso em testilha, as especificidades do caso concreto, evidencia tratar-se de área urbana consolidade, com ocupação intensa, inclusive por empreendimento empresarial (pedreira), inexistindo função ambiental do curso d'agua em questão capaz de ensejar a obrigatoriedade da observância de 30 metros por se tratar de área de preservação permanente. Elementos fáticos probatórios existentes nos autos que caracterizam o distinguishing em relação aos casos que conduziram ao estabelecimnto do Tema 1010.
JUÍZO DE ADEQUAÇÃO NEGATIVO.
APELO E REEXAME NECESSÁRIO DESPROVIDOS.

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina decidiu, por unanimidade, negar provimento ao apelo e à remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 13 de julho de 2023.

Documento eletrônico assinado por ANDRÉ LUIZ DACOL, Desembargador, na forma do artigo , inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador XXXXXv17 e do código CRC d19665eb.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ANDRÉ LUIZ DACOLData e Hora: 14/7/2023, às 19:59:43














EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 13/07/2023

Apelação Nº XXXXX-07.2007.8.24.0023/SC

INCIDENTE: JUÍZO DE RETRATAÇÃO

RELATOR: Desembargador ANDRÉ LUIZ DACOL

PRESIDENTE: Desembargadora VERA LÚCIA FERREIRA COPETTI

PROCURADOR (A): IVENS JOSE THIVES DE CARVALHO
APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: LORNA MORAIS BATALHA SERAFIM ADVOGADO (A): SUSANE AVELINO VALOIS (OAB SC014058)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual do dia 13/07/2023, na sequência 100, disponibilizada no DJe de 21/06/2023.
Certifico que a 4ª Câmara de Direito Público, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:A 4ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO APELO E À REMESSA NECESSÁRIA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador ANDRÉ LUIZ DACOL
Votante: Desembargador ANDRÉ LUIZ DACOLVotante: Desembargador ODSON CARDOSO FILHOVotante: Desembargadora VERA LÚCIA FERREIRA COPETTI
CLODOMIR GHIZONISecretário
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sc/1900011806/inteiro-teor-1900011807

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