23 de Maio de 2024
- 2º Grau
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Detalhes
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS
Órgão 3ª Turma Criminal
Processo N. AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL XXXXX-97.2021.8.07.0000
AGRAVANTE (S) MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
AGRAVADO (S) CASSIO FERNANDO MOREIRA DE SOUZA
Relator Desembargador JESUINO RISSATO
Acórdão Nº 1338442
EMENTA
EXECUÇÃO PENAL. RECURSO DE AGRAVO. CONDENADO POR HOMICÍDIOS
QUALIFICADOS, CONSUMADO E TENTADO. PROGRESSÃO DE REGIME. MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI N.º 13.964/2019. REINCIDÊNCIA EM CRIME COMUM. LACUNA LEGAL. LEI POSTERIOR MAIS BENÉFICA. DECISÃO MANTIDA.
1.A nova redação doart. 112 da Lei de Execucoes Penais, dada pela Lei n.º 13.964/2019,estabelece
como condição para a progressão de regime prisional, no caso de condenado por delito hediondo e
equiparado sem resultado morte, o resgate da fração de40% (quarenta por cento) da penapara o
apenado primário, e60% (sessenta por cento) para o reincidente na prática de crime hediondo ou
equiparado, bem como a fração de 50% (cinquenta por cento) da pena para o apenado primário, e 70% (setenta por cento) para o reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado com resultado
morte.
2. Diante da lacuna legal, para o condenado por homicídios qualificados consumado e tentado,
reincidente em delitos comuns (não hediondos ou equiparados), impõe-se aplicar os requisitos
temporais de 40% (quarenta por cento) e 50% (cinquenta por cento) do cumprimento da pena para fins de progressão prisional, percentuais previstos ao primário sentenciado por crime hediondo ou
equiparado sem e com resultado morte, respectivamente (art. 112, inc. V e VI, alínea a, da LEP), por serem estas as hipóteses que melhor se adequam à situação do apenado, sem lhe trazer prejuízo.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Desembargadores do (a) 3ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios, JESUINO RISSATO - Relator, WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR - 1º
Vogal e SEBASTIÃO COELHO - 2º Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora NILSONI DE FREITAS CUSTODIO, em proferir a seguinte decisão: CONHECIDO. IMPROVIDO.
UNÂNIME., de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 13 de Maio de 2021
Desembargador JESUINO RISSATO
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de agravo em execução interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO
FEDERAL E TERRITÓRIOS em face da decisão proferida pelo MM. Juiz da Vara de Execuções das Penais do Distrito Federal, que determinou a aplicação retroativa do art. 112, inc. V e VI, da Lei de
Execuções Penais, com nova redação dada pela Lei n.º 13.964/2019, a fim de retificar o percentual
exigido para progressão de regime prisional, aplicando o percentual de 40% da pena do crime hediondo sem resultado morte e a razão de 50% da pena do crime hediondo com resultado morte, para o apenado CASSIO FERNANDO MOREIRA DE SOUZA, condenado pela prática dos crimes de comuns e
hediondos, com e sem resultado morte (ID XXXXX - Pág. 18/19).
Em suas razões recursais (ID XXXXX - Pág. 2/13), o Ministério Público aduz que a Lei n.º
13.964/2019 deve ser interpretada conforme a sua finalidade, devendo-se afastar qualquer possibilidade de aplicação retroativa em benefício do apenado, especialmente no que se refere à redução da fração da progressão de regime para o caso de condenados pela prática de crime hediondo que ostente a
reincidência como condição pessoal.
Acrescenta que, pelo contexto social, histórico, jurídico e político que envolveu a criação do “Pacote
Anticrime”, não é razoável entender que o novo percentual de 70% somente poderia ser aplicado em
caso de apenado reincidente específico em crimes hediondos ou equiparados, sendo, para os demais,
aplicado o percentual de 50%.
Assim, pugna pelo afastamento da incidência retroativa da Lei n.º 13.964/2019 em relação às
execuções decorrentes da prática de crimes hediondos e equiparados, com e sem resulta morte, com
manutenção da fração de 3/5 (60%) para o cálculo da progressão, pois o termo “reincidência
específica” não é utilizado na nova redação legal.
Em contrarrazões (ID XXXXX - Pág. 20/31), a Defesa pugnou pelo conhecimento e improvimento do recurso.
O juízo a quo rechaçou os argumentos levantados pelo recorrente, mantendo, na íntegra, a decisão
vergastada (ID XXXXX - Pág. 197).
É o relatório.
VOTOS
O Senhor Desembargador JESUINO RISSATO - Relator
Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
Seguindo os ditames da Constituição Federal e do Código Penal, o juiz individualiza a conduta
criminosa praticada pelo agente, a fim de estabelecer a sanção necessária e suficiente para a
repreensão e reprovação do fato criminoso (art. 5º, inc. XLVI, da CF e art. 59, CP). No âmbito da
execução penal, a individualização da pena visa alcançar a harmônica reintegração social do
condenado (artigos 1º, 5º, 8º, 41, inc. XII, 92, parágrafo único, alínea b, da LEP).
Nesse contexto de individualização da reprimenda, se na data da prática do crime, o sentenciado era
primário, o juízo de reprovabilidade sobre a conduta é menor, e consequentemente se tornam mais
brandas as diretrizes da execução penal (artigos 84, § 3º, inc. III, 123, inc. II, da LEP).
Por seu turno, se o agente comete nova infração penal após já ter sido condenado definitivamente por crime anterior (art. 63, CP), a sua condição de reincidente torna-se decisiva no cálculo de sua pena,
que invariavelmente será maior, assim como ficarão enrijecidos os critérios para benefícios da
execução penal, dentre eles a progressão de regime prisional.
A reincidência pode ser classificada em genérica e específica, conforme o crime subsequente seja, ou não, da mesma espécie do anteriormente praticado. Essa distinção é relevante, porque a reincidência específica recebe tratamento jurídico mais severo.
Para exemplificar, cito o art. 44, § 3º, do Código Penal, que trata da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, onde se preceitua que “se o condenado for reincidente, o juiz
poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime”.
Na mesma etiologia, o art. 83, inc. V, do Estatuto Repressivo exige, para o livramento condicional, o cumprimento de “mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for
reincidente específico em crimes dessa natureza”.
No que diz respeito ao sistema progressivo de execução da reprimenda corporal, a antiga redação do art. 112, caput, da Lei de Execução Penal trazia como requisito objetivo para a progressão de regime prisional, a obrigatoriedade de cumprimento, regra geral, de mais de 1/6 (um sexto) do total da sanção no regime anteriormente imposto.
2º, da Lei n.º 8.072/1990). A reincidência, portanto, era fator de diferenciação para o emprego da
fração mais grave de progressão (três quintos) apenas para o delito hediondo ou equiparado, cujo
dispositivo legal não criava distinção entre a reincidência genérica e específica.
No entanto, a Lei n.º 13.964/2019, intitulada Pacote Anticrime, expressamente revogou o
supramencionado art. 2º, § 2º, da Lei de Crimes Hediondos (art. 19, Lei n.º 13.964/2019), ao tempo
em que modificou, em parte, o art. 112, Lei de Execucoes Penais, criando outras condicionantes para a transferência para regime prisional menos rigoroso, in verbis:
Art. 112, LEP: A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a
transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso
tiver cumprido ao menos (Redação dada pela Lei n.º 13.964, de 2019):
I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido
cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça;
II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido sem
violência à pessoa ou grave ameaça
III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido
cometido com violência à pessoa ou grave ameaça
IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime cometido com
violência à pessoa ou grave ameaça;
V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de
crime hediondo ou equiparado, se for primário.
VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte,
se for primário, vedado o livramento condicional;
b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa
estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou
c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;
VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de
crime hediondo ou equiparado ;
VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime
hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional .
§ 1º Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar boa
conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas
que vedam a progressão.
§ 2º A decisão do juiz que determinar a progressão de regime será sempre motivada e
precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor, procedimento que
também será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de
penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes (grifou-se).
Como se vê, a nova lei prevê uma gradação mais ampla de frações da pena a serem cumpridas para
possibilitar o abrandamento de regime (entre 16% a 70%), conforme a gravidade do crime condenado, com o emprego ou não de violência à pessoa, o caráter hediondo e o resultado morte, observando-se, ainda, como critérios de definição dos requisitos temporais, a primariedade e a reincidência.
Com efeito, dentre os instrumentos disponíveis, a fração da progressão de regime das infrações
hediondas e equiparadas que não resultam em morte, em caso de o condenado ser primário, foi
convertida para 40% da pena (antigos 2/5), e para o apenado “reincidente em delito hediondo ou
equiparado”, em 60% da sanção (ou 3/5) (art. 112, incs. V e VII, da LEP).
No mais, quanto aos crimes hediondos e equiparados, ainda existem parâmetros de progressão para as infrações com resultado morte, a saber: 50% (cinquenta por cento), para o primário (art. 112, inc. VI, da LEP), e 70% (setenta por cento), para o reincidente em crime hediondo ou equiparado com
resultado morte (art. 112, inc. VIII, da LEP), vedado o livramento condicional em ambos os casos.
Em todas as hipóteses em que estabelece a reincidência como fator de definição do requisito objetivo para progressão de regime, a nova regra reivindica a reincidência específica. Esse é o caso dos incisos II (reincidente em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça), IV (reincidente em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça), VII (reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado) e VIII (reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte), do art. 112,
Na hipótese dos autos (ID XXXXX - Pág. 14/20), o sentenciado CASSIO FERNANDO MOREIRA DE SOUZA foi condenado à pena de 11 (onze) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime de homicídio qualificado tentado e corrupção de menores (art. 121, § 2º, IV, c/c o art. 14, II, do CP e art. 244-B da Lei n.º 8.069/90), com trânsito em julgado
definitivo em 10/04/2014, correspondente à execução penal n.º XXXXX-95.2014.8.07.0015 .
Posteriormente, sobreveio nova execução referente à sanção corporal de 15 (quinze) anos e 6 (seis)
meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime de homicídio qualificado
consumado (artigo 121, § 2º, I e IV, do Código Penal), com trânsito em julgado definitivo em
16/03/2015, referente à execução penal n.º XXXXX-48.2014.8.07.0015.
Em seguida, adveio a execução n.º XXXXX-18.2017.8.07.0015, relativa à condenação do agravante à pena de 32 (trinta e dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial fechado, por incurso nos crimes de homicídio qualificado consumado e tentado (art. 121, § 2º, I, do CP, e art. 121, § 2º, I, c/c
art. 14, II, ambos do CP).
Por consistir em delitos hediondos, e sendo o apenado reincidente, o Juízo de Execuções Penais do
Distrito Federal, inicialmente, havia estabelecido a fração de 3/5 (três quintos) para progressão de
regime prisional (art. 2º, § 2º, Lei n.º 8.072/1990).
No entanto, diante da modificação legislativa, e considerando que incumbe ao Juízo da Execução
Penal empregar lei posterior que favoreça o condenado (art. 61, inc. I, da LEP), o juiz singular
acolheu o pedido defensivo e aplicou retroativamente a mais benéfica Lei n.º 13.964/2019, impondo o percentual progressivo de 40% (quarenta por cento) das penas correspondentes aos delitos hediondo e equiparado sem resultado morte, e 50% (cinquenta por cento) da pena correspondente ao delito
hediondo com resultado morte, mesmo em se tratando de sentenciado reincidente.
Segundo consignou a decisão atacada (ID XXXXX - Pág. 26/27):
passou a ser exigível apenas do condenado "reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado" (inv. VII do art. 112 da LEP), o que força a conclusão de que aquele que não for reincidente em crime hediondo ou equiparado, ainda que não seja primário,
sujeitar-se-á à fração de 40% determinada pelo inciso V do art. 112 da LEP.
Entender de maneira diversa seria alargar, em prejuízo do sentenciado, o alcance da
previsão legal de patamar mais gravoso para a progressão.
É o caso em tela, pois apesar da reincidência ter sido reconhecida, percebo que o crime
anterior não se insere no rol de crimes hediondos ou a eles equiparados. Vale dizer, não
há reincidência específica.
Nessa esteira, em observância ao art. 5º, XL, da Constituição da Republica, a nova regra mais benéfica deve retroagir.
Por fim, descabe a aplicação da nova lei à integralidade das penas em execução. Com
efeito, não se está a combinar leis no presente caso, uma vez que, para aferir se é benéfica a novidade legislativa, deve-se levar em conta, isoladamente, cada fato criminoso
praticado pelo sentenciado. Fica patente, assim, a distinção que deve ser traçada quanto à combinação de leis no tráfico de drogas. Isso porque lá, de fato, alguns julgadores
procederam à incidência de duas leis sucessivas para aquilatar as consequências de um
mesmo e único fato, entendimento que acabou corretamente rechaçado nas instâncias
superiores.
Reforça essa linha de raciocínio a constatação de que, quanto à Lei 13.654/18 (que
promoveu alterações no art. 157 do CP, dentre outros), por exemplo, considera-se a
individualidade de cada fato criminoso, e não todos os delitos pelos quais condenado o
sentenciado. Vale dizer, para o roubo retroação para incrementar a pena de outro roubo
com arma de fogo (agora apenado mais gravosamente que antes) praticado pelo mesmo
sentenciado.
Outro exemplo a tornar irrefutável a constatação de que não há combinação de leis na
espécie pode ser observado a partir da seguinte situação hipotética, mas que é regra na
expiação das penas: imagine-se um indivíduo condenado por dois crimes de roubo, ambos praticados antes do advento da Lei n.º 13.964/19. Aporta aos autos, então, nova carta de
guia veiculando pena por novo crime de roubo, praticado agora já na condição de
reincidente e sob a égide da Lei n.º 13.964/19.
Em situação tal, será exigido do sentenciado para fins de progressão, quanto à pena pelo novo roubo, o cumprimento de 30% da pena imposta, sem que, com isso, se possa cogitar da aplicação retroativa do apelidado Pacote Anticrime para, em virtude da vedação a uma suposta combinação de leis, impor a observância da lei mais gravosa para fatos que lhe
são anteriores. Como resultado, então, teremos mais de uma lei regendo o benefício da
progressão de regime. Para os roubos anteriores, a progressão ocorrerá com o
cumprimento de 1/6 da pena, conforme redação antiga da LEP. Para o roubo praticado
recentemente, a progressão obedecerá o disposto na nova lei. Em situações dessa
natureza, que, de resto, são desde sempre absolutamente comuns na execução penal,
nunca se alegou, como agora o faz o Ministério Público, uma suposta combinação de leis distintas (isso sim vedado pela jurisprudência dominante).
Não há que se falar, por fim, em violação à proibição de proteção deficiente. O
tratamento dado pela lei aos crimes hediondos e equiparados continua mais gravoso que
aquele dispensado aos crimes comuns.
XXXXX-95.2014.8.07.0015 e XXXXX-18.2017.8.07.0015, esta quanto ao homicídio
tentado), bem assim para fazer incidir retroativamente o art. 112, inc. VI, alínea ‘a’, com
redação determinada pela mesma lei, para que se observe o importe de 50% da pena
hedionda com resultado morte (ações penais XXXXX-48.2014.8.07.0015 e
XXXXX-18.2017.8.07.0015, esta quanto ao homicídio consumado). [...].
Por certo, conforme apontou o Ministério Público, há indicações de que a intenção do legislador ao
elaborar a Lei n.º 13.964/2019, proveniente de um projeto do Governo Federal denominado “Pacote
Anticrime”, foi a de reduzir a criminalidade, endurecendo-se o tratamento conferido aos condenados por crimes mais graves, com maior robustez nas regras para progressão de regime prisional.
Contudo, não obstante a pretensão da Promotoria de Justiça a respeito da interpretação teleológica da nova legislação (Lei n.º 13.964/2019), o art. 3º, Código de Processo Penal dispõe que “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”. Por seu turno, o art. 4º, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro rege que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, costumes e princípios gerais de direito”.
Nessa intelecção, somente nas situações em que a lei for falha ou omissa, será cabível utilizar-se de
integração para suprir as lacunas dos preceitos legais, mas ao contrário do que defende o recorrente,
esta jamais poderá ser invocada laconicamente para prejudicar o condenado, notadamente quando o
texto legal deixar claro o alcance e limites de sua aplicação, até porque se deve adotar a legalidade
estrita na esfera penal (art. 5º, incs. II, XXXIX, XL da CF e art. 1º, CP).
Na espécie, pela literalidade do disposto no art. 112, inc. VIII, da Lei de Execucoes Penais, incluído
pela nova norma em questão (Lei n.º 13.964/2019), para que a progressão de regime ocorra no
patamar de 60% (sessenta por cento ou três quintos) da pena, no caso de crime hediondo ou
equiparado sem resultado morte, como acontece com os homicídios tentados, o delito que ensejou a
reincidência deve ser igualmente hediondo ou equiparado (art. 112, inc. VII, da LEP).
Com igualdade, para que a progressão de regime ocorra no patamar de 70% (setenta por cento) da
pena, no caso de crime hediondo ou equiparado com resultado morte, como acontece com os
homicídios qualificados consumados, o delito que ensejou a reincidência também deve ser hediondo
ou equiparado com resultado morte (art. 112, inc. VIII, da LEP).
De fato, embora não conste no texto legal o termo “reincidência específica”, conforme sustentou o
Órgão Ministerial, não há dúvida de que os dispositivos legais ora tratados a exijam, ao estabelecer
que as porcentagens fixadas se destinam ao apenado reincidente em crime hediondo ou equiparado
sem e com resultado morte. No mesmo sentido, a limitada doutrina sobre o tema se inclina pela
necessidade da reincidência específica para aplicação do percentual maior de progressão de regime.
Confira-se:
[...] Quando ainda em vigor o § 2ºº do art. 2ºº da Lei n.º 8.072 2/90, o indivíduo condenado
pela prática de crime hediondo ou equiparado que fosse reincidente era obrigado a
cumprir 3/5 (três quinto) da pena para fins de progressão de regimes. Como a lei, à época,
falava apenas em reincidência, sem fazer qualquer ressalva quanto à espécie – genérica ou
específica –, era dominante o entendimento de que seu regramento era válido para ambas
as hipóteses. Em sentido diverso, o inciso VII do art. 112 da LEP, com redação
determinada pelo Pacote Anticrime, é categórico ao apontar o patamar de 60% (sessenta
por cento) para o apenado reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado. Como
se pode notar, trata-se de reincidência específica em crimes dessa natureza, não
necessariamente no mesmo delito [...]. Logo, na hipótese de se tratar de apenado já
condenado irrecorrivelmente por um crime qualquer (v.g., furto qualificado) que vier a
cometer novo delito, desta vez hediondo ou equiparado, não se revela possível a aplicação
do inciso VII do art. 112 da LEP, devendo ser aplicado [...] o patamar previsto no inciso
V, qual seja, 40% (quarenta por cento), desde que do crime hediondo (ou equiparado) não
tenha resultado morte, hipótese esta em que seria aplicável o percentual de 50%
(cinquenta por cento) constante do art. 112 2, inc. VI, alínea a, da LEP P. (LIMA, Renato
Brasileiro. Pacote Anticrime: Comentários à Lei 13.964/2019 – Artigo por Artigo.
Salvador: JusPodivm, 2020, p. 394).
Na prática, a exigência da reincidência específica para atingir os requisitos objetivos de 60% (sessenta por cento) e 70% (sessenta por cento) acabou beneficiando o apenado por delito de natureza hedionda ou equiparada sem e com resultado morte, respectivamente, condenado por crime pretérito diverso,
para quem o antigo regramento, agora revogado, previa a fração de progressão em 3/5 (três quintos), equivalentes a 60% (sessenta por cento) da sanção corporal (art. 2º, § 2º, Lei n. 8.072/1990).
Por outro lado, o art. 112, incs. V e VI, alínea a, da Lei de Execucoes Penais, aplicado ao caso
concreto pelo juiz singular, reclama o cumprimento das frações de 40% (quarenta por cento) da
reprimenda, para que os primários, condenados por delito hediondo ou equiparado sem resultado
morte e de 50% (cinquenta por cento) da reprimenda, para que os primários, condenados pelos
referidos delitos com resultado morte, alcancem o lapso temporal para a transferência de regime
prisional.
Em que pese esses últimos dispositivos legais (art. 112, incs. V e VI, alínea a, da LEP) não se
amoldem perfeitamente à situação do reeducando, o qual ostenta condenações pretéritas por infrações comuns, por força dos princípios da legalidade, individualização da pena e vedação à interpretação
extensiva in malam partem, o órgão judicante não pode, no cenário de lacuna da lei, e sob o pretexto de preservar a vontade do legislador ou responder aos anseios sociais, prejudicar o sentenciado
empregando a ele a regra mais rigorosa, que foi prevista especificamente ao reincidente específico.
Não vinga, por derradeiro, o pleito do Ministério Público de afastamento da moderna legislação (Lei n.º 13.964/2019), diante da ausência de previsão no atual Pacote Anticrime sobre a situação do
reincidente em espécie delitiva diversa do hediondo ou equiparado (crime comum).
O art. 19, Lei n.º 13.964/2019, textualmente revogou o art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/1990, o qual fixava padrões mais graves de progressão para o reincidente - genérico ou específico - sentenciado por
crimes hediondos ou equiparados. Nessa dicção, o art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas de
Direito Brasileiro disciplina que: “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare
[...]”.
Como se sabe, nosso ordenamento jurídico não admite a repristinação de norma já revogada, nos
termos do art. 2º, § 3º, da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, que dispõe “salvo
disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.
No caso, o afastamento da incidência da Lei n.º 13.964/2019, à luz do que almeja o órgão ministerial, resultaria em um vácuo legislativo que obrigatoriamente conduziria à retomada da vigência do
expressamente revogado art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/1990, situação incabível e que ultrapassaria os
limites da atividade judicatória, bordejando interferência indevida em atos do Poder Legislativo.
Por conseguinte, diante da lacuna legal, para o condenado por crime hediondo sem resultado morte,
reincidente em delito comum, impõe-se o requisito temporal de 40% (quarenta por cento) do
cumprimento da pena para fins de progressão de regime prisional, e 50% (cinquenta por cento) da
pena hedionda com resultado morte (art. 112, incs. V e VI, alínea a, da LEP), por serem estas as
hipóteses que melhor se adequam à situação do apenado, sem lhe trazer qualquer prejuízo.
É como voto.
O Senhor Desembargador WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR - 1º Vogal Com o relator
O Senhor Desembargador SEBASTIÃO COELHO - 2º Vogal
Com o relator
DECISÃO
CONHECIDO. IMPROVIDO. UNÂNIME.