Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
26 de Maio de 2024
  • 2º Grau
Entre no Jusbrasil para imprimir o conteúdo do Jusbrasil

Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro

Detalhes

Processo

Publicação

Relator

THENISSON SANTANA DÓRIA
Entre no Jusbrasil para imprimir o conteúdo do Jusbrasil

Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro

Inteiro Teor

PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 20ª REGIÃO
IDENTIFICAÇÃO

AÇÃO/RECURSO: RECURSO ORDINÁRIO Nº XXXXX-33.2021.5.20.0016

PROCESSO Nº XXXXX-33.2021.5.20.0016

ORIGEM: VARA DO TRABALHO DE NOSSA SENHORA DA GLÓRIA

PARTES:

RECORRENTES: CVM CONSTRUTORA LTDA - EPP e MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

RECORRIDOS: OS MESMOS, COINPE CONSTRUTORA LTDA e DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

RELATOR: DESEMBARGADOR THENISSON SANTANA DÓRIA

EMENTA

MATÉRIA TRATADA EM AMBOS OS RECURSOS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. REFORMA DO QUANTUM FIXADO. Com base nas circunstâncias fáticas que foram objeto de apuração, tais como a privação da liberdade dos obreiros, ou seja, trabalho realizado em condição análoga à de escravo e adolescentes abaixo dos dezoito anos flagrados em condições degradantes de moradia e trabalho, considerando, ainda, a dimensão da lesão extrapatrimonial, o grau da culpa das Empresas-Rés e o escopo preventivo e pedagógico da condenação, reforma-se os montantes fixados pelo juízo sentenciante a quantias que se que se mostram mais ponderadas e razoáveis, a fim de resguardar a dignidade da pessoa humana e preservar o respeito aos direitos dos trabalhadores.

RELATÓRIO

CVM CONSTRUTORA LTDA - EPP e MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO recorrem ordinária e adesivamente, respectivamente, contra a Sentença prolatada pela Vara do Trabalho de Nossa Senhora da Glória, nos autos da Ação Civil Pública ajuizada pelo MPT e pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO em face da Recorrente e da COINPE CONSTRUTORA LTDA.

Intimadas as partes, apenas o MPT apresentou contrarrazões sob Id 708e42a.

Não houve manifestação do Parquet, tendo em vista que atua como parte no polo ativo da presente ação.

Incluído em pauta.

ADMISSIBILIDADE

CONHECIMENTO DO RECURSO DA ACIONADA

Conheço do Recurso Ordinário interposto pela Acionada porque presentes os pressupostos recursais subjetivos de legitimidade (recurso da parte), capacidade (agente capaz) e interesse (sentença julgada procedente - Id c8ca15f) e objetivos de recorribilidade (decisão definitiva), adequação (recurso previsto no artigo 895, inciso I, da CLT), tempestividade (ciência da sentença em 06/12/2021 e interposição do recurso em 14/12/2021 - Id 04647fc), representação (procuração - Id d1a36cf) e preparo (custas sob Id b02e131 e depósito recursal sob Id a57ac02).

CONHECIMENTO DO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

Conheço do Recurso Ordinário Adesivo interposto pelo Ministério Público do Trabalho porque presentes os pressupostos recursais subjetivos de legitimidade (recurso da parte), capacidade (agente capaz) e interesse (sentença julgada procedente - Id c8ca15f) e objetivos de recorribilidade (decisão definitiva), adequação (recurso previsto no artigo 997, § 1º do CPC), tempestividade (ciência da intimação para contrarrazões em 15/12/2021 e interposição do recurso em 18/01/2022 - Id 28a70a1), e preparo inexigível.

MÉRITO

Recurso da parte

RECURSO DA RECLAMADA

ILEGITIMIDADE DO MPT

Pugna a Reclamada pelo reconhecimento da ilegitimidade do MPT para defender direitos individuais homogêneos. Argumenta, para tanto, que:

"O Recorrido propôs a presente ACP requerendo que a empresa recorrente seja condenada ao pagamento das verbas rescisórias de cerca de 14 trabalhadores, além do valor referente ao dano moral individual para cada obreiro.

Tal pretensão foi julgada procedente, sendo a empresa recorrente condenada a suportar os valores referentes as verbas rescisórias, bem como o pagamento de dano moral para cada trabalhador, inclusive aos menores ali encontrados.

Com todas as vênias possíveis, a sentença merece reparo, eis que falta ao recorrido legitimidade para pleitear direitos individuais homogêneos, não sendo possível, em razão disso, haver condenação no pagamento de verbas rescisórias e dano moral individual arbitrado para cada trabalhador.

Por conseguinte, é oportuno lembrar que a atuação do Ministério Público, segundo o art. 129, da CF, limita-se aos interesses difusos e coletivos, não alcançando, portanto, os direitos individuais homogêneos. Neste sentido, transcreve-se o inciso II, do referido artigo da Carta Maior, verbis:

(...)

Partindo dessa limitação constitucional da atuação do MPT, ora recorrido, a Lei Complementar nº 75/93, em seu art. 83, III, preceitua que:

(...)

Ora, se atuação do recorrido limita-se a defesa dos direitos difusos e coletivos, portanto aqueles cujos titulares são indeterminados e indetermináveis, logo não seria possível postular, em sede ACP, o pagamento de verbas rescisórias e dano moral individual para trabalhadores determinados, pois trata-se de direito individual homogêneo, que escapa a competência constitucional do MPT.

In casu, por ter o recorrido legitimidade para o ajuizamento de ações coletivas em defesa de direitos individuais e indisponíveis, pertinentes às relações de trabalho, poderia apenas pleitear o dano moral coletivo, mas jamais ir além de sua competência constitucional para alcançar pretensões individuais homogêneas.

Neste diapasão, é flagrante a ausência de legitimidade do recorrido para buscar do Estado-juiz uma sentença judicial, para condenar a empresa recorrente ao pagamento de haveres trabalhistas rescisórios e dano moral individual.

Neste sentido, trago à baila alguns julgados:

(...)

Neste diapasão, requer que seja conhecida a ilegitimidade do recorrido acerca do pleito de pagamento das verbas rescisórias e a título de dano moral individual, excluindo, consequentemente da condenação o pagamento das verbas rescisórias aos trabalhadores e a indenização por danos morais individuais, arbitrados em R$ 50.000,00 para cada um dos trabalhadores (CÍCERO DA SILVA DOS SANTOS e DIOMA MOURA DOS SANTOS) e para os que eram adolescentes à época da ocorrência fiscalizatória das condições degradantes de labor (DOUGLAS LISBOA DA SILVA, MATEUS MARCOS DOS SANTOS e RAFAEL HILÁRIO SILVA NETO); e em R$ 20.000,00 para cada um dos outros 9 trabalhadores flagrados na frente de trabalho da pedreira do Sítio Cachinho."

Analisa-se.

A Lei nº 7.347/85, Lei da Ação Civil Pública, estabelece em seu artigo , I, a legitimidade do Ministério Público para a proposição de Ação Civil Pública, sendo que o inciso IV, do art. , prevê a possibilidade de ajuizamento de Ação Civil Pública para a defesa de interesses difusos ou coletivos.

Ressalte-se que o art. 83 da Lei Complementar 75/93, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, acabou com qualquer dúvida porventura existente no que respeita à legitimidade do Ministério Público do Trabalho para a propositura de Ação Civil Pública no âmbito da Justiça do Trabalho, ao assim dispor:

"Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:

(...)

III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos;"

Na mesma linha o art. 84 c/c art. 6º,VII, d do mesmo diploma legal, prevê a legitimidade do MPT para defesa de outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.

Com efeito, a referida Lei Complementar, através dos seus arts. 5º e 6º, atribui ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, dos princípios constitucionais e dos interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos, assegurando-lhe o manejo da Ação Civil Pública perante a Justiça do Trabalho, "in litteris":

Art. 5º São funções institucionais do Ministério Público da União:

I - a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis, considerados, dentre outros, os seguintes fundamentos e princípios: (...)

Art. 6º. Compete ao Ministério Público da União: (...)

VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:

a) a proteção dos direitos constitucionais; (...)

d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos. (...)

XII - propor ação civil coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos;

A Lei nº 8.078/90, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, distingue e conceitua três hipóteses de tutela coletiva, além de legitimar o MPT, a saber:

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público;

II - a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;

IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear. (...)

Assim, o direito às parcelas decorrentes do descumprimento de normas trabalhistas e à indenização por danos morais individuais de trabalhadores submetidos à condição análoga à de escravo constitui interesse individual homogêneo, justificando a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para propor a Ação Civil Pública.

Dessa forma, o reconhecimento da legitimidade ativa ad causam do Ministério Público do Trabalho é medida que se impõe, a fim de resguardar a ampla atuação do Parquet na defesa dos interesses ou direitos coletivos (difusos, coletivos stricto sensu ou individuais homogêneos).

Nesse sentido, os seguintes arestos:

RECURSO DE REVISTA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. A Corte Regional registrou que o Ministério Público do Trabalho pretende que a Reclamada cumpra as normas de limitação de duração do Trabalho. Conforme se afere a partir dos fatos descritos no acórdão regional, o Autor tutela direitos individuais homogêneos. O entendimento do Supremo Tribunal Federal - na interpretação do art. 129, III, da CF/88 - é no sentido de que esse preceito abrange a tutela dos direitos individuais homogêneos, por serem subespécie de direitos coletivos e desde que haja relevância social. Esta Corte Superior também já se posicionou no sentido de que o art. 129, III, da CF/88 estende ao Ministério Público do Trabalho a legitimidade para propor ação civil pública que verse sobre direitos individuais homogêneos. Precedentes. Recurso de revista de que não se conhece.(TST - RR: XXXXX20065020463, Relator: Fernando Eizo Ono, Data de Julgamento: 10/06/2015, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/06/2015).

AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMADO. ESTADO DA BAHIA. INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. COMPETÊNCIA MATERIAL. JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESCUMPRIMENTO. NORMAS DE SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO. TRANSCÊNDENCIA NÃO RECONHECIDA. NÃO PROVIMENTO. Consoante o entendimento jurisprudencial desta Corte Superior, a Justiça do Trabalho é competente para conhecer e julgar ações relativas ao descumprimento de normas de segurança, higiene e saúde do trabalho, nos termos da Súmula 736 do E. Supremo Tribunal Federal, mesmo que envolvam servidores ou empregados públicos. Precedentes da SBDI-1 e de Turmas. Na hipótese , o Tribunal Regional consignou que, como proprietário do Parque de Exposições Agropecuária de Salvador - PEAS -, cabia ao Estado da Bahia manter a segurança e a saúde dos trabalhadores que prestavam serviços em seu estabelecimento, sendo desta Justiça Especializada a competência para apreciar ação civil pública que buscava o cumprimento de tais normas. Referida decisão está em sintonia com o entendimento deste Tribunal Superior, o que torna prejudicado o processamento do recurso de revista ante o óbice do artigo 896, § 7º, da CLT e da Súmula 333. Nesse contexto, a incidência do óbice contido na Súmula 333 é suficiente para afastar a transcendência da causa, uma vez que inviabilizará a aferição da existência de eventual questão controvertida no recurso de revista, e, por conseguinte, não serão produzidos os reflexos gerais, nos termos previstos no § 1º do artigo 896-A da CLT. Agravo de instrumento a que se nega provimento.(TST - AIRR: XXXXX20155050027, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 20/10/2020, 4ª Turma, Data de Publicação: 23/10/2020)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MPT. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. Não há mais razão de ser, nesta quadra em que nos encontramos, para qualquer questionamento sobre a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para propor ação civil pública, consoante se extrai dos dispositivos da Constituição da Republica. Considerando que, na hipótese, além de pedidos que envolvem direitos difusos e coletivos em sentido estrito, como os dos itens A, B e C, há postulações relacionadas a interesses individuais que decorrem de uma mesma relação jurídica base e são coletivamente defendidos pelo órgão ao qual foi atribuída alegitimidade para tanto, deve ser reformada a sentença para se afastar a ilegitimidade ativa. Recurso provido para afastar a ilegitimidade ativa. (TRT-1 - RO: XXXXX20065010521 RJ, Relator: Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da Silva, Data de Julgamento: 19/11/2014, Sétima Turma, Data de Publicação: 10/12/2014).

Nada a reformar, no aspecto.

MATÉRIA TRATADA EM AMBOS OS RECURSOS

VALORAÇÃO DOS DANOS MORAIS INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Insurge-se a Reclamada em face da decisão de primeira instância que confirmou os efeitos da tutela de urgência concedida, deferindo o pagamento das verbas rescisórias aos trabalhadores encontrados em situação análoga à de escravo, condenando as Demandadas a cumprirem obrigações de fazer, bem como a pagar indenização por danos morais individuais, arbitrados em R$ 50.000,00 para cada um dos trabalhadores resgatados em condições laborais análogas à escravidão e para os que eram adolescentes à época da ocorrência fiscalizatória das condições degradantes de labor, e em R$ 20.000,00 para cada um dos outros 9 trabalhadores flagrados na frente de trabalho da pedreira do Sítio Cachinho, também em condições degradantes de trabalho e, por fim a quitar indenização no valor de R$ 500.000,00, a título de danos morais coletivos. Sem prejuízo das astreintes, já fixadas na decisão liminar.

Pleiteia, ao menos, a redução dos valores arbitrados, aduzindo, para tanto, que:

"Na eventualidade de ser vencida a tese da ilegitimidade do MPT, ora recorrido, na postulação indevida de direitos individuais homogêneos, a recorrente passa a argumentar que o dano moral individual tem como finalidade ser uma espécie de compensação decorrente de uma lesão injusta, mas também ter o caráter punitivo ou pedagógico, visando reprimir novas condutas de igual jaez.

De igual modo, o dano moral coletivo trata-se, também de uma indenização de natureza punitivo-pedagógica e compensatória, cujo objetivo está na promoção de satisfação da coletividade e também na prevenção a ocorrência de novas ações danosas.

Pois bem, admitindo que a tese da ilegitimidade de parte foi vencida, há de salientar que os valores arbitrados a título de dano moral e individual são excessivos, afastando-se da sua finalidade pedagógica, violando, de sobremaneira, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. A título de lembrança, tais princípios direcionam a aplicação do ordenamento jurídico para que atenda à situação concreta de forma adequada e proporcional.

Desse modo, os princípios em comento asseguram a coerência entre a aplicação e a finalidade do direito, garantindo a sua utilização justa. Por esse motivo, os princípios também são chamados de princípio da proibição do excesso.

A nosso ordenamento jurídico, quando se reporta a fixação do dano moral, seja ele individual ou coletivo, confiou ao prudente arbítrio do juiz a quantificação do dano, sem qualquer tabela ou limite preestabelecido. Ensina CAHALI1," Inexistentes parâmetros legais para o arbitramento do valor da reparação do dano moral, a sua fixação se faz mediante arbitramento. ".

Em razão da ausência de parâmetros objetivos, a doutrina e a jurisprudência têm utilizado, no auxílio dessa mensuração por arbitramento, alguns critérios dentre eles a condição econômica do réu bem como a condição econômica do ofendido.

Assim, ao se analisar a condição econômica do réu, busca-se infligir a este uma penalização passível de ser cumprida, pois é ineficaz condenar o ofensor a pagar quantia que o mesmo não possui.

No caso em análise, conforme documentos anexos, verifica-se que a folha mensal da recorrente gira, em média, no montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), o que evidencia, frente a capacidade econômica da recorrente, que os valores arbitrados, a título de dano moral individual e coletivo, apresentam-se como desproporcional e irrazoáveis, pois vai muito além daquilo que a vida financeira da recorrente pode suportar.

A condenação hoje remonta a quase R$ 1.000.000,00, o equivalente, de forma estimada, a 10 (dez) folhas de pagamento.

A manutenção dessa condenação nos valores fixados na sentença hostilizada inviabiliza a própria existência da empresa no mercado da construção civil, pois vai muito além daquilo que ela pode suportar, afetando, de sobremaneira, os contratos de trabalhos firmados com os seus colaboradores.

Diga-se de passagem, que o bloqueio ordenado na medida Tutelar Cautelar Antecedente no montante de R$ 387.112,23 (trezentos e oitenta e sete mil, cento e doze reais e vinte e três centavos), já impugnado atempadamente nos autos do Proc. nº XXXXX-68.2021.5.20.0016, já ocasionou o atraso nas obrigações ordinárias com os seus empregados e nas rescisões dos contratos de trabalho. Imagine um bloqueio na ordem de R$ 1.000.000,00, qual o efeito terá para a reclamada.

Assim, frente essas ponderações acima, que são reais, impõe-se a redução dos valores do dano moral e coletivo a um valor condizente com a situação da recorrente, para que a sua finalidade desse instituto jurídico seja plenamente atendida.

Este Colendo Tribunal possui julgado prestigiando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, senão vejamos:

(...)

Outros Tribunais do Trabalho, de igual modo, prestigiam os princípios em comento no arbitramento dos danos morais, verbis:

(...)

Assim como o dano moral, as astreintes também devem ser objeto de revisão por este Colendo Tribunal, porque os valores estipulados deveriam verificar a proporcionalidade e razoabilidade da multa cominatória, comparando o valor da multa diária, no momento de sua fixação, com a expressão econômica da prestação que deve ser cumprida pelo devedor/obrigado.

No caso em análise, a decisão fixou as astreintes nos seguintes valores, verbis:

(...)

Permissa vênia, entende-se que não há duvida que os valores acima se afastam bastante dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade e, portanto, devem ser revistos por este Colendo Tribunal, para que seja fixado em patamares condizentes com a capacidade econômica da recorrente, sem que haja a desnaturação do instituto jurídico em cotejo."

Por seu turno, o MPT postula a majoração das quantias arbitradas na sentença:

"A sentença recorrida julgou parcialmente procedente a presente Ação Civil Pública promovida pelo Parquet, com relação a indenização por danos morais individuais e coletivos, tendo sido estes minorados com relação ao valor originalmente pedido:

(...)

Não pode prosperar, nesse tocante, a sentença recorrida, com o devido respeito.

Com efeito, os elementos probantes, em seu conjunto, são robustos o suficiente para demonstrar de forma cabal a gravidade da conduta lesiva das empresas condenadas quanto ao descumprimento de normas trabalhistas de saúde e higiene.

Com efeito, não só foram graves o suficiente para violarem os direitos da personalidade de cada empregado lesado, como também tiveram potencial para causar enorme dano social, gerando reprovação não só da coletividade de trabalhadores, mas de toda a sociedade, ferindo o senso ético médio da população.

Tais fatos ficaram amplamente comprovados ao longo de toda demanda, mediante relatórios e documentos do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), coordenado pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT, conforme elencados na petição inicial ID e documentos acostados com a peça vestibular da demanda.

4.3. DA REPARAÇÃO A TÍTULO DE DANOS MORAIS COLETIVOS

É inegável que a conduta perpetrada pelos Réus causou e causa lesão a interesses metaindividuais. Isso porque, ao sistematizarem o ajuizamento de ações fraudulentas perante a Justiça do Trabalho, geraram, além de agressão a direitos individuais e divisíveis, dano indivisível aos interesses de toda a sociedade.

Afora isso, há de se levar em conta a afronta ao próprio ordenamento jurídico, que, erigido pelo legislador como caminho seguro para se atingir o bem comum, é flagrantemente aviltado pelos Réus, que não observam os ditames constitucionais e legais aplicáveis ao exercício do direito de ação. De outra parte, a violação à dignidade humana e da Justiça não pode ficar impune.

Daí emerge a necessidade da condenação dos Réus à obrigação de pagar indenização por dano moral coletivo e individual, para reparação à sociedade pela conduta transgressora praticada.

A respeito, dispõe o artigo , inciso IV, da Lei nº 7.347/1985 que se regem por suas disposições"as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados [...] a qualquer outro interesse difuso ou coletivo". Já o artigo 3º assinala que a ação civil pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro, que nada mais é que a reparação do dano difuso e/ou coletivo.

Por sua vez, o art. 13 do mesmo diploma também prevê a possibilidade de" condenação em dinheiro ", devendo ser revertida a um Fundo a" indenização pelo dano causado ".

Nesse passo, afigura-se cabível a reparação da lesão causada pelo ato ilícito dos Réus à coletividade, não só pelos danos causados, mas, igualmente, para desestimular tais atos de transgressão ao Estado de Direito.

Desse modo, busca o MPT a reparação do dano jurídico social emergente da conduta ilícita dos Réus (Lei nº 7.347/1985, CDC, artigos 186 e 927 do CC), bem como - e especialmente - a imediata cessação dos atos lesivos (art. 3º), através da imposição de obrigação de fazer.

O restabelecimento da ordem jurídica envolve, além da suspensão da continuidade da lesão, a adoção de medida que propicie a reparação do dano social emergente da conduta que afrontou o arcabouço de princípios e normas, constitucionais e infraconstitucionais, que disciplinam as relações materiais e processuais trabalhistas.

Saliente-se que a reparação do dano moral coletivo tem tríplice objetivo, quais sejam: preventivo ou pedagógico, ressarcitório/ compensatório e punitivo/sancionatório.

Com efeito, a reparação deve representar uma função pedagógica, a fim de desestimular a prática daquela determinada conduta.

Além disso, a reparação também possui uma função punitiva para o infrator, para que possa sentir a reação do Estado de Direito, desestimulando a conduta nociva. Por fim, o caráter ressarcitório ou compensatório da reparação do dano moral coletivo tem o intuito de que a coletividade ofendida tenha amenizada a lesão sofrida.

A respeito, transcreve-se o conceito de dano moral coletivo do doutrinador Carlos Alberto Bittar Filho, oportunamente aplicável ao caso:

(...)

A conduta irregular dos Réus viola interesses e direitos juridicamente relevantes para toda a sociedade, relativos aos fundamentos da República, ao acesso à Justiça e ao exercício do direito de ação - o que configura dano moral coletivo, com repercussão não só sobre pessoas físicas e jurídicas diretamente envolvidas, como sobre toda a sociedade, aviltada em seus valores sociais, cabendo, então, falar-se em lesão a interesses metaindividuais, em todas as suas modalidades: difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

Nesse sentido, seguem julgados em casos semelhantes:

(...)

Por fim, ressalte-se que a configuração do dano moral independe da prova de existência de prejuízos materiais, bastando que se comprove a lesão à norma jurídica. Isto porque o dano moral atinge interesses extrapatrimoniais, e sua percepção emana da própria violação.

Segundo XISTO TIAGO DE MEDEIROS NETO:

(...)

Considerando a natureza indisponível dos bens lesados, a gravidade da lesão e a finalidade pedagógico-punitiva da condenação, o Ministério Público do Trabalho requer o deferimento do valor pleiteados na inicial da indenização, a título de dano moral coletivo, no valor de R$ 1.000.000,00 (Um milhão de reais), bem como os danos morais individuais referentes aos trabalhadores resgatados na condição de trabalho análoga a de escravo e os menores (não inferior a r$ 100.000,00 - Cem mil reais cada - no total de 5 trabalhadores) e não inferior a R$ 40.000,00 (quarenta mil) aos demais trabalhadores (total de 9 trabalhadores.

Em remotíssima hipótese de não acolhimento do pleito anterior, pelo princípio da eventualidade, que sejam mantidos os valores arbitrados aos danos extrapatrimoniais individuais e coletivos bem como as condenações do decisium de primeiro grau.

Os valores da condenação em pecúnia relativos ao ressarcimento dos danos causados a interesses difusos e/ou coletivos, objeto desta Ação Civil Pública, devem ser revertidos a um fundo destinado à reconstituição dos bens lesados, conforme previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/1985, ou a órgãos/instituições ou programas/projetos públicos ou privados, que tenham objetivos filantrópicos, culturais, educacionais, científicos, de assistência social ou de desenvolvimento e melhoria das condições de trabalho, a critério do Ministério Público do Trabalho."

Eis o teor da sentença sobre a matéria:

"DA REVELIA E DA CONFISSÃO FICTA

Como já dito acima, as rés, apesar de regularmente notificadas (documentos de ID's bc08bce e 2d4230), não se fizeram presentes para apresentar resposta e prestar depoimentos pessoais. Assim, foram declaradas oportunamente revéis e lhes aplicada a pena de confissão ficta, conforme ata de audiência de ID ea6b577.

DOS PLEITOS ANTECIPATÓRIOS

Diante da revelia das reclamadas e da pena de confissão ficta que lhes foi aplicada, e com lastro nos mesmos argumentos declinados na decisão antecipatória de ID 695eff9, confirmo os efeitos da tutela de urgência concedida, que declarou a submissão de trabalhadores à condição análoga à de escravo, antecipou a responsabilidade das empresas COINPE CONSTRUTORA LTDA e CVM CONSTRUTORA LTDA - EPP, deferiu o pleito relativo ao pagamento das verbas rescisórias aos trabalhadores encontrados naquelas condições e condenou as demandadas a cumprirem as seguintes obrigações de fazer, ipse litteris:

"a) abster-se de manter empregados trabalhando reduzido à condição análoga à de escravo, nos termos previstos pelo artigo 149 do Código Penal b) abster de manter, ou contratar

b.1) trabalhadores com idade inferior a 18 anos para labor noturno, perigoso, insalubre, ou penoso, e, em relação aos menores de 16 anos, em relação a qualquer atividade, salvo na condição de aprendiz;

b.2) empregados com idade inferior a 18 (dezoito) anos prestando serviços em locais prejudiciais a sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral ou social, conforme art. 403, da Consolidação das Leis do Trabalho e art. 67, III, da Lei nº 8.069/90, com a rescisão imediata caso ainda exista tal tipo de relação de emprego;

b.3) empregados com idade inferior a 18 (dezoito) anos prestando serviços em horários e locais que não permitam sua frequência à escola, conforme art. 403, da Consolidação das Leis do Trabalho e art. 67, IV, da Lei nº 8.069/90

b.4) r empregados com o respectivo registro em livro, ficha ou sistema eletrônico competente; (art. 41, caput, c/c art. 47, caput, da CLT, com redação conferida pela Lei 13.467/17)

c) Efetuar o pagamento:

c.1) do salário do empregado com a devida formalização de recibo (art. 464 da CLT);

c.2) do 13º salário até o dia 20 de dezembro de cada ano (art. da lei nº 4.090/62)

d) Manter, em relação ao ambiente de trabalho:

d.1) instalações sanitárias tratadas e higienizadas e não mantê-las distantes dos locais e frentes de trabalho (art. 157, inciso I da CLT c/c item 22.37.2 da NR-22, com redação da Portaria nº 2.037/1999)

d.2) água potável, em condições de higiene, nos locais e postos de trabalho (art. 157, inciso I da CLT c/c item 22.37.4 da NR-22, com redação da Portaria nº 2.037/1999);

e) Não substituir os armários individuais por dispositivos para guarda de roupas e objetos pessoais que não garantam condições de higiene, saúde e conforto (art. 157, inciso I da CLT c/c item 22.37.3.1 da NR-22, com redação da Portaria nº 2.037/1999);

f) Oferecer aos trabalhadores, em local em condições de conforto e higiene para tomada de refeições por ocasião dos intervalos concedidos durante a jornada de trabalho (art. 157, inciso I da CLT c/c item 24.5.1 da NR-24, com redação da Portaria nº 1.066/1999);

g) Não permitir que o trabalhador assuma suas atividades antes de ser submetido a avaliação clínica, integrante do exame médico admissional (art. 157, inciso I, da CLT, c/c item 7.4.3.1 da NR-7, com redação da Portaria nº 24/1994);

h) Fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamento de proteção individual adequado ao risco, em perfeito estado de conservação e funcionamento (art. 166 da CLT, c/c item 6.3 da NR-6, com redação da Portaria nº 25 /2001);

i) Elaborar e implementar o Programa de Gerenciamento de Riscos (art. 157, inciso I da CLT c/c item 22.3.7 da NR-22, com redação da Portaria nº 2.037/1999);

j) Equipar o estabelecimento com material necessário à prestação de primeiros socorros, considerando as características da atividade desenvolvida, guardar o material necessário à prestação de primeiros socorros em local inadequado e manter o material sob cuidado de pessoa treinada para esse fim (art. 168, § 4º da CLT c/c item 7.5.1 da NR-7, com redação da Portaria nº 24/1994);

l) Ministrar treinamento introdutório geral para os trabalhadores e ministrar treinamento introdutório geral com carga horária e conteúdo de acordo com o previsto na NR-22 (art. 157, inciso I da CLT c/c item 22.35.1.2 da NR-22, com redação da Portaria nº 2.037/1999);

m) Depositar na conta vinculada do trabalhador, por ocasião da rescisão do contrato de trabalho, os valores do FGTS relativos ao mês da rescisão e ao mês imediatamente anterior, que ainda não houverem sido recolhidos, nos prazos de que trata o § 6º do art. 477 da CLT (art. 23, § 1º, inciso I, c/c art. 18, caput e § 1º da lei 8.036, de 11.5.1990);

n) Depositar mensalmente o percentual referente ao FGTS (art. 23, § 1º, inciso I c/c art. 18, § 1º da lei nº 8.36, de 11.5.1990)

o) Promover o pagamento dos valores constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação em até 10 (dez) dias contados a partir do término do contrato de trabalho (art. 477, § 6º da Consolidação das Leis do Trabalho, com redação conferida pela Lei 13.467/17)

Fixo astreintes pelo descumprimento das obrigações de fazer em R$ 10.000,00 em relação àquelas que envolvam trabalhadores de forma individual, sendo tal valor devido por cada infração relacionada a cada trabalhador.

No pertinente às demais obrigações de fazer, fixo astreintes no valor de R$ 50.000,00 pelo descumprimento das obrigações.

A interdição solicitada pelo Ministério Público do Trabalho será analisada após eventual descumprimento das obrigações de fazer.

Defiro, ainda, a tutela para pagamento dos valores apurados a título de verbas rescisórias, conforme planilhas anexadas com atualização, utilizando-se de crédito vinculado ao processo cautelar XXXXX- 68.2021.5.20.0016.

Os créditos devidos aos trabalhadores acima identificados deverão ser liberados através de Alvará Judicial eletrônico, cabendo aos credores comparecer à Caixa Econômica Federal. Franqueio a parte autora informar nos autos os dados bancários dos beneficiários para que seja procedida a transferência dos créditos deferidos nesta decisão precária."(decisão antecipatória de ID 695eff9).

Considerando a negativa das rés em compor extrajudicialmente e o descumprimento das medidas determinadas na ação fiscal, já noticiados desde a inicial na petição de ID. 1c89008 - Pág. 27, bem como a ausência de comparecimento nos presentes autos, apesar de regular notificação, reputo confirmado o desinteresse das reclamadas em regularizar as suas condutas e tentar minorar os astronômicos danos causados às vítimas.

Com base nisso, sem prejuízo das astreintes já fixadas na decisão liminar, determino que as obrigações de fazer sejam implementadas após o trânsito em julgado da presente demanda, sob pena de interdição judicial de toda a extensão das frentes de trabalho até o seu efetivo cumprimento.

DOS DANOS MORAIS INDIVIDUAIS E COLETIVOS

A parte autora da presente Ação Civil Pública busca, também, a condenação das reclamadas ao pagamento de indenizações por danos morais individuais e coletivos.

Além de a confissão ficta aplicada pela revelia das demandadas conduzir à incontrovérsia dos fatos constitutivos, cumpre destacar que o relatório de fiscalização anexado juntamente com a exordial comprovou o labor na pedreira em condições que violam direitos trabalhistas básicos e, sobretudo, condições essenciais de saúde e segurança no ambiente de trabalho, inclusive com a submissão de 2 trabalhadores resgatados a condições laborais análogas à escravidão (CÍCERO DA SILVA DOS SANTOS e DIOMA MOURA DOS SANTOS) e o trabalho de 03 adolescentes (DOUGLAS LISBOA DA SILVA, MATEUS MARCOS DOS SANTOS e RAFAEL HILÁRIO SILVA NETO) em atividades proibidas e classificadas entre as piores formas de trabalho infantil.

Conforme já dito na decisão que concedeu a tutela de urgência, as condições de trabalho narradas em depoimentos colhidos dos trabalhadores e, também, consignadas nos documentos administrativos produzidos pela fiscalização da Secretaria de Trabalho, demonstram a absoluta precariedade das condições de labor disponibilizadas pelos empregadores, restando evidenciado que não eram garantidos direitos básicos, mínimos, aos trabalhadores, violando frontalmente a nossa Constituição Federal, em especial a dignidade da pessoa humana trabalhadora.

Sabe-se que as indenizações por danos morais coletivos têm por fim inibir o ofensor, proteger a coletividade contra investidas do gênero e buscar indenização de índole coletiva, sem prejuízo da responsabilidade pela compensação dos danos individualmente sofridos.

No caso dos autos, é certo que as condutas das empresas demandadas, ao submeterem trabalhadores a condições degradantes de trabalho, nela incluídas situações análogas à escravidão e o labor infantil, mediante o descumprimento de normas trabalhistas de saúde e higiene, não só foram graves o suficiente para violarem os direitos da personalidade de cada empregado lesado, como também tiveram potencial para causar enorme dano social, gerando reprovação não só da coletividade de trabalhadores, mas de toda a sociedade, ferindo o senso ético médio da população. Ressalte-se ser mais amplo o objetivo da presente Ação Civil Pública do que a defesa dos direitos de um ou alguns trabalhadores, uma vez que a ofensa perpetrada - submeter pessoas a condições degradantes de trabalho - transcende a esfera individual, tendo em vista que a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho são fundamentos da República Federativa do Brasil, resultando em uma lesão a valores e bens fundamentais para toda a sociedade brasileira.

Uma vez configurada ofensa à honra, à imagem e à dignidade dos trabalhadores submetidos às condições deploráveis de labor constatadas, defiro o pedido de pagamento de indenização por danos morais individuais, arbitrados nos seguintes valores: a) R$ 50.000,00 para cada um dos trabalhadores resgatados em condições laborais análogas à escravidão (CÍCERO DA SILVA DOS SANTOS e DIOMA MOURA DOS SANTOS) e para os que eram adolescentes à época da ocorrência fiscalizatória das condições degradantes de trabalho (DOUGLAS LISBOA DA SILVA, MATEUS MARCOS DOS SANTOS e RAFAEL HILÁRIO SILVA NETO); R$ 20.000,00 para cada um dos outros 9 trabalhadores flagrados na frente de trabalho da pedreira do Sítio Cachinho, também em condições degradantes de trabalho.

Ademais, a gravidade da conduta patronal demanda que ela seja veementemente rechaçada pela sociedade, cabendo ao Poder Judiciário reconhecer o dano moral coletivo e buscar coibir referida prática com uma indenização capaz de inibir, reparar e educar os infratores, protegendo a coletividade contra investidas do gênero e alertando a sociedade para a importância de se reprimir certas práticas nocivas.

Nesse contexto, condeno as reclamadas a pagarem uma indenização de R$ 500.000,00, a título de danos morais coletivos, a ser revertida em favor de entidades cuja atuação em prol dos interesses dos trabalhadores permita a recomposição do dano coletivo e difuso, oportunamente indicadas pelo Ministério Público do Trabalho e pela Defensoria Pública da União, aprovadas por esse Juízo.

No arbitramento dos valores indenizatórios acima, observa-se o caráter punitivo, de maneira a corresponder a um montante suficiente para punir as reclamadas pelos danos causados, sem permitir o enriquecimento ilícito por parte das vítimas; as condições financeiras dos agentes; o aspecto compensatório pela dor e sofrimento causados; e, o efeito pedagógico, evitando-se dessa forma, que novos atos da mesma natureza venha a ser praticado pelo causador do dano.

Observe-se o teor da Súmula 439 do TST."

Ao exame.

Trata o litígio de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Trabalho da 20a Região, em face da COINPE CONSTRUTORA LTDA e CVM CONSTRUTORA LTDA - EPP, tendo como ponto de partida, diligências empreendidas pelo Parquetem alojamentos e frentes de trabalho, como relatado na exordial:

"No dia 26/05/2021, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel - GEFM, estrutura nacional de combate ao trabalho escravo no Brasil em atividade desde o ano de 1995, composto nesta atividade por auditores-fiscais do trabalho, procuradora do trabalho, defensor público federal, policiais rodoviários federais e servidores da União, esteve presente em três frentes de trabalho de pedreira, situadas no município de Canindé do São Francisco/SE.

Na frente de trabalho que ora se tutela, foram alcançados ao todo 14 trabalhadores, dentre eles dois em situação de escravidão no trabalho e três em situação de trabalho infantil nas piores formas. Os adolescentes foram afastados do trabalho por estarem em atividade em locais e serviços insalubres ou perigosos, conforme regulamento e Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil - Decreto 6.481/2008). A pedreira (CNAE: 0810-0/99 - Extração e britamento de pedras e outros materiais para construção e beneficiamento associadas) em questão está situada no Sítio Cachinho, Estrada para Santa Brígida, Zona Rural de Canindé de São Francisco/SE, CEP XXXXX-000, coordenadas 1: 9º 41'12.2" S 37º 53'51.8 "W.

O Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), coordenado pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), realizou o primeiro resgate de trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão no estado de Sergipe. Os dois trabalhadores resgatados estavam sob condições degradantes de moradia e trabalho na pedreira. Eles realizavam a extração de fragmentos de rochas e o corte de pedras paralelepípedo, com o auxílio de ferramentas manuais e rudimentares.

As pedras produzidas nas pedreiras, onde estavam os dois trabalhadores resgatados e os três adolescentes, eram coletadas pelo encarregado das frentes de trabalho e aplicadas, na modalidade de" empreitada ", em obras de calçamento, em proveito e sob a orientação e coordenação das duas empresas de pavimentação ora acionadas, ambas localizadas na cidade de Paulo Afonso (BA). Para a realização dos serviços de calçamento, o encarregado contratava trabalhadores locais de Paulo Afonso.

Tendo em vista que as empresas ora acionadas afirmaram, em reuniões realizadas com a equipe do GEFM nos dias 30/06/21 e 01/06/21 em Piranhas/AL, ainda durante o curso dos trabalhos na operação, que não tinham interesse em reconhecer ter responsabilidade sobre a situação, fazer algum tipo de acordo, assinar Termo de Ajuste de Conduta com o MPT e a DPU ou pagar as verbas rescisórias referentes aos dois trabalhadores resgatados e aos três adolescentes afastados da frente de trabalho, o Ministério Público do Trabalho Defensoria Pública da União, MPT e a DPU promoveram a Tutelar Cautelar Antecedente nº XXXXX-68.2021.5.20.0016 perante o Juízo Plantonista do TRT-20ª Região, protocolada no dia 01/06/2021. A Tutela foi concedida no dia 02/06/2021, determinando a inclusão das duas empresas demandadas no sistema SISBAJUD, para bloqueio de valores até o limite de R$ 387.112,23 (trezentos e oitenta e sete mil, cento e doze reais e vinte e três centavos). Concedeu-se, na decisão, o prazo de 60 (sessenta) dias para a apresentação do pedido principal, o que se faz nesta oportunidade.

Nenhum dos 14 trabalhadores do local tinha sua CTPS anotada.

Todos recebiam por produção, não tinham garantidos os direitos trabalhistas, como a carteira de trabalho assinada e pagamento de 13º salário e FGTS; não tinham acesso a instalações sanitárias, água potável, lugar para acondicionar os alimentos, faziam refeição no mato, não haviam sido submetidos a exame médico admissional, nem a treinamento e não recebiam equipamento de proteção individual nem equipamentos e treinamento para primeiros socorros.

A frente não dispunha de alojamento, e os dois trabalhadores resgatados dormiam em barracos cobertos de lona. Eles estavam submetidos a condições degradantes de vida e trabalho, uma vez que o barraco não possuía condição mínima de habitabilidade. O local não possuía piso, paredes, não dispunha de nenhum móvel, banheiro para uso e banho, lugar para acondicionar os alimentos, e expunha os trabalhadores a todo tipo de intempéries e animais peçonhentos (foi inclusive relatada a presença frequente de cobras e de um besouro chamado" chupão ", que é venenoso). No alojamento improvisado, não havia portas, nem janelas, nem banheiros. Para dormir, havia apenas redes, sem qualquer roupa de cama ou coberta.

A alimentação era preparada num fogão improvisado, o" fogão de três pedras ", como os trabalhadores chamam, sendo que o cômodo não dispunha nem de fornecimento de água nem de esgoto.

Os gêneros de primeira necessidade, os equipamentos de proteção individuais (inadequados) e demais outras necessidades tampouco eram fornecidas pelos empregadores.

Na realidade, não se verificou o cumprimento de nenhuma obrigação trabalhista na frente de trabalho inspecionada, estando os trabalhadores numa situação completa de informalidade e vulnerabilidade.

Os dois empregados resgatados têm direito a três parcelas de seguro-desemprego especial de trabalhador resgatado, cujas guias foram emitidas pelos auditores-fiscais do trabalho, e foram encaminhados ao órgão municipal de assistência social, para atendimento prioritário e acompanhamento.

O resgate, ou seja, o afastamento de trabalhadores submetidos a condições degradantes de trabalho pelos auditores-fiscais do trabalho, é previsto do art. 2º-C da Lei nº 7.998/90 e faz parte da política pública nacional de combate ao trabalho escravo.

Muito embora o resgate promovido confira aos trabalhadores o imediato cadastro perante o seguro-desemprego, não compele os empregadores ao pronto pagamento dos haveres rescisórios, além da reparação pelos danos sofridos pelas vítimas de trabalho escravo e trabalho infantil. Também é imperiosa, em casos como esse, a tutela inibitória, para evitar a prática de novos ilícitos pelos empregadores, bem como a reparação coletiva/social, razões pelas quais vêm o MPT e DPU a juízo nesta oportunidade."

Nesse diapasão, constatou-se que as condições de trabalho narradas demonstram a absoluta precariedade das condições de trabalho disponibilizadas pelas Empregadoras, que não garantiam direitos básicos aos empregados, em total desrespeito à dignidade do trabalho, assegurada pela CF. Vale destacar que dois trabalhadores estavam em situação de escravidão no trabalho e três adolescentes, com idade entre 16 a 17 anos, em situação de trabalho infantil dentre as piores formas (serviços insalubres ou perigosos).

Pois bem.

Os Direitos Humanos constituem a categoria mais básica de direitos que qualquer ser humano, em qualquer parte do mundo, pode requerer em defesa própria ou de outrem. Por sua vez, o trabalho em condição análoga à escravidão é um problema que vem sendo debatido severamente e condenado pela comunidade internacional, por ferir os direitos humanos fundamentais e a dignidade da pessoa humana.

A situação da escravidão contemporânea se revela pela grande vulnerabilidade e miséria dos trabalhadores, que, muitas vezes, por não possuírem qualquer qualificação a não ser a própria força manual de trabalho, aceitam condições precárias de labor, com o intuito de garantir seu sustento e de sua família.

Como forma de travar a ocorrência dessa exploração do ser humano, para que deixe de ser coagido a prestar sua força de trabalho em condições degradantes que ferem, substancialmente, sua dignidade e frustram sua liberdade de exercer a cidadania é de suma importância que se observem as disposições internacionais a respeito do tema, tratados, convenções, declarações, além dos princípios constitucionais do trabalho que combatem veementemente a prática do trabalho escravo no mundo globalizado.

Nesse cenário, saliente-se que a Recomendação nº 123 de 07/01/2022, do CNJ, orienta aos órgãos do Poder Judiciário brasileiro a observância dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos e o uso da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, nos seguintes termos:

Art. 1o Recomendar aos órgãos do Poder Judiciário:

I - a observância dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil e a utilização da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), bem como a necessidade de controle de convencionalidade das leis internas.

Nesse toar, a OIT define, em sua Convenção nº 29, que trabalho forçado é "todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual ela não se tenha oferecido espontaneamente."

De igual modo, os instrumentos internacionais, como a Recomendação 203 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2014, ao atualizar termos das Convenções 30 e 105 da OIT, sugere a prevenção e a repressão do trabalho forçado, a partir da proteção das vítimas e a cooperação internacional.

Acrescenta-se, inclusive, que uma das metas previstas na Agenda 2030 de Direitos Humanos das Nações Unidas, especificamente o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8, tem como propósito "promover um crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e decente para todos".

Destaca-se, ainda que o objetivo 8 da Agenda 2030, estabelecido pela ONU, determina ao Brasil, especificamente, em suas metas 8.7 e 8.8, que:

"Meta 8.7

Até 2025 erradicar o trabalho em condições análogas às de escravo, o tráfico de pessoas e o trabalho infantil, principalmente nas suas piores formas.

Meta 8.8

Reduzir o grau de descumprimento da legislação trabalhista, no que diz respeito ao registro, às condições de trabalho, às normas de saúde e segurança no trabalho, com ênfase nos trabalhadores em situação de vulnerabilidade."

Destaque-se que a Agenda 2030 das Nações Unidas, aprovada em Assembleia Geral das Nações Unidas em 2018, nos termos da Resolução A/RES/72/279, foi adotada por 193 Países, inclusive o Brasil, que incorporou, inicialmente, os 8 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (Agenda 2015 - período 2000/2015), ampliando-os para os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Agenda 2030 - período 2016/2030).

Reproduz-se, a seguir, trecho da narrativa de como se deu o histórico de institucionalização da Agenda 2030 no Poder Judiciário, extraído do site oficial do CNJ em 04/04/222 (Home » Programas e Ações » Agenda 2030 » Como se deu o histórico de institucionalização da Agenda 2030 no Poder Judiciário?):

"No dia 13 de setembro de 2018, o Presidente Dias Toffoli tomou posse como Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça. No dia 25 de setembro de 2018, o Presidente recebeu a Conselheira Maria Tereza Uille Gomes no gabinete do STF para lhe apresentar a ideia de incluir o tema da Agenda 2030 no Poder Judiciário como medida inovadora e em harmonia com as diretrizes do discurso de posse.

Por meio da Portaria n. 133 de 28 de setembro de 2018, o Presidente do CNJ instituiu o Comitê Interinstitucional destinado a avaliar a integração das metas do Poder Judiciário às metas e indicadores dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), Agenda 2030, e elaborar relatório de trabalho com apoio de todos os Tribunais do País, cuja composição consta da Portaria n. CNJ 148/2018."

Outrossim, no âmbito do Judiciário Nacional, destaca-se, atualmente, o contexto das medidas para o cumprimento da Meta 9 do CNJ, cuja descrição é realizar ações de prevenção e desjudicialização de litígios voltadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, o que inclui conhecer como a Justiça do Trabalho brasileira enfrenta o tema do trabalho decente.

Convém destacar ainda que a Corte Interamericana de Direitos Humanos responsabilizou internacionalmente o Estado brasileiro por não prevenir a prática de trabalho escravo moderno, no caso da Fazenda Brasil Verde, onde restou ressaltado que "o Direito Internacional proíbe a escravidão, a servidão, o trabalho forçado e outras práticas análogas à escravidão. A proibição da escravidão e de práticas similares forma parte do Direito Internacional consuetudinário e do jus cogens. A proteção contra a escravidão é uma obrigação erga omnes e de cumprimento obrigatório por parte dos Estados, a qual emana das normas internacionais de direitos humanos. A proibição absoluta e inderrogável de submissão de pessoas a escravidão, servidão ou trabalho forçado está também estabelecida na Convenção Americana e em outros instrumentos internacionais dos quais o Brasil é parte."

Dessa forma, a erradicação do trabalho escravo é de vital importância em prol do trabalho digno e decente.

Em análise ao caso concreto, saliente-se que a partir do surgimento dos interesses metaindividuais, a personalidade em sua acepção difusa passou a ser protegida pelo ordenamento jurídico vigente, extrapolando o dano moral o conceito de sofrimento pessoal, passando a denotar ofensa aos valores fundamentais inerentes à coletividade.

No mesmo sentido, lição do ilustre Carlos Alberto Bittar Filho: "... quando se fala em dano moral coletivo, está se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificado do ponto de vista jurídico".Estes direitos, estando suscetíveis de lesão por atos ilícitos, dão ensejo à reparação de ordem cível. Reparação esta, fruto de uma evolução da responsabilidade civil, que tem mais o escopo preventivo pedagógico que compensatório.

Nesse cenário, a indenização por danos morais coletivos além de alertar a sociedade para a importância de se reprimir certas práticas nocivas, busca também compensar as repercussões negativas daí decorrentes, concorrendo para uma cultura de respeito ao acervo de bens morais, peculiares a cada trabalhador e à própria coletividade.

No tocante ao dano moral coletivo, faz-se necessária a existência dos requisitos que, segundo o insigne doutrinador Xisto Tiago de Medeiros, são:"(1) conduta antijurídica (ação ou omissão) do agente, pessoa física ou jurídica; (2) ofensa significativa e intolerável a interesses extrapatrimoniais, identificados no caso concreto, reconhecidos e inequivocamente compartilhados por uma determinada coletividade; (3) a percepção do dano causado, correspondente aos efeitos que, ipso facto, emergem coletivamente, traduzidos pela sensação de desvalor, de indignação, de menosprezo, de repulsa, de inferioridade, de descrédito, de desesperança, de aflição, de humilhação, de angústia ou respeitante a qualquer outra consequência de apreciável conteúdo negativo; (4) o nexo causal observado entre a conduta ofensiva e a lesão socialmente apreendida e repudiada."

No caso em tela, restaram presentes os pressupostos para a configuração do dano moral coletivo, uma vez que o conjunto de provas coletadas demonstrou que as Demandadas incorreram em diversas ilicitudes, em especial no que tange à vulneração do princípio da dignidade humana, haja vista a constatação de ocorrência de labor em condições análogas à de escravo e adolescentes flagrados em condições degradantes de moradia e trabalho, em flagrante fraude aos direitos trabalhistas, motivo pelo qual deve ser mantida a decisão de origem que as condenou ao pagamento da indenização, que se reveste de efeito punitivo, pedagógico, inibidor e educativo, para preservar o respeito aos direitos dos trabalhadores e à legislação trabalhista.

Nesse toar, acertado o comando sentencial ao destacar que "as condutas das empresas demandadas, ao submeterem trabalhadores a condições degradantes de trabalho, nela incluídas situações análogas à escravidão e o labor infantil, mediante o descumprimento de normas trabalhistas de saúde e higiene, não só foram graves o suficiente para violarem os direitos da personalidade de cada empregado lesado, como também tiveram potencial para causar enorme dano social, gerando reprovação não só da coletividade de trabalhadores, mas de toda a sociedade, ferindo o senso ético médio da população. Ressalte-se ser mais amplo o objetivo da presente Ação Civil Pública do que a defesa dos direitos de um ou alguns trabalhadores, uma vez que a ofensa perpetrada - submeter pessoas a condições degradantes de trabalho - transcende a esfera individual, tendo em vista que a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho são fundamentos da República Federativa do Brasil, resultando em uma lesão a valores e bens fundamentais para toda a sociedade brasileira."

Assim, em sendo mantida a condenação quanto ao dano moral coletivo e diante das circunstâncias fáticas que foram objeto de apuração, tais como a privação da liberdade dos obreiros e adolescentes flagrados em condições degradantes de moradia e trabalho, considerando, ainda, a dimensão da lesão extrapatrimonial, o grau da culpa das Empresas-Rés e o escopo preventivo e pedagógico da condenação, tem-se como mais razoável, moderado e adequado, majorar o valor arbitrado no comando sentencial para a quantia de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais).

E, ainda, no caso concreto, como já mencionado no tópico anterior, não pode haver prejuízo da responsabilidade pela compensação dos danos individualmente sofridos. Quanto a tais importes individuais para cada um dos trabalhadores aliciados, no montante de "R$ 50.000,00 para cada um dos trabalhadores resgatados em condições laborais análogas à escravidão (CÍCERO DA SILVA DOS SANTOS e DIOMA MOURA DOS SANTOS) e para os que eram adolescentes à época da ocorrência fiscalizatória das condições degradantes de labor (DOUGLAS LISBOA DA SILVA, MATEUS MARCOS DOS SANTOS e RAFAEL HILÁRIO SILVA NETO); e em R$ 20.000,00 para cada um dos outros 9 trabalhadores flagrados na frente de trabalho da pedreira do Sítio Cachinho, também em condições degradantes de trabalho", sob as mesmas bases fundamentadas no parágrafo anterior, entende-se que tais quantias merecem ser, de igual modo majoradas, para os valores de R$ 70.000,00 para cada um dos trabalhadores resgatados em condições laborais análogas à escravidão e para os que eram adolescentes à época da ocorrência fiscalizatória das condições degradantes de labor; e em R$ 30.000,00 para cada um dos outros 9 trabalhadores flagrados na frente de trabalho da pedreira do Sítio Cachinho, também em condições degradantes de trabalho.

Quanto às astreintes, o pedido de sua redução foi genérico, limitando-se a postular a redução do seu valor, arbitrado em "R$ 10.000,00 em relação àquelas que envolvam trabalhadores de forma individual, sendo tal valor devido por cada infração relacionada a cada trabalhador. No pertinente às demais obrigações de fazer, fixo astreintes no valor de R$ 50.000,00 pelo descumprimento das obrigações". Dessa forma, considera-se os valores quantificados, adequados para o fim a que se destina a norma processual de regência, qual seja, de coagir as Rés a cumprirem sua obrigação no menor prazo possível, contudo, ponderado e razoável se mostra limitar a soma da multa ao valor do dano moral coletivo, ora elevado ao montante de R$ 700.000,00.

Por fim, quanto ao pedido final do Autor, explicita-se que já houve determinação na sentença para que os valores da condenação em pecúnia relativos ao ressarcimento dos danos causados a interesses difusos e/ou coletivos, objeto desta Ação Civil Pública, sejam revertidos "em favor de entidades cuja atuação em prol dos interesses dos trabalhadores permita a recomposição do dano coletivo e difuso, oportunamente indicadas pelo Ministério Público do Trabalho e pela Defensoria Pública da União, aprovadas por esse Juízo."

Portanto, reforma-se o comando sentencial para majorar o valor arbitrado no comando sentencial a título de dano moral coletivo para a quantia de R$ 700.000,00, bem como, para aumentar os importes individuais para cada um dos trabalhadores aliciados, para o montante de R$ 70.000,00 para cada um dos empregados resgatados em condições laborais análogas à escravidão e para os que eram adolescentes à época da ocorrência fiscalizatória das condições degradantes de labor; e em R$ 30.000,00 para cada um dos outros 9 trabalhadores flagrados na frente de trabalho da pedreira do Sítio Cachinho, também em condições degradantes de trabalho e, por fim, limitar a soma de astreintes ao valor do dano moral coletivo.

Item de recurso

Conclusão do recurso

Posto isso, conheço dos Recursos Ordinários e, no mérito, dou parcial provimento ao Recurso da Acionada para limitar a soma de astreintes ao valor do dano moral coletivo. Em relação ao Recurso do Ministério Público do Trabalho, dou-lhe parcial provimento para, majorar o valor arbitrado no comando sentencial a título de dano moral coletivo para a quantia de R$ 700.000,00, bem como, para aumentar os importes individuais para cada um dos trabalhadores aliciados, para o montante de R$ 70.000,00 para cada um dos empregados resgatados em condições laborais análogas à escravidão e para os que eram adolescentes à época da ocorrência fiscalizatória das condições degradantes de labor; e em R$ 30.000,00 para cada um dos outros 9 trabalhadores flagrados na frente de trabalho da pedreira do Sítio Cachinho, também em condições degradantes de trabalho. No mais, mantém-se inalterado o decidido pelos fundamentos que lhe dão suporte.

ACÓRDÃO

Cabeçalho do acórdão

Acórdão

Acordam os Exmos. Srs. Desembargadores da 1ª Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região, por unanimidade, conhecer dos Recursos Ordinários e, no mérito, dar parcial provimento ao Recurso da Acionada para limitar a soma de astreintes ao valor do dano moral coletivo. Em relação ao Recurso do Ministério Público do Trabalho, dar-lhe parcial provimento para majorar o valor arbitrado no comando sentencial a título de dano moral coletivo para a quantia de R$ 700.000,00, bem como, para aumentar os importes individuais para cada um dos trabalhadores aliciados, para o montante de R$ 70.000,00 para cada um dos empregados resgatados em condições laborais análogas à escravidão e para os que eram adolescentes à época da ocorrência fiscalizatória das condições degradantes de labor; e em R$ 30.000,00 para cada um dos outros 9 trabalhadores flagrados na frente de trabalho da pedreira do Sítio Cachinho, também em condições degradantes de trabalho. No mais, mantém-se inalterado o decidido pelos fundamentos que lhe dão suporte.

Ocupou a Presidência na SESSÃO VIRTUAL a Exma. Desembargadora VILMA LEITE MACHADO AMORIM. Participaram, ainda, o (a) Exmo (a) Representante do Ministério Público do Trabalho da 20ª Região, o Exmo. Procurador ADSON SOUZA DO NASCIMENTO, bem como os Exmos. Desembargadores THENISSON DÓRIA (RELATOR) e JORGE ANTÔNIO ANDRADE CARDOSO (Convocado da 2ª Turma).

ASSINATURA

THENISSON SANTANA DÓRIA

Relator

VOTO VENCIDO

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trt-20/1642322246/inteiro-teor-1642322247