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3 de Maio de 2024

Da analise critica á proteção penal da vida nos crimes de trânsito

Publicado por Beatriz Cavalcanti
há 6 anos


INTRODUÇÃO

A primeira ideia de se construir um automóvel surgiu com Leonardo da Vinci, no Século XV, tendo este projetado um triciclo movido a corda. Entretanto, o projeto não se concretizou.

Alguns séculos depois, diante do aperfeiçoamento da máquina a vapor, o engenheiro francês Nicolas-Joseph Cugnot criou uma espécie de carruagem movida a vapor.

No ano de 1800, em Paris, já era possível encontrar pelas ruas ônibus barulhentos movidos a vapor, ou seja, pela queima de carvão.

Os automóveis atuais surgiram após a criação do motor e a descoberta do petróleo como combustível. Os grandes pioneiros são conhecidos por Karl Benz e Gottlieb Daimler, donos de fábricas concorrentes de automóveis movidos a gasolina. Em 1926, ocorreu a fusão das empresas, dando origem a Daimler-Benz.

Em 1908 os Estados Unidos ganharam visibilidade no mercado automobilístico, antes dominado principalmente pela Europa, graças a Henry Ford.

Diante disso, se construíram estradas e ruas, auxiliando na evolução das cidades. O que ninguém sabia é que os automóveis ainda poderiam ser utilizados como “máquinas mortíferas”.

É sabido que nos dias atuais os automotores são uma das grandes causas de lesões e mortes no trânsito. No entanto, grande parte dos acidentes de trânsito tem um elemento como grande responsável: a bebida alcoólica.

No presente trabalho, inicialmente serão abordados conceitos como o homicídio culposo no trânsito e as condutas do sujeito, bem como os objetos materiais e jurídicos do tema, seus resultados e as hipóteses de pena aumentada.

Já no segundo capítulo serão analisados temas como a penalização ineficaz do homicídio no trânsito, abordando temas como a pena cominada, a embriaguez como agravante e casos polêmicos.

Esta monografia abordará ainda temas como as penas alternativas para os crimes de trânsito, assim como os casos em que o indivíduo responderá em liberdade, apenas sendo privado de seus direitos, ou quando este responderá em regime fechado, tendo sua liberdade cerceada em virtude de comprovação de dolo eventual.

O foco do estudo é analisar a penalização ineficaz dos crimes cometidos no trânsito pelo escopo do Código de Trânsito Brasileiro, bem como por através do Código Penal, de modo a analisar a importância da vida para o ordenamento jurídico brasileiro.

1. DO HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO

O homicídio culposo no trânsito está tipificado no artigo 302 da Lei 9.503/97,o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Aqui, exige-se que a conduta humana seja culposa, isto é, negligente, imprudente ou imperita. Nesse sentido, Arnaldo Rizzardo expõe:

A primeira figura penal que passa a ser regulada pelo CTB é o homicídio culposo, considerado como a eliminação da vida de uma pessoa por ato de outra, através de uma causa gerada por culpa, nas espécies imprudência, negligência ou imperícia.[1]

Trata-se de um crime comum, já que não exige condição especial do sujeito ativo ou passivo do delito.Logo, pode ser cometido por qualquer pessoa contra qualquer pessoa. É, também, um crime de dano, pois requer o efetivo sacrifício do bem jurídico tutelado, qual seja: a vida humana.

A prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor é punida com pena de detenção, de dois a quatro anos, cumulada com a suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor, nos termos do caput do artigo 302 do CTB.

Em consonância com o artigo 394, § 1.º, I do Código Penal, o rito processual adotado no delito de homicídio culposo no trânsito é o ordinário, tendo em vista que a pena máxima cominada é igual a quatro anos.

Há que se ressaltar que o CTB não prevê a modalidade de homicídio doloso. Assim, na hipótese de haver dolo, direto ou eventual, em um homicídio no trânsito, deve-se aplicar o artigo 121 do Código Penal. Nesse caso, o crime será julgado pelo Tribunal do Júri.A respeito do tema, Arnaldo Rizzardo disserta:

O art. 302 do CTB introduziu a figura do homicídio culposo, isto é, decorrente de acidente de trânsito com culpa somente e não com dolo direto ou eventual – mais explicitamente, o homicídio provocado por imprudência, negligência ou imperícia. Verifica-se quando alguém causa a morte de outrem, e tal acontecendo por omissão de cautela, atenção ou diligência comum exigível de todos os seres humanos normais. Se presente o dolo, numa de suas modalidades, a capitulação opera-se em geral no caput do art. 121 do CP, sem afastar as situações dos §§ 1.º e 2.º.[2]

Sabendo que o delito de homicídio culposo no trânsito possui pena privativa de liberdade máxima igual a quatro anos, tem-se que é possível a concessão de liberdade provisória mediante o pagamento de fiança pelo sujeito ativo do crime, de acordo com o artigo 322 do Código de Processo Penal. Ademais, o artigo 33 do mesmo diploma legal estabelece que a pena será cumprida em regime semiaberto ou aberto.

Para uma melhor compreensão do crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, faz-se necessário o estudo de alguns elementos, que passam a ser expostos a seguir.

1.1. Conduta

Como é sabido, a conduta típica do homicídio consiste em matar alguém. À vista disso, além desta conduta, exige-se, também, para acaracterização do homicídio no trânsito, que o autor do delito tenha agido culposamente.

Na culpa stricto sensu, a conduta do sujeito é voluntária e produz um resultado definido na lei como crime. Todavia, ao contrário da conduta, o resultado é involuntário e indesejado.

As modalidades da culpa são: imprudência, negligência e imperícia. A primeira modalidade refere-se à prática de uma conduta arriscada ou perigosa. A negligência corresponde à falta de precaução ou cuidado. E, por fim, a imperícia caracteriza-se pela ausência de aptidão para o exercício de determinada arte, profissão ou ofício.

De mais a mais, a conduta do homicídio culposo no trânsito é comissiva, haja vista que exige ação do autor do crime. Entretanto, excepcionalmente, é comissiva por omissão, ou omissiva imprópria. Sobre o delito comissivo por omissão, Luiz Regis Prado, Érika Mendes de Carvalho e Gisele Mendes de Carvalho dispõem:

[...] já no segundo (omissivo impróprio ou comissivo por omissão) há um resultado causado por uma omissão do autor (delito de resultado), que tinha nas circunstâncias o dever de impedi-lo, pois ocupava posição de garante (vide art. 13, § 2.º, CP – omissão relevante). A omissão, nos delitos omissivos impróprios, é equivalente à ação.[3]

1.2. Sujeito

O crime é composto por seus sujeitos ativo e passivo. Verifica-se que o sujeito ativo do delito é aquele que pratica o fato descrito na norma penal incriminadora, ao passo que o sujeito passivo é o titular do interesse penalmente protegido.

No que tange ao crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, tem-se que o sujeito ativo é aquele que pratica a conduta criminosa e o sujeito passivo é o morto.

Ainda em relação ao sujeito, vale mencionar que o crime pode ser comum ou especial. O primeiro não exige qualidade específica do autor do crime, podendo ser cometido, dessa forma,por qualquer um. Já o crime especial exige que o sujeito ativo possua uma determinada qualidade pessoal, como no caso do delito de peculato (artigo 312 do Código Penal).

Conforme dito anteriormente, qualquer pessoa pode praticar o homicídio culposo na direção de veículo automotor, ou seja, o sujeito ativo do delito é indeterminado. É, portanto, classificado como crime comum.

1.3. Objeto material e jurídico

O objeto material corresponde à própria coisa ou pessoas atingidas pela prática de um crime. Marquesassim dispõe acerca do objeto material:

É o bem, de natureza corpórea ou incorpórea, sobre o qual recai a conduta criminosa. Como explica Frederico Marques, “bem é vocábulo que designa tudo quanto é apto a satisfazer uma necessidade humana. Ele pode consistir em um objeto do mundo exterior, ou em uma qualidade do sujeito. Pode ainda ter natureza incorpórea, pelo que, ao lado dos bens materiais, existem os bens imateriais ou ideais, que tem particular importância para o Direito Penal”.[4]

O objeto jurídico, por sua vez, é o interesse protegido pelo sistema normativo, mas que foi violado pela prática de um crime. Destarte, ao impor sanções àqueles que ofenderam o objeto jurídico tutelado, a norma penal tem por escopo protegê-lo.

Enquanto o objeto material do homicídio culposo no trânsito é a pessoa sobre a qual recai a conduta criminosa, o objeto jurídico é a vida. Guilherme de Souza Nucci afirma sobre os objetos material e jurídico do crime do artigo 302 do CTB:

O objeto material é a pessoa que morre, vítima da conduta do agente; o objeto jurídico é, primordialmente, a vida humana, mas, secundariamente, a segurança viária.[5]

É mister esclarecer que o objeto jurídico do homicídio culposo na direção de veículo automotor é a vida extrauterina.Tal delito não se configurará caso a conduta culposa de um indivíduo tenha como resultado um aborto, haja vista que o tipo penal não engloba o nascituro.

Vale destacar, ainda, que Carta Magna, em seu artigo , caput, preceitua que a vida (objeto jurídico do homicídio) é uma das garantias constitucionais. Senão vejamos: “[...] garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida [...]`”.

1.4. Resultado

Acerca do resultado, existem dois critérios, quais sejam, naturalístico e jurídico. Este é o adotado pelo legislador, contudo, o primeiro critério prevalece na doutrina. Guilherme de Souza Nucci assim os define:

a) Naturalístico: é a modificação sensível do mundo exterior. O evento está situado no mundo físico, de modo que somente pode-se falar em resultado quando existe alguma modificação passível de captação pelos sentidos.

b) Jurídico ou normativo: é a modificação gerada no mundo jurídico, seja na forma de dano efetivo ou na de dano potencial, ferindo interesse protegido pela norma penal. Sob esse ponto de vista, toda conduta que fere um interesse juridicamente protegido causa um resultado.[6]

Nesta oportunidade, importa dizer que o dolo subdivide-se em direto e eventual. No dolo direto, o sujeito busca alcançar um resultado certo e determinado. Já no dolo eventual, o sujeito não deseja o resultado, mas assume o risco de produzi-lo. Na culpa stricto sensu, por sua vez, o resultado é involuntário e indesejado pelo sujeito. Nos termos do artigo 18, II do Código Penal, o crime culposo ocorre “[...] quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”.

O resultado do crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor é, portanto, a morte de uma pessoa. Ademais, conforme já visto, este resultado não foi desejado pelo sujeito ativo do crime.

1.5. Hipóteses de pena aumentada

As causas de aumento estão estabelecidas no artigo 302 do CTB, em seus incisos:

§ 1.º No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente:

I – não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;

II – praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;

III – deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente;

IV – no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.

A primeira hipótese de pena aumentada refere-se ao agente que cometeu um homicídio culposo sem ter permissão para dirigir ou carteira de habilitação. Trata-se de um requisito objetivo, pois a pena só será aumentada se o sujeito ativo do delito não possuir autorização para conduzir veículo automotor, não importando se ele tem ou não habilidade para tanto.

Vale observar que o princípio da absorção, também denominado de consunção, preconiza que o crime fim, que é mais grave e abrangente, absorve o crime meio. Dessa forma, o sujeito que dirige veículo automotor sem permissão ou habilitação (conduta tipificada no artigo 309 do CTB) e pratica homicídio culposo estaria cometendo dois crimes. Entretanto, por força de tal princípio, o sujeito será apenas punido pelo delito de homicídio culposo, tendo em vista que este absorveu o crime meio, previsto no artigo 309. Aqui,será aplicada a causa de aumento de pena estabelecida no artigo 302, § 1.º, I do CTB.

A causa de aumento de pena do inciso II refere-se à prática do crime sobre a faixa de pedestres ou sobre a calçada. Vale dizer que em consonância com os artigos 70 e 214, I do CTB, o pedestre tem sempre a preferência, desde que já iniciada a travessia.

A hipótese de aumento de pena do inciso III é aplicada quando o causador do acidente de trânsito deixa de socorrer a vítima. Não incidirá, entretanto, tal hipótese caso o socorro gere risco pessoal para o condutor. O inciso III só é aplicado ao autor do homicídio culposo, logo, se a omissão de socorro for praticada por qualquer outro condutor de veículo, o artigo a ser aplicado será o 304 do CTB. Sobre a distinção desses dispositivos, Guilherme de Souza Nucci leciona:

É preciso distinguir esta causa de aumento de pena do delito previsto no art. 304. Neste último tipo penal, deve-se pressupor que o condutor do veículo não é culpado pelo acidente. Sua obrigação consiste em ser solidário, socorrendo a vítima, mesmo que a culpa caiba a esta ou a terceiro. No caso do homicídio culposo com aumento de pena por omissão de socorro, o agente provocador da morte da vítima possui o dever de solidariedade, devendo providenciar socorro à pessoa a quem não desejava atingir, mas o fez em face de sua desatenção ao conduzir veículo automotor. Por outro lado, o delito do art. 304 é subsidiário, bastando checar o disposto no preceito secundário (´´se o fato não constitui elemento de crime mais grave``).[7]

No tocante à causa de aumento de pena prevista no inciso III, vale dizer que caso a vítima morra instantaneamente, o causador do acidente de trânsito não terá a obrigação de socorrê-la, vez que não é possível exigir-se a prestação de socorro a um defunto.

A hipótese de aumento de pena do inciso IV incide nos profissionais que conduzem passageiros, como motoristas de ônibus e táxi. Aqui, a prática de homicídio culposo implica a majoração da pena, não importando se a vítima era ou não transportada pelo autor do crime. Tal inciso exclui os condutores de veículos de transporte de carga e valores.

Por fim, há que se mencionar que o parágrafo segundo do artigo 302 do CTB refere-se ao homicídio culposo na direção de veículo automotor qualificado pela condição de embriaguez do sujeito ativo do crime. A conduta praticada durante corrida, disputa, competição automobilística, exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente, é, também, enquadrada em tal dispositivo legal.

Enquanto a pena do caput do artigo 302 é de detenção, a do parágrafo segundo é de reclusão. Dessa forma, o legislador visou dar um tratamento mais severo àquele queconduz veículo automotor nas condições supracitadas, todavia, a iniciativa demonstrou-se pouco eficiente, haja vista que as penas in abstratosão as mesmas: de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

2. PENALIZAÇÃO INEFICAZ DO HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO

O homicídio culposo no trânsito se encontra tipificado no Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 302.

Vejamos:

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:

Penas- detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

O Código Penal Brasileiro também traz a figura do homicídio culposo, porém não engloba as condutas praticadas no trânsito, na direção de veículo automotor.

O artigo 121, § 3º do referido diploma legal assim dispõe:

Art. 121[...]

§ 3º Se o homicídio é culposo:

Pena - detenção, de um a três anos. (sem grifos no original)

A pena de detenção é destinada aos crimes menos graves, de menor pena, que por consequência têm regime mais brando.

Vejamos o que Fernando Capez ensina sobre as penas de detenção e reclusão[8]:

As diferenças entre reclusão e detenção, é que os crimes mais graves são puníveis com pena de reclusão, reservando a detenção para os delitos de menor gravidade. Como consequência, a pena de reclusão pode iniciar seu cumprimento no regime fechado, o mais rigoroso de nosso sistema penal, que jamais poderá ocorrer com a pena de detenção. Somente com o descumprimento as condições impostas pelo juiz, poderá levar o condenado a pena de detenção ao regime fechado, através da regressão de regime.

Sobre o crime culposo, explica Cunha[9]:

O crime culposo consiste numa conduta voluntária que realiza um evento ilícito não querido ou aceito pelo agente, mas que lhe era previsível (culpa inconsciente) ou excepcionalmente previsto (culpa consciente) e que podia ser evitado se empregasse a cautela esperada.

Culpa no direito penal é o ato proveniente de imperícia, imprudência ou negligência, de efeito lesivo ao direito de outrem.

Segundo Cezar Roberto Bitencourt[10]:

Imprudênciaé a prática de uma conduta arriscada ou perigosa, negligência é a displicência no agir, a falta de precaução, a indiferença do agente, que, podendo adotar as cautelas necessárias, não o faz, imperícia é a falta de capacidade, despreparo ou insuficiência de conhecimento técnico para o exercício de arte, profissão ou ofício.

Existem quatro espécies de culpa: culpa consciente, culpa inconsciente, culpa própria e culpa imprópria.

Cunha explica resumidamente as quatro[11]:

Na culpa consciente o agente prevê o resultado, mas espera que ele não ocorra, supondo poder evita-lo com a sua habilidade. Já na culpa inconsciente, o agente não prevê o resultado, que, entretanto, era previsível. Neste caso, qualquer outra pessoa, naquelas circunstâncias, poderia prever a ocorrência daquele resultado. A culpa própria ou culpa propriamente dita, é aquela em que o agente não quer e não assume o risco de produzir o resultado, mas acaba lhe dando causa, por imprudência, negligência ou imperícia. Por fim, a culpa imprópria ou culpa por equiparação é aquela em que o agente, por erro evitável, imagina certa situação de fato que, se presente, excluiria a ilicitude do seu comportamento.

É tênue a linha divisória entre a culpa consciente e do chamado dolo eventual. Em caso de homicídio no trânsito, o Ministério Público pode entender que o agente agiu com o dolo eventual. Em ambos o agente prevê a ocorrência do resultado, mas somente no dolo o agente admite a possibilidade do evento acontecer. Na culpa consciente, ele acredita sinceramente que conseguirá evitar o resultado, ainda que o tenha previsto.

Muitos operadores do direito ainda acreditam que, no contexto do trânsito, prevalece a culpa consciente, pois o agente não acredita que irá causar um mal tão grave. A solução, realmente, não é fácil, dependendo, em nosso ponto de vista, do caso concreto e das circunstâncias que envolvem o crime. É inviável buscar resolver o problema com a prova concreta do que se passou na mente do agente.

Optando o Ministério Público pela denúncia por homicídio com dolo eventual e recebida a denúncia pelo juiz, o processo seguirá o rito dos crimes contra a vida e caso seja pronunciado, será julgado pelo tribunal do júri.

Optando pelo homicídio previsto no Código de Trânsito, o processo correrá pelo rito ordinário e será julgado por juiz singular.

Verifica-se que, a depender da gravidade do caso, o enquadramento no artigo 121 do Código Penal, com dolo eventual seria mais eficaz, tendo em vista que a pena é relevantemente maior e que o julgamento é feito pelo júri popular, de modo que os familiares da vítima podem sentir-se de fato amparados e acolhidos pela justiça.

2.1. Pena Cominada

A pena estipulada para o delito do artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro é de dois a quatro anos, diferentemente da pena prevista para o homicídio culposo do Código Penal, que é de um a três anos. Isto porque, não obstante o delito tipificado no Código Penal Brasileiro, devido aos altos índices de violência no trânsito e ao grande número de condutores infratores, o Código de Trânsito Brasileiro passou também a disciplinar o homicídio, na sua forma culposa, aplicando, porém, sanção mais rigorosa do que a prevista para o homicídio culposo do Código Penal.

Alguns doutrinadores se referem ao homicídio culposo no trânsito como “homicídio culposo qualificado”, por ter pena maior que a prevista no Código Penal.

O Código de Trânsito previu no § 1º do artigo 302 algumas causas de aumento de pena do homicídio na direção de veículo automotor.

Senão vejamos:

§ 1.º No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente:

I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação;

II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;

III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente;

IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros.

O antigo inciso V, que possibilitava a majoração (causa de aumento) da pena caso o agente estivesse sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos foi revogado pela Lei 11.705 de 2008, permitindo assim,o concurso de crimes (entre os artigos 302 e 306, ambos do CTB) ante a inexistência de causa de aumento de pena específica.

Fato interessante é que o parágrafo segundo do mesmo artigo, incluído em 2014 pela Lei 12.971, que seria como uma qualificadora do homicídio no trânsito, foi revogado dois anos depois pela Lei 13.281/2016. Isto porque a diferença da pena estabelecida por ele para a pena trazida no caput era apenas a qualidade da reprimenda, que era de reclusão e não de detenção. Note-se que na prática a diferença era mínima e, por isso, os legisladores decidiram acertadamente retirá-lo.

Vejamos como era a antiga redação:

Art. 302

§ 2º- Se o agente conduz veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência ou participa, em via, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente:

Penas - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.” (sem grifos no original)

Veja, a pena era exatamente a mesma do caput e não havia sentido em manter uma “qualificadora” que não qualificava de fato o crime.

Sendo assim, as causas de aumento aplicáveis atualmente ao homicídio culposo no trânsito são aquelas elencadas no artigo exposto acima.

Sobre o concurso de crimes, embora alguns doutrinadores e julgados entendam pela sua aplicabilidade, uma parte considerável da doutrina e jurisprudência a afasta em razão da absorção do crime de perigo pelo crime de dano, já que, segundo Nucci: “pelo princípio da subsidiariedade, não se admite a punição de crime de perigo, existente para evitar a concretização do delito de dano, quando o dano já se efetivou”[12].

Nesse caso, o crime de perigo é o do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro. Vejamos:

Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Sendo assim, o crime de dano é o homicídio na direção de veículo automotor, que absorve o crime do artigo 306.

Neste sentido o seguinte julgado:

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE TRÂNSITO (LEI N. 9.503/97)- SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. INSURGÊNCIA DO ÓRGÃO MINISTERIAL - PRETENDIDA CONDENAÇÃO DO ACUSADO PELA PRÁTICA DE HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR E EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ARTS. 302, CAPUT, E 306, AMBOS DO CTB). MOTORISTA QUE, EMBRIAGADO, PERDE O CONTROLE DO VEÍCULO, INVADE A CONTRAMÃO DE DIREÇÃO E COLIDE FRONTALMENTE COM AUTOMÓVEL QUE VINHA EM SENTIDO CONTRÁRIO OCASIONANDO A MORTE DA VÍTIMA - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - SITUAÇÃO PERFEITAMENTE VISUALIZADA PELO CROQUI JUNTADO AOS AUTOS - INEXISTÊNCIA DE PROVA CAPAZ DE AFASTAR A PRESUNÇÃO JURIS TANTUM DO LAUDO PERICIAL - EMBRIAGUEZ CONSTATADA PELO TESTE DE ALCOOLEMIA - IMPRUDÊNCIA CONFIGURADA - FALTA DE CAUTELA POR PARTE DO APELADO - SENTENÇA REFORMADA. APLICAÇÃO, DE OFÍCIO, DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO - CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE ABSORVIDO PELO HOMICÍDIO CULPOSO. RECURSO PROVIDO EM PARTE.

(TJ-SC - APR: 207196 SC 2008.020719-6, Relator: Marli Mosimann Vargas, Data de Julgamento: 16/07/2009, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: Apelação Criminal de São Bento do Sul)[13]

No que diz respeito às agravantes genéricas do artigo 61 do Código Penal, a única aplicável ao crime do artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro é a agravante da reincidência, por se tratar de crime culposo.

Segundo Guilherme de Souza Nucci:

O rol previsto no art. 61 do Código Penal é restrito e não pode ser ampliado. Por isso, não há possibilidade de utilização de qualquer mecanismo, inclusive analogia, para aumentar as suas hipóteses de incidência. A reincidência (art. 61, I, CP)é aplicável aos delitos dolosos e culposos, indistintamente. As demais circunstâncias (art. 61, II, CP) somente encontram cenário propício para aplicação quando se tratar de crimes dolosos. É o entendimento predominante na doutrina e na jurisprudência, por absoluta incompatibilidade com o delito culposo, cujo resultado é sempre involuntário.[14]

Dito tudo isso, verifica-se que a pena estabelecida no caput do artigo 302 pode ser aumentada de 1/6 até a metade, no máximo, se for o caso, sendo o cálculo realizado na 3ª fase da dosimetria da pena.

Outrossim, estando presente a agravante da reincidência, será ela calculada pelo Juiz na 2ª fase da dosimetria da pena, sendo que não existe um quantum específico para as agravantes. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o aumento em razão da agravante, por não ter parâmetro legal, deve seguir os indicativos das causas de aumento de pena, que variam de 1/6 a 2/3.

Desse modo, como regra, deve-se adotar a fração de 1/6 como limite máximo para o aumento em virtude das agravantes, para que estas não tenham maior impacto na dosimetria da pena que as causas de aumento de pena. Em outras palavras, utiliza-se o limite mínimo de 1/6 das majorantes e minorantes (3ª fase da dosimetria) como limite máximo para as agravantes e atenuantes (2ª fase da dosimetria). Esse é um entendimento que já havia sido utilizado anteriormente pelo STJ, a exemplo do HC 282.593, decidido em 2014.

Vejamos abaixo:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE AMEAÇA. REINCIDÊNCIA. AUMENTO ACIMA DE 1/6. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. ILEGALIDADE FLAGRANTE. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO.[…]2. Apesar de a lei penal não fixar parâmetro específico para o aumento na segunda fase da dosimetria da pena, o magistrado deve se pautar pelo princípio da razoabilidade, não se podendo dar às circunstâncias agravantes maior expressão quantitativa que às próprias causas de aumentos, que variam de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços). Portanto, via de regra, deve se respeitar o limite de 1/6 (um sexto) (HC 282.593/RR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 07/08/2014, DJe 15/08/2014).3. Hipótese em que pena foi elevada em 100%, na segunda fase, em face de circunstância agravante, sem fundamentação, o que não se admite, devendo, pois, ser reduzida a 1/6, nos termos da jurisprudência desta Corte.4. Agravo regimental improvido.(AgRg no HC 373.429/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 01/12/2016, DJe 13/12/2016).[15]

Caso a pena aplicada ao delito não seja superior a quatro anos e o crime não seja cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo, cabe a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos, se cumpridos outros dois requisitos, de acordo com o artigo 44 do Código Penal Brasileiro. São eles:

II – o réu não for reincidente em crime doloso;

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

Desse modo, verifica-se que no caso de homicídio culposo no trânsito cabe a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, seja qual for a pena aplicada, não sendo o agente reincidente em crime doloso e caso as circunstâncias indiquem que a substituição basta como punição.

Vale ressaltar ainda, que no delito de homicídio culposo no trânsito é possível a concessão de liberdade provisória mediante o pagamento de fiança pelo agente, já por ocasião da prisão em flagrante, nos termos do disposto no artigo 322 do Código de Processo Penal, tendo em vista que a pena máxima privativa de liberdade não é superior a quatro anos.

2.2. Embriaguez como agravante

Constatou-se que a exclusão do uso de álcool ou substância entorpecente análoga como causa de aumento de pena impossibilita que o agente que estiver embriagado no momento do crime tenha sua pena majorada.

Pois bem, ainda resta a agravante do inciso II, alínea l, do artigo 61, do Código Penal, que é a prática do delito em estado de embriaguez preordenada.

Ocorre que a agravante supramencionada não é aplicável aos crimes culposos e, portanto, não é aplicável ao homicídio culposo no trânsito.

Outrossim, trata-se de embriaguez preordenada, ou seja, o agente planejou se embriagar para cometer o crime. Encontra-se aqui a razão dessa agravante não ser aplicável aos crimes culposos. A pessoa deseja e planeja a conduta.

De acordo com Rogério Sanches Cunha[16]:

Constitui agravante a embriaguez preordenada, situação em que o agente, propositadamente, se embriaga, encorajando-se à prática do crime. (sem grifos no original)

Sendo assim, conclui-se que a agravante da embriaguez de forma alguma seria aplicável ao homicídio na direção de veículo automotor e que a única forma de se aplicar uma punição eficaz ao agente que dirige embriagado e vem a matar alguém, é denunciar com base no artigo 121 do Código Penal, com dolo eventual, o que dependerá do entendimento do Ministério Público.

2.3. Pena Alternativa

O artigo , XLVI, da Constituição Federal de 1988 preceitua que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

Sendo assim, entende-se que ao Poder Legislativo é incumbido o dever de formalizar a individualização da pena, enquanto ao magistrado fica o dever de individualizar a pena diante do fato e efetuá-la de maneira eficaz.

É sabido que, ao individualizar a pena e diante de uma condenação, o juiz deve observar as possibilidades de condenar o autor do fato à uma pena restritiva de direitos.

Entretanto, é importante analisar se tal procedimento pode ou não ocorrer diante de crimes de trânsito, mediante caráter substitutivo ou alternativo, uma vez que o CTB já possui suas próprias penas restritivas de direitos, conforme se afere do artigo 291, caput, que preceitua que:

Art. 291. Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal e este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber.

O Código Penal deixa claro a concordância de sua aplicação no caso de inexistência de lei especial que a regule, conforme se afere em seu artigo 12 que dispõe que “as regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso”.

Apesar de tais disposições, o Código de Trânsito Brasileiro não possui limitação quanto a aplicação das penas restritivas de direitos dispostas no Código Penal em substituição as penas privativas de liberdade previstas no CTB. Entretanto, ressalta Cezar Roberto Bitencourt:

Resta a ser examinada a compatibilidade dessa substituição, considerando-se que, em regra, o CTB comina a pena privativa de liberdade cumulada com uma restritiva de direitos, qual seja, a “suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor, ou a proibição de sua obtenção”.[17]

No artigo 69 do Código Penal, encontramos disposições acerca do concurso material de crimes, buscando sanar a aplicação cumulativa de penas restritivas de direitos e restritivas de liberdade. Vejamos:

Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.

§ 1.º Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código.

§ 2 Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais.

Afere-se, pois, que ao ser aplicada determinada pena privativa de liberdade para um dos crimes, as penas previstas no artigo 44 do Código Penal não poderão substituí-la se aquela não houver sido suspensa.

Em outros termos, nosso Código Penal não admite a substituição de uma pena privativa de liberdade quando o condenado tem outra para cumprir; proíbe, nesses casos, o cumprimento sucessivo de ambas as sanções. E cumpri-las simultaneamente é, operacionalmente, impossível (recolhido à prisão não pode cumprir outra pena ao mesmo tempo); daí concluir-se que há incompatibilidade de cumprimento de duas penas, sendo uma restritiva de direitos e outra privativa de liberdade.[18]

Já no que tange às penas restritivas de direito, estas podem ser cumuladas, desde que possua compatibilidade entre si e com as demais penas, conforme se vê do parágrafo segundo do artigo 69 exposto acima.

No caso de crimes culposos, a antiga redação do Código Penal permitia que uma pena restritiva de direitos e multa ou duas penas restritivas de direito fossem aplicadas simultaneamente em substituição à pena privativa de liberdade, ou seja, diferentemente do disposto no parágrafo segundo do artigo 69 do referido dispositivo legal, antigamente não era possível a execução sucessiva de duas penas restritivas de direitos.

Assim como afirma Bitencourt:

[...] a nova redação do art. 44, § 2º, segunda parte (com redação a Lei n. 9.714/98), quando disciplina a substituição por “duas penas restritivas de direitos”, não repete a ressalva anterior, sobre a necessidade de serem “exequíveis simultaneamente”.[19]

Ou seja, há uma concordância entre o texto deste e o artigo 69, § 2º, do CP no que se refere ao concurso material de crimes.

Conclui-se, portanto, que as penas privativas de liberdade estabelecidas no Código de Trânsito Brasileiro podem ser substituídas pelas penas restritivas de direitos, incluindo, até mesmo, o homicídio culposo, mesmo que haja necessidade de cumpri-las simultaneamente à pena restritiva de direitos exposta no CTB, “que de regra é cumulativa e obrigatória, e substitui-se a pena privativa de liberdade por uma das restritivas de direitos previstas no CP, se os demais requisitos estiverem presentes”[20].

No caso da aplicação de pena alternativa tendo como base a Lei 9.099/95, esta se pauta pelo disposto no artigo 291, caput, do CTB, ao definir que, sendo possível, as disposições previstas na Lei 9.099/95 serão aplicáveis aos crimes constantes do CTB, desde que estes sejam infrações de menor potencial ofensivo, ou seja, com pena cominada não superior a dois anos.

Diante dessas situações, não será possível a prisão em flagrante delito, permitindo-se o arbitramento de fiança, lavrando-se o TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência), para, então, ser remetido ao Juizado Especial Criminal.

Entretanto, cumpre salientar que nos casos de lesão corporal culposa em acidentes de trânsito, a ação será pública incondicionada, conforme Lei 11.313/2016.

No que concerne especificamente aos casos de embriaguez ao volante, esta não pode ser considerada puramente uma contravenção penal ou tão somente crime.

A embriaguez é uma das maiores causadoras de acidentes de trânsito, conforme dados disponibilizados pela PRF. Somente no ano de 2016, 485 pessoas morreram em decorrência de acidentes de trânsito envolvendo pessoas embriagadas[21].

Ainda que a “Lei Seca” (Lei 11.705/08) preveja multas, detenções e até mesmo a perda da habilitação para quem for flagrado dirigindo sob efeito do álcool, 54% dos motoristas ingerem a substância antes de dirigirem, sendo que 24,3% deles admite o uso de álcool com posterior direção[22].

A ingestão de álcool diminui a rapidez e precisão dos reflexos, como se depreende da observação do aumento de até 40% dos erros dos datilógrafos, durante duas horas ou mais.[23]

É sabido que o uso do álcool diminui os reflexos e a rapidez do condutor do veículo, fazendo com que o mesmo não reaja da mesma forma a determinados acontecimentos como agiria se estivesse livre do consumo do álcool.

Dessa forma prevê o artigo 276 do CTB, que o condutor estará sujeito às penalidades do artigo 165 do mesmo diploma legal, caso seja constatado qualquer concentração de álcool no sangue do indivíduo e, para tanto, são utilizados os meios dispostos no artigo 277:

Art. 277. O condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência.

Diante de um caso de homicídio culposo na direção de veículo automotor, verifica-se que a pena aplicada pode ser de detenção, de dois a quadro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para dirigir, conforme exposto anteriormente.

Sendo assim, verifica-se, portanto, que raramente aqueles que cometerem homicídios no trânsito em decorrência da embriaguez se verão enclausurados numa cela, haja vista que a pena aplicada para estas infrações sofreu modificação, deixando de ser aumentada em decorrência da revogação do inciso V, do parágrafo 1º, do artigo 302, do CTB, conforme Lei 13.281 de 2016.

Dessa forma, verifica-se que em caso de homicídio culposo, o réu cumprirá sua sentença em regime aberto, ou seja, para que um indivíduo pague, de maneira justa, por sua conduta, será necessário comprovar o dolo, podendo remeter, então, o crime para o artigo 121 do Código Penal, em que o acusado poderia ser levado a júri, podendo ser condenado a 20 ou 30 anos de prisão, cumprindo a condenação em regime fechado.

2.4. Regime Inicial Aberto

Conforme dispõe o artigo 33, § 2º, alínea c do Código Penal, o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 04 (quatro) anos, poderá, desde o início cumpri-la em regime aberto.

Portanto, nos casos em que o agente que cometer o crime de homicídio culposo no trânsito não for reincidente, o regime inicial para cumprimento da pena será o aberto.

No regime aberto a execução da pena se dá em casa de albergado ou estabelecimento adequado. Fundamenta-se na disciplina e responsabilidade do apenado.

A casa do albergado destina-se ao cumprimento de pena em regime aberto e também da pena de limitação de fim de semana.

O artigo 36 do Código Penal, em seus parágrafos 1º e 2º estabelece as regras do regime aberto:

§ 1.º O condenado deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga;

§ 2.º O condenado será transferido do regime aberto, se praticar fato definido como crime doloso, se frustrar os fins da execução ou se, podendo, não pagar a multa cumulativamente aplicada.

Por consequência, o condenado regredirá de regime caso descumpra as regras do § 2.º.

Caso o agente seja condenado como incurso nas penas do artigo 121, caput, do Código Penal (com dolo eventual), a depender do quantum da pena fixado pelo Juiz, os regimes possíveis seriam o semiaberto ou o fechado, uma vez que a pena pode variar de seis a vinte anos.

Supondo que seja aplicada a pena mínima, o regime inicial de cumprimento de pena é o semiaberto, que deverá ser cumprido em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. Se for aplicada a pena máxima, ou seja, vinte anos, o regime inicial de cumprimento de pena será o fechado, a ser cumprido em estabelecimento de segurança máxima ou média.

Vejamos o artigo 33 do Código Penal:

Art. 33. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.

(...)

§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

Feitas tais considerações, vale ressaltar novamente que todas essas consequências irão depender do entendimento ministerial no momento de elaborar a denúncia, assim como do magistrado ao exarar a sentença condenatória.

2.5. Caso polêmico

Uma das grandes polêmicas referentes aos homicídios no trânsito resultados da embriaguez na condução de veículo automotor está na posição a ser adotada diante do fato: o mesmo foi culposo ou doloso?

No ano de 2013, no Rio Grande do Sul, Altair Teixeira Carvalho foi colocado em prisão preventiva após causar a morte de pai e filho em decorrência de um acidente de trânsito.

O veículo Gol que dirigia invadiu a pista contrária da BR-386, atingindo uma Pajero. O teste de bafômetro indicou 0,8mg de álcool por litro, sendo que o condutor do veículo, além de fugir do local sem prestar socorro, ainda estava com a carteira suspensa por dirigir embriagado.

Em dezembro do mesmo ano, Altair foi pronunciado para ir a júri popular, tendo sido enquadrado no artigo 121 do Código Penal. Entretanto, sua defesa conseguiu postergar o julgamento.

É incrível que, ainda diante desse tipo de situação, em que inocentes pagam pelos erros dos outros, os culpados, seja de modo culposo ou doloso, não reconhecem a gravidade de suas atitudes, como é o caso de Altair, que, em entrevista a um jornal do Rio Grande do Sul afirmou que o acidente foi uma fatalidade e que sua família também estava sofrendo, se limitando a um pedido de desculpas por conta de uma mera “fatalidade”[24].

Ora, não são poucos os avisos e reportagens indicando os perigos e possíveis consequências de se dirigir embriagado. No entanto, grande parte dos motoristas prefere assumir o risco a esperar o momento certo para assumir a direção.

A defesa de Altair impetrou Habeas Corpus, tendo seu provimento negado, conforme Habeas Corpus nº 314.458.[25]

Em julho, após 14 horas de julgamento, o Juiz de Direito Rodrigo de Azevedo Bortoli condenou o pedreiro por homicídio doloso no Tribunal do Júri da Comarca de Lajeado, devendo cumprir pena de 15 anos, 9 meses e 23 dias de reclusão em regime fechado, além de 6 meses de detenção pela omissão de socorro[26].

Em janeiro de 2016 a defesa de Altair apelou, conseguindo a diminuição de pena de 15 anos, 9 meses e 23 dias de reclusão e 6 meses de detenção para 09 anos e 04 meses de reclusão em regime semiaberto.

0003- 70066205519 (CNJ: 305929-09.2015.8.21.7000) - CRIMES DOLOSOS E CULPOSOS CONTRA PESSOA- 1. VARA CRIME - LAJEADO (17/21300045746) - ALTAIR TEIXEIRA CARVALHO (ADV (S) MARCO ALFREDO MEJIA, MARCELO AZAMBUJA CHAVES, DAMARIS CHRISTMANN), APELANTE; MINISTÉRIO PÚBLICO, APELADO (A).

“DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO, DIMINUINDO A PENA A NOVE (09) ANOS E QUATRO (04) MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME SEMIABERTO, MANTIDAA PRISÃO, DETERMINANDO A RETIFICAÇÃO DA GUIA DE EXECUÇÃO PROVISÓRIA. UNÂNIME.”

Antigamente a chance de um indivíduo ir preso por conta de um homicídio de trânsito era muito pequena, visto que os julgamentos, em sua grande maioria, terminavam com a condenação por homicídio culposo.

Entretanto, verifica-se que, atualmente, os julgadores tendem a se posicionar de maneira a considerar o dolo eventual nos crimes de trânsito, de modo que os indivíduos não saiam pouco ou totalmente impunes.

CONCLUSÃO

O consumo de álcool se tornou um dos grandes problemas no trânsito, gerando lesões, não somente leves, mas também graves ou gravíssimas, levando até mesmo a morte.

Tem-se, pois, que os crimes de trânsito provocam grande comoção, principalmente quando motoristas acreditam que, mesmo diante do consumo de álcool, possuem discernimento e reflexos o suficiente para trafegar em vias públicas.

Diante do grande número de acidentes causados, medidas foram tomadas, como o advento da “Lei Seca”, que busca verificar o nível de alcoolemia no organismo do motorista.

Entretanto, ainda que o homicídio no trânsito seja considerado crime, muitos indivíduos saem impunes, uma vez que a lei dá margem para diversas interpretações, sendo possível considerar o homicídio no trânsito como doloso ou culposo, a depender da situação, uma vez que para que ocorra o dolo eventual, faz-se necessário a garantia de que o crime ocorrido no trânsito foi dotado de consentimento para que se produzisse o fato típico.

Deste modo, é imprescindível a atuação ponderada do juiz diante da análise do caso, pois ao ser pronunciado por dolo eventual, o sujeito será julgado por homicídio doloso diante do júri popular, enquanto no homicídio culposo, ou seja, que não ocorreu por dolo eventual, o indivíduo responde pelo previsto no CTB.

Ademais, é cabível ao magistrado que se atente e dê uma resposta justa à sociedade diante da negligência dos motoristas ao dirigirem embriagados, evitando, assim, que pessoas saiam impunes de seus crimes e que inocentes sejam incorridos nas mortes causadas no trânsito.


[1]RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 593.

[2]Ibid. p. 594-595.

[3]PRADO, Luiz Regis. CARVALHO, Érika Mendes; CARVALHO, Gisele Mendes. Curso de Direito Penal brasileiro. 14 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 210.

[4]MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. V. II, MILLENIUM, p. 39.

[5]NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 1147.

[6]NUCCI, Guilherme de Souza. Manual do Direito Penal. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 203.

[7]NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 1149.

[8]CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, vol. I, 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.371.

[9]CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 4 ed. Salvador: Juspodvm, 2016, p.191.

[10]BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: Parte Geral. Volume I. São Paulo: Saraiva, 2002. p.205.

[11]CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 4 ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p.204.

[12]NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 1253.

[13]Disponível em https://tj-sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6545291/apelacao-criminal-apr-207196-sc-2008020719-6/inteiro-teor-12644910?ref=juris-tabs . Acesso em 22.08.2017.

[14]NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 370-371.

[15]Disponível em: https://evinistalon.jusbrasil.com.br/artigos/418852415/stjocalculo-das-agravantes-atenuantes. Acesso em: 07/07/2017.

[16]CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Parte Geral. 4 ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p.431.

[17] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 707.

[18] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 707.

[19] Ibid. p. 708

[20]BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 708.

[21]Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-04/apos-4-anos-de-tolerancia-zero-lei-seca-motoristas-ainda-resistemamudar-habitos. Acesso em: 09/07/2017.

[22]Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-04/apos-4-anos-de-tolerancia-zero-lei-seca-motoristas-ainda-resistemamudar-habitos. Acesso em: 09/07/2017.

[23]CROCE JR, Delton. Manual de Medicina Legal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p.119.

[24]Disponível em: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2015/02/so-um-condutor-preso-sob-acusacao-de-homicidio-no-rs-4700536.html. Acesso em: 12/07/2017.

[25]BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Habeas Corpus nº 314.458 – (2015/0010121-1). Impetrante: Altair Texeira de Carvalho. Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/topicos/28991269/altair-texeira-carvalho Acesso em 17 jul 2017

[26]Disponível em: https://ambito-jurídico.jusbrasil.com.br/noticias/207179648/motorista-acusado-por-homicidios-dolosos-em-lajeadoecondenadoamais-de-15-anos-de-prisão. Acesso em: 15/07/2017.

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