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25 de Maio de 2024
  • 1º Grau
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TRT17 • Ação Trabalhista - Rito Sumaríssimo • XXXXX-22.2021.5.17.0132 • Vara do Trabalho - 2ª Vara do Trabalho de Cachoeiro de Itapemirim do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região - Inteiro Teor

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Vara do Trabalho - 2ª Vara do Trabalho de Cachoeiro de Itapemirim

Assunto

Condições Degradantes 55415
DIREITO DO TRABALHO 864
Indenização por Dano Moral 1855
Responsabilidade Civil do Empregador 2567
Horas Extras 2086
Adicional de Horas Extras 55365
Duração do Trabalho 1658

Juiz

GEOVANY CARDOSO JEVEAUX

Partes

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PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 17ª REGIÃO
2ª VARA DO TRABALHO DE CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM
ATSum XXXXX-22.2021.5.17.0132
RECLAMANTE: J. C. R. C.
RECLAMADO: P. B. S. T. V. E. S.

evvm

ATA DE JULGAMENTO

2ª VT de Cachoeiro Proc. n. XXXXX-22.2021.5.17.0132

Aos 05 dias do mês de outubro de 2021, às 14h25min., na sala de audiências da 2ª Vara do Trabalho de Cachoeiro de Itapemirim-ES, presente o Exmo. Sr. Dr. Juiz do Trabalho, foi apreciado o processo em epígrafe, no qual são partes JOÃO CARLOS ROSSI COSTA, Autor, e P. B. S. T. V. E. S. CA, Ré.

Aberta a audiência, foi proferida a seguinte

S E N T E N Ç A

I - RELATÓRIO

JOÃO CARLOS ROSSI COSTA, qualificado na inicial, move ação trabalhista em relação à Ré supra, pedindo a sua condenação ao pagamento de horas extras (de intervalo intrajornada sonegado e de sobrejornada em turno ininterrupto de revezamento), de dobras de domingos laborados (em regime de 12 X 36, de acordo com a Cláusula 7ª da CCT) e de indenização por danos morais, além de honorários advocatícios.

P. B. S. T. V. E. S. CA, qualificada nos autos, em resposta, argúi, em sede de exceção processual, a inépcia da inicial (por incorreta liquidação dos pedidos, diante da ausência de memória de cálculo), o não cabimento da assistência judiciária requerida pelo Autor e a impugnação ao valor da causa e, em sede de prejudicial de mérito, a aplicabilidade da Lei n. 13.467/2017 nas relações materiais de trabalho (mesmo quando vigentes antes de sua edição), a quitação (S. TST n. 330) e a prescrição quinquenal, afirmando no mérito que: 1) o Autor esteve vinculado à categoria profissional representada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Vigilância de Carro Forte, Guarda, Transporte de Valores, Escolta e Tesouraria do Estado do ES; 2) a jornada autoral foi fielmente registradas nos controles de ponto, reclamando a defendente “...a aplicação da OJ 233 da SDI-I do C. TST quando [sic] a controles eventualmente ausentes”; 3) o regime de trabalho foi de escala, de 12 X 36, entre as 19:00 e as 7:00 hrs. ou entre as 7:00 e as 19:00 hrs., “...sempre com 1h para refeição e descanso”; 4) no turno diurno, o Autor “...na maioria das vezes, era rendido por outros vigilantes para gozar o intervalo”; 5) “das vezes que o reclamante usufruiu do intervalo na guarita e não houve rendição, o reclamante não registrou intervalo no ponto e, por este motivo a empresa pagou o intervalo…”, na rubrica V245 – INT REF NÃO CONCEDIDO (e, depois da Lei n. 13.467/2017, na rubrica V215 – INTRAJORNADA INDENIZATÓRIA); 6) de acordo com o § 3º da Cláusula 22ª, o trabalho em domingos e feriados coincidentes com a escala de 12 X 36 já se consideram remunerados, “...face à natural compensação pelo desconto nas 36 (trinta e seis) horas seguintes”; 7) os pagamentos realizados a título de 100% da hora normal dizem respeito a trabalho em dia de folga; 8) “...não se há de falar em turno ininterrupto de revezamento…”; 9) inexiste causa legítima para a pretendida indenização por danos morais.

Petição inicial com docs.; citação regular; proposta conciliatória inicial recusada; alçada fixada no valor da causa; resposta escrita, com docs.; interrogatório autoral e oitiva de duas testemunhas indicadas pelas partes na audiência una híbrida; as partes não produziram mais provas; razões finais remissivas; proposta conciliatória final recusada.

É o relatório.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Defesa Processual Direta

1.1. Pressuposto Processual de Validade

1.1.1. Inépcia da Inicial

Nas palavras de Couture, a petição inicial deve ser o projeto de sentença que se pretende do juiz.

É através dela, instrumento da demanda (Barbosa Moreira) - ato que corporifica o direito de ação (Dinamarco), que são fixados os limites da ação e do provimento jurisdicional (arts. 141 e 492 do NCPC), que têm como marco o pedido ou objeto do processo, onde se acha o mérito (pedido mediato) (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. São Paulo: RT, 1987, p. 282 e ss.).

Daí o motivo de os arts. 322 e 324 do NCPC exigirem que o pedido seja certo e determinado, ou seja, expresso, no sentido de se destacar da causa de pedir em rol específico (permitida, porém sua interpretação sistemática e de boa fé - § 2º do art. 322), e delimitado qualitativa e quantitativamente quanto à pretensão de direito material deduzida. Além disso, deve o pedido estar acompanhado dos fatos que o fundamentam e ser concludente, possível e compatível com os demais pedidos, sob pena de a petição inicial tornar-se incapaz de provocar eficazmente a tutela jurisdicional, por inépcia, a teor do art. 330, I, e § 1º, do NCPC.

No processo do trabalho, não obstante prevaleça menor rigorismo processual, pela maior incidência do princípio da efetividade do processo, o art. 840 da CLT não dispensa a exposição dos fatos, ainda que de forma breve, de modo que deve ser observada a exigência de pelo menos a exposição da causa de pedir remota (fatos). E tampouco dispensa o pedido expresso.

Na espécie, sustenta a parte passiva que a inicial padece do mal em comento, diante de alegado descumprimento do § 1º do art. 841 da CLT, já que a liquidação não veio acompanhada da memória de cálculo.

Referida regra exige a liquidação dos pedidos, e não também a sua demonstração por meio de memória de cálculo, razão pela qual se rejeita a exceção.

Outrossim, e na forma do § 5º do art. 337 e do § 3º do art. 485 do NCPC, reconhece-se de ofício outra inépcia.

Na causa de pedir n. II, o Autor afirma que laborou em regime de escala, de 12 X 36, sozinho entre 2012 e 2017, e a partir de 2017 com a companhia de mais 2 (dois) colegas, quando então fora “...possível um revezamento…” nos intervalos intrajornada. No primeiro período (“...no tempo em que trabalhava sozinho…”) não era possível sair do posto de trabalho para usufruir o intervalo intrajornada, “...se configurando, com isso, turno ininterrupto, pois não havia pausas para descanso”.

Já na causa de pedir n. III, o Autor reclama da falta de gozo de intervalo intrajornada, do pagamento não dobrado dos dias de trabalho em domingo (dentro da escala) e também as horas doa alegado turno ininterrupto de revezamento.

Com visto claramente, o Autor confunde o conceito de turno ininterrupto de revezamento com a sonegação do intervalo intrajornada, parecendo depois tratar os dois temas de forma separada, embora no rol de pedidos tenha formulado pretensão única (pedido b).

Turno ininterrupto de revezamento pressupõe a rendição do trabalho no mesmo meio de produção por outro trabalhador e assim sucessivamente, sem qualquer solução de continuidade, coisa que não pode ter ocorrido “...no tempo em que trabalhava sozinho…”.

Assim, nos termos do § 2º do art. 322 do NCPC, interpreta-se o pedido b unicamente com base na tese da sonegação do intervalo intrajornada, pois do contrário haveria inépcia da inicial por incompatibilidade lógica entre a causa de pedir fundada na tese do turno ininterrupto de revezamento e o pedido b ou por falta de pedido para aquela causa de pedir.

2. Defesas Processuais Indiretas

2.1. Do Não Cabimento da Assistência Judiciária Requerida pelo Autor

O cabimento ou não dos benefícios da assistência judiciária gratuita é matéria que depende do resultado da lide, razão pela qual se difere seu exame para o fim deste ato decisório.

2.2. Da Impugnação do Valor da Causa

Matéria preclusa pela decisão interlocutória tomada no início da audiência una híbrida, quando da fixação do valor de alçada com base no valor da causa, sem registro da parte passiva dos “protestos” de que trata o art. 795 da CLT.

3. Defesas Indiretas de Mérito

3.1. Da Quitação

Informa a doutrina civilista que a quitação é o ato através do qual o credor outorga ao devedor a liberação da dívida, uma vez cumprida a prestação obrigacional correspondente, cujo instrumento é o recibo, com todas as especificações em torno dos elementos moratórios então solvidos (art. 320 do CCB).

Acerca de seu conteúdo, referido ato pode abranger total ou parcialmente o objeto da obrigação, conforme libere o devedor de toda a dívida ou de apenas uma sua parte; geral ou específica, conforme libere o devedor genericamente de qualquer prestação, ou de alguma em particular; e irrevogável ou revogável, conforme determine, contrariamente à regra, a imodificabilidade da manifestação de vontade liberatória (GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1990, pp. 133-134).

No plano do direito do trabalho, onde não se afirma a plena autonomia da vontade, esse mesmo ato recebe contornos um tanto limitados em face do direito civil, ante o sentido legal protecionista, próprio do welfare state inaugurado na era Vargas (BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 205), que concebe os empregados como relativamente incapazes de praticar os atos de disposição de direitos e, portanto, os forceja a merecer o abrigo estatal e a assistência de organismos de classe, supostamente aparelhados para o mister.

Se a quitação, nessa seara, encerra uma renúncia a direitos, somente será válida acaso ocorra por ocasião ou depois da dissolução do contrato, e desde que esteja fundada em matéria disponível e provenha de livre manifestação de vontade, não viciada por erro, dolo, coação ou pressão econômica, como seja aquela que oprime a parte menos favorecida da relação a aceitar o ato diante de sua miserabilidade. Se, ao contrário, o ato em comento enseja uma transação, será ele válido tão-somente quando realizada judicialmente, ou extrajudicialmente, quando houver boa-fé de ambas as partes acerca do objeto duvidoso (SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: Ltr, Vol. 1, 1991, p. 206 e ss.).

Diferem a renúncia e a transação em sua polarização (unilateral na primeira, e bilateral na segunda), na titularidade do direito (certo na primeira, e duvidoso na segunda) e na disponibilidade dele (total na primeira, e recíproca na segunda). Em ambas, todavia, encontram-se as marcas da indisponibilidade sobre o direito contido em normas cogentes, e daquelas manifestações volitivas das quais resulte prejuízo direto ou indireto para o trabalhador (arts. 9º e 444).

Trazidos esses conceitos para o caso concreto, impende indeferir a prejudicial de mérito arguída pela parte passiva, porque a quitação dada pelo Autor quando do recebimento de suas verbas resilitórias não o impede de pleitear eventuais diferenças, ainda que não ressalvadas expressamente no TRCT, tanto mais quando depois da Lei n. 13.467/2017 foi dispensada a homologação sindical de referido ato.

A S. TST 330 não tem o condão de conferir força liberatória genérica seja às rubricas, seja aos valores declarados no TRCT, já que o contrário ofenderia o princípio que veda o enriquecimento sem causa e mormente o princípio constitucional do acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da CF).

3.2. Da Prescrição Quinquenal

Em sede de prejudicial de mérito (fato extintivo), ficticiamente tratada como meritum causae (art. 487, II, do NCPC), argúi a parte passiva a prescrição quinquenal de que trata o inc. XXIX do art. 7º da CF.

O Autor foi admitido em 03.11.2010 e dispensado em 16.03.2020, tendo distribuído a inicial em 25.06.2021.

Retroagindo-se o quinquênio a partir dessa última data, conforme o item I da S. TST 308, impõe-se a pronúncia da prescrição acerca do exercício de direitos trabalhistas autorais constituídos anteriormente a 25.06.2016 (quanto a esse marco, deverão ser observadas as regras excepcionais do art. 149 da CLT, em torno das férias, e da S. TST n. 362, acerca do FGTS), ficando o processo, nessa parte, extinto com a resolução do mérito, na forma do art. 487, II, do NCPC.

3.3. Da Aplicação/Inaplicação da Lei n. 13.467/2017 Inclusive aos Contratos de Trabalho Vigentes Antes de sua Edição

A Lei n. 13.467/2017 introduziu na CLT e em leis extravagantes (Leis ns. 6019/74, 8036/90 e 8212/91) uma série de alterações tanto no direito material quanto no direito processual trabalhistas, sendo necessário analisar se no plano da eficácia elas afetam o presente processo e também a relação jurídica material aqui analisada.

Do ponto de vista processual, a lei nova tem aplicação imediata aos processos em curso, de acordo com a teoria do isolamento dos atos processuais (adotada expressamente no art. 1046 do NCPC), respeitados, porém os direitos adquiridos processuais, como sejam aquelas posições jurídicas de vantagem ainda em curso quando da edição da lei nova (JEVEAUX, Geovany Cardoso. Direito Adquirido Processual. Revista de Processo, n. 136, jun/2006, pp. 81-103).

No que concerne ao direito material, o art. 21 da MP n. 808/2017 proclamou que a Lei n. 13.467/2017 “...se aplica, na integralidade, aos contratos de trabalho vigentes”. Embora a vigência e a eficácia de referida MP tenham durado apenas entre 14.11.2017 e 23.04.2018 (de acordo com o Ato Declaratório n. 22/2018), o tema subjacente tem relação com a teoria dos direitos adquiridos e, portanto, não admite tratamento simplista ou reducionista, tal como constava naquele dispositivo.

Durante toda a antiguidade o tema dos direitos adquiridos esteve atrelado ao conceito de irretroatividade da lei, e talvez por isso uma teoria mais sistemática não tenha sido levada a efeito pelos autores. No medievo, o direito canônico elaborou melhor a noção do jus quaesitum. Entre os sécs. XVI e XVIII vários autores passaram a lidar diretamente com o tema, num crescente aprofundamento teórico que por fim propiciou várias correntes de entendimento.

Diversamente da parte histórica, na parte teórica não convém estabelecer de modo definitivo o marco inicial do trato do assunto, não só porque também aqui não há um acordo ou consenso (1), mas também porque o que mais interessa é a apresentação dos pontos de vista iniciais, para medir a extensão dos trabalhos seguintes na matéria.

3.3.1. As Correntes

3.3.1.1. Iniciais: Merlin, Blodeau e Savigny

O primeiro desses autores pertence à escola da exegese, e escreveu inspirado pelas regras Teodosianas acerca da irretroatividade (2). Portanto, parte do princípio do respeito a essa regra, salvo em caso de: a) repristinação; b) restabelecimento de direito certo; c) de motivos de ordem política, em matéria exclusiva de direito privado; d) retroação expressa, conforme a vontade do legislador, e não do juiz.

Merlin distingue o direito adquirido das faculdades e das expectativas, conceituando o primeiro como um direito que ingressa no patrimônio pessoal e do qual não pode mais ser privado o seu titular, especificamente por aquele de quem o obteve; as segundas, como permissões de exercício, revogáveis pelo legislador; as últimas, como uma esperança de exercício de um direito no futuro, conforme um fato passado ou do estado atual de coisas (cf. FRANÇA, op. cit., pp. 42-43).

Para esse autor, um direito pendente de certos elementos encontra-se sujeito à lei nova (SIDOU, op. cit., pp. 199-200), ao contrário daqueles actuellemente acquis, vale dizer, já efetivados no momento da lei revogadora (FRANÇA, op. cit., p. 43). Assim se constrói a ideia de direito consumado ou exercido como barreira de mudança, conceito que decerto influenciará outros pensamentos posteriores, tanto positiva quanto negativamente.

Com Blondeau, a questão em torno à aquisição de um direito é reduzida ao conceito de esperança, esperança de adquirir um direito ou esperança de conservá-lo, e esperanças passíveis de alteração e esperanças invioláveis. Nesse sentido, faz ele algumas observações importantes, a saber: 1) a esperança de adquirir é de regra irrelevante; 2) a esperança de conservar um direito já adquirido, ou já exercido, é relevante; 3) o direito sujeito a termo é uma simples aptidão, a menos que seja transmissível aos herdeiros e pertença ao comércio, circunstâncias que o tornam efetivo; 4) a convenção/contrato confere direitos mais estáveis do que um fato “investitivo”; 5) um fato “investitivo” que seja complexo ou sirva de base para outros fatos da mesma natureza não deve ter seus efeitos alterados sem um grande mal; 6) as necessidades do Estado são mais importantes do que as esperanças privadas; 7) uma lei obscura cria esperanças contraditórias; 8) o silêncio do legislador cria esperanças frágeis (FRANÇA, ibidem, pp. 44-45).

Blondeau inaugura na teoria jurídica do direito adquirido o cálculo de proporcionalidade entre a importância das esperanças em vigor e da lei nova modificativa, argumentando que a alteração das primeiras pela última somente deve ocorrer se o mal de sua manutenção foi maior do que o mal de sua mudança, sendo válido o raciocínio contrário (SIDOU, op. cit., p. 198; FRANÇA, ibidem, p. 44). Ao mesmo tempo, adota o princípio visigótico do efeito imediato (FRANÇA, ibidem, p. 46).

Já Savigny parte da distinção entre aquisição e existência de direitos, assimilando a primeira aos direitos subjetivos e a última a institutos jurídicos abstratos. Um direito se tem por adquirido quando concretiza um instituto jurídico abstrato. Inversamente, um direito simplesmente existe enquanto não se concretizar na relação entre um direito e um indivíduo.

Conforme a avaliação de Campos Batalha,

leis relativas à aquisição e à perda dos direitos eram por Savigny consideradas as regras concernentes ao vínculo que liga um direito a um indivíduo, ou a transformação de uma instituição de direito abstrata em uma relação de direito concreta; por exemplo, as normas que estabelecem a aquisição da propriedade mediante simples contrato, ou por tradição, transcrição, etc. Leis relativas à existência, inexistência, ou modo de existência dos direitos eram definidas por Savigny como aquelas leis que têm por objeto o reconhecimento de uma instituição em geral, ou seu reconhecimento sob tal ou tal forma, antes que se coloque a questão de sua aplicação a determinado indivíduo, isto é, antes da criação de uma relação jurídica concreta; por exemplo, as leis que suprimiram a escravidão ou a servidão à gleba.

A irretroatividade seria a regra na aquisição de direitos, enquanto que na existência a regra seria a retroatividade. Ao mesmo tempo, uma lei retroage em face das regras (direito objetivo) e não em face de fatos que determinam as relações de direito subjetivo. A noção de aquisição de direitos, ainda conforme Campos Batalha, é avessa da teoria dos efeitos imediatos, por proteger as consequências passadas e futuras do direito (op. cit., pp. 91-98 e 96 e 125, respectivamente; Planiol usará a teoria de Savigny, adotando a ideia dos efeitos imediatos, cf. BATALHA, pp. 135-136).

Savigny prossegue ainda com a distinção entre direitos adquiridos, expectativa de direito e direitos não exercitáveis. Os primeiros são as relações jurídicas de uma pessoa com um objeto de direito, onde a vontade individual é determinante; a segunda representa a dependência de um fato de terceiro para a sua aquisição (p.ex., a mudança da ordem de vocação hereditária ou a simples exclusão de algum herdeiro relacionado antes da morte do titular da herança); e a terceira é ilustrada pelas cláusulas a termo ou sob condição, circunstâncias que, quando ocorridas, retroagem, configurando verdadeiro direito. Por esses argumentos, um direito adquirido é aquele cujo exercício depende apenas da vontade de seu titular, de modo direto ou a depender de condição ou termo futuro.

Para ele, três são os fundamentos do direito adquirido: 1) a confiança nas leis; 2) a estabilidade das relações; 3) a lógica das regras e das exceções.

Por fim, o princípio da irretroatividade é dirigido ao juiz, e não ao legislador, a exemplo das regras Teodosianas (cf. FRANÇA, ibidem, p. 47; acerca do destinatário da regra da irretroatividade, Josserand entende o assunto como Savigny - pp. 69 e 184-185, enquanto Ferreira Coelho - p. 134 e PORCHAT, Reynaldo entendem ser dirigida ao legislador - pp. 121, 135, 201, 213-214, e o próprio França ser destinada a ambos - pp. 201 e 270).

3.3.1.2. de Gabba

A teoria de Gabba tem início com a distinção entre direito adquirido e direito consumado, reservando para o primeiro aqueles direitos que ainda não foram efetivados, ou seja, que não se consumaram em todos os seus efeitos, ao contrário do último conceito.

A única fonte de direitos adquiridos é a lei ou uma norma jurídica, sendo os seus elementos constitutivos: a) a determinação/certeza do titular; b) a sua origem num fato idôneo, previsto na lei do tempo de sua ocorrência; e c) a sua integração ao patrimônio do titular, na qualidade de direito subjetivo. Assim,

é diritto acquisito ogni diritto, che è conseguenza di un fatto idoneo a produrlo in virtù della legge del tempo in cui il fatto venne compiuto, benchè ĺoccasione di farlo valere non siasi presentata prima delĺattuazione di una legge nouva intorno al medesimo; e che, ai termini della legge sotto a quale accade il fatto da cui trae origine, entrò immediatamente a far parte del patrimonio di chi lo ha acquistato (Teoria Della Retroattività Delle Legge. Milão-Roma-Nápoles, 1891-1898, 3 ed., vol. 1. p. 191. “É direito adquirido todo direito que é a conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo no qual o fato tiver ocorrido, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da vigência de uma lei nova sobre o assunto que, nos termos da lei sob a qual ocorreu o fato de que se originou, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu”).

A opção pelo fato idôneo, previsto na lei, tem a vantagem de não reduzir o direito adquirido ao direito subjetivo, que é o simples resultado da soma do direito objetivo e do fato (subsunção), além de incluir também as relações jurídicas. Fatos aquisitivos, assim, são elementos de constituição do direito adquirido, podendo ser classificados como: 1) simples, de configuração instantânea e única; 2) complexos, que dependem de outros fatos: a) em sequência (p. ex., o usucapião); b) de outra pessoa (p. ex., a sucessão testamentária); c) de acontecimento futuro.

Por sua vez, a pertença ao patrimônio tem o fim de distinguir o direito adquirido das faculdades jurídicas abstratas e das expectativas, desde que o exercício depende a rigor tão-somente do poder volitivo do titular. Aproxima-se, assim, da teoria de Savigny (cf. FRANÇA, Ibidem, pp. 51-54; tb. SIDOU, op. cit., pp. 202-203, e BATALHA, op. cit., pp. 106-112).

3.3.2. Teorias Contrárias à de Gabba

3.3.2.1 Fato Concluído (Chironi e Abello)

G.P. Chironi e L. Abello publicam, em 1904, o seu Trattato di Diritto Civile Italiano, e nele traçam as linhas mestras de sua teoria do fatto compiuto (por compiuto também se pode dizer cumprido, realizado, terminado ou ocorrido, conforme os dicionários), que aqui será traduzido como fato concluído, em razão do sentido atribuído pelos autores a tal qualidade.

A ideia inicial é a de que a qualificação de um fato como jurídico é atribuição da lei e, portanto, a entidade jurídica de um fato é dada pela lei do tempo em que esse fato ocorre. Sendo a lei obrigatória, a sua autoridade fica imprimida durante todo o tempo de sua existência e, portanto, quando uma lei é substituída ou alterada por outra, são guardados os períodos de império sucessivo de suas normas.

Assim,

... è la norma legislativa che dà La misura Del diritto soggettivo, delláattività giuridica della persona...Ĺentità, il carattere giuridico si conviene dunque al fatto nel modo e misura ch́è determinato dalla legge nel momento in cui è costituito, nel tempo cioè in cui, come norma d́agire, impone la sua autorità...la legge nuova dalĺinstante nel quale ha forza o bbligatoria, governa tutti i fatti cui si referiscono le sue disposizioni, ma non śimpadronisce dei fatti ad essa anteriori, il cui essere giuridico venne determinato dalla legge antecedente: cioè non ha forza retroativa. (Trattato di Diritto Civile Italiano. Torino: Fratelli Bocca Editori, 1904, Vol. I. p. 81-82; “é a norma legislativa que dá a medida do direito subjetivo, da atividade jurídica da pessoa...A entidade e o caráter jurídicos convergem portanto ao fato, no modo e medida em que são determinados pela lei no momento em que é constituído, no tempo no qual, como norma de agir, impõe a sua autoridade...a lei nova, no instante no qual tem força obrigatória, governa todos os fatos aos quais se referem as suas disposições, mas não se apropria dos fatos anteriores, cuja essência jurídica tenha sido determinada pela lei antecedente: isso é, não há força retroativa...”).

Haveria, assim, distintos períodos de obrigatoriedade na sucessão de leis, a ponto de separar as esferas temporais de sua existência e, assim, fazer respeitar os fatos concluídos sob cada uma delas. Por isso, a lei nova

... non può dunque governare i rapporti giuridici cui si riferisce prima delĺistante in cui le si deve riconoscere forza obbligatoria, e non può in conseguenza regolare nella lor essenza quei rapporti che fossero giuridicamente sorti sotto la legge anteriore, perchè compiuti quando a questa e non ad essa spetava la virtù di obbligare e la funzione sociale di dare e misurare ai fatti la qualità di giuridici (op. cit., p. 83. “não pode portanto governar as relações jurídicas que se referem a momento anterior àquele no qual se lhe reconhece força obrigatória, e não pode em conseqüência regular na sua essência aquelas relações ocorridas juridicamente sob a lei anterior, porque já concluídas quando ela esperava a virtude de obrigar e a função de dar aos fatos a qualidade jurídica”).

Tampouco se pode afirmar que uma lei nova seja observada antes de nascer, ou presumir que seja melhor do que a antiga, porque no momento em que o fato jurídico previsto na lei se conclui sob o seu império, ela se presumia a melhor para as necessidades sociais do período de sua existência (ibidem, p. 84).

Fato concluído, portanto, pressupõe necessariamente a sua execução, ou seja, a sua ocorrência concreta (“... il fatto è compiuto, ĺordinamento legale vigente ha avuto la sua esecuzione”; ibidem, p. 91), de modo a realizar a criação abstrata da lei (“... pel fatto la persona che lo compie śimpadronisce della creazione astratta ch́è nella legge, le dà corpo, realtà concreta; consicchè ĺordinamento giuridico deve proteggerla in tale sua atto, e non togliergli o menomargli virtù...”, Ibidem, p. 87; “...pelo fato a pessoa que o conclui se apropria da criação abstrata que está na lei, lhe dá corpo, realidade concreta; de modo que o ordenamento jurídico deve protegê-la em seu tal ato, e não tolher-lhe a eficácia...”). Desse modo, um fato se considera concluído quando: 1) ocorre pela vontade/iniciativa de uma pessoa; 2) na forma e conforme a previsão legal; 3) tornando-se um ente jurídico da figura abstrata da relação formulada no direito objetivo (ibidem, p. 87).

Mas um fato, embora concluído, pode ter seus efeitos diferidos para o tempo posterior à lei de sua ocorrência, ou depender de partes posteriores às suas partes preliminares, circunstâncias que de regra mantêm a proteção do fato concluído, se e quando a sua qualidade essencial for dada pelo fato primaz, ou seja, se o fato principal recebeu toda a sua entidade da lei anterior, não obstante tenha seus efeitos dilatados para o futuro ou dependa de outros fatos sequenciais. Conforme aduzem Chironi e Abello, “... la legge sotto la quale il fatto fu compiuto, come giuridico, deve governarlo in tutte le pati sue e servire per definire se a ragione della forma e del contenuto esso sia nato giuridicamente ed in che termine” (ibidem, pp. 85-86: “... a lei sob a qual o fato foi concluído, como jurídico, deve governá-lo em todas as suas partes e servir para definir se a razão da forma e do conteúdo nasceu juridicamente e em que termos”). Entretanto, quando um fato ocorrido na vigência de uma lei revogada tem efeitos dependentes de negócio jurídico não realizado àquele tempo, ou desconexos com o fato originário, ou com o ordenamento ou com a vontade declarada, não pode ser tido por compiuto, nada tendo de retroativa a lei que discipline a matéria para a relação jurídica nova e para os novos fatos independentes (ibidem, p. 88).

Toda a construção dessa teoria parece afastar a noção de efeito imediato da lei nova sobre os efeitos ou consequências dos fatos passados na lei velha, porque a principal recomendação é a de que os efeitos do fato concluído obedeçam à disciplina da lei do tempo em que ele ocorreu, respeitada a força obrigatória de cada texto legal em cada período de vigência. Mas os autores apresentam duas importantes exceções: a primeira, relativa às leis de estado das pessoas, porque, nesse caso,

... la legge nuova in tal sua applicazione śestende alle conseguenze, agli effetti del fatto compiuto: perchè cioè gli effetti constituiti come inerenti ad una data condizione personale, secondo la legge imperante al tempo in cui venne fissato, possono ricevere modificazione dal nuovo ordinamento. Śintende che la ricevono in quanto non ebbero esistenza concreta nel fatto: e la ricevono perchè di fatto veramente compiuto si ha soltanto lo stato della persona ed i poteri che vi si connettono non se constituiscono la essenza immutabile, dipendendo esse dalĺestimazione della legge che li concede in modo piì o meno ampio, a seconda dei motivi giuridico-sociali che a ciò la apingono;

a segunda, alusiva à vontade do legislador, porque

... il legislatore ha il potere di attribuir alla legge forza retroattiva assoluta o limitata...quando gravi motivi lo impongono, può estenderne la virtù agli atti sorti prima ch́essa, come giuridicamente esistente, fosse obbligatoria” e, assim, “...alĺordine pubblico, alĺinteresse generale il legislatore provvede com arbitrio sovrano, e, dovendosi presumere che nei provvedimenti relativi a materie di così grande importanza sociale, i nuovi ordini contengano il miglioramento degli antichi, così debbono avere immediata virtù ed applicazione” (ibidem, pp. 83-84, 90-91 (“...a lei nova, em sua aplicação, se estende às conseqüências, aos afeitos do ato concluído: porque os efeitos constituídos como inerentes a uma dada condição pessoal, segundo a lei imperante ao tempo no qual foi fixada, podem receber modificações do novo ordenamento. Entende-se que as recebem enquanto não tenha existência concreta no fato: e as recebem porque de fato verdadeiramente concluído se tem apenas o estado da pessoa e os poderes que aí se conectam não se constituem em essência imutável, dependendo da estimação da lei que lhe concede de modo mais ou menos amplo, o segundo dos motivos jurídico-sociais que a isso impelem”) e 95 (“...à ordem pública, ao interesse geral o legislador provê com arbítrio soberano e, devendo-se presumir que nas medidas relativas a matérias de grande importância social, as novas ordens contenham o melhoramento das antigas, assim devem ter imediata eficácia e aplicação”), respectivamente).

Logo, a regra é a do respeito aos fatos concluídos sob o tempo da lei de sua ocorrência, salvo em matérias de estado, e, se o quiser em contrário e expressamente o legislador, em hipóteses nas quais incide a noção não só de efeitos imediatos, mas também da retroatividade.

A referida teoria é antagônica da teoria da Gabba, porque trata os conceitos de direito adquirido e de expectativa como algo irrelevante, no primeiro caso porque o que se diz adquirido não pode passar de um fato praticado ao tempo da lei que o qualifica juridicamente, e que apenas por isso deve ser mantido; e, no segundo, porque,

... dov`è semplice aspettativa, non v`è rapporto giuridico costituito, v`è il nulla, e perciò quando śafferma la retroattività della legge nuova rispetto ad essa, si asserisce cosa contraria alla realtà: qui la legge nuova non retroagisce, non spiega il suo vigore sua relazione giuridiche esistenti, ma governa un rapporto che soltanto sotto il suo impero ha cominciato ad essere (ibidem, p. 87 (“... onde há simples expectativa, não há relação jurídica constituída, é nula, e por isso quando se afirma a retroatividade da lei nova, afirma-se coisa contrária à realidade; aqui a lei nova não retroage, não estende o seu vigor sobre relações jurídicas existentes, mas governa uma relação que apenas sob o seu império teve início”).

3.3.2.2. Exclusividade (Affolter)

Para Affolter, existem dois tipos de direito em relação à intertemporalidade: o primeiro tipo é o comum, conforme o qual a lei antiga sobrevive na regulação dos efeitos gerados pelos fatos ocorridos no tempo de sua vigência; e o segundo tipo é o especial, pelo qual a lei antiga é excluída pela lei nova, sempre que: 1) a lei for expressa a respeito; 2) e que o legislador invoque uma razão ponderável para fazê-lo. A razão referida fica reservada ao arbítrio do legislador, vedando-se ao juiz a apreciação do valor dos motivos da sua edição de modo retroativo (cf. BATALHA, citando Roubier, op.cit., p. 133).

De acordo com R. Limonge França, essa exclusão legal abrange apenas a eficácia da lei antiga, em favor da exclusividade de um ordenamento novo, mas não os fatos e relações jurídicas havidos no tempo de sua vigência.

Essas exclusões ocorrem em alguns graus, a saber: 1) simples: atinge os efeitos futuros; 2) agravada: atinge também os efeitos passados; 3) radical: atinge as consequências dos fatos anteriores; d) restitutiva: atinge a coisa julgada e os negotia finita (op. cit., p. 59).

A referida teoria, a exemplo da anterior, confia ao legislador a onipotência para tornar qualquer lei retroativa, sem qualquer possibilidade de controle a respeito. Ao mesmo tempo, não se perfila com a teoria de Gabba porque prescinde do conceito de direitos adquiridos e de expectativas.

3.3.2.3 Situação Jurídica (Roubier)

Para Roubier, o problema do conflito temporal das leis deve ser resolvido com a distinção entre a sua eficácia imediata e a sua eficácia retroativa. O efeito imediato da lei é a regra, porque ela visa a regular situações jurídicas presentes e futuras, sendo o efeito retroativo uma exceção, exigindo-se, neste último caso, cláusula expressa a respeito. Assim,

... ĺeffet rétroactif, ćest ĺapplication dans le passé; ĺeffet immédiat, ĺapplication dans le présent; ... Si la loi prétend śappliquer à des faits accomplis (facta praeterita), ele est rétroactive; si elle prétend śappliquer à des situations en cours (facta pendentia), il faudra établir une séparation entre les parties antérieures à la date du changement de législation, qui ne pourraient être atteintes sans rétroactivité, et les parties posterieures, pour lesquelles la loi nouvelle, si elle doit śáppliquer, ńaura jamais qúun effet immédiat; enfin, vis-à-vis des faits à venir (facta futura), il est clair que la loi ne peut jamais être rétroactive... Il en résulte qúil ńy a de rétroactivité possible qúen vertu d́une clause législative expresse; il ńy a pas de rétroactivité tacite, et, si le législateur ńa pas inséré une clause formelle, ĺinterprèt ńest pas autorisé à tirer d́une intention tacite ou présumée du législateur... (Le Droit Transitoire (Conflits des Lois dans le Temps). 2. ed. Paris: Éditions Dalloz et Sirey, 1960. pp. 13 e 180, respec.. verbis: “...o efeito retroativo é a aplicação no passado; o efeito imediato, a aplicação no presente... Se a lei pretende aplicar-se a fatos ocorridos (facta praeterita), ela é retroativa; se pretende aplicar-se a situações em curso (facta pendentia), é preciso estabelecer uma separação entre as partes anteriores à data da mudança da legislação, que não poderiam ser atingidas sem retroatividade, e as partes posteriores, para as quais a lei nova, se ela deve aplicar-se, não terá jamais senão efeito imediato; enfim, à face dos fatos futuros (facta futura), é claro que a lei não pode, jamais, ser retroativa”. “Como resultado, não há retroatividade possível senão em virtude de uma cláusula legislativa expressa; não há retroatividade tácita e, se o legislador não inseriu uma cláusula formal, o intérprete não está autorizado a extrair de uma intenção tácita ou presumida do legislador...”).

O referido autor designa para a situação jurídica não apenas elementos subjetivos, a exemplo daqueles aludidos pela teoria do direito adquirido em face de seu titular ou pela noção de relação jurídica em face de duas pessoas, mas também elementos objetivos, porque, para ele, uma situação jurídica é “... un complexe de droits et de devoirs...”, e não apenas de direitos, de modo que duas óticas são possíveis, a saber:

Dans les unes, ĺelément de la prérogative et de ĺavantage pour le titulaire de la situation apparaît au premier plan: ce sont des situations juridiques subjectives, ćest-à-dire celles qui tendent à créer principalement des droits plutôt que des devoirs. Dans le autres, ĺélément du devoir, de la charge est prédominant: ce sont les situations juridiques objectives, ćest-à-dire celles qui tendent à reconnaitre des devoirs plutôt que des droits (Droits Subjectifs et Situations Juridiques. Paris: Dalloz, 1963. pp. 53 e 54.).

Nessa teoria, toda situação jurídica pode passar por duas fases, a saber: a primeira, dinâmica, relativa ao momento de sua constituição ou extinção; a segunda, estática, relativa ao momento em que produz efeitos. No primeiro momento, se o fato constitutivo ou extintivo já ocorreu sob o império da lei antiga, a lei nova que disponha de modo distinto não pode atingi-lo sem ser retroativa. No segundo, a lei só será retroativa se atingir os efeitos da situação jurídica ocorridos ao tempo da lei antiga, mas não o será quanto aos efeitos da mesma situação a partir de sua vigência. A simples seleção de novos modos de constituição e extinção de um direito, abstratamente considerados, não implica retroatividade, salvo se vier a disciplinar concretamente novas qualidades do fato constitutivo ou extintivo já ocorrido. Quanto aos efeitos da situação, eles são colhidos pela lei nova ainda quando constituída ao tempo da lei velha, sem que isso represente retroatividade. Desse modo,

... le lois relatives aux modes de constitution (ou d́extinction) d́une situation juridique ne peuvent, sans rétroactivité, remettre en question ĺefficacité ou ĺinefficacité, juridique d́un fait passé...Lorsqúil śagit, non plus de déterminer la constitution ou ĺextinction d́une situation juridique, mais de fixer les effets de cette situation juridique, la définition du caractère rétroactif de la loi est encore plus simple: tous les effets juridiques produits par la situation envisagée avant ĺentrée en vigueur de la loi nouvelle font partie du domaine de la loi ancienne, et on ne saurait les lui arracher sans rétroactivité (Le Droit Transitoire, op. cit., pp. 182-183. “... as leis relativas ao modo de constituição (ou de extinção) de uma situação jurídica não podem, sem retroatividade, pôr em questão a eficácia ou a ineficácia jurídica de um fato passado. Quando se trata não apenas de determinar a constituição ou a extinção de uma situação jurídica, mas de fixar os efeitos dela, a definição do caráter retroativo da lei é ainda mais simples: todos os efeitos jurídicos produzidos pela situação configurada antes da lei nova fazem parte do domínio da lei antiga, e não se pode retirá-los sem retroatividade”).

Na fase dinâmica, existem situações jurídicas que se constituem ou extinguem em um único momento, e outras que dependem do curso do tempo, como a prescrição e a sucessão hereditária. No primeiro caso, toda lei nova que vier a alterar situações jurídicas já constituídas ou extintas será retroativa; no segundo, a lei pode livremente dispor sobre novas condições de constituição ou extinção, sem ser retroativa, porque aí incide a sua eficácia imediata. Se uma situação jurídica, entretanto, possui vários elementos de valor jurídico independente (como a sucessão hereditária, que depende do testamento e da morte do testador), cada um deles será qualificado pela lei do tempo em que ocorreu (ibidem, pp. 183-185).

Haveria, ainda, quatro situações jurídicas particulares quanto ao seu estado: 1) permanentes: não possuem duração definida ou limites certos e, portanto, podem ser alteradas pela lei nova (ex.: natureza dos bens, como móveis, imóveis, fungíveis, infungíveis, etc...) (ibidem, p. 210); 2) concorrentes: aquelas que colocam duas situações em confronto, resolvendo-se em favor daquela regida pela lei do momento de sua constituição, de seus efeitos ou de sua extinção (ex.: doação em vida e ampliação da lista hereditária legal antes da morte) (ibidem, p. 219); 3) dependentes: relação entre uma situação jurídica secundária e uma outra principal, hipótese em que a lei nova possui eficácia imediata sobre os efeitos desta última (ex.: obrigação alimentar em relação ao matrimônio) (ibidem, p. 216); 4) retroativas: aquelas cuja constituição acarreta efeitos no passado, como: a) nas cláusulas sujeitas a condição suspensiva ou resolutiva, cuja ocorrência volve ao tempo da suspensão ou do descumprimento faltoso; b) as decorrentes de lei, como o reconhecimento de filho natural. Nessas situações jurídicas retroativas, a retroação não guarda qualquer relação com a lei de sua disciplina, mas com a situação jurídica em si (ibidem, p. 205 e ss.).

Para Roubier, apenas os contratos não podem sofrer os efeitos retroativos ou mesmo imediatos da lei nova, porque estão vinculados à declaração volitiva das partes, e não à vontade do legislador. Por isso, distingue o estatuto legal, sujeito à incidência imediata dos efeitos da lei nova, e a situação contratual, não passível de tal imediatidade e tampouco de retroação. Nesse sentido,

Les lois nouvelles ne peuvent pas revenir sur le choix qui était accordé aux parties au jour où le contrat fut passé: ce choix avait un sens, celui de permettre aux contractants d́établir leurs prévisions et il serait insupportable que lorsque les parties se sont ainsi fixées sur un type juridique donné, la loi, démentant ces prévisions, vienne ordonner autrement leurs rapports contractuels...Un contrat constitue un bloc de clauses indivisibles qúon ne peut apprécier qúà la lumière de la législation sous laquelle il fut passé. Ćest pour cette raison qúen matière de contrats, le principe de non-rétroactivité cède la place à un principe plus ample de protection, le principe de la survie de la loi ancienne (Ibidem, p. 392. “As leis novas não podem atingir a escolha que fora concedida às partes quando da lavratura do contrato; esta escolha tinha um sentido, o de permitir aos contratantes estabelecer suas previsões e seria insuportável que, uma vez assim fixadas as partes, sobre um determinado tipo jurídico, a lei, desmentindo suas previsões, viesse ordenar de outro modo as suas relações contratuais... Um contrato constitui um bloco de cláusulas indivisíveis que não se pode apreciar senão à luz da legislação sob a qual foi travado. É por essa razão que, em matéria de contratos, o princípio da não-retroatividade cede lugar a um princípio mais amplo de proteção, o princípio da sobrevivência da lei antiga”. De resto, essa é a posição majoritária da doutrina, colacionada por França: em Merlin (p. 43), em Blondeau (p. 45), em Roubier (ps. 61 e 209), em Von Thur (p. 71), e também na jurisprudência nacional (p. 139); no Regulamento 737 a solução foi parcial, admitindo, em seu art. 742, o seu efeito imediato quanto à forma dos negócios comerciais, respeitado o conteúdo da lei anterior (p. 108); para Sidou, os contratos não são fonte de direito adquirido (op. cit., p. 234).

Também Roubier recusa a nomenclatura de direitos adquiridos e expectativas e, por isso, coloca-se em sentido oposto à teoria de Gabba, julgando superior a sua definição de situação jurídica, verbis:

Ce mot de situation juridique a été choisi à dessein comme le plus vaste de tous; nous le jugeons supérieur au terme de droits acquis, en ce qúil ńa pas un caractère subjectif et qúil peut śappliquer à des situations comme celles de mineur, d́interdit, de prodigue; nous le jugeons également supérieur à celui de rapport juridique (Rechtsverhältniss), si fréquemment employé dans la science contemporaine, et qui implique une relation directe entre deux personnes, alors que la situation juridique peut être unilatérale et opposable à toute personne, quelle qúelle soit (ibidem, p. 181. “A expressão situação jurídica tem o propósito de ser a mais vasta de todas; nós a julgamos superior ao termo direito adquirido, por não apresentar apenas um caráter subjetivo e poder aplicar-se a situações como a do menor, do interdito, do pródigo; é igualmente superior à relação jurídica (Rechtsverhältniss), que supõe uma relação direta entre duas pessoas, enquanto que situação jurídica pode ser unilateral e oponível a toda pessoa, qualquer que seja”).

Na teoria dos efeitos imediatos, contudo, há um ponto nebuloso, porque pressupõe que os efeitos de uma situação jurídica sejam estáticos, quando por natureza e definição qualquer efeito é móvel e contínuo e, portanto, dinâmico. Trata-se de uma ficção teórica para que a incidência imediata dos efeitos da lei nova possa ocorrer no momento de sua edição, precisamente sobre os efeitos de toda situação jurídica constituída antes dela. Sob outro ângulo, se, no momento de constituição ou de extinção de uma situação jurídica, ela se consolida de imediato, esgotando seus efeitos instantaneamente, não há como separar os momentos dinâmico e estático, e para tal problema a teoria não parece fornecer solução.

Em resumo, consoante Othon Sidou, para Roubier

... o legislador não garante aos indivíduos o gozo indefinido no futuro dos direitos que eles possuíam num momento determinado; deve garantir, tão-somente, que o que passou, sob o domínio de uma lei precedente, ficará para sempre indene a qualquer lei modificativa (op. cit., p. 211).

3.3.3. Análise Resumida das Correntes

Em todas essas correntes subjaz uma referência tácita a um direito de propriedade, na sua concepção original de relação entre uma pessoa e um objeto, juridicamente tutelada pelo ordenamento. É sintomático, portanto, a alusão a um patrimônio individual que se vê incorporado ou não de um determinado direito cujo exercício é colocado em dúvida no momento da passagem de uma lei velha para uma lei nova (o direito adquirido enquanto propriedade, outorgado pela Constituição, foi concebido por Borda, citado por FRANÇA, op. cit., p. 72). E a propriedade foi um dos direitos individuais proclamados na declaração francesa de 1789 como anteriores e superiores ao estado civil, conforme a visão lockeana.

Nenhuma dessas teorias, portanto, outorga poderes ilimitados de desconstituição de direitos consumados ou exercidos mesmo nos casos de reconhecida possibilidade de retroação legislativa, assim como admite que direitos de titularidade e existência incertas, tanto objetiva quanto subjetivamente, possam ser invocados como exercitáveis. O dissenso, portanto, reside no meio termo entre esses dois extremos, e muitas vezes é de ordem nominal e classificatória.

R. Limonge França aponta, nesse sentido, a “semelhança fundamental” ou “aproximação” da teoria de Gabba com as de Chironi e de Roubier, assim como a compatibilidade de todas elas (citando Vareilles-Sommières, op. cit., pp. 78, 150 e 207). No mesmo sentido disse Carlos Maximiliano que as teorias subjetiva ou do direito adquirido (de Gabba) e objetiva ou da situação jurídica (de Roubier) são substancialmente a mesma. De resto,

uma sobreleva à outra, quanto à propriedade das expressões; porém, na prática, o dissídio se reduz a proporções mínimas. Assim resulta, porque, em verdade, o respeito pelas situações jurídicas definitivamente constituídas importa em abstenção de aplicar os textos positivos retroativamente (Direito Intertemporal. 2 ed., 1955. p. 122).

Também Serpa Lopes assevera que “... objetivistas e subjetivistas, por processos e caminhos diversos, chegam aos mesmos resultados” (Curso de Direito Civil. 2 ed. Rio de Janeiro, 1943, v. I. p. 205).

3.3.4. O Direito Adquirido na Legislação Brasileira

O direito brasileiro recebeu a influência lusa por intermédio das Ordenações Afonsinas (1446), Manoelinas (1514) e Filipinas (1603), em vigor no Brasil pela Lei de XXXXX-10-1823, de D. Pedro I, até a edição do Código Civil (art. 1807) (FRANÇA, op. cit., pp. 84-93 e 104). E tais disposições acolhiam a concepção canônica do efeito imediato.

Com referido efeito, por exemplo, e com razões de “ordem pública”, foram editados os Decretos de XXXXX-03-1821 e de XXXXX-05-1821, respectivamente para extinguir “... todos os ordenados, pensões, gratificações e outras quaesquer despesas que não se acharem estabelecidas por Lei ou Decreto”, e para abolir “... os privilégios de aposentadoria, assim ativa como passiva, fora dos casos do mesmo Decreto”.

Com a Constituição de 1824, dispôs, no seu art. 179, ns. I e II, que “nenhuma lei será estabelecida sem utilidade pública. A sua disposição não terá efeito retroativo”.

No plano ordinário, a Lei 242/1841, que restabeleceu o “privilégio de foro para as causas da Fazenda Nacional”, determinou em seu art. 2º que suas normas fossem aplicadas “dora em diante”. O Dec. 482/1846, que estabeleceu o regulamento para o registro geral das hipotecas, assegurou o direito adquirido dos credores hipotecários em relação aos títulos de data anterior ao registro, em seu art. 17. O Regulamento 737/1850, como já se disse acima (nota 65), admitiu, em seu art. 742, o seu efeito imediato quanto à forma dos negócios comerciais, respeitado o conteúdo da lei anterior. A matéria também foi objeto da Consolidação Teixeira de Freitas, aprovada em 1855, que, em sua 50 edição, em acréscimo à nota 14, alusiva ao art. 420, considerou que “a condição suspensiva, até que se cumpra, impede direito adquirível, só dá ao credor a esperança... A condição resolutiva, até que se cumpra, conserva direito adquirido; e, cumprida, resolve, revoga tal direito adquirido”.

Na Constituição da Republica, de 1891, seu art. , parágrafo 3º, asseverou ser vedado aos Estados como à União prescrever leis retroativas.

No Estatuto Preliminar ao Código Civil, editado pela Lei 3071/16, com as correções da Lei 5725/19, dispõe o seu art. que “a lei não prejudicará, em caso algum, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, ou a coisa julgada”, definindo como adquiridos, no § 1º, “...assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha termo prefixado, ou condição preestabelecida, inalterável a arbítrio de outrem”. Cuidava-se da reprodução do projeto de Clóvis Bevilaqua, a sua vez calcado no projeto de Coelho Rodrigues.

Com a Constituição de 1934, ficou consignado, em seu art. 113, n. 3, que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e acabado e a coisa julgada”.

Em 1937 a Constituição outorgada no Estado Novo obscureceu a matéria, mantendo apenas a irretroatividade penal, no inciso 11 do art. 122. Dessa forma o tema foi entregue ao plano ordinário e, sem proteção do texto superior, deu margem a desvios, como ocorreu com a Lei Constitucional n. 8/42, que determinou a proporcionalidade de vencimentos e proventos de juízes postos em disponibilidade ou aposentados, respectivamente.

Em 1942 o Decreto-Lei 4637 introduziu uma nova Lei de Introdução ao Código Civil, dizendo, em seu art. 61, que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral. Não atingirá, entretanto, salvo disposição em contrário, as situações jurídicas definitivamente constituídas e a execução do ato jurídico perfeito”.

A redação do texto constitucional de 1934 retorna com a Constituição de 1946, em seu art. 141, § 3º. Apesar do restabelecimento do nível constitucional do assunto, no regime militar pós-64 uma emenda, um “ato institucional” e um “ato complementar” reduziram o alcance daquela proteção, a saber: 1) Emenda 09, de XXXXX-07-64, que reduziu os vencimentos da magistratura, com a sua imposição aos descontos fiscais em geral; 2) AI 02, de XXXXX-10-65, que suspendeu, sem prazo predeterminado, “as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por tempo certo” (art. 14); 3) AC 15, de XXXXX-07-66, que considerou nulos “... os atos praticados desde 27 de outubro de 1965, dos quais decorram nomeação ou aproveitamento de funcionário, com inobservância das normas acima estabelecidas neste Ato Complementar.

Como o texto constitucional de 1946 voltou a disciplinar o tema, o DL 4637/42 foi tido como derrogado, e então a Lei 3238/57 deu nova redação ao art. da LICC, asseverando que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, e mantendo a mesma definição de direito adquirido do texto original do CCB.

Em 1967 a Constituição outorgada assegurou, ainda que apenas retoricamente, o “respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada”, em seu art. 149, IX, enquanto que a Emenda n. 01, de 1969, em seu art. 153, parágrafo 3º, disse que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Finalmente, o texto constitucional de 1988, no inc. XXXVI de seu art. 5º, renova que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Desde a origem do direito brasileiro, como visto acima, a noção básica que fundamenta a irretroatividade das leis em relação aos direitos subjetivos por elas proporcionados é a dos efeitos imediatos, ideia que muito depois de concebida no direito canônico veio a ser mais bem elaborada pela teoria de Roubier. Pode-se dizer, por isso, que a teoria dos efeitos imediatos é inata ao direito brasileiro, que posteriormente sofreu influxos das doutrinas que foram surgindo para a explicação do efeito retroativo ou não das leis em geral.

Parece nítido que o texto original do CCB teve inspiração em Gabba, a partir do projeto de Clovis Bevilaqua, a sua vez inspirado no projeto de Coelho Rodrigues. Embora Bevilaqua tenha afirmado que o dissenso em torno do conceito de direito adquirido com o de expectativa (em Blondeau e Demolombe), de interesse (em Laurent e Huc) e de faculdade (em Gabba) não tenha trazido luz à questão, antes concorrendo para obscurecê-la (Teoria Geral do Direito Civil. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1975. p. 27), o seu conceito de direito adquirido é fundamentalmente o mesmo de Gabba, ao comentar o texto do art. 3º da Introdução ao Código Civil: “Para que o direito possa ser exercido pelo titular ou por seu representante, é necessario: a) que se tenha originado de um facto jurídico, de accôrdo com a lei do tempo, em que se formou ou produziu; b) que tenha entrado para o patrimônio do indivíduo” (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1975, Vol. 1. p. 101, nota 3 ao art. 3º).

Em 1942, com o DL 4637, que introduziu uma nova Lei de Introdução ao Código Civil, filiou-se o direito brasileiro também à doutrina de Roubier, tanto pela assertiva conforme a qual “a lei em vigor terá efeito imediato e geral”, quanto com a expressão situações jurídicas definitivamente constituídas”, como exceção à regra do efeito imediato.

Em 1957, com a Lei 3238/57, que deu nova redação ao art. da LICC, o efeito imediato da lei foi mantido, retornando-se ao conceito de direito adquirido, no lugar da ideia de situação jurídica.

Logo, conquanto a inspiração doutrinária mais próxima seja mesmo a de Roubier, conforme atesta R. Limonge França (op. cit., pp. 60 (nota 46) e 206; à p. 214 afirma, a propósito da doutrina de Gabba, “...que ela não se compadece com o sistema jurídico brasileiro, à altura em que afirma a retroatividade como regra”, e depois, à p. 296, conclui que “o conceito de Gabba, adotado pela generalidade dos nossos autores, não é propriamente incompatível nem com a letra, nem com o espírito da nossa lei”; a respeito de Roubier, diz, à p. 278, que “...a invocação de Roubier, entre nós, à face do atual regime, só tem sentido no que concerne ao esclarecimento do efeito imediato”), não se pode negar razão a quem afirma que, na origem, a inspiração era a de Gabba, como o fez Serpa Lopes (Lei de Introdução ao Código Civil. 2 ed. Rio de Janeiro, 1959, V. I. pp. 264-265; “...com o consignar um efeito imediato e geral da lei em vigor, não foram quebradas todas as amarras, que ligavam o nosso Direito ao critério originário da Lei de Introdução, porém, com a referência a direitos adquiridos voltou-se ao ponto de vista da corrente subjetivista de Gabba, formando-se por este modo um tênue ecletismo entre objetivismo e subjetivismo”), e tampouco a quem diz que se trata de uma simbiose de ambas, como fala Campos Batalha (op. cit., pp. 50 e 81, concordando que antes do CC a inspiração não residia em qualquer teoria: pp. 190-191; mas na sua origem a inspiração estava em Gabba: pp. 83-84, 86-87; cita RAÓ, Vicente, para quem, desde a origem, a inspiração estava em Roubier: p. 190).

O problema da inspiração doutrinária do texto legal da introdução ao código civil somente será insolúvel se se considerar que entre as correntes há dissensos intransponíveis, coisa que não ocorre, diante da compatibilidade de propósitos de todas elas em relação à proteção individual contra o arbítrio legislativo.

Finalmente, acerca da edição do novo código civil, com a Lei n. 10.406/2002, convém frisar que nada foi substancialmente alterado nessa matéria, porque o texto em referência não tratou do assunto nem tampouco revogou a lei de introdução, que permanece em vigor até que outra venha a substituí-la.

3.3.5 Eficácia Imediata e Relações Contratuais

A regra do direito brasileiro, portanto, é a eficácia imediata da lei nova, mas uma de suas exceções é o campo contratual, porque relações bilaterais são estabelecidas pelas partes no pressuposto da estabilização da vontade declarada, sendo assim vedadas não apenas leis retroativas, porque favoreceriam apenas uma das partes, em detrimento da outra, assim como a eficácia ex nunc das leis novas, considerando a necessidade de proteger a vontade declarada no tempo, tanto mais quando a relação jurídica material for de trato sucessivo.

Essa é a opinião comum dos autores até aqui tratados, tanto em Merlin quanto em Blondeau, Roubier e em Von Thur (cf. FRANÇA, op. cit., pp. 43, 45, 61 e 71, respectivamente) e inclusive do STF (STF, 22.06.1928, Arquivo Judiciário, IX-349), assim se manifestando a respeito R. Limongi França:

Suponhamos a hipótese clássica de uma nova lei sobre determinado contrato. A despeito do efeito imediato, a atuação das leis encontram limite no Direito Adquirido. Ora, os contratos geram consequências que, tendo entrado para o patrimônio do sujeito, se caracterizam como tal. Ergo, a lei aplicável aos contratos é a antiga e não a nova (op.cit., p. 276).

Assim, as disposições da Lei n. 13.467/2017, por dizerem respeito a relações contratuais, somente se aplicam aos contratos de trabalho firmados após a sua plena eficácia, portanto a partir de 11.11.2017, em nada interferindo com as conclusões supra com o disposto no art. da IN/TST n. 41, ainda que tacitamente compatível com elas. Em outras palavras, o art. 1º da IN/TST n. 41 não confirma e tampouco infirma as conclusões supra, embora seja com elas compatível.

Como resultado, no plano do direito material a disposições da Lei n. 13.467/2017 não se aplicam ao aqui Autor, cujo contrato de trabalho teve vigência iniciada muito antes da edição daquele diploma.

4. Mérito/Exame das Pretensões

A pretensão autoral e a defesa da parte passiva se encontram resumidas no Relatório supra.

Fixadas as matérias controvertidas, passa-se ao exame do mérito.

4.1. Das Horas Extraordinárias de Intervalo Intrajornada

Fixada a premissa decisória do item 1.1.1, supra e in fine, consta na causa de pedir que o Autor teria laborado em regime de 12 X 36, sem usufruir intervalos intrajornada integrais, especialmente no período em que laborou sozinho, mas também quando rendido, já que no período a ele destinado tinha de permanecer em alerta e em guarda, além de haver laborado em domingos, sem o correspondente pagamento dobrado.

Para a Ré: 1) a jornada autoral foi fielmente registrada nos controles de ponto, reclamando a defendente “...a aplicação da OJ 233 da SDI-I do C. TST quando [sic] a controles eventualmente ausentes”; 2) o regime de trabalho foi de escala, de 12 X 36, entre as 19:00 e as 7:00 hrs. ou entre as 7:00 e as 19:00 hrs., “...sempre com 1h para refeição e descanso”; 3) no turno diurno, o Autor “...na maioria das vezes, era rendido por outros vigilantes para gozar o intervalo”; 4) “das vezes que o reclamante usufruiu do intervalo na guarita e não houve rendição, o reclamante não registrou intervalo no ponto e, por este motivo a empresa pagou o intervalo…”, na rubrica V245 – INT REF NÃO CONCEDIDO (e, depois da Lei n. 13.467/2017, na rubrica V215 – INTRAJORNADA INDENIZATÓRIA); 5) de acordo com o § 3º da Cláusula 22ª, o trabalho em domingos e feriados coincidentes com a escala de 12 X 36 já se consideram remunerados, “...face à natural compensação pelo desconto nas 36 (trinta e seis) horas seguintes”; 6) os pagamentos realizados a título de 100% da hora normal dizem respeito a trabalho em dia de folga.

Antes de entrar na matéria fática, começa-se pela matéria de direito, em específico do labor em dias de domingo dentro da escala de 12 X 36.

A propósito, o § 3º da Cláusula 22ª da CCT vigente entre 2018/2020 e juntada aos autos pela própria parte ativa dispõe que “considera-se já remunerado o trabalho realizado nos domingos e feriados que porventura coincidam com a escala prevista nesta cláusula, face à natural compensação pelo desconto nas 36 (trinta e seis) horas seguintes” (id. 0bf8bc9, p. 7). Trata-se de dispositivo que parece excepcionar a regra contida no § 2º de sua Cláusula 7ª.

A mesma disposição não consta na CCT de 2017/2018, cuja Cláusula correspondente (também a 22ª) é omissa a respeito (id. fc55720, p. 8), do que se poderia deduzir, em tese, que a regra contida no § 2º de sua Cláusula 7ª deve ser aplicada de forma incondicional.

Contudo, deve-se observar que a regra em questão diz respeito à jornada normal padrão de 44 hrs. semanais, prevista no caput de ambas as Cláusulas 22ª. Isso significa que o § 3º da Cláusula 22ª da CCT vigente entre 2018/2020 não diz respeito propriamente à regra do § 2º de sua Cláusula 7ª, mas à exceção do § 2º da Cláusula 22ª, que dispõe precisamente sobre o regime de 12 X 36.

Logo, em qualquer regime de 12 X 36 segue-se a lógica do § 3º da Cláusula 22ª da CCT vigente entre 2018/2020, considerando-se já remuneradas as horas de labor em domingos laborados dentro da escala, no pressuposto de que já se encontram compensadas com a folga de 36 hrs.

Por isso, improcede desde logo o pedido c.

Quanto aos intervalos intrajornada, ainda antes da matéria fática devem ser analisados os documentos referentes ao período imprescrito em que o Autor alega haver laborado sozinho (06/2016 a 2017), já que a Ré reconhece que, quando não registrado o intervalo nos controles de ponto, foi porque o período respectivo foi laborado e, assim, teria sido pago como extraordinário.

No período em questão, mais especificamente entre 25.06.2016 (marco prescricional) e 06.08.2017, os controles de ponto (id. 76b9421, pp. 12-25; id. 755fc81, pp. 1-15) não indicam intervalo intrajornada usufruído e, ao contrário, consignam a rubrica 476, como período não concedido e que seria então pago com adicional de 60%. Tal fato somente não ocorreu no dia 25.06.2016.

Nas fichas financeiras do período de 06/2016 a 05/2017 (id. 6f4a4d7, pp. 1-5), constam pagamentos mensais sob a rubrica V245 – INT REF NÃO CONCEDIDO, rubrica que mudou para V268 – INT REF NÃO CONCEDIDO em 06/2016, com pagamento até 10/2017.

Em outras palavras, no período em que ficou sozinho o Autor realmente não usufruiu intervalos intrajornada, mas os recebeu como horas extras, calculadas com base no adicional de 60%, nada sendo devido então a esse título, sob pena de bis in idem e de enriquecimento sem causa.

No período seguinte e nos dias em que fez os intervalos ao ser rendido, a tese do Autor é de que não os teria usufruído integralmente, já que no tempo a ele destinado tinha de permanecer em alerta e em guarda, matéria que depende de exame da prova oral.

Em seu interrogatório, confessou o Autor que registrava corretamente sua jornada nos controles de ponto, inclusive os intervalos intrajornada, quando laborados, ou seja, quando não era rendido e quando ficava “preso” na guarita lacrada. Disse ainda que passou a ser rendido nos intervalos intrajornada nos últimos 4 (quatro) anos.

Por sua vez, a testemunha Robson Luiz Souza Ferreira, indicada pela parte ativa, disse que: 1) trabalhou para a Ré por 9 anos e 8 meses, deixando seus quadros há cerca de 3 meses; 2) laborou na função de vigilante de base, tanto na guarita quanto no pátio e no carro forte (escalas extras); 3) o regime de trabalho foi o de 12 X 36; 4) a guarita era fechada, mas podia pedir para sair, observado o seguinte procedimento: ligava para a central, pedia autorização ao supervisor e, uma vez autorizado, a porta era aberta remotamente; 5) seu controle de ponto era digital, atestando que ele mesmo registrava seus horários de trabalho; 6) nos turnos noturnos trabalhava em dupla, sendo rendido e rendendo o colega nos intervalos intrajornada, para jantar, tempo que durava 1 h.; 7) as refeições eram feitas no antigo refeitório, no qual permanecia por 1 h.; 8) nos 3 primeiros anos nem sempre havia rendição; 9) o Autor também laborou no turno noturno, fazendo suas refeições dentro da guarita; 10) quando havia dois vigilantes no pátio não havia rendição e cada um fazia sua refeição no próprio pátio; 11) consumia o jantar armado e com o colete, atendendo a eventuais ocorrências no período do intervalo, porque “jantava trabalhando”; 12) no pátio, fazia a ronda, salvo quando o terceiro vigilante foi contratado; 13) para ir ao banheiro ou beber água era necessário desativar o alarme; 14) a guarita ou sala do monitor era pequena e nela havia ar condicionado, um computador e 3 câmeras, que gravavam tudo o tempo todo; 15) para sair da guarita a central tinha de abrir, procedimento que durava aproximadamente 30 m.

Por sua vez, a testemunha Fábio Coelho Tófano, indicada pela parte passiva, disse que: 1) trabalha para a Ré desde 2009, sendo que na função de vigilante de base há aproximadamente 3 anos; 2) labora em regime de 12 X 36, em três postos de trabalho: guarita, pátio e ronda, sendo que quem trabalha no pátio dá cobertura a quem está na guarita; 3) a alternância entre os turnos diurno e noturno em geral é de 6 meses no primeiro e 1 ano no segundo; 4) em 2018 havia 6 vigilantes de base, sendo 2 à noite e 1 de dia; 5) desconhece quando houve apenas 1 vigilante em cada turno; 6) no turno noturno ha rendição para os intervalos intrajornada, sendo que o vigilante da guarita é rendido pelo vigilante do pátio e vice-versa; 7) o jantar é consumido no pátio, e não no refeitório, que funciona somente no turno diurno; 8) em caso de ocorrência durante o horário de intervalo é obrigado a atendê-la, porque o intervalo é feito dentro da empresa; 9) durante os intervalos não retira o uniforme, mas a arma fica na bancada, e não consigo; 10) quando há rendição, permanece 1 h. fora do posto durante o intervalo intrajornada, mas quando não há recebe a hora como extra; 11) no turno noturno sempre há rendição.

Como visto, ambas as testemunhas atestam que quando há rendição o tempo de afastamento é o mesmo, ou seja, de 1 h., já que a guarita é fechada e decerto quem nela fica está trabalhando efetivamente e quem está fora dela está no pátio ou no refeitório antigo fazendo a refeição e, depois dela, aguardando para voltar ao seu posto. A questão a saber é quando excepcionalmente há alguma ocorrência se o tempo de atendimento é ou não lançado nos controles de ponto, que a propósito ficam do lado de fora da guarita, de modo que em tese nada impede que recebam o registro correspondente. Se esse tempo excepcional, redutor do intervalo, não é lançado nos controles de ponto, ele é devido a título de hora extra, mas se também o é, ele já foi pago, tal como os demais períodos não usufruídos.

Trata-se, portanto, de questão fática crucial, que nenhuma das testemunhas esclareceu, e como os documentos da Ré induzem crer que nunca sonegou deliberadamente os intervalos intrajornada efetivamente laborados, deve-se presumir, na ausência de prova em sentido contrário (art. 818, I, da CLT), que naquelas ocorrências houve o registro e o correspondente pagamento.

Por isso, improcede o pedido b.

4.2. Da Indenização por Danos Morais

Consta ainda na inicial que, como resultado das condições de trabalho, o Autor teria desenvolvido crises de pânico e desde então estaria em tratamento psiquiátrico. Isso porque o posto de trabalho (guarita) era pequeno, sem janelas, lacrado remotamente e em algumas ocasiões o procedimento de abertura teria impedido seu socorro. Além disso, esse mesmo procedimento de abertura teria permitido o controle de sua frequência ao banheiro.

Antes de tudo, convém registrar que com a inicial não foi juntado qualquer documento atestando a patologia acima mencionada, ao contrário do doc. de id. ec4f51c, que atesta a capacidade psicológica de o Autor portar e manusear arma de fogo, além do ASO demissional, que atesta aptidão no momento da dispensa (id. 05e3bf9).

Outrossim, o Autor não requereu a produção de qualquer prova pericial médica, seja para confirmar o diagnóstico de seu advogado, seja para contrariar os documentos acima mencionados.

Em seu interrogatório, confessou ainda o Autor que na guarita há banheiro, de modo que última afirmação não passa se uma rematada mentira, já que a Ré não teria como controlar sua frequência ao banheiro se ele podia ir quando quisesse.

É certo que a testemunha Robson Luiz Souza Ferreira, indicada pela parte ativa, relatou que em uma ocasião, quando estava de folga, teria recebido ligação do Autor, pedindo para ser rendido porque supostamente teria passado mal, mas não soube dizer se antes o Autor havia ou não ligado para a central e/ou para o supervisor, já que esse era o procedimento de abertura da guarita. Disse ainda a testemunha que não estava preparado para a rendição e que por isso teve de tomar banho e mudar a roupa, demorando assim 1 h. ou mais para chegar ao local, sendo que, ao chegar, a guarita já estava aberta, embora tenha encontrado o Autor em más condições. Não obstante, o Autor socorreu a si próprio, deixando o local em veículo próprio. Disse por fim que o Autor teria passado mal em outras ocasiões, sem descrevê-las.

Em resumo, não se sabe qual a causa do mal estar do Autor naquela ocasião específica e tampouco das outras, inespecíficas, sabendo-se por dedução que na primeira delas a guarita não foi aberta pela testemunha, mas decerto pela central, a mando do supervisor, já que esse era o procedimento. E se o Autor foi capaz de deixar o local sozinho, em seu veículo, foi porque não havia gravidade suficiente para ser socorrido por terceiros.

Enfim, inexiste relação causal comprovada no sentido de que a Ré, por meio do procedimento antes mencionado, tenha sido a causadora do mal estar do Autor, já que tal estado pode ser atribuído a inúmeros outros fatores não diagnosticados.

Por tais razões, improcede o pedido d.

4.3. Demais Pedidos

Uma vez improcedentes os pedidos principais, restam prejudicados todos os demais que deles dependem ou que deles decorram.

Declara-se inconstitucional o § 4º do art. 791-A da CLT, que impõe a condenação ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência mesmo ao beneficiário da justiça gratuita, quando sucumbente in totum e não credor em outro processo ainda pendente de execução, porque o caput do art. 98 do NCPC assegura gratuidade aos demandantes em geral nessa mesma hipótese, em relações jurídicas materiais entre partes iguais, ocorrendo aqui o mesmo problema verificado nos novos textos do § 3º do art. 790 e do § 4º do art. 790-B da CLT, também introduzidos pela Lei n. 13.467/2017, em torno da restrição ao conceito de pobreza para imposição do pagamento de custas e de honorários periciais.

Os dispositivos acima mencionados criam uma desigualdade injustificável entre as relações de emprego, de notória disparidade econômica entre as partes, e outras relações jurídicas baseadas na identidade econômica (direito civil e empresarial), que continuam favorecidas pelo conceito subjetivo de pobreza da Lei n. 1060/50. Em outras palavras, o acesso à justiça dos pobres continua favorecido objetiva e subjetivamente em relações jurídicas materiais entre iguais, porém limitado objetivamente nas relações jurídicas materiais trabalhistas, firmadas entre desiguais. Ou por outra: precisamente nas relações entre iguais, na quais o critério de justiça de regra é o comutativo, o conceito de pobreza é mais abrangente do que o conceito adotado por aquela Lei nas relações de trabalho, que por serem firmadas entre desiguais reclamam critério de justiça distributiva.

Esse resultado viola não apenas os direitos fundamentais à igualdade (material) e de acesso à justiça (forma), como também o dever de legislar sem excesso dos meios (princípio da razoabilidade), cujo descumprimento torna o ato legislativo arbitrário e por isso inconstitucional, já que toda a modelagem do Estado Representativo Constitucional está orientado precisamente a evitar o abuso de poder e mormente o abuso do argumento da maioria.

Por isso, não se há de falar em honorários advocatícios de sucumbência e tampouco em outras despesas processuais, entre as quais o pagamento de custas, que é dispensado na forma do § 3º do art. 790 da CLT.

A decisão supra encontra-se rigorosamente de acordo com a decisao do TRT-17 nos autos do Incidente De Arguição de Inconstitucionalidade Cível n. XXXXX-35.2019.5.17.0000, que tem eficácia vinculante interna, nos termos do art. 927, V, do NCPC.

III - CONCLUSÃO/DISPOSITIVO

Diante do exposto, julgo IMPROCEDENTE in totum o pedido em face da Ré, condenando o Autor ao pagamento de custas de R$ 12,00, calculadas sobre o valor arbitrado de R$ 600,00, do qual é dispensado, nos termos da fundamentação supra.

Intimem-se as partes.

É a Sentença.

NOTAS:

1) Para J.M. Othon Sidou, por exemplo, o primeiro autor a elaborar uma teoria dos direitos adquiridos teria sido Chabot de ĹAillier, em 1829, ao repontar “...a distinção entre direitos adquiridos - repetimos: os que estão irrevogavelmente conferidos e definitivamente obtidos antes do fato, do ato ou da lei que se lhes quer antepor para impedir seu pleno desfrute - e as simples expectativas de direitos, as que dependem de fatos, atos ou leis correlatos para que se possam desfrutar” (O Direito Legal: História, Interpretação, Retroatividade e Elaboração das Leis. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 199). Já para R. Limonge França, Merlin é o primeiro autor digo de nota, na fase que ela chama de “científica” do tema (A Irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 41).

2) Nisso concordam os autores acima, respectivamente às pp. 199 e 42 das obras citadas acima.

CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM/ES, 15 de outubro de 2021.

GEOVANY CARDOSO JEVEAUX
Juiz do Trabalho Titular

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