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30 de Abril de 2024

STJ Dez22 - Absolvição de Prefeito em Crimes de Licitação por Ausência da Demonstração do Dolo

ano passado

Inteiro Teor

RECURSO ESPECIAL Nº 1955311 - RN (2021/0253042-3)

RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ

RECORRENTE : ADRIENE MARIA DA COSTA LIMA

RECORRENTE : MARIA DE LOURDES ALVES PESSOA

RECORRENTE : ADELUCIA MARIA GOMES DANTAS

ADVOGADO : MANUEL NETO GASPAR JÚNIOR - RN004559

RECORRENTE : JOAO BATISTA GOMES GONCALVES

ADVOGADO : FABRIZIO ANTÔNIO DE ARAÚJO FELICIANO - RN005142B

RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

CORRÉU : EVERTON MARCELO DA COSTA RODRIGUES

CORRÉU : GERBERT RODRIGUES SOARES

CORRÉU : LOURIVAL PEDRO DE LIMA FILHO

ADVOGADO : JOSE DUARTE SANTANA - RN012447

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. ADITAMENTO DAS RAZÕES. INVIABILIDADE. CRIME DO ART. 90 DA LEI N. 8.666/1993. DOLO NÃO DEMONSTRADO. SENTENÇA E ACÓRDÃO RECORRIDO. DESCRIÇÃO DE CONDUTAS CULPOSAS. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO DOS DEMAIS CORRÉUS PELA AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA PRÁTICA DELITIVA. DOSIMETRIA. QUESTÕES PREJUDICADAS. PETIÇÃO

N. 851.645/2021 NÃO CONHECIDA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO.

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto por JOÃO BATISTA GOMES GONÇALVES , com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a , da Constituição da Republica, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5.a Região na Apelação Criminal n. 13.247/RN (0001548- 16.2014.4.05.8400).

Consta dos autos que o Parquet denunciou o Recorrente pela prática do delito do art. 90 da Lei n. 8.666/1993. Sobreveio sentença que efetivou a emendatio libelli e o condenou às penas de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime inicial semiaberto, além de pagamento de multa no valor de 3% (três por cento) do contrato, como incurso no art. 89 da Lei

n. 8.666/1993. Houve apelação somente defensiva, a que o Tribunal de origem deu parcial

provimento, por unanimidade, a fim de restabelecer a tipificação da conduta no art. 90 da Lei n. 8.6661/1993, reduzir a pena privativa de liberdade para 3 (três) anos de detenção, em regime aberto, substituída por restritivas de direitos, e declarar a extinção da punibilidade, pela prescrição da pretensão punitiva. O acórdão ficou assim ementado (fls. 255-261):

"PENAL. SIMULAÇÃO DE CERTAME LICITATÓRIO - TOMADA DE PREÇOS - PARA DAR REGULARIDADE À CONTRATAÇÃO ANTERIOR DE EMPRESA PREVIAMENTE ESCOLHIDA. APLICAÇÃO NA SENTENÇA DA EMENDATIO LIBELLI PARA ADEQUAR A CLASSIFICAÇÃO DO TIPO PENAL AO DO ART. 89 DA LEI Nº 8.666/1993, DE DISPENSAR OU INEXIGIR LICITAÇÃO INOBSERVANDO OS REQUISITOS LEGAIS. NECESSIDADE DE READEQUAÇÃO AO TIPO DESCRITO NA PEÇA ACUSTÓRIA. CONDUTA DE FRUSTRAR OU FRAUDAR O CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO, DO ART. 90 DA LEI Nº 8.666/1993. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO E DO DOLO ESPECÍFICO. DESNECESSIDADE PARA A CONSUMAÇÃO DO TIPO PENAL. MERO EXAURIMENTO DO CRIME. DOLO GENÉRICO. PRECEDENTES. AUTORIA DELITIVA COMPROVADA. CONJUNTO PROBATÓRIO HÁBIL PARA FIRMAR A CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. READEQUAÇÃO À COMINAÇÃO PREVISTA PARA O TIPO DO ART. 90 DA LEI Nº 8.666/1993. ADOÇÃO DE CRITÉRIOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS PARA SOPESAR AS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ART. 59 DO CÓDIGO PENAL E FIXAR A PENA-BASE. TRANSCURSO DO LAPSO TEMPORAL ENTRE A CONDUTA E O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. LEI Nº 12.234/2010. INAPLICABILIDADE POR POSTERIOR AOS FATOS E EM PREJUÍZO DA PARTE RÉ. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. ART. 109, IV, C/C ART. 110, PARÁGRAFOS 1º E , AMBOS DO CÓDIGO PENAL. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

1. Cuida-se de apelações interpostas pela defesa contra sentença que, após emendatio libelli , desclassificando a conduta antes prevista, tipificada no art. 90 da Lei nº 8.666/1993, julgou procedente a pretensão punitiva estatal para condenar João Batista Gomes Gançalves, Adriene Maria da Costa Lima, Maria de Lourdes Alves Pessoa, Adelúcia Maria Gomes Dantas, Gerbert Rodrigues Soares, Lourival Pedro de Lima Filho e Everton Marcelo da Costa Rodrigues, como incurso nas penas do art. 89 da Lei nº 8.666/1993, fixando-as, aos quatro primeiros (João Batista Gomes Gançalves, Adriene Maria da Costa Lima, Maria de Lourdes Alves Pessoa, Adelúcia Maria Gomes Dantas), em 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime de cumprimento inicialmente semiaberto, e em 3% (três) por cento do valor do contrato firmado; ao quinto e ao sétimo nominados (Gerbert Rodrigues Soares e Everton Marcelo da Costa Rodrigues), em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de detenção, em regime de cumprimento inicialmente aberto, sem substituição por restritivas de direitos, e em 2% (dois por cento) do valor do contrato firmado; e ao sexto nominado (Lourival Pedro de Lima Filho), em 3 (três) anos e 3 (três) meses de detenção, em regime de cumprimento inicialmente aberto, substituída por duas restritivas de direitos, e em 2% (dois por cento) do valor do contrato firmado.

2. Noticia a denúncia que, em 19 de maio de 2006, o acusado João Batista Gomes Gonçalves, na condição de prefeito do Município de Brejinho/RN, frustrou o caráter competitivo da Tomada de Preços nº 06/2006, beneficiando a construtora Facheiros Construções e Empreendimentos Ltda., em que são sócios os acusados Gerbert Rodrigues Soares e Lourival Pedro de Lima Filho, contando para isso com o auxílio dos membros da Comissão de Licitação daquela municipalidade, no caso as acusadas Adriene Maria da Costa Lima, Maria de Lourdes Alves Pessoa, Adelúcia Maria Gomes Dantas, bem como dos antes nominados sócios da empresa beneficiada e, ainda, do acusado Everton Marcelo da Costa Rodrigues, sócio da empresa Esperança Edificações e Serviços Ltda., acrescentando a peça acusatória que o objeto do aludido certame licitatório era a construção de 32 (trinta e dois) módulos sanitários, 116 (cento e dezesseis) reservatórios, 109 (cento e nove) tanques de lavar e pias de cozinha e de 3 (três) tanques sépticos, no valor de R$ 184.745,74 (cento e oitenta e quatro mil, setecentos e quarenta e cinco reais e

setenta e quatro centavos), integrante do Convênio nº 474/2003, celebrado entre o município e a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), contudo vindo a ser constatadas, a partir de fiscalização empreendida pela Controladoria Geral da União (CGU) - Relatório de Fiscalização nº 977/07 (fls. 5/239 do IPL em apenso) - diversas irregularidades a comprovar a montagem dos documentos correspondentes ao aludido certame licitatório, com o fim de promover indevidamente a contratação direta da empresa preferida pelo contratante, emprestando tão somente ares de legalidade àquele ato administrativo.

3. Em suas razões recursais, aduz a defesa, em síntese, a preliminar de nulidade da sentença por ausência de fundamentação e incompletude do relatório e, no mérito, a ausência de adequação típica quanto ao crime do art. 89 da lei nº 8.666/1993; a inexistência de dolo específico; a ausência de dano ao erário, pois as obras foram concluídas e entregues; ausência de prova hábil à condenação e, subsidiariamente, a exacerbação da pena aplicada e a ocorrência da prescrição retroativa, se mantida a classificação penal dada na denúncia.

4. É de se afastar a preliminar de ausência de fundamentação e incompletude do relatório atribuída à sentença, eis que o relatório, ainda que se pudesse entender sucinto, diante da alentada peça acusatória, consegue descrever os principais fatos que historiam o caderno processual, enquanto que a fundamentação apresentada para o édito condenatório enfrenta as teses trazidas ao debate, emitindo seu pronunciamento a partir do convencimento dali firmado, sendo de destacar a ausência de obrigatoriedade em rebater, um a um, os argumentos deduzidos pela parte.

5. Assiste razão aos apelantes, no entanto, quanto à classificação dada na sentença para o tipo penal, eis que, diante da situação fática, não se apresenta situação de dispensa ou inexigibilidade de certame licitatório, como previsto no art. 89 da lei nº 8.666/1993, mas sim de uma simulação de sua ocorrência, com o ânimo de frustrar o caráter competitivo e, assim, propiciar a contratação de empresa previamente escolhido, a indicar o tipo penal do art. 90 do mesmo diploma legal, como indicado na peça acusatória. Precedente desta col. 2a Turma: ACR-15210/PB, rel. Des. Federal Leonardo Carvalho, DJe 18.12.2017.

6. Para o tipo descrito no art. 90 da Lei nº 8.666/1993, o dano ao erário não se mostra necessário para a sua consumação, sendo tão somente o exaurimento do crime, exigido-se, assim, para ele, tão somente o dolo genérico, por não exigir o resultado. Precedentes deste TRF5: ACR-12498/RN, rel. Des. Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, 1a T., DJe 10.03.2017; ACR-12193/PB, rel. Des. Federal Lázaro Guimarães, 4aT., DJe 04.08.2017.

7. No que diz respeito à ausência de prova hábil à condenação, traz o conjunto probatório carreado aos autos a demonstração da materialidade delitiva, a par da similitude entre as propostas que teriam sido apresentadas em face da Tomada de Preços que se aponta simulada, com a mesma formatação, erros ortográficos e espaçamento, além da coincidência da data de impressão das propostas, com mínima diferença de horário, além do pagamento da taxa do edital no mesmo terminal de atendimento bancário, em ato contínuo, sendo de se acrescentar, por oportuno, que as garantias que as empresas deveriam ter prestado no curso do certame apenas se efetivaram, com o depósito na conta da prefeitura, um mês após o encerramento do procedimento licitatório, acrescentando-se, consoante prova testemunhal, que os engenheiros tanto da empresa vencedora, como da empresa concorrente não reconheceram como suas as assinaturas constantes nos documentos apresentados, afirmando o da empresa concorrente, inclusive, não guardarem sequer qualquer tipo de semelhança.

8. A título de ilustração, colhe-se da sentença, a partir das declarações prestadas pelos acusados sócios de ambas as empresas concorrentes, haver Gerbert Rodrigues Soares afirmado que também foi sócio de outra empresa, a Rio Potengi Construções, havendo ali utilizado sua mãe e sua ex-cônjuge como 'laranjas' com o fim de cometer crime, tendo sido condenado por tal fato em ação penal com trâmite perante o mesmo juízo federal, enquanto que Everton Marcelo da Costa Rodrigues

acrescentou que foi condenado por estelionato em outra ocasião anterior aos fatos em apuração.

9. Em relação às integrantes da Comissão de Licitação, ainda que declarado em juízo não se aperceberem das incongruências apontadas pela CGU, por alegada falta de experiência, perante a autoridade policial declararam haver participado em duas outras tomadas de preço, em que as empresas participantes teriam sido inabilitadas (na primeira) por inadequação de documentos e (na segunda) pelo uso de cheque sem a devida provisão de saldo como garantia.

10. Em especial à autoria delitiva, em que pese o acusado que exercia, à época, a condição de prefeito municipal alegar não se inteirar dos procedimentos licitatórios, era ele o responsável pelos seus prepostos, no caso as integrantes da comissão de licitação por ele nomeada, ainda que sobre elas recaíssem atos próprios de suas funções, diante da responsabilidade maior, notadamente no que diz respeito ao zelo a ele exigido quanto à higidez da licitação e à moralidade que rege a Administração Pública, não havendo como buscar aporte em uma confiança cega naquelas prepostas a ensejar uma excludente de ilicitude, eis que, na qualidade de gestor público a ele cumpria a última instância de aferição da regularidade dos atos da Administração Pública, enquanto que, em relação aos demais acusados, não resta qualquer dúvida quanto à participação das acusadas, enquanto integrantes da Comissão de Licitação, constando suas assinaturas em toda a documentação relativa ao procedimento licitatório em apuração, bem como aos sócios das empresas envolvidas, que teriam simulado sua participação em certame que, na realidade, se mostra não realizado e montado para dar aspecto de regularidade à contratação já antes efetivada pela municipalidade com a empresa que veio a ser apontada vencedora.

11. Mantida a condenação, agora diante do tipo penal do art. 90 da Lei nº 8.666/1993, como apontado na denúncia, cuja pena cominada diverge daquela do art. 89 do mesmo diploma legal, apontado na sentença, é de se adequar a dosimetria, observando-se, contudo, da sentença, que o sopesamento das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, ali efetivada para cada qual dos acusados, ainda que balizados para o crime do art. 89 da Lei nº 8.666/1993, não se dissocia ao se apurar para o tipo penal do art. 90 do mesmo diploma legal, pelo que é de se manter.

12. Para João Batista Gomes Gonçalves, então prefeito municipal, se apresentam em seu desfavor uma culpabilidade elevada, eis que a ele cabia o zelo pelo interesse público, serem graves as circunstâncias que envolvem a prática do delito, diante da grande quantidade de documentos forjados e pessoas envolvidas, inclusive os engenheiros das empresas, que tiveram suas assinaturas falsamente apostas nos documentos que lhes competiam, pelo que, pelo elastério cominado para o tipo penal, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos de detenção, fixo-lhe, a par de critérios objetivos e subjetivos, a pena-base em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e, fazendo-se presente unicamente a agravante do art. 61, II, 'g', do Código Penal, torno-a concreta e definitiva em 3 (três) anos de detenção, em regime de cumprimento inicialmente aberto, mantida a pena de multa nos idênticos parâmetros da sentença, em 3% (três por cento) sobre o valor do contrato firmado, devidamente atualizado quando da efetiva execução, substituída a primeira por duas restritivas de direitos a serem definidas pelo juízo da execução.

13. Para as integrantes da Comissão de Licitação, Adelúcia Maria Gomes Dantas, Adriene Maria da Costa Lima e Maria de Lourdes Alves Pessoa, se apresentam em desfavor das mesmas tão somente a gravidade das circunstâncias que envolvem a prática do delito, diante da grande quantidade de documentos forjados e pessoas envolvidas, inclusive os engenheiros das empresas, que tiveram suas assinaturas falsamente apostas nos documentos que lhes competiam, pelo que fixo-lhes, individualmente, a par de critérios objetivos e subjetivos, a pena-base em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses e, fazendo-se presente unicamente, a elas, a causa especial de aumento do art. 84, parágrafo 2º, da Lei nº 8.666/1993, majorando-a em 1/3 (um terço), para torná-la concreta e definitiva em 2 (dois) anos, 10 (dez) meses

e 20 (vinte) dias de detenção, em regime de cumprimento inicialmente aberto, mantida a pena de multa nos idênticos parâmetros da sentença, em 3% (três por cento) sobre o valor do contrato firmado, devidamente atualizado quando da efetiva execução, substituída a primeira por duas restritivas de direitos a serem definidas pelo juízo da execução.

14. Em relação a Gerbert Rodrigues Soares, sócio da empresa Facheiros Construções e Empreendimentos Ltda., que veio a ser beneficiada com a conduta ilícita, e a Everton Marcelo da Costa Rodrigues, sócio da empresa Esperança Edificações e Serviços Ltda., que deu suporte à simulação apontada, apresentam-se em desfavor seus antecedentes, consoante peças carreadas às fls. 254/268, em relação ao primeiro, e às fls. 380/389, em relação ao segundo, e serem graves as circunstâncias que envolvem a prática do delito, diante da grande quantidade de documentos forjados e pessoas envolvidas, inclusive os engenheiros das empresas, que tiveram suas assinaturas falsamente apostas nos documentos que lhes competiam, pelo que fixo-lhes, individualmente, a par de critérios objetivos e subjetivos, a pena-base em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, e em tal quantum torno concreta e definitiva, por ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes e causas especiais de aumento e diminuição da pena, em regime de cumprimento inicialmente aberto, mantida a pena de multa nos idênticos parâmetros da sentença, em 3% (três por cento) sobre o valor do contrato firmado, devidamente atualizado quando da efetiva execução, não cabendo a eles a substituída por restritivas de direitos por ausente requisito do art. 44 do Código Penal.

15. Por fim, em relação a Lourival Pedro de Lima Filho, igualmente sócio da empresa Facheiros Construções e Empreendimentos Ltda., que veio a ser beneficiada com a conduta ilícita, apresentam em desfavor das mesmas tão somente a gravidade das circunstâncias que envolvem a prática do delito, diante da grande quantidade de documentos forjados e pessoas envolvidas, inclusive os engenheiros das empresas, que tiveram suas assinaturas falsamente apostas nos documentos que lhes competiam, pelo que fixo-lhes, individualmente, a par de critérios objetivos e subjetivos, a pena-base em 2 (dois) anos e 2 (dois) meses, e em tal quantum torno concreta e definitiva, por ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes e causas especiais de aumento e diminuição da pena, em regime de cumprimento inicialmente aberto, mantida a pena de multa nos idênticos parâmetros da sentença, em 3% (três por cento) sobre o valor do contrato firmado, devidamente atualizado quando da efetiva execução, substituída a primeira por duas restritivas de direitos a serem definidas pelo juízo da execução.

16. Diante das penas aqui fixadas, necessária a apreciação de eventual ocorrência da prescrição, por incidente o lapso temporal definido no art. 109, IV, do Código Penal, em 4 (quatro) anos. Consumado em 19 de maio de 2006, quando da simulação do certame licitatório com vista a fraudar e frustrar o seu caráter competitivo, é de se destacar, no caso concreto, não se aplicar a redação advinda quanto à prescrição na codificação penal, com a edição da Lei nº 12.234/2010, por posterior sua vigência ao fato e em prejuízo da parte ré, pelo que é de se observar o marco interruptivo, desde o fato, com o recebimento da denúncia, oferecida em 30 de abril de 2014, e que veio a ocorrer em 12 de maio de 2014, ou seja, quando prestes a completar 8 (oito) anos, a ensejar, assim, a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal, a teor do art. 109, IV, c/c art. 110, parágrafos 1º e , ambos do Código Penal, na redação anterior à Lei nº 12.234/2010, e, por consequência, declarar extinta a punibilidade quanto aos acusados, ora apelantes, a teor do art. 107, IV, do Código Penal.

17. Apelações parcialmente providas, para afastar a emendatio libelli e manter a classificação penal inscrita na denúncia, do art. 90 da Lei nº 8.666/1993, e reformar a dosimetria da pena para adequá-la à cominada ao tipo penal, e, ao final, declarar extinta a punibilidade, pela ocorrência da prescrição retroativa, a teor do art. 107, IV, c/c arts. 109, IV e 110, parágrafos 1º e , todos do Código Penal, na redação anterior à Lei nº 12.234/2010 ."

O Parquet opôs embargos de declaração, os quais foram providos, com efeitos infringentes, apenas para afastar a declaração de extinção da punibilidade. O acórdão recebeu a seguinte ementa (fls. 235-237):

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. SIMULAÇÃO DE CERTAME LICITATÓRIO - TOMADA DE PREÇOS - PARA DAR REGULARIDADE À CONTRATAÇÃO ANTERIOR DE EMPRESA PREVIAMENTE ESCOLHIDA. CONDUTA DE FRUSTRAR OU FRAUDAR O CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO, DO ART. 90 DA LEI Nº 8.666/1993. CONDENAÇÃO COM READEQUAÇÃO DA PENA FIXADA E POSTERIOR DECLARAÇÃO DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONTRADIÇÃO. INOCORRÊNCIA DO EFETIVO TRANSCURSO DO LAPSO PRESCRICIONAL. PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE DOS EMBARGOS. NECESSÁRIA INTIMAÇÃO PESSOAL, COM A EFETIVA ENTREGA DOS AUTOS. TERMO INICIAL POSTERGADO AO PRIMEIRO DIA ÚTIL, DA A SITUAÇÃO DE QUE O DIES AD QUO RECAIU EM UM SÁBADO. PROTOCOLIZAÇÃO NO PRAZO LEGAL. PRELIMINAR REJEITADA. LEI Nº 12.234/2010. INAPLICABILIDADE POR ANTERIOR AO FATO DELITIVO E EM PREJUÍZO DA PARTE RÉ. PRESCRIÇÃO. LAPSO APURADO ENTRE A DATA DO FATO E DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA (ART. 117, I, DO CÓDIGO PENAL). INTERRUPÇÃO PELO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E NÃO PELA PUBLICAÇÃO OU CIÊNCIA DO DESPACHO QUE A RECEBE. PRECEDENTE. ERRO MATERIAL QUANDO DA AFERIÇÃO DO TRANSCURSO DO LAPSO PRESCRICIONAL DO ART. 109, IV, DO CÓDIGO PENAL. EMBARGOS PROVIDOS E A ELES CONFERIDO EFEITOS INFRINGENTES PARA REFORMAR O ACÓRDÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE AFASTADA.

1. Cuida-se de embargos de declaração, com efeitos modificativos, opostos pelo órgão ministerial, apontando vício de contradição do julgado quanto à apuração do lapso prescricional.

2. Alega mostrar-se contraditório o julgado ao apontar a ocorrência da prescrição, por superado o lapso de 8 (oito) anos previsto no art. 109, IV, do Código Penal, entre a data do fato, em 19 de maio de 2006, e a do recebimento da denúncia, em 12 de maio de 2014, quando ainda faltavam 7 (sete) dias para integralizar dito período.

3. Os embargos de declaração - previstos nos arts. 619 e 620 do Código de Processo Penal - têm o único condão de averiguar a existência de eventual contradição, omissão ou obscuridade na decisão embargada, não servindo à reabertura de discussão de questões exaustivamente apreciadas ou mesmo discutir matéria não objeto do recurso original a que é incidentemente oposto.

4. Aponta-se, em preliminar, a intempestividade dos embargos opostos pelo Ministério Público Federal, ao argumento de que sua protocolização, no dia 9 de julho de 2019 ter-se operacionalizado após o prazo legal, trazendo aos autos indicativo da abertura de vista em 4 de julho de 2019 (quinta-feira), pelo que o termo final dar-se-ia no dia 8 (segunda-feira).

5. A intimação do Ministério Público Federal deve ser pessoal, contando-se prazo a partir da entrega dos autos, que só veio a se aperfeiçoar no dia 5 de julho de 2019, consoante se verifica em certidão firmada às fls. 747, pelo que, sendo ele uma sexta-feira, o termo inicial do prazo para oposição de embargos recairia na segunda-feira, dia 8, com o seu final no subsequente dia 9, data esse em que foram protocolizados os embargos de fls. 739/746, pelo que não há de se falar em intempestividade dos embargos de declaração opostos pelo órgão ministerial, a restar, assim, rejeitada tal preliminar.

6. Aduz a parte embargada, em uma primeira questão, que a data do fato narrado na peça acusatória teria ocorrido na primeira fase da licitação (tomada de

preços), ou seja, na sessão de habilitação das empresas, em muito anterior àquela declinada, de 19 de maio de 2006, contudo, aos compulsar os autos, tem-se que nessa data realizou-se a sessão de habilitação das empresas indicadas como concorrentes, inclusive com o posterior recebimento das propostas e, por fim, proferido o resultado do apontado certame licitatório, pelo que, consoante a própria manifestação da parte embargada, corresponderia à data do fato para fins de apuração do lapso prescricional.

7. Alega, ainda, que o marco interruptivo da prescrição seria a data da publicação da decisão que recebeu a denúncia, em não aquela em que foi proferida, situação essa que não encontra respaldo a uma simples leitura do art. 117 do Código Penal, que ao elencar tais marcos faz a distinção ao apontar, no inciso I, 'pelo recebimento da denúncia ou da queixa' e no inciso III, 'pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis', entendimento este que encontra ressonância na jurisprudência, no sentido de que 'a prescrição interrompe-se pelo recebimento da denúncia, não pela publicação ou ciência do despacho que a recebe' (STF, RT 472/410).

8. Mostra-se evidente a presença de erro material, quando da aferição do lapso prescricional, eis que, como bem expendido pelo ora embargante, ' observa-se não terem transcorrido - por pouco tempo (7 dias) - os 8 (oito) anos necessários entre os aludidos marcos interruptivos da prescrição para a ocorrência da multicitada causa extintiva da punibilidade'.

9. Embargos de declaração providos e a eles conferidos efeitos infringentes para reformar o acórdão e, mantendo a condenação ali firmada, afastar a declaração da extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição retroativa, eis que não transcorrido o efetivo lapso do art. 109, IV, do Código Penal, aplicável à hipótese."

Também houve embargos de declaração defensivos, os quais foram rejeitados, por meio de acórdão com a seguinte ementa (fls. 128-129):

"EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. SIMULAÇÃO DE CERTAME LICITATÓRIO - TOMADA DE PREÇOS - PARA DAR REGULARIDADE À CONTRATAÇÃO ANTERIOR DE EMPRESA P.REVIAMENTE ESCOLHIDA. CONDUTA DE FRUSTRAR OU FRAUDAR O CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO, DO ART. 90 DA LEI Nº 8.666/1993. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. AFERIÇÃO A PAR DAS CONDUTAS DESCRITAS E APURADAS NA INSTRUÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS E LEGAIS. APRECIAÇÃO. EMBARGOS IMPROVIDOS.

1. Cuida-se de embargos de declaração, com efeitos modificativos, opostos por Adelúcia Maria Gomes Dantas, Adriene Maria da Costa Lima e Maria de Lourdes Alves Pessoa (fis. 766/773) e por João Batista Comes Gonçalves (fis. 774/785), apontando os primeiros, vício de omissão com relação à individualização da pena dos ora embargantes e à infração ao caráter competitivo da licitação e, alternativamente, pugna pela retirada da majorante do art. 84, § 2º, da Lei nº 8.666/1993, enquanto que o segundo, vício de omissão ao não examinar, quando da dosimetria da pena, ser ele primário e possuir bons antecedentes, ausência de consequências extrapenais, não se mostrar em desfavor as circunstâncias do crime e a condição de agente público ser elementar do tipo penal.

2. Os embargos de declaração - previstos nos arts. 619 e 620 do Código de Processo Penal - têm o único condão de averiguar a existência de eventual contradição, omissão ou obscuridade na decisão embargada, não servindo à reabertura de discussão de questões exaustivamente apreciadas ou mesmo discutir matéria não objeto do recurso original a que é incidentemente oposto.

3. Restaram perfeitamente individualizadas as penas aplicadas, quando da sua dosimetria, a par dos limites da conduta perpetrada para cada um dos réus e

sopesada nos autos.

4. Em relação às demais insurgências, em que apontam omissão ao não se apreciar, quando da dosimetria da pena, circunstâncias judiciais e legais, igualmente se mostram sem fundamento, não apenas pelo fato de exercer, enquanto membros de comissão de licitação, função de confiança que se adéqua ao disposto no ad. 84, § 2º, da Lei nº 8.666/1993, quanto aos primeiros embargantes e, quanto ao segundo, igualmente inocorre omissão quando da aferição das circunstâncias judiciais e legais para a fixação da pena.

5. Eventual falta de pronunciamento acerca de todos os pontos alegados, que não ocorre no caso concreto, não compromete o livre poder de convicção sobre quais provas, fatos e questões de direitos que serão preponderantes umas sobre as outras, isto, claro, com a devida fundamentação pelo magistrado, o que ocorrera no acórdão. Os embargos de declaração têm caráter excepcional, não sendo este o meio adequado para se reabrir uma discussão acerca da matéria de fato.

6. Enfrentadas as questões aqui postas quando do julgamento, resta demonstrado o ânimo dos embargos em reabrir sua discussão, o que é impróprio na via eleita.

No recurso especial, alega-se a violação aos seguintes dispositivos:

7. Embargos de declaração não providos."

a) art. 90 da Lei n. 8.666/1993, pela atipicidade da conduta, pois o delito seria punido

apenas na forma dolosa e a conduta descrita pelas instâncias ordinárias, quanto ao Recorrente, na verdade, seria culposa, não podendo ser punido tão-somente em razão da sua posição hierárquica, enquanto ocupante do cargo de prefeito municipal;

b) arts. 59, caput, e 61, inciso II, alínea g, do Código Penal, pois teria sido utilizada

elementar do crime para negativar a culpabilidade, consistente no exercício do cargo de prefeito municipal, havendo ainda, indevido bis in idem , pois o mesmo fundamento teria sido lançado para aplicar a agravante tipificada no último dispositivo. Diz, também, ser inidônea a negativação das circunstâncias do crime, seja porque a quantidade de documentos falsificados seria irrelevante para a prática do delito, pois seria apenas crime-meio para a fraude à licitação, bem assim porque não foi condenado por nenhuma falsificação, não lhe podendo esta lhe ser imputada para fins de aumento da pena-base.

Pede o provimento do recurso especial, com a absolvição ou a diminuição das penas. Oferecidas contrarrazões (fls. 3137-3138), admitiu-se o recurso na origem (fl. 3197). O Ministério Público Federal manifesta-se pelo parcial provimento do recurso

especial, tão-somente para que seja afastado alegado bis in idem (fls. 3216-3232).

Por meio da Petição n. 851.645/2021, o Recorrente requereu o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia, aduzindo que esta deve ser considerada interrompida na data em que esta foi publicada em cartório.

É o relatório.

Decido.

De início, o acórdão recorrido afastou expressamente a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia. Contudo, o recurso especial não impugnou tal questão. Sendo assim, as razões e o pedido formulado por meio da

Petição n. 851.645/2021 consistem em nítido aditamento às razões do recurso especial, com a tentativa de ampliação do seu objeto, o que não se admite, pela preclusão consumativa.

A esse respeito, em situação análoga:

"PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SEQUESTRO DE BENS. MEDIDA ASSECURATÓRIA. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO PELO AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. RECURSO NÃO CONHECIDO.

I - A ausência de impugnação dos fundamentos da decisão que não admitiu o recurso especial impõe o não conhecimento do agravo em recurso especial.

II - A interposição de dois ou mais recursos, pela mesma parte e contra a mesma decisão ou acórdão, no caso sob a pecha de 'aditamento às razões do recurso', impede o conhecimento daquele (s) que foi (ram) apresentado (s) após o primeiro recurso, tendo em vista a preclusão consumativa e o princípio da unirrecorribilidade recursal. Agravo regimental não conhecido." ( AgRg no REsp 1.710.714/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 05/04/2018, DJe 13/04/2018.)

Passo à análise do recurso especial.

Extrai-se da sentença, quanto ao apelante, na parte em que afirmou a autoria delitiva (fl. 490; sem grifos no original):

"Da mesma forma, a autoria está comprovada nos autos. Com efeito, JOÃO BATISTA GOMES GONÇALVES, em juízo, confirmou que a licitação ocorreu no início de seu mandato como prefeito do município de Brejinho/RN. Além disso, às fis. 532/533 estão os Termos de Homologação e Adjudicação devidamente assinados pelo réu. Apesar de o acusado alegar que não se inteirava dos procedimentos licitatórios da edilidade, isso não o exime do dever que tinha, enquanto prefeito, de zelar pela lisura dos certames, mesmo porque tais procedimentos lhes foram submetidos para esse desiderato, fazendo parte da prática diária de todo gestor público."

E, quanto a esse tema, consta do acórdão proferido na apelação (fl. 247; sem grifos no original):

"Em especial à autoria delitiva, em que pese o acusado que exercia, à época, a condição de prefeito municipal. alegar não se inteirar dos procedimentos licitatórios, era ele o responsável pelos seus prepostos, no caso as integrantes da comissão de licitação por ele nomeada, ainda que sobre elas recaíssem atos próprios de suas funções, diante da responsabilidade maior, notadamente no que diz respeito ao zelo a ele exigido quanto à higidez da licitação e à moralidade que rege a Administração Pública, não havendo como buscar aporte em uma confiança cega naquelas prepostas a ensejar uma excludente de ilicitude, eis que, na qualidade de gestor público a ele cumpria a última instância de aferição da regularidade dos atos da Administração Pública.

Quanto aos demais, não resta qualquer dúvida quanto à participação das acusadas, enquanto integrantes da Comissão de Licitação, constando suas assinaturas em toda a documentação relativa ao procedimento licitatório em apuração, bem como aos sócios das empresas envolvidas, que teriam simulado sua participação em certame que, na realidade, se mostra não realizado e montado para dar aspecto de regularidade à contratação já antes efetivada pela municipalidade com a empresa que veio a ser apontada vencedora."

Tem razão a Defesa.

As condutas que as instâncias ordinárias afirmaram que o Recorrente praticou, na verdade, evidenciam condutas culposas: culpa in eligendo, ao escolher os integrantes da comissão de licitação , e in vigiland o, ao não acompanhar os procedimentos por ela realizados. Não há menção, na sentença ou no acórdão recorrido, que ele tenha tomado conhecimento, participado ou aderido à suposta fraude do procedimento licitatório que teria sido promovida pela Comissão de Licitação.

Contudo, o crime do art. 90 da Lei n. 8.666/1993 somente é punível a título de dolo, não existindo a modalidade culposa. Sendo assim, o caso é de absolvição do Recorrente, pela atipicidade da conduta.

Nesse sentido:

"PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL DE JOSÉ ROFRANTS LOPES CASIMIRO. LICITAÇÃO. FRUSTRAR/FRAUDAR O CARÁTER COMPETITIVO (ART. 90 DA LEI N. 8.666/1990). ABSOLVIÇÃO. MERAS IRREGULARIDADES. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DOLO DE FRUSTRAR OU FRAUDAR O CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO. RECURSO PROVIDO.

1. O art. 90 da Lei n. 8.666/1990 prevê o tipo penal consistente em 'frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente de adjudicação do objeto da licitação'.

2. Dessa forma, para que o agente seja condenado por esse artigo, é necessário demonstrar o conluio doloso de frustrar ou fraudar o caráter competitivo da licitação.

3. E, apesar de os erros apontados poderem, de fato, ter comprometido a lisura da licitação, não ficou devidamente demonstrado o dolo dos agentes de frustrar ou fraudar o procedimento, tampouco o conluio entre eles.

4. A menção a irregularidades, tais como erro na numeração das folhas; ausência de indicação do agente público; falta de projeto básico; prática de vários atos na mesma data; irregularidade no comprovante de entrega de ato convocatório, entre outras, não é suficiente para demonstrar o dolo dos réus e caracterizar, assim, a ocorrência de um ilícito penal.

5. Recurso especial provido, com extensão dos efeitos aos corréus." ( REsp n. 2.022.490/PB, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 04/10/2022, DJe 10/10/2022; sem grifos no original.) julgado em 04/10/2022, DJe 10/10/2022; sem grifos no original.)

n. 2.022.490/PB, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 04/10/2022, DJe 10/10/2022; sem grifos no original.)

Outrossim, a jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que a condenação pelo crime do art. 90 da Lei n. 8.666/1993 exige a indicação concreta do conluio no sentido de fraudar a licitação, bem como a indicação da vantagem a ser recebida em razão da fraude perpetrada. No caso, como se verifica, as instâncias ordinárias não demonstraram esses elementos, mas concluíram pela presença da fraude em razão de irregularidades na documentação do procedimento licitatório. Repito: não houve a indicação do ajuste prévio entre os demais Réus, no sentido de fraudar a licitação e, tampouco, a vantagem que seria obtida.

Logo, se mesmo em relação aos demais Corréus, não houve a demonstração do

preenchimento das elementares do art. 90 da Lei n. 8.666/1993, sendo eles absolvidos em decisão proferida na presente data, impõe-se a absolvição do Recorrente, também por essa razão.

A propósito:

"RECURSO ESPECIAL. PENAL. ART. 90 DA LEI N. 8.666/1993. ART. 1.º, INCISO I, DO DECRETO-LEI N. 201/1967. DOLO ESPECÍFICO. ELEMENTARES OBJETIVAS. DEMONSTRAÇÃO. AUSÊNCIA. DENÚNCIA. PONTOS NÃO IMPUGNADOS. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. DESCABIMENTO. CONFISSÃO FICTA. INEXISTÊNCIA NO PROCESSO PENAL. ÔNUS PROBATÓRIO DA ACUSAÇÃO. INDEVIDA INVERSÃO EM DESFAVOR DOS RÉUS. OCORRÊNCIA. SENTENÇA E ACÓRDÃO CONDENATÓRIOS. FUNDAMENTAÇÃO VAGA, GENÉRICA E DEFICIENTE. ABSOLVIÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, COM EXTENSÃO DOS EFEITOS AO CORRÉU.

1. Se a sentença e o acórdão que a manteve não demonstraram, concretamente, a presença de nenhuma das elementares do crime tipificado no art. 90 da Lei n. 8.666/1993, inclusive o dolo específico e a maneira como teria sido fraudada a licitação, é inviável a condenação por esse delito . 2. Situação concreta em que não houve a indicação de qual teria sido o ajuste realizado entre o Recorrente e o Corréu no intuito de fraudar o caráter competitivo da licitação, sendo sequer mencionada a existência de algum contato entre eles. Tampouco se demonstrou de que maneira teria sido frustrado o caráter competitivo da licitação e, menos ainda, qual a vantagem obtida pela adjudicação do contrato e quem dela teria se beneficiado. [...]

11. Recurso especial provido para, reformando a sentença e o acórdão recorrido, absolver o Recorrente das imputações feitas na denúncia, com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, com extensão dos efeitos ao Corréu, ROBÉRIO SARAIVA GRANJEIRO, na forma do art. 580 do referido Estatuto."( REsp n. 1.973.787/PB, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 08/03/2022, DJe 14/03/2022; sem grifos no original.)

"AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. DESEMBARGADOR DE CORTE TRABALHISTA. EXERCÍCIO DA PRESIDÊNCIA QUANDO DOS FATOS CRIMINOSOS. DENÚNCIA POR SUPOSTA INFRAÇÃO AOS ARTS. 89, 90 DA LEI DAS LICITAÇÕES E AO ART. 359-D DO CÓDIGO PENAL. FALTA DE DESCRIÇÃO ESPECÍFICA DAS CONDUTAS E NÃO DEMONSTRAÇÃO DO DOLO DIRETO COM RELAÇÃO AO PRIMEIRO DELITO (ART. 89, CAPUT, DA LEI N. 8.666/93). AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DOS ELEMENTOS DA FIGURA TÍPICA REFERENTE AO ART. 90 DA LEGISLAÇÃO ESPECIAL. INFRAÇÃO DE ORDENAÇÃO DE DESPESA NÃO AUTORIZADA POR LEI. ACUSATÓRIA QUE NÃO APONTA O IMPEDIMENTO PARA O DISPÊNDIO DE RECURSOS PÚBLICOS. INVIABILIZAÇÃO DO EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. PEÇA DE ACUSAÇÃO QUE NÃO PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. REJEIÇÃO QUE SE IMPÕE.

[...]

5. Para ser válida a peça de acusação com relação ao art. 90 da Lei das Licitações, mostra-se imperativo dissertar sobre todos os elementos da figura típica, indicando quem praticou o núcleo do tipo (frustrar ou fraudar), os meios empregados (ajuste, combinação ou qualquer outro expediente) e o especial fim de agir (obter para si ou para outrem vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação), e ainda há que se demonstrar o vínculo da conduta do denunciado com seu interesse volitivo, bem como de que maneira, em que lugar, quando e com quem teria ajustado, combinado ou se associado para a consecução de seu objetivo.

6. Descrevendo a peça de acusação que o denunciado tão somente homologou os processos licitatórios, assinando ainda um dos respectivos contratos, tem-se como não atendida a exigência supracitada, sequer podendo-se inferir se, ao menos, que tinha conhecimento das fraudes nos atos administrativos noticiados.

7. O tipo descrito no art. 359-D do Código Penal caracteriza-se como norma penal em branco, necessitando de lei que estabeleça as despesas não autorizadas.

8. Não obstante o Ministério Público Federal fazer correlação entre a despesa não autorizada e aquela decorrente de procedimento de licitação viciado, deixou de indicar o impedimento legal para o dispêndio de recursos públicos, o que prejudica a acusação neste particular.

9. Denúncia rejeitada, por inépcia, visto não preencher os requisitos do art. 41 do CPP."( APn n. 594/ES, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Corte Especial, julgado em 04/11/2015, DJe 18/11/2015; sem grifos no original.)

Com a absolvição, fica prejudicada a análise das demais alegações trazidas no recurso especial.

Ante o exposto, NÃO CONHEÇO do pedido formulado por meio da Petição n. 851645/2021 e CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso especial e, nessa extensão, DOU-LHE PROVIMENTO, a fim de absolver o Recorrente, na forma do art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 14 de dezembro de 2022.

Ministra LAURITA VAZ

Relatora

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(STJ - REsp: 1955311, Relator: LAURITA VAZ, Data de Publicação: 16/12/2022)

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