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24 de Maio de 2024
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    O Contrato de Trabalho Intermitente e a sua Inconstitucionalidade

    Publicado por Elida Albuquerque
    há 4 anos

    1. INTRODUÇÃO

    A lei 13.467/2017, conhecida como “A Reforma Trabalhista”, foi promulgada em 13 de julho de 2017, passando a ter vigência a partir do dia 11 de novembro de 2017, trazendo inúmeras mudanças na Consolidação das Leis do TrabalhoCLT, assim como modificando conceitos fundamentais para a relação laboral. Dentre elas, destaca-se a regulamentação de um novo modelo de contrato de trabalho: O Contrato de Trabalho Intermitente, que tem previsão no artigo 443, parágrafo 3º da CLT, constituindo-se como uma modalidade totalmente diferente daquelas já previstas anteriormente à Reforma.

    A justificativa para a regulamentação do trabalho intermitente foi constituída através de argumentos que visam à melhora no cenário de desemprego, flexibilizando a contratação de trabalhadores nessa modalidade, levando assim a redução do numero de desempregados no país, hoje em torno de 13 milhões. Entretanto, ao contrario do afirmado, o conteúdo da lei 13.467/2017 desconstrói o Direito do Trabalho como conhecemos, contraria alguns de seus princípios, suprime regras favoráveis aos trabalhadores, reduz direitos trabalhistas e valoriza a imprevisibilidade do trabalho intermitente.

    O presente estudo tem como objetivo analisar a legislação acerca do contrato de trabalho intermitente, sob a luz da nossa Carta Magna apontando os principais aspectos e controvérsias no Ordenamento Brasileiro advindos com a Reforma Trabalhista e suas inconstitucionalidades. Para o desenvolvimento deste trabalho será utilizado o método dedutivo, valendo-se de pesquisas bibliográficas e explorativas em artigos, livros e em legislação, em especial a que trata do contrato intermitente (Lei 13.467/2017), assim como entendimentos sumulados acerca do tema. Para tanto este trabalho está dividido em cinco capítulos, além da presente introdução.

    No capitulo dois será abordado a Evolução histórica do Direito do Trabalho no Brasil, mostrando todo contesto histórico para a efetivação dos direitos dos trabalhadores; no capitulo três estudaremos a Reforma Trabalhista, analisando seu surgimento e apontando quais foram as suas mudanças previstas; no capitulo quatro abordaremos quais foram os princípios afetados pela Lei 13.467/2017 e apontar outras garantias constitucionais; o capitulo cinco tratará do contrato de trabalho intermitente, apresentando seu conceito legal, formas de pagamento e a analise sobre a constitucionalidade aos princípios do direito.

    Ao final, será apresentada a conclusão, a partir do que foi pesquisado, contendo uma reflexão critica acerca do contrato de trabalho intermitente, além de uma análise da efetividade deste novo instituto, em relação à redução do desemprego e à violação de princípios constitucionais.

    2. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

    No Brasil o Direito do Trabalho teve como marco inicial a promulgação da Lei Áurea, que aboliu a escravidão no país (1888), e teve papel fundamental para à configuração desse novo ramo jurídico especializado. Desta forma, “constituiu diploma que tanto eliminou da ordem sociojurídica relação de produção incompatível com o ramo jus trabalhista (a escravidão), como, em consequência, estimulou a incorporação pela prática social da fórmula então revolucionária de utilização da força de trabalho: a relação de emprego” 1 . Segundo a doutrina² , a história do Direito do Trabalho No Brasil pode ser dividida em três etapas:

    a) O período que compreende a independência (1822) até a abolição da escravatura (1888), nesse período como havia o trabalho escravo, não houve condições para o desenvolvimento da legislação trabalhista, a partir da Constituição do Império foi consagrada a filosofia liberal da revolução francesa, assegurando assim a liberdade do trabalho, entretanto tratava-se apenas de forma explicita a proibição quanto às corporações de oficio e não dos direitos sociais do trabalhador; b) o segundo período abrange os anos de 1888 a 1930, que foi marcado por uma serie de manifestações e greves visando à redução da jornada de trabalho, melhores salários e condições de trabalho, e por fim, c) o terceiro período que compreende desde a revolução de 1930 até hoje, onde foi iniciada a fase de oficialização do direito do trabalho (1930).

    Desta forma, com o governo de Getúlio Vargas a intervenção estatal nas relações de trabalho passa a ter aceitação; foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comercio (Dec. nº 19.433), houve a criação e instalação da Justiça do Trabalho (1941), Em 1943 foi publicada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), através do Decreto Lei nº 5.452, que representa o principal diploma legal trabalhista brasileiro no âmbito infraconstitucional.

    A Constituição de 1988 e as posteriores emendas constitucionais, nº 24/1999 e nº 45/2004 promoveram a transição democrática do sistema trabalhista brasileiro, praticamente gestado e consolidado em governos autoritários. Batizada de Constituição Cidadã, a Carta promulgada em 05 de outubro de 1988, assegurou aos brasileiros direitos sociais essenciais ao exercício da cidadania e estabeleceu mecanismos para garantir o cumprimento de tais direitos. Direitos trabalhistas essenciais, inéditos à época no texto constitucional, hoje se encontram incorporados definitivamente ao cotidiano das relações formais de trabalho. Jornada de trabalho de oito horas diárias e 44 horas semanais, décimo terceiro salário, direito ao aviso prévio, licença-maternidade de 120 dias, licença-paternidade e direito de greve são alguns exemplos.

    Entretanto, vale ressaltar que a esta transição sucedeu um período agitado de grave crise cultural no país. Estas crises, importadas e inspiradas em ideias liberais do mundo capitalista do final dos anos 1970 e anos 1980, “eram motivadas por tendências políticoideológico desregulamentadoras e flexibilizadoras das normas imperativas incidentes sobre o mercado capitalista em geral” , inclusive sobre as relacionadas com o trabalho e a relação de emprego.

    3. A REFORMA TRABALHISTA

    Desde 2016 tramitando na Câmara dos Deputados e passando pelo Senado, a Reforma Trabalhista no Brasil entrou em vigor em 11 de novembro de 2017, trazendo uma mudança significativa não só da legislação trabalhista, mas também da estrutura do Direito do Trabalho, seus princípios e fundamentos, O projeto de lei foi proposto pelo Presidente da República, Michael Temer e foi instrumentalizado pela Lei 13.467/2017.

    A CLT surgiu como uma necessidade constitucional após a criação da Justiça do Trabalho em 1939. O país passava por um processo de grandes mudanças e desenvolvimento, a economia mudava de agrária para industrial e, apesar das diversas alterações que o seu texto sofreu, a Consolidação das Leis do Trabalho permaneceu em vigor no Brasil como normas disciplinares das relações individuais e coletiva de trabalho.

    Sem grandes alterações até 2017, quando o governo de Michael Temer defendeu a Reforma Trabalhista com argumentos de como "modernizar” uma legislação anacrônica, afirmando o Presidente: "O que fizemos com a legislação trabalhista foi avançar (...). Houve um aperfeiçoamento extraordinário. Nós fizemos uma adaptação ao século 21". Privilegiando desta forma negociações entre patrões e empregados com o objetivo de dinamizar a economia e favorecer a retomada dos empregos.

    O conteúdo da Lei 13.467/2017, ao contrário do afirmado pela imprensa, desconstrói o Direito do Trabalho como conhecemos, contraria alguns de seus princípios, suprime regras favoráveis ao trabalhador, priorizam normas menos favoráveis ao empregado, além disso, valoriza a imprevisibilidade do trabalho intermitente, a liberdade de ajuste e exclui regras protetoras do Direito e Processo do Trabalho.

    Com a “Reforma Trabalhista”, como é chamada a referida lei, houve a modificação de mais de 200 dispositivos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), foi introduzida duas novas modalidades de contrato de trabalho: o tele trabalho e o trabalho intermitente, do qual é conteúdo deste trabalho. Além de outras mudanças, a seguir exemplo de algumas delas.

    I. Fim da Contribuição Sindical Obrigatória Previstas nos artigos 545, 578, 579,582, 583, 587 e 602 da CLT, antes obrigatório à contribuição, hoje passa a ser facultativo.

    II. O Fracionamento das Férias Prevista no artigo 134, parágrafo da CLT, antes os 30 dias de férias por ano podia ser dividido em até duas vezes, sendo o menor período de no mínimo dez dias, hoje pode ser dividido em até três períodos desde que haja concordância do empregado, sendo que um não pode ser inferior a quatorze dias e os outros dois não pode ser inferior a cinco dias.

    III. Gestante e Lactante em Trabalho Insalubre

    Com previsão expressa no artigo 394 – A da CLT.

    Essas foram algumas de muitas mudanças introduzidas na CLT após a Lei 13.467/2017. A seguir, analisaremos alguns dos princípios afetados pela reforma trabalhista.

    3.1. PRINCÍPIOS JUSTRABALHISTAS

    3.1.1. Princípio da prevalência da norma mais favorável ao trabalhador Derivado do principio da proteção, pressupõe previa existência de um conflito entre normas aplicáveis a um mesmo trabalhador. Esse princípio determina que, caso haja mais de uma norma aplicável a um mesmo trabalhador, deve-se optar por aquela que lhe seja mais favorável, sem se levar em consideração a hierarquia das normas, a doutrina informa que:

    No processo de aplicação e interpretação do Direito, o operador jurídico, situado perante um quadro de conflito de regras ou de interpretações consistentes a seu respeito, deverá escolher aquela mais favorável ao trabalhador, a que melhor realize o sentido teleológico essencial do Direito do Trabalho.

    A Lei 13.467/2017 altera a lógica principiológica a partir do momento que estabelece que o negociado prevaleça sob o legislado, autorizando a preponderância da convenção e do acordo coletivo sobre a lei quando reduzir ou suprimir direitos, podendo identificar no artigo 611-A da CLT. “As partes agora podem negociar coletivamente tudo o que não viole dispositivos constitucionais ou o artigo 611-B da CLT, retrocedendo anos de conquistas e direitos arduamente conquistados pelos trabalhadores”.

    Antes as condições estabelecidas através da Convenção Coletiva de Trabalho prevaleciam sobre as previstas em Acordo Coletivo de Trabalho quando fossem mais favoráveis, entretanto houve uma inversão da ótica do Direito do Trabalho que excepciona o princípio em estudo, para assim prevalecer à norma menos favorável ao trabalhador, assim estipula a nova redação dada pela lei 13.467/2017.

    Art. 620. As condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho.

    Destarte, a nova redação prestigia o princípio da especificidade de forma absoluta , ou seja, mesmo quando houver norma mais benéfica, mas menos específica diferente do que trazia a antiga redação, que adotava o princípio da especificidade de forma excepcional quando não fosse o caso da aplicabilidade da norma mais favorável.

    3.1.2. Princípio da primazia da realidade

    No Direito do Trabalho prevalecem os fatos reais sobre as formas. O que importa é o que realmente aconteceu, e não o que está escrito. Este princípio destina-se a proteger o trabalhador, dado que seu empregador poderia, com relativa facilidade, obrigá-lo a assinar documentos contrários aos fatos e aos seus interesses. Desta forma, o princípio da primazia da realidade preconiza que a intenção, a verdade é mais importante que a formalidade.

    ]Segundo Vólia Bomfim Cassar7 , com a lei 13,467/2017 houve a modificação no cenário favorável aos trabalhadores, “algumas modificações na CLT deixam clara a prevalência do ajustado individual ou coletivamente sobre a realidade, mesmo que o contrato seja menos favorável e diferente da realidade”.

    Alguns casos representam exceção ao princípio da primazia da realidade, a saber: para que o empregado seja enquadrado como trabalhador intermitente basta que celebre o contrato de trabalho intermitente com o empregador, mesmo que inicialmente trabalhe de forma continuada (art. 452-A CLT) o mesmo se dá com o teletrabalhador que ainda que seja regiamente controlado e fiscalizado, não fará jus às horas extras, noturnas e intervalos de intrajornada.

    3.1.3. Princípio da irredutibilidade, da integralidade e da intangibilidade salarial.

    Com previsão legal no artigo , VI, da CRFB e no artigo 468 da CLT, esse princípio informa que:

    Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

    Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

    A Intangibilidade tem como fundamento a proteção do salário do trabalhador contra seus credores , ou seja, contra descontos não previstos em lei. A contraprestação do empregado pode ser em pecúnia ou in natura, mas de qualquer forma não poderá ser reduzida, exceto na hipótese do art. 457, § 2º CLT, acordo coletivo ou convenção coletiva.

    A redução salarial já havia sido autorizada pelo art. 503 da CLT e pelo artigo da Lei 4.923/1965. In litteris: É lícita em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral de salários dos empregados da empresa proporcionalmente aos salários de cada m, não podendo, entretanto, ser superior a vinte e cinco por cento, respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região.

    O artigo 611-A da CLT autorizou-se a ampla flexibilização, podendo a norma coletiva de o trabalho autorizar maiores e outros descontos, além daqueles previstos na lei, poderá autorizar mais hipóteses de penhora ao salário além da prevista na lei processual; poderá autorizar a redução ou a supressão de algum sobressalário, desde que não garantido pela Constituição Federal vigente.

    3.2. OUTRAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

    3.2.1. Dignidade da pessoa humana

    A República Federativa do Brasil tem como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. , III, CRFB), reconhecendo na dignidade pessoal a prerrogativa de todo ser humano em ser respeitado como pessoa, de não ser prejudicado em sua existência (a vida, o corpo e a saúde) e de fruir de um âmbito existencial próprio. Trata-se de um conceito jurídico indeterminado.

    Nesse sentido o professor Alexandre de Moraes aponta: A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

    De relevo salientar que “a dignidade da pessoa humana é a plenitude concreta de todos os direitos fundamentais para que todos os seres humanos gozem de um tratamento idêntico e realístico quanto às condições de vida em sociedade”.

    Nesse âmbito temos o Direito do Trabalho, como um conjunto de normas, princípios e institutos que visam atenuar os antagonismos decorrentes da relação de trabalho, estabelecendo regras de proteção ao trabalhador.

    3.2.2. Garantia constitucional do salário mínimo

    O salário é o meio de sobrevivência do trabalhador empregado, desta forma, sabedora disso, a nossa Constituição Federal elevou o salário ao nível de direito fundamental e estabeleceu garantias para a sua proteção. A garantia constitucional do salário mínimo é um direito fundamental e está previsto no artigo , IV da Constituição Federal de 1988, onde menciona:

    Art. 7º, IV: É direito dos trabalhadores urbanos e rurais, o salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender as suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.

    Dessa forma, o salário mínimo, piso mínimo normativo, torna-se garantia expressa do mínimo existencial digno, definido como o mínimo necessário à existência, sem o qual cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade. Tais condições estão expressas no art. da Constituição Federal de 1988, que trata dos direitos sociais à educação, saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados.

    4. O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE

    4.1. Conceito de Trabalho Intermitente

    A Lei 13.467/2017, denominada como Reforma Trabalhista, trouxe algumas alterações no Direito do Trabalho, dentre elas iremos destacar o trabalho intermitente, uma nova modalidade de contrato de trabalho, que se encontra regulamentada pelos artigos 443 e 452-A. A Consolidação das Leis Trabalhistas no seu artigo 443 parágrafo 3 o define o conceito de contrato de trabalho intermitente com a seguinte redação:

    § 3o Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.

    Essa definição visa à contratação e prestação de serviços de forma não contínua, transitória, com alternância de períodos de trabalho e inatividade, sendo imprevisível a necessidade de serviços, podendo variar de tempos em tempos.

    Assim, o trabalhador vai poder prestar serviços de qualquer natureza para outros tomadores de serviços, independentemente de exercer ou não a mesma atividade lucrativa, podendo utilizar o contrato de trabalho intermitente como também outra modalidade de contrato de trabalho. Francisco Meton Marques11 aduz a definição que “intermitente é o trabalho prestado sem dias e horários fixos”.

    4.2. Requisitos legais para sua configuração e a violação do direito fundamental

    Diante de varias características do contrato de trabalho intermitente, este será formal e escrito, o valor da hora de trabalho não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo, o empregador fará a convocação para a prestação de serviços com no mínimo 03 (três) dias de antecedência, recebida à convocação o empregado terá 01 (um) dia para se posicionar a respeito da aceitação, diante da inércia do trabalhador configura-se como recusa.

    Uma vez aceita a oferta para o cumprimento do trabalho, se este sem justo motivo for descumprido ficará obrigado a pagar multa de 50% do valor da remuneração que seria devida. Frisando que o empregado só fará jus a remuneração se realizar efetivamente todas suas atividades contratuais, e o tempo de inatividade não configura obrigação ao empregador em remunerar o empregado. O parágrafo 6º do artigo 452-A da CLT arrola que:

    § 6 Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas: I - remuneração; II - férias proporcionais com acréscimo de um terço; III - décimo terceiro salário proporcional; IV - repouso semanal remunerado; e V - adicionais legais.

    Deste modo, para alguns autores essa modalidade de contrato de trabalho é denominada de “contrato-zero”, isto é, o trabalhador será admitido de carteira assinada, para não trabalhar, até que seja convocado para tal. Desta forma, seu contrato será “zero” trabalho, contudo, não há do que se falar em melhorias nesse ponto.

    Essa modalidade de contrato de trabalho foi inserida, segundo o legislador, para adequar garantias aos trabalhadores que atuam em regime intermitente, assegurando a regularização das suas atividades, entretanto não foram observadas as inúmeras revoluções promovidas pela sociedade para conquistar o trabalho salariado e todas as garantias advindas do contrato de trabalho previsto na Constituição Federal de 1988.

    Desta forma, pressupõe-se que há violação do direito fundamental, pois a jornada de trabalho é um direito fundamental dos trabalhadores estando disposta no inciso XIII do artigo da Constituição de 1988, “Como o tempo de inatividade à disposição do empregador integra a jornada de trabalho, não pode uma lei infraconstitucional excluir referido período em detrimento do mencionado direito fundamental”.

    Ademais, também há de se falar em violação do direito fundamental à proteção salarial na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa, conforme previsto no artigo , X da Constituição Federal. Assim, quando o trabalhador estiver em inatividade à disposição do empregador não haverá a sua efetiva contraprestação da jornada de trabalho.

    4.3. Característica do Vínculo empregatício: Não Eventualidade

    A CLT no seu artigo caput, afirma que é necessário que haja habitualidade para a configuração da relação de emprego, visto que, a eventualidade não caracteriza vinculo empregatício. A reforma trabalhista é omissa em questão dos aspectos e características para configuração de vinculo empregatício no contrato intermitente. Portanto, viola o princípio da habitualidade no direito do trabalho. Ainda neste sentido, aduz o professor Mauricio Godinho Delgado:

    A legislação trabalhista clássica não incide sobre o trabalhador eventual — embora não haja dúvida de que ele também possa ser um trabalhador subordinado. Por ser um “subordinado de curta duração” (Amauri Mascaro Nascimento), esporádica e intermitentemente vinculado a distintos tomadores de serviço, falta ao trabalhador eventual um dos cinco elementos fático-jurídicos da relação empregatícia — exatamente o elemento que enfatiza a ideia de permanência —, o que impede sua qualificação como empregada.

    Partindo desse pressuposto, a não eventualidade deve ser observada como requisito essencial para configuração da relação de emprego. Neste sentido, resta afirmar que o trabalho intermitente, por sua vez, não possui habitualidade, haja vista que o fato de ser regido intermitentemente, não configura emprego.

    4.4. Inexistência da garantia de salário mínimo ao trabalhador intermitente – violação a garantias constitucionais

    O trabalho intermitente se caracteriza pela imprevisibilidade da jornada de trabalho, inserindo-se assim no grupo de contratos de trabalhos precários, notadamente descontínuos, em contraposição à ideia do princípio da continuidade do contrato de trabalho. No artigo 452-A, parágrafo 5º e 6º aduz que, o período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador e ao final de cada período de prestação de serviço o empregado receberá o pagamento, isto é, caso o empregado não venha a prestar serviços ao empregador pelo período de um mês, por exemplo, ele não fará jus à remuneração mínima, qualquer que seja.

    Havendo, portanto, uma grande insegurança jurídica para o trabalhador, que levando em consideração da omissão em relação a uma garantia de remuneração mínima ao trabalhador intermitente. Portanto, à luz do artigo 7º, IV e VII, o trabalho intermitente revelase flagrantemente inconstitucional:

    Art. 7o São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; [...] VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável.

    A Lei 13.467/2017 estabelece uma remuneração de salário mínimo por hora quando houver a efetiva prestação de serviços, entretanto não menciona uma quantidade mínima de horas, para que o empregador se comprometa com o empregado. Pode-se dizer então, que neste caso há uma proteção ao empregador que poderá agir da forma que achar conveniente, convocando o empregado quando bem entender, mesmo que isso importe em não retribuir a disponibilidade do empregado com um salário mensal mínimo.

    Desse modo, há a literal violação do texto constitucional. O empregado passa a ser visto apenas como uma ferramenta à disposição do empregador, sendo irrelevante se ele irá ter condições para suprir suas necessidades básicas ou não. Interpretando com a luz do principio da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, há total desrespeito a tais preceitos.

    Atuando o empregador com base em tal dispositivo legal, a dignidade da pessoa humana do empregado não restará preservada, tampouco haverá por parte do patrão uma preocupação com relação aos valores sociais do trabalho, preocupação esta que deve ser perquirida nos termos da Constituição.

    Nesse sentido, Lênio Luiz Streck afirma que o contrato de trabalho intermitente “foi concebido para a precarização dos meios de contratação de trabalhadores com intento estatístico de propagandear falsamente um incremento do emprego do Brasil”. Esta precarização entra em discordância com os preceitos constitucionais que envolvam o direito do empregador a um salário mínimo (art. 7º, IV), mesmo quando tratar de remuneração variável (art. 7º, VII).

    Portanto, dispõe a 2º Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, promovida pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA, 2017) que, ao dispor sobre a necessidade de se resguardar uma retribuição salarial mínima ao trabalhador intermitente, afirma que “existem inúmeras disposições internacionais voltadas para a proteção de uma remuneração mínima”. Tais disposições internacionais podem ser exemplificadas pelos artigos 23, item 3, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o art. 1º da Convenção no 131 da OIT:

    Artigo 23 [...] 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. Art. 1o da Convenção no 131 da OIT: Todo Membro da Organização Internacional do Trabalho que ratificar a presente Convenção comprometer-se-á a estabelecer um sistema de salários mínimos que proteja todos os grupos de assalariados cujas condições de trabalho forem tais que seria aconselhável assegurar-lhes a proteção.

    Diante disso, a Constituição Brasileira no seu artigo , VII, é clara, não será concebida qualquer relação de emprego que preveja o pagamento de remuneração abaixo do salário mínimo legal. Lênio Luiz Streck afirma que “a garantia fundamental a um salário mínimo deve ser vista por meio de uma perspectiva transindividual de periodicidade mensal para dar previsibilidade à vida dos trabalhadores na realização de suas diferentes atividades diárias”.

    Contudo, a Reforma Trabalhista veio para promover uma flexibilização das leis laborais, entretanto, esses anseios por modernização das leis não podem colocar em segundo plano os ditames constitucionais. No decorrer da 2ª Jornada de Direito e Processo do Trabalho organizado pela ANAMATRA, houve aprovação do Enunciado nº 73 que justamente denuncia a inconstitucionalidade presente no contrato de trabalho intermitente:

    73 CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE: INCONSTITUCIONALIDADE. É INCONSTITUCIONAL O REGIME DE TRABALHO INTERMITENTE PREVISTO NO ART. 443, § 3º, E ART. 452-A DA CLT, POR VIOLAÇÃO DO ART. , I E VII DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E POR AFRONTAR O DIREITO FUNDAMENTAL DO TRABALHADOR AOS LIMITES DE DURAÇÃO DO TRABALHO, AO DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO E ÀS FÉRIAS REMUNERADAS.

    Conclui-se, portanto, que o contrato de trabalho intermitente, previsto pela Lei nº 13.467/2017, é inconstitucional por violar o regime de emprego, a dignidade humana, o compromisso com a profissionalização e o patamar mínimo de proteção devido às pessoas que necessitam viver do seu trabalho. A cidadania para o trabalho se expressa no direito à ocupação digna, que contemple condições mínimas de proteção jurídica, segurança e igualdade, além de previsibilidade e permanência do trabalhador no mercado.

    O contrato de trabalho intermitente, pelas mesmas razões, viola o “Pacto San Salvador”, que possui status de supralegalidade e é representativo do compromisso internacional com uma política interna consistente com o regime de emprego e com as condições concretas que possibilitam o incremento da condição social e profissional dos trabalhadores.

    5. CONCLUSÃO

    A Reforma Trabalhista está em vigor desde o dia 11 de novembro de 2017, a partir de então reformulou vários dispositivos da Consolidação das Leis do TrabalhoCLT, com ela trouxe vários questionamentos acerca da sua constitucionalidade. Dentre as inúmeras modificações, destaca-se a que inseriu no nosso ordenamento justrabalhista o contrato de trabalho intermitente.

    O contrato de trabalho intermitente permite a contratação do trabalhador para a prestação de serviços sem continuidade, ou seja, será revezado por período de atividade com períodos de inatividade. Podendo afirmar dessa forma, que o trabalhador intermitente somente trabalhará quando solicitado pelo empregador.

    Destarte, alguns dos direitos fundamentais foram colocados em segundo plano para dar margem à flexibilização e modernização das leis trabalhistas. Podemos afirmar que um dos maiores prejuízos causados ao trabalhador intermitente seja a inexistência de garantia a uma remuneração mínima, fato este que afronta literalmente o artigo , VI e VII, o artigo , III e IV, e o artigo 170, caput e incisos da Constituição Federal de 1988.

    Desta forma, desse ser declarada sua inconstitucionalidade. Outra violação constitucional é o fato do contrato de trabalho intermitente relegar ao trabalhador os riscos da atividade econômica. Conforme elucidado, a partir do momento que é facultado ao empregador convocar quando lhe convir o empregado para prestação de serviços, ao trabalhador é comutado ônus de prejuízos financeiros que eventualmente o empregador vir a sofrer.

    Nessa acepção, o artigo 452-A da CLT não está concordância com o disposto no artigo , I e III, e artigo 170º, caput, III e VIII, todos da Carta Magna. Por fim, temos também presente à violação constitucional ao direito de gozo de férias, tendo em vista que o parágrafo 9º do artigo 452-A faculta ao trabalhador intermitente gozar suas férias anuais. Posto que, o direito às férias é uma garantia fundamental e como a deve ser encarada no sentido de máxima eficácia, sendo irrenunciável tal direito constitucional. Dessa forma, deve ser declarado inconstitucional.

    Diante do exposto, o trabalho intermitente apresenta-se como uma verdadeira precarização da relação empregatícia, uma vez que impõem várias limitações as garantias laborais. Faz-se necessário que os futuros interpretes (juízes e tribunais) atuem no sentido de aplicar a eficácia máxima às garantias fundamentais constitucionalmente previstas. Tal atuação estará voltada precipuamente à declaração de inconstitucionalidade do trabalho intermitente.

    REFERENCIAS

    1. ANAMATRA. Enunciados Aprovados na 2a Jornada. Disponível em: < http://www.jornadanacional.com.br/listagem-enunciados-aprovados-vis1.asp >. Acesso em: 12 de setembro de 2018.

    2. BARRETO, André. Trabalho Intermitente: um contrato flexível?. Disponível em: < https://www.brasildefato.com.br/2017/07/27/artigo-or-trabalho-intermitente-um-contratoflexivel/>. Acesso em: 07 de setembro de 2018.

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