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28 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça de São Paulo
há 9 meses

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

27ª Câmara de Direito Privado

Publicação

Julgamento

Relator

Alfredo Attié

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-SP_AC_10003636420218260444_70a47.pdf
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Inteiro Teor

Registro: 2023.0000767377

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº XXXXX-64.2021.8.26.0444, da Comarca de Pilar do Sul, em que é apelante LENARA CAVALCANTE DA SILVA (JUSTIÇA GRATUITA), são apelados GARCIA MAIS FLORESTAL LTDA. ME e MARCIO GOMES DE MEDEIROS.

ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 27a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Por maioria, deram parcial provimento ao recurso, vencidos o relator e o 2º Juiz. Declara voto o relator sorteado. M.V., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ROGÉRIO MURILLO PEREIRA CIMINO (Presidente sem voto), ALFREDO ATTIÉ, vencedor, MICHEL CHAKUR FARAH, vencido, DARIO GAYOSO, CELINA DIETRICH TRIGUEIROS E DAISE FAJARDO NOGUEIRA JACOT.

São Paulo, 4 de setembro de 2023.

RELATOR DESIGNADO

Assinatura Eletrônica

COMARCA: PILAR DO SUL

APELANTE: LENARA CAVALCANTE DA SILVA (JUSTIÇA GRATUITA)

APELADO: GARCIA MAIS FLORESTAL LTDA. ME E OUTRO

VOTO N.º 20.810

ACIDENTE DE TRÂNSITO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. TÉCNICA DO JULGAMENTO PARCIAL E ANTECIPADO DO MÉRITO NO RECURSO DE APELAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Sentença de improcedência dos pedidos parcialmente reformada.

2. Dinâmica do acidente incontroversa. A autora trafegava em via pública com sua bicicleta, quando foi atropelada pelo caminhão conduzido pelo réu Márcio, de propriedade da ré Garcia Mais Flores e que realizava conversão à direita em via movimentada. Motorista réu que, além de não ter sinalizado a conversão por meio de luz indicadora ou de gesto com o braço e com a devida antecedência, também desrespeitou sinalização de parada obrigatória (placa "PARE"). Autora que não realizou ultrapassagem pela direita, como equivocadamente constou da sentença.

3. Ao realizar conversão à direita, o condutor deverá indicar seu propósito de forma clara e com a devida antecedência, por meio da luz indicadora de direção de seu veículo, ou fazendo gesto convencional de braço, nos exatos termos do art. 35 do Código de Trânsito Brasileiro.

4. Desrespeito à sinalização "PARE". Com relação à placa "PARE" (placa"R1", conforme Res. nº 180 do CONTRAN), não basta a mera redução de velocidade, de modo que o uso desse tipo de sinalização implica na obrigatoriedade de parada do veículo e sua imobilização completa antes da zona de conflito e que, quando desrespeitada, como no caso, constitui infração de natureza gravíssima, prevista no art. 208 do Código de Trânsito Brasileiro. 5. Existência de suposto ponto cego que implica em necessidade de maior cuidado na realização de manobra, ainda mais em se tratando de veículo de grande porte (um caminhão). Réu que, ainda, teve diversas oportunidades de enxergar a bicicleta conduzida pela autora. Manobra imprudente e que violou o art. 28 do Código de Trânsito Brasileiro.

6. Durante a manobra de mudança de direção, o condutor deverá ceder passagem aos ciclistas, nos termos do art. 38, parágrafo único, do Código de Trânsito Brasileiro, norma também violada pelo réu.

7. Respeitadas as normas de circulação e conduta, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres, nos termos do art. 29, § 2º, do Código de Trânsito Brasileiro, norma que implica em orientação ética a todos os condutores nas vias de trânsito, e que também foi violada pelo réu.

8. Culpa concorrente. Autora que utilizava fones de ouvido no momento da colisão, em violação ao art. 252, VI, do Código de Trânsito Brasileiro. Percentual de redução em 1/4, nos termos do art. 945 do CC/2002. Equipamentos de segurança que não são obrigatórios aos ciclistas e cuja ausência não impactou no curso causal, ante a gravidade do acidente (roda do caminhão que passou em cima da cabeça da autora). Inexistência de desrespeito à exigência de distância lateral pela autora, condutora da bicicleta. Norma do art. 201 do Código de Trânsito Brasileiro, que impõe distância lateral de um metro e cinquenta centímetros, que é direcionada aos veículos de maior porte e não aos ciclistas, isto é, o dever de respeito à distância lateral era dirigido ao réu, que conduzia o caminhão, e que deveria ter se afastado da bicicleta, e não o contrário.

9. Solidariedade entre o condutor e a proprietária do veículo reconhecida. Denunciação da lide. Cabimento, nos termos do contrato.

10. Danos materiais parcialmente reconhecidos (indenização pela perda total da bicicleta).

11. Demais danos ainda não comprovados (danos materiais e morais). Juízo de primeiro grau que não facultou às partes a indicação de provas e não realizou perícia, para apuração da extensão dos danos corporais e estéticos.

12. Aplicação da técnica do julgamento parcial e antecipado do mérito no próprio recurso de apelação. Possibilidade. Inteligência do art. 356 do CPC/2015. Precedente do STJ. Abandono do dogma da unicidade da sentença. O mérito da causa pode ser cindido e examinado em duas ou mais decisões prolatadas no curso do processo. Princípios da razoável duração do processo, da eficiência e da economia processual. Necessidade de realização de prova pericial e reabertura da instrução, para a apuração da extensão dos demais danos. Sucumbência que será analisada em sentença.

13. Votos vencidos.

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO POR MAIORIA DE VOTOS.

Vistos.

Adota-se o minucioso relatório do Des. Michel Chakur Farah, acrescentando-se tratar-se de ação indenizatória, envolvendo acidente de trânsito, cujo pedido foi julgado improcedente pela sentença de fls. 444/458.

Apela a autora (fls. 461/477) pretendendo a reforma da sentença. Alega, em síntese, não ter realizado qualquer conduta ilícita, já que não tentou ultrapassar o caminhão, sendo que este não parou na conversão, o que é possível de ser verificado com os vídeos juntados. Acena para a culpa do motorista do caminhão, que não sinalizou a conversão à direita, conforme relatado pela testemunha Laís. Informa que não usava fones de ouvido na hora do acidente, conforme o relato das testemunhas Geremias e Felipe. Questiona a alegação de "ponto cego", pois, antes mesmo de iniciar a manobra em conversão, bastava o condutor ter visualizado o retrovisor direito a apelante trafegando ao seu lado. Acena para as graves lesões, como "fratura do braço, com necessidade de cirurgia ortopédica de alta complexidade, com aplicação de 'pinos', bem como escoriações, escalpelamento, laceração e deslocamento de pele facial com exposição parcial de crânio, que desencadearam dano estético facial na apelante, a qual precisou passar por duas cirurgias plásticas reparativas (fls. 045/051, 061, 091/126). Ainda, o acidente causou lesões psicológicas/emocionais, diagnosticadas como estresse pós-traumático, as quais vem sendo tratadas por meio de sessões de terapia com psicólogo, psiquiatra e medicamentos controlados (fls. 052, 056/057, 259/260), sem contar os danos materiais suportados pela apelante, conforme exaustivamente explanado e provado .". Assim, defende a culpa exclusiva do réu e a procedência dos pedidos, ou, sucessivamente, a culpa concorrente.

Contrarrazões a fls. 481/490 e fls. 494/501.

É O RELATÓRIO.

Com a devida vênia ao Relator, o recurso parcial comporta provimento.

Cuida-se de ação indenizatória, envolvendo acidente de trânsito, movida por LENARA CAVALCANTE DA SILVA em face de GARCIA MAIS FLORESTAL LTDA e MARCIO GOMES DE MEDEIROS. Houve, ainda, denunciação da lide da ré BRADESCO AUTO/RE COMPANHIA DE SEGUROS.

Conforme consta da inicial e das defesas apresentadas, é incontroverso o acidente de trânsito ocorrido em 28/11/2020, por volta das 8 horas da manhã, na Avenida Antônio de Carvalho, esquina com a Avenida Miguel Petrere, em Pilar do Sul, em que a autora, conduzido sua bicicleta, acabou sendo atropelada pelo caminhão tipo carreta "bi-trem", modelo VOLVO, de propriedade da ré Garcia Mais Florestal e conduzido pelo réu Marcio Gomes de Medeiros, quando realizada conversão à direita, atingindo a autora, que se encontrava em sua bicicleta no limite entre o leito carroçável e a calçada, e no mesmo sentido de direção. Ambos trafegavam lado a lado e no mesmo sentido de direção. A autora acabou sendo arrastada pela carreta, com a colisão, o que ocasionou o deslocamento de sua pele facial esquerda, além de exposição parcial de seu crânio, tendo fraturado seu braço esquerdo, ainda.

Há, nos autos, dois vídeos do acidente, em perspectivas diversas (fls. 491), e que permitem a compreensão exata de sua dinâmica e da gravidade do acidente.

Após a produção de provas documental e oral em audiência, assim concluiu o Juízo de primeiro grau quanto à dinâmica do acidente:

"E no que diz respeito à culpa pelo acidente os elementos coletados nos autos sinalizam recair com exclusividade sobre a autora.

As testemunhas, consoante se esmiuçará nesta decisão, não presenciaram o momento do acidente.

Entretanto, câmeras de segurança lograram registrar o momento exato da ocorrência, sendo de importância ímpar a sua análise.

Pontuo, por oportuno, ter analisado as mídias físicas depositadas em cartório (fl.221), cuja qualidade supera a das imagens disponibilizadas via link na contestação.

Aos 27 segundos é possível visualizar a autora transitando pela via, ao lado direito do caminhão envolvido no acidente.

Aos 31 segundos é possível observar que a autora ultrapassaria o caminhão por sua lateral direita caso não tivesse o réu Márcio iniciado a manobra para conversão. A imagem confirma a versão da própria autora, de que ela seguiria pela mesma Avenida.

Aos 32 segundos a autora já havia diminuído consideravelmente sua velocidade e aos 33 segundos a autora já havia parado sua bicicleta. Todavia, é possível ver que o fez na pista e não na calçada.

As imagens demonstram que a autora não estava parada esperando para realizar a travessia, mas sim que seguia pela via, ao lado direito do caminhão, o que revela imprecisão na narrativa inicial dos fatos.

Entre os segundos 36 e 37 é possível observar que a autora teve tempo de modificar a posição de sua bicicleta. Desde os 33 segundos já estava paralisada, denotando que teria tempo, assim como o teve de girar a bicicleta, de retornar alguns centímetros atrás, de modo a se posicionar na calçada, evitando ser atingida pelo rodado.

No entanto, continuou sobre a pista, sem manter o necessário e seguro distanciamento dos veículos em trânsito. De se destacar que ainda que se cogite ausência de sinalização de conversão pelo motorista do caminhão, a autora inegavelmente percebeu a manobra, parou com sua bicicleta e continuou posicionada em local inapropriado, já na pista, enquanto poderia ter retornado para a calçada.

Somente no segundo 38 é possível observar que o último rodado do caminhão atinge primeiro a bicicleta da autora. O objeto é puxado com a força do caminhão gerando o atropelamento e infeliz acontecimento.

Das mesmas imagens é possível captar que o caminhão emitia o sinal luminoso da conversão. Embora a imagem reste um pouco prejudicada em razão da luminosidade, ao ser analisada em velocidade reduzida, quadro a quadro é possível visualizar a luz do caminhão a piscar.

Já a prova oral não revelou detalhes outros do acidente.

A autora disse que"estava saindo de casa e indo trabalhar. Sempre passava pelo local do acidente. Tinha intenção de continuar reto e não de ir para a direita. Não percebeu que o caminhão iria para a direita, porque ele não sinalizou, por isso continuou. O caminhão iria reto pela mesma avenida que pretendia seguir. Ficou afastada por cerca de 4 meses após o acidente. Recebeu DPVAT".

O réu MÁRCIO GOMES DE MEDEIROS afirmou que"é motorista profissional há mais ou menos 12 anos. Que saiba nunca deu causa a nenhum acidente.

No dia anterior ao acidente não tinha dirigido, por conta da chuva, porque trabalha com madeiras. Saiu da avenida e entrou em outra avenida, tinha dado a seta, olhou que não vinha ninguém e entrou na avenida Miguel Petrere. Lenara estava no ponto cego, onde não tem visão de quem está ao seu lado quase. Na hora de fazer a manobra não se consegue ver a última carreta. Não viu a Lenara próximo à carreta. Na cabine há sonorização de conversão, mas não para fora. Seguiu pela avenida e viu um carro atrás, ele piscava o farol, deu espaço para ele e a pessoa lhe avisou sobre o acidente. Voltou ao local com essa pessoa. Ficou no local. O caminhão deixou no local que parou. Já havia gente socorrendo a Lenara. Estava nervoso e ficou ali, mas mais afastado. Não tinha visto a ciclista em nenhum momento".

A testemunha FELIPE SILVA REIS esclareceu que"não viu o acidente acontecer. Chegou em segundos após. Quando chegou viu Lenara, a reconheceu pela roupa da empresa, porque trabalhavam no mesmo local. Ela estava sendo apoiada por uma pessoa. Estava ferida, com um corte grande na cabeça. Não viu fone de ouvidos perto da vítima".

GEREMIAS CARVALHO DA SILVA alegou que"não viu o acidente, só ajudou socorrer porque ouviu os gritos. Não viu fones de ouvido no momento".

Já ABEL KELER afirmou que"trabalha no posto, estava chegando para trabalhar no momento. Já tinha três pessoas socorrendo a autora. Ela estava consciente e gritava muito, pedindo para ligar para o marido. Ela usava fones, em um lado no ouvido e outro fora".

JORGE APOLINÁRIO deu versão semelhante dizendo que"trabalha com caminhão. Não tem vínculo com a parte ré. Chegou perto da vítima após os fatos, ela gritava e estava consciente, pedindo ajuda. A vítima usava fones de ouvido no momento, um fone na orelha e outro estava fora".

Por fim, a testemunha LAÍS BENTO DE OLIVEIRA PEDROSO relatou que"estava indo trabalhar. Ao atravessar viu o caminhão, mas achou que dava tempo porque ele não deu a seta. Até deu uma corrida para terminar de passar a rua porque o caminhão converteu. Quando viu Lenara ela já estava em cima do pátio do posto empurrando a bicicleta. Ela estava entrando no pátio já".

O depoimento merece análise cuidadosa, na medida em que a testemunha manifestou sua opinião em audiência, aduzindo ter sentido que também poderia ser sido vítima do acidente, dada a circunstância de estar atravessando a rua próximo ao momento.

Ainda, que ficou em choque com o acontecimento.

Não bastasse, elementos sinalizam incongruências na versão. Entre os 33 e 34 segundos do vídeo é possível ver que a

testemunha atravessava de modo tranquilo a via, sem ter corrido como alegou. Quando o caminhão iniciou a conversão ela já havia concluído dois terços do trajeto de travessia, conforme se denota do segundo 32 do vídeo.

Em soma, observo que a referida testemunha caminhou ainda 9 passos após a vítima ser atingida, para só então se dar conta do ocorrido (segundo 37). Não estava, portanto, atenta ao fato e tampouco viu o momento do atropelamento. Estava, pois, de costas quando a autora foi atingida pelo rodado.

Lenara tampouco estava em cima da calçada do posto, como referiu a testemunha. É possível observar claramente pelas imagens que a autora estava na pista. A delimitação do meio-fio é sinalizada pela água parada, o, torna bem clara a posição da autora no momento do fato.

O veículo que chega logo após os fatos sobe a guia nesta divisória, onde há água, deixando claro o limite calçada/pista.

A autora também não estava adentrando ao pátio do posto como aduziu a testemunha. Segundo versão da própria parte demandante, ela seguiria pela avenida e não adentraria no Posto nem viraria a direita.

Estes elementos denotam a necessidade de analisar cautelosamente o depoimento da testemunha, ao alegar que o caminhão não sinalizou a conversão.

O contexto fático, portanto, resta claro e evidencia que a autora estava realizando manobra insegura, ao dividir lateralmente a pista com o caminhão e ao tentar ultrapassagem dele por sua lateral direita. A manobra era insegura, ainda, por ter parado sobre a pista, não retornando à calçada para manter distância segura do caminhão.

A conduta da própria autora foi a causa primária e determinante para a ocorrência do acidente.

O Código de Trânsito Brasileiro apresenta as normas de segurança para todos que se utilizem das vias urbanas ou rurais.

Aplica-se, pois, não somente aos veículos automotores, mas também aos veículos de tração humana, como a bicicleta (art. 96, I, c, CTB).

Tal disposição implica afirmar que para o trânsito na via a autora estava subordinada às normas do CTB.

Sendo assim, analisando a conduta dinâmica da autora, de se concluir que realizaria manobra indevida ao ultrapassar o caminhão pela direita.

Inicialmente, a ultrapassagem sequer poderia ser realizada de modo seguro, estabelecendo o art. 33 do CTB que"nas interseções e suas proximidades, o condutor não poderá efetuar ultrapassagem".

Com efeito, em seu depoimento pessoal a autora alegou que continuaria seguindo pela avenida. Já as imagens das câmeras de segurança revelam que imprimia em sua bicicleta velocidade superior ao caminhão, de modo que acabaria por ultrapassá-lo pelo lado indevido.

O art. 29, IV do CTB é claro ao estipular que"quando uma pista de rolamento comportar várias faixas de circulação no mesmo sentido, são as da direita destinadas ao deslocamento dos veículos mais lentos e de maior porte, quando não houver faixa especial a eles destinada, e as da esquerda, destinadas à ultrapassagem e ao deslocamento dos veículos de maior velocidade".

Do mesmo artigo, o inciso IX trata que"a ultrapassagem de outro veículo em movimento deverá ser feita pela esquerda, obedecida a sinalização regulamentar e as demais normas estabelecidas neste Código, exceto quando o veículo a ser ultrapassado estiver sinalizando o propósito de entrar à esquerda".

Lembrando que por se tratar de bicicleta, a condução era feita pela faixa direita, na forma do art. 58 do CTB.

Ocorre que transitar pela faixa direita não autoriza qualquer veículo a circular na mesma faixa do veículo à frente, com ele dividindo o espaço lateralmente, tal qual fazia a autora instantes antes do acidente.

No contexto revelado pelo vídeo do momento do acidente é de se depreender que a sinalização de conversão, ocorrida ou não, não tornaria diferente o desfecho, pois a autora imprimia velocidade maior em sua bicicleta e dividia a via lado a lado com o caminhão.

Lidando com a hipótese de a vítima ter avistado o sinal de conversão, não lhe restaria muito a fazer, dado que seguia pela lateral do caminhão, não lhe conferindo espaço seguro de manobra.

Novamente das imagens da câmera de segurança é possível observar que o caminhão transitava em sua pista e a autora chega em seguida, em maior velocidade, dividindo a mesma pista que o caminhão.

Se a pretensão da demandante era ultrapassar o veículo mais lento, o deveria fazer pela faixa da esquerda (art. 29, IV, CTB).

A propósito, constitui infração de trânsito"Ultrapassar pela direita, salvo quando o veículo da frente estiver colocado na faixa apropriada e der sinal de que vai entrar à esquerda"(art. 199, CTB).

Por outro lado, considerando a conduta estática, quando já parada com sua bicicleta, a autora estava equiparada ao pedestre, consoante disposição do art. 68, § 1º do CTB.

Logo, ao cruzar a via deveria aguardar a manobra do caminhão, manobra esta percebida pela demandante, tanto que é este o motivo determinante de sua parada.

Estabelece o art. 69 do CTB que"Para cruzar a pista de rolamento o pedestre tomará precauções de segurança, levando em conta, principalmente, a visibilidade, a distância e a velocidade dos veículos, utilizando sempre as faixas ou passagens a ele destinadas sempre que estas existirem numa distância de até cinquenta metros dele, observadas as seguintes disposições".

As imagens revelam que a autora parou na pista, quando poderia ter se posicionado na calçada. Ademais, havia faixa de pedestres bem próxima, caso desejasse efetuar a travessia empurrando a bicicleta.

De todo o conjunto probatório extrai-se não ser possível atribuir aos réus a culpa pelo acidente, sendo improcedente a pretensão indenizatória deduzida na inicial."

A sentença é mantida no voto condutor, que conclui pela imprudência da vítima, nos seguintes termos:

"(...) a autora surgiu, em velocidade, trafegando ao lado direito do veículo. Nota-se, também, que o caminhão já tinha iniciado o movimento de conversão à direita quando a bicicleta se aproximou repentinamente, em velocidade acelerada, e seu viu forçada a frear na esquina e, como estivesse na pista de rolagem e os fatos de dessem rapidamente, não teve o necessário e esperado reflexo para afastar-se dali para que o caminhão terminasse de fazer a curva sem atingi-la.

Diferentemente do alegado pela apelante a fl. 471, anoto que a autora, como dito na sentença, viu o caminhão a tempo de dele se esquivar (o que afasta o elemento surpresa), de modo que pouca relevância há na alegação e que o motorista não tenha olhado no espelho retrovisor.

A insistência da apelante (fl. 468) no sentido de que o condutor do veículo não sinalizou a conversão (" não deu seta ") não prospera porque a causa decisiva e necessária para o acidente foi o fato de a autora, em sua bicicleta, trafegar ao lado do caminhão e não ter guardado a distância de segurança lateral em relação ao outro veículo, como impõe a legislação de regência (art. 29, II, CTB).

Salienta-se que não foi o motorista do caminhão quem deixou de guardar a distância mínima e prudente, mas a própria ciclista, ora apelante, que se posicionou em um local de difícil manobra para um caminhão do porte do envolvido.

Cumpre acrescentar, de outro lado, que os depoimentos colhidos (fls. 387) foram unânimes em afirmar que a apelante não usava equipamento de proteção para ciclistas, isto é, não usava capacete ou outros acessórios, o que evidentemente contribuiu decisivamente para a extensão dos danos sofridos por ela."

Com a devida vênia ao Relator, a sentença comporta reforma.

A dinâmica do acidente está devidamente demonstrada nos autos e, especialmente, pelos dois vídeos juntados, restando configurada, a um lado, a responsabilidade do condutor do caminhão pelo acidente, que conduziu, de forma imprudente, o veículo, e foi o responsável pelos danos materiais e morais sofridos pela autora e, a outro lado, a responsabilidade da autora, que também atuou de forma imprudente.

A divergência inaugurada no presente voto reside na compreensão de que duas causas acabaram sendo determinantes ao desfecho causal do acidente, quanto à conduta do motorista réu, sendo que a primeira delas foi devidamente analisada no voto condutor, cuja compreensão, com a devida vênia ao bem lançado voto do relator, se discorda, e uma segunda causa, que acabou não sendo analisada na sentença e que é de extrema relevância para a compreensão de toda a dinâmica do acidente.

As duas causas que ocasionaram o acidente e que podem ser imputadas ao condutor do caminhão são as seguintes: o condutor do caminhão, ao realizar a conversão à direita, não sinalizou a manobra por meio de seta; e, o condutor do caminhão, ao se deparar com sinalização vertical de "PARE", não interrompeu sua trajetória e ingressou diretamente na via e, pior, realizou conversão à direita sem as devidas cautelas e em manobra arriscada e imprudente.

A partir dos dois vídeos constantes dos autos é possível compreender a dinâmica do acidente.

No primeiro vídeo ("CAM14"), cuja imagem é voltada quase que exclusivamente para a Avenida Antônio Carvalho, é possível notar que, em 8:04:16, o caminhão trafega na avenida em direção ao cruzamento com a Avenida Miguel Petrere, aparentemente em baixa velocidade. 10 segundos depois a bicicleta conduzida pela autora surge no vídeo (08:04:26), trafegando paralelamente ao caminhão, em velocidade ligeiramente maior, sem ter ultrapassado o caminhão, frisa-se, embora tenha chegado até aproximadamente o terço da frente do veículo. 3 segundos depois (08:04:27), ao se aproximarem do cruzamento, bicicleta e caminhão, a primeira para completamente, ao passo que o segundo não realiza parada e logo inicia a conversão à direita na Avenida Miguel Petrere, quando, em 08:04:37, acaba atropelando a autora, passando por cima dela com as rodas traseiras.

No segundo vídeo ("CAM13"), cuja imagem é voltada quase que exclusivamente para a Avenida Miguel Petrere, chama a atenção, à sua esquerda e ao meio, a placa de sinalização "PARE" , sendo possível notar que, em 08:04:29, a bicicleta e o caminhão conduzido pelo réu surgem no vídeo, ambos em movimento, sendo que a autora interrompe sua trajetória e não ingressa na via, mas o caminhão não para e acaba realizando, de forma descuidada, a conversão à direita , e em 09:04:38 atropela a autora, que estava no leito carroçável, quase que na calçada, parada. Pouco antes da colisão, a testemunha Laís atravessava na faixa de pedestres.

A falta de sinalização por meio de seta, primeira causa para o acidente, foi notada tanto pela autora, quanto pela testemunha Laís, que, em audiência, é clara ao descrever que estava atravessando a faixa de pedestres no momento do acidente e que "vi que tava vindo caminhão mas pra mim ele ia passar reto pois ele não deu seta , aí eu atravessei na faixa de pedestres assim que eu tava passando a faixa ele virou com o caminhão, até eu dei uma corrida para terminar de passar a rua". A suposta inconsistência em seu relato, apontado na sentença, relacionada à manifestação de opinião em audiência não pode ser imputada à testemunha, pois decorreu de pergunta realizada pela advogada, sendo que cabia ao Magistrado, no exato momento da pergunta, ter determinado à testemunha que não respondesse, nos exatos termos do art. 459 do CPC/2015. Alegar, ainda, que a testemunha não estava atenta, com a devida vênia, é afirmação que remete a subjetivismo sem qualquer prova nos autos, até porque o caminhão e a autora estavam em seu campo de visão quando atravessava a faixa de pedestres. Inclusive, no exato momento em que a testemunha colocou os pés na calçada, o caminhão ingressou em cima da faixa de pedestres, de modo que a testemunha tinha totais condições de visualizar o ocorrido e seu relato é coeso e coerente.

A ausência de sinalização da conversão foi crucial para o acidente, pois, conforme o primeiro vídeo, autora e réu trafegavam em paralelo instantes antes do acidente, até o cruzamento. Se houvesse sinalização pelo condutor réu, a autora poderia ter interrompido sua trajetória muito antes e certamente o acidente não teria ocorrido.

Não é demais relembrar que, ao realizar conversão à direita, isto é, antes de iniciar qualquer manobra que implique um deslocamento lateral, o condutor deverá indicar seu propósito de forma clara e com a devida antecedência, por meio da luz indicadora de direção de seu veículo, ou fazendo gesto convencional de braço, nos exatos termos do art. 35 do Código de Trânsito Brasileiro. O réu não sinalizou a conversão. Se o tivesse feito, e com antecedência, a autora poderia ter se precavido e interrompido, antes, a sua trajetória, ou até mesmo ter se deslocado para a calçada.

Além disso, o condutor do caminhão também violou o art. 38, parágrafo único, do Código de Trânsito Brasileiro, pois não cedeu passagem à ciclista, já que, "durante a manobra de mudança de direção, o condutor deverá ceder passagem aos pedestres e ciclistas, aos veículos que transitem em sentido contrário pela pista da via da qual vai sair, respeitadas as normas de preferência de passagem .".

Inclusive, quanto à alegação de que havia ponto cego, também sem razão o condutor, tanto porque a própria existência de ponto cego implica em um maior cuidado na realização de manobras, especialmente de deslocamento lateral e em veículo de grande porte, quanto porque a autora esteve no campo de visão do réu, e sem contar o período anterior à manobra, já que vinha atrás do caminhão, por mais 11 segundos e em diversos pontos, atrás e no meio do caminhão. Foram diversas as oportunidades que o réu teve de enxergar que, em sua direita, havia uma bicicleta. Houve, assim, violação ao art. 28 do Código de Trânsito Brasileiro ("O condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito .").

Mais gravemente, o art. 29, § 2º, é claro ao prever que os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, implicando essa norma em orientação ética a todos os condutores nas vias de trânsito, previsão desrespeitada pelo réu:

§ 2º Respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres.

Mas não só.

O desrespeito à sinalização "PARE", segunda causa para o acidente, e que não foi devidamente percebida na sentença, é notada em ambos os vídeos, sendo que a placa consta da imagem do segundo vídeo, à esquerda na parte central da imagem.

Com relação à placa "PARE" (placa"R1", conforme Res. nº 180 do CONTRAN), não basta a mera redução de velocidade. O uso desse tipo de sinalização implica na parada do veículo e sua imobilização completa antes da zona de conflito, e que, quando desrespeitada, constitui em infração de natureza gravíssima , prevista no art. 208 do Código de Trânsito Brasileiro:

Art. 208. Avançar o sinal vermelho do semáforo ou o de parada obrigatória, exceto onde houver sinalização que permita a livre conversão à direita prevista no art. 44-A deste Código: (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência)

Infração - gravíssima;

Conforme a Res. 180 do CONTRAN, ainda, a sinalização de "PARE" é utilizada para reforçar ou alterar a regra geral de direito de passagem, prevista no art. 29, III, alínea c, do Código de Trânsito Brasileiro, a qual preceitua que, em cruzamentos não sinalizados, terá preferência o que vier pela direita do condutor.

Em consulta ao "Google Street View", inclusive, consta ainda a existência de outra placa PARE (R-1) no lado esquerdo da via, a corroborar que a sinalização era clara ao condutor réu.

Em casos análogos, assim já decidiu este Egrégio Tribunal:

Acidente de trânsito - Atropelamento de ciclista Vítima fatal - Ação de indenização por danos morais Sentença de procedência das lides principal e secundária de garantia Recurso da ré e da litisdenunciada - Parcial reforma, tão somente para afastar a condenação da seguradora nas verbas sucumbenciais - Necessidade Condutora de bicicleta que foi interceptada por caminhão de propriedade da empresa ré, o qual tentou manobra de conversão à direita sem adotar as cautelas de praxe

Conjunto probatório suficiente para denotar a culpabilidade do condutor do pesado veículo - Falta de cautela quanto à bicicleta que trafegava à sua direita, no mesmo sentido e mão de direção - Condenação no pagamento de indenização por danos morais Cabimento "Quantum" indenizatório corretamente fixado. Apelo da ré desprovido. Apelo da seguradora denunciada parcialmente provido.

(TJSP; Apelação Cível XXXXX-57.2013.8.26.0032; Relator (a): Marcos Ramos; Órgão Julgador: 27a Câmara Extraordinária de Direito Privado; Foro de Araçatuba - 5a Vara Cível; Data do Julgamento: 16/10/2017; Data de Registro: 17/10/2017)

AGRAVO RETIDO Recurso interposto pelo réu, na audiência de oitiva de testemunhas (fls. 325), em decorrência da oitiva de testemunha que fora substituída, mas com apresentação de qualificação fora do prazo legal determinado Alegação de preclusão A testemunha foi ouvida, em decorrência da morte da anteriormente arrolada, pois o Juízo entendeu que a preclusão não havia ocorrido, embora a petição apresentando a nova testemunha tivesse sido apresentada fora de prazo

Decisão correta, pois a preclusão, no caso, somente ocorreria caso a testemunha não fosse apresentada em Juízo para depor O prazo, no caso, não era peremptório, fatal, e não ocorreu qualquer surpresa para o réu Recurso improvido. AGRAVO RETIDO Recurso interposto pelo réu, em razão da não oitiva de sua testemunha, sob o fundamento de que teria interesse na lide Alegação de que a testemunha poderia ter sido ouvida como mera informante Alegação que não convence, pois a testemunha em questão, que era o motorista do caminhão, nada acrescentaria na elucidação dos fatos, com a observação de que sua suspeição é evidente, posto que caso confirmasse a conduta culposa, poderia sofrer ação regressiva, dada a qualidade de preposto Indeferimento da oitiva regular recurso improvido. ACIDENTE DE VEÍCULO - RESPONSABILIDADE CIVIL Ações propostas objetivando o ressarcimento de danos decorrentes de acidente de veículo Acidente envolvendo um caminhão e uma motocicleta - Prova produzida que está a indicar que o caminhão dirigido pelo preposto do réu Flavio teria realizado manobra de conversão, ao que consta à direita, interceptando a trajetória da motocicleta, que transitava ao seu lado direito, vindo a causar o acidente Ação julgada parcialmente procedente - Motocicleta transitando em faixa regular, ao lado direito do caminhão quando, após a abertura do sinal semafórico, acabou sendo fechada pelo caminhão, que pretendia ingressar em via à direita, interceptando a sua trajetória, causando a colisão com a parte da frente direita do caminhão, e com posterior atropelamento do mesmo com sua roda traseira - Culpa bem demonstrada, uma vez que, para conversões, a cautela deve ser redobrada - Responsabilidade bem reconhecida, vez que não há prova alguma, sequer indiciária, de que a motocicleta estaria ultrapassando pela direita - Danos bem compostos, quer os materiais, quer os morais, não havendo motivos para a sua alteração Juros dos danos morais que são devidos desde a data do evento Correção de ofício - Dano estético que não se sustenta, pois já englobado nos danos morais fixados, posto que gênero da espécie Lucros cessantes, para o autor Daniel, que foi bem composto, não havendo como se pretender a compensação com auxílio-doença, vez que verbas distintas Recurso parcialmente provido, e com observação. LIDE SECUNDÁRIA Denunciação da lide julgada procedente Danos estéticos excluídos da condenação, conforme já mencionado Responsabilidade da denunciada até os limites do contrato

Como os danos morais estão limitados, o que ultrapassar o valor, devidamente corrigido desde a data do sinistro, é de responsabilidade apenas do réu Lide resistida, uma vez que a denunciada compareceu aos autos e contestou o feito Lide antecipada Necessidade de composição da sucumbência nessa lide, que toca à denunciada Recurso improvido.

(TJSP; Apelação Cível XXXXX-67.2008.8.26.0005; Relator (a): Carlos Nunes; Órgão Julgador: 31a Câmara de Direito Privado; Foro Regional V - São Miguel Paulista - 2a Vara Cível; Data do Julgamento: 12/05/2015; Data de Registro: 12/05/2015)

Resta demonstrada, portanto, a responsabilidade do condutor réu.

Ainda, a empresa ré também é responsável pelos danos, por se tratar de proprietária do veículo e empregadora do réu, respondendo, solidariamente, com este, pelos danos causados.

A seguradora, ainda, também responde, nos limites da apólice de seguro.

Constatada a responsabilidade dos réus, passa-se ao exame da contribuição da autora para o acidente.

É incontroverso, dos autos, que a autora, quando conduzia sua bicicleta, estava sem equipamentos de segurança e utilizando fones de ouvido. Nesse sentido os relatos das testemunhas Abel e Jorge.

A ausência de equipamentos de segurança, como capacete, certamente não teria evitado o acidente e nem mesmo reduzido as suas consequências, pois, conforme as imagens, a roda do caminhão passou por cima da cabeça da autora. Nenhum capacete de ciclista seria capaz de proteger, minimamente, a autora, de impacto de tamanha gravidade. Além disso, equipamento como capacete, para ciclistas, não é obrigatório pelo Código de Trânsito Brasileiro, de modo que não pode ser fundamento para reconhecimento da culpa da autora.

Ainda, a norma prevista no art. 201 do Código de Trânsito Brasileiro, que prevê distância lateral de um metro e cinquenta centímetros ao passar ou ultrapassar bicicleta é dirigida ao veículo de maior porte, pela própria redação e, ainda, nada há nos autos a indicar que não tenha sido respeitada essa distância pela própria ciclista autora.

Com relação à condução com fones de ouvido, o art. 252, VI, do Código de Trânsito Brasileiro, prevê como infração "dirigir veículo (...) utilizando-se de fones nos ouvidos". O art. 96, II, alínea a, item 1, ainda, define a bicicleta como um veículo de passageiro.

Analisando as imagens, é possível concluir que o comprometimento do sentido da audição, em razão da utilização de fones de ouvido, certamente contribuiu, ainda que em pouca medida, para o acidente, pois comprometeu, parcialmente, o entendimento da autora sobre o que estava ocorrendo naquele instante, tanto porque não escutou o barulho do caminhão, quanto porque eventual áudio que estivesse ouvindo certamente reduziu sua atenção, em momento crucial e delicado, impactando, em menor extensão do que as condutas do autor, todavia, no curso causal.

Assim, aplica-se ao caso o art. 945 do CC/2002:

Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.

Sobre o tema, inclusive, o enunciado nº 630 do Conselho de Justiça Federal:

ENUNCIADO 630 Art. 945: Culpas não se compensam. Para os efeitos do art. 945 do Código Civil, cabe observar os seguintes critérios:

(i) há diminuição do quantum da reparação do dano causado quando, ao lado da conduta do lesante, verifica se ação ou omissão do próprio

-

lesado da qual resulta o dano, ou o seu agravamento, desde que (ii) reportadas ambas as condutas a um mesmo fato, ou ao mesmo fundamento de imputação, conquanto possam ser simultâneas ou sucessivas, devendo se considerar o percentual causal do agir de cada

-

um.

O percentual de redução pela culpa concorrente, em atenção à dinâmica do acidente e à ação e omissão de cada um dos envolvidos, deve ser de 1/4, quantia adequada e razoável, já que ambas as partes contribuíram, parcialmente, para o desfecho do acidente, mas em percentuais diversos. A conduta do motorista réu é de maior gravidade, pois não sinalizou a conversão e não respeitou sinalização de "PARE", que constitui infração de trânsito gravíssima, além de conduzir veículo de grande porte, fato que exigiria atenção redobrada, ao passo que a autora apenas utilizava fones de ouvido, sendo que essa circunstância teve reduzido impacto no curso causal.

Passa-se à análise dos danos materiais e morais.

A autora, na inicial, busca a condenação dos réus nos seguintes termos:

a) Danos morais e estéticos, em 50 salários-mínimos;

b) Danos materiais:

i) R$ 12.810,00 pelos danos emergentes já sofridos, bem como

ao pagamento do tratamento quanto às sessões com psicólogo, fisioterapeuta, psiquiatra, a partir do mês de março de 2021, que somam R$ 2.010,00;

ii) R$ 1.317,36 mensais, a título de pensionamento (lucros

cessantes), enquanto perdurarem as limitações para o trabalho e, caso haja retorno das atividades como auxiliar de escritório, ao pagamento médio mensal de R$ 1.000,00, até a liberação total do tratamento.

Com relação aos danos materiais emergentes, estão parcialmente demonstrados.

Consta, a fls. 63/64, o recibo de compra da bicicleta da autora, no valor de R$ 1.500,00.

Ficam os réus, assim, solidariamente, condenados ao pagamento de danos materiais, no valor de R$ 1.500,00, quantia a ser corrigida monetariamente e com juros de mora a contar do evento lesivo.

Não se mostra possível, contudo, a fixação dos demais danos materiais e morais, na presente fase processual.

Explica-se.

Durante a fase postulatória do processo, as partes se manifestaram, conforme a inicial, contestação da ré GARCIA MAIS FLORESTAL LTDA. ME. e MARCIO GOMES DE MEDEIROS (fls. 171/194), seguida de réplica a fls. 222/231 e da contestação da seguradora denunciada a fls. 285/302. A fls. 340 as partes foram intimadas a se manifestar sobre a contestação da denunciada, sendo que oferecem réplica a fls. 342/348 e fls. 349/353.

Após, a fls. 356/357, o Juízo de primeiro grau, sem facultar às partes a indicação de provas, proferiu decisão saneadora, fixando como único ponto controvertido a dinâmica do acidente e a responsabilidade dos réus pelo evento danoso, designando data para a realização de audiência de instrução e julgamento.

A audiência foi realizada, com os depoimentos pessoais das partes e a oitiva de testemunhas (fls. 385/386).

A fls. 425, o Juízo de primeiro grau encerrou a instrução, abrindo prazo para apresentação de memoriais e, a fls. 444/458, sentenciou o feito.

Ocorre, contudo, que o Juízo de primeiro grau, antes do saneamento, não facultou às partes a indicação de provas, não fixou, como ponto controvertido a extensão dos danos e, ainda, encerrou prematuramente a instrução, já que, para se avaliar a extensão dos danos, especialmente os danos materiais relacionados às despesas médicas (danos emergentes e lucros cessantes, na modalidade pensionamento), os danos estéticos e os danos morais, é imprescindível a realização de prova pericial, que avaliará, de forma global, o impacto na integridade física da autora e as limitações geradas pelo acidente.

Aplica-se, portanto, ao caso, a chamada técnica do julgamento parcial e antecipado do mérito no próprio recurso de apelação, nos termos do art. 356 do CPC/2015, pois, se a um lado, é incontroversa a culpa concorrente e parte da indenização por danos materiais, não havendo mais necessidade de produção de provas quanto a esse tema, a outro lado, como não foi facultada a possibilidade de indicação de provas e a produção de prova pericial em primeiro grau, não é incontroversa a extensão dos demais danos, devendo ser determinada a realização de perícia, cabendo ao Juízo de primeiro grau, finalizada a perícia, encerrar a fase de conhecimento, por sentença, arbitrando a indenização correspondente.

Cabe pontuar, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça admite a aplicação da técnica do julgamento parcial e antecipado do mérito no próprio recurso de apelação, especialmente em atenção aos princípios que orientam o processo civil, nomeadamente, da razoável duração do processo, da eficiência e da economia processual, conforme o seguinte julgado:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DO MÉRITO PELOS TRIBUNAIS. POSSIBILIDADE. CAUSA EXCLUSIVA DA VÍTIMA OU CONCORRÊNCIA DE CAUSAS. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. VALOR DA INDENIZAÇÃO. EXCESSIVIDADE NÃO CONSTATADA. JUROS DE MORA. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. EVENTO DANOSO. COMPLEMENTAÇÃO DE PROVAS PELO TRIBUNAL. VIABILIDADE. REDIMENSIONAMENTO DA SUCUMBÊNCIA. SÚMULA 7. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA DECISÃO PARCIAL DE MÉRITO. CABIMENTO. JULGAMENTO: CPC/2015.

1. Ação de compensação de danos materiais e extrapatrimoniais ajuizada em 13/07/2011, da qual foram extraídos os presentes recursos especiais interpostos em 21/03/2019 e 28/03/2019 e conclusos ao gabinete em 20/11/2019.

2. O propósito recursal é dizer sobre a) a possibilidade de o Tribunal, no julgamento de recurso de apelação, valer-se da norma inserta no art. 356 do CPC/2015, b) a causa do evento danoso e a comprovação dos danos materiais, c) o cabimento da revisão da indenização por danos extrapatrimoniais, d) o termo inicial dos juros de mora incidentes sobre o valor da indenização, e) a possibilidade de a Corte local determinar a complementação das provas, f) a ocorrência de sucumbência recíproca e

g) a viabilidade de condenar o vencido ao pagamento de honorários advocatícios quando da prolação de decisão parcial do mérito.

3. O art. 356 do CPC/2015 prevê, de forma clara, as situações em que o juiz deverá proceder ao julgamento antecipado parcial do mérito. Esse preceito legal representa, portanto, o abandono do dogma da unicidade da sentença. Na prática, significa dizer que o mérito da causa poderá ser cindido e examinado em duas ou mais decisões prolatadas no curso do processo . Não há dúvidas de que a decisão interlocutória que julga parcialmente o mérito da demanda é proferida com base em cognição exauriente e ao transitar em julgado, produz coisa julgada material (art. 356, § 3º, do CPC/2015).

4. No entanto, o julgador apenas poderá valer-se dessa técnica, caso haja cumulação de pedidos e estes sejam autônomos e independentes ou, tendo sido deduzido um único pedido, esse seja decomponível. Além disso, é imprescindível que se esteja diante de uma das situações descritas no art. 356 do CPC/2015. Presentes tais requisitos, não há óbice para que os tribunais apliquem a técnica do julgamento antecipado parcial do mérito. Tal possibilidade encontra alicerce na teoria da causa madura, no fato de que a anulação dos atos processuais é a ultima ratio, no confinamento da nulidade (art. 281 do CPC/2015, segunda parte) e em princípios que orientam o processo civil, nomeadamente, da razoável duração do processo, da eficiência e da economia processual.

5. A alteração da conclusão alcançada pela Corte de origem, no sentido de que o acidente de trânsito foi causado exclusivamente pelo preposto da segunda recorrente e que houve comprovação dos danos materiais, demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório, o que é obstado pela Súmula 7/STJ.

6. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a modificação do valor fixado a título de danos morais e estéticos somente é permitida quando a quantia estipulada for irrisória ou exagerada. Na hipótese, o montante fixado não se revela excessivo.

Ainda, o fato de haver precedentes nos quais a indenização foi arbitrada em patamar inferior não é suficiente para justificar a redução da verba. Isso porque, em cada hipótese, é necessário ponderar as peculiaridades.

7. Nos termos da Súmula 54/STJ, em hipóteses de responsabilidade extracontratual, os juros moratórios devem incidir desde a data do evento danoso.

8. Os arts. 932, inc. I e 938, § 3º, do CPC/2015, autorizam a complementação da prova pelos Tribunais. Na mesma linha, a jurisprudência desta Corte Superior é uníssona quanto à faculdade do juiz de determinar a complementação da instrução processual, tanto em primeiro como em segundo grau de jurisdição. Precedentes.

9. Não é possível a apreciação da existência de sucumbência mínima ou recíproca, e a fixação do respectivo quantum, por demandar incursão no suporte fático da demanda (Súmula 7/STJ). Precedentes.

10. É verdade que os arts. 85, caput e 90, caput, do CPC/2015, referem- se exclusivamente à sentença. Nada obstante, o próprio § 1º, do art. 90, determina que se a renúncia, a desistência, ou o reconhecimento for parcial, as despesas e os honorários serão proporcionais à parcela reconhecida, à qual se renunciou ou da qual se desistiu. Ademais, a decisão que julga antecipadamente parcela do mérito, com fundamento no art. 487 do CPC/2015, tem conteúdo de sentença e há grande probabilidade de que essa decisão transite em julgado antes da sentença final, a qual irá julgar os demais pedidos ou parcelas do pedido. Dessa forma, caso a decisão que analisou parcialmente o mérito tenha sido omissa, o advogado não poderá postular que os honorários sejam fixados na futura sentença, mas terá que propor a ação autônoma prevista no art. 85, § 18, do CPC/2015. Assim, a decisão antecipada parcial do mérito deve fixar honorários em favor do patrono da parte vencedora, tendo por base a parcela da pretensão decidida antecipadamente. Vale dizer, os honorários advocatícios deverão ser proporcionais ao pedido ou parcela do pedido julgado nos termos do art. 356 do CPC/2015.

11. Recurso especial de Nobre Seguradora do Brasil S/A conhecido e desprovido e recurso especial de Expresso Maringá Ltda parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.

(REsp n. 1.845.542/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 11/5/2021, DJe de 14/5/2021.)

Assim, em decisão parcial de mérito, fica parcialmente provido o recurso, para condenar as rés, solidariamente, ao pagamento de indenização por danos materiais, no valor de R$ 1.500,00, quantia a ser corrigida monetariamente e com juros de mora a contar do evento lesivo, cabendo ao Juízo de primeiro grau prosseguir na instrução do processo, com realização de prova pericial, para a avaliação da extensão dos demais danos sofridos pela autora.

A sucumbência será analisada em sentença, após o encerramento da instrução.

Ante o exposto, renovando as devidas vênias ao Relator sorteado, pelo meu voto, dá-se parcial provimento ao recurso.

ALFREDO ATTIÉ

Relator Designado

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