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2 de Maio de 2024

Algemas nos braços, choques elétricos e golpes nas costas com o papalégua

Publicado por Espaço Vital
há 13 anos

O TJRS disponibilizou, na sexta-feira (29) a íntegra do acórdão da 5ª Câmara Cível que condenou o Estado do RS por crime de tortura ocorrido em 1970 contra o então jovem (16 de idade) Airton José Frigeri, hoje exercendo a profissão de contador em Caxias do Sul.

O julgado reformou sentença proferida pela Maria Aline Fonseca Bruttomesso que aplicou a prescrição.

No acórdão, o desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto (foto) sustentou que crime de tortura não pode prescrever, isto é, pode haver punição a qualquer momento, independente de quando tenha sido praticado. Na mesma linha votaram os desembargadores Romeu Marques Ribeiro Filho e Isabel Dias de Almeida.

A chamada Lei da Tortura, de 1997, não estabelece se há prescrição ou não. O Brasil é signatário de tratados internacionais que definem tortura como crime contra a humanidade portanto, imprescritíveis.

Em abril do ano passado, porém, o STF validou a Lei da Anistia para casos de tortura durante o regime militar. Em dezembro, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos condenou o Brasil pelo desaparecimento de militantes na Guerrilha do Araguaia, reconhecendo os fatos como crimes contra a humanidade.

Para o desembargador, é esta a interpretação que deve prevalecer. A Constituição e o fato de o Brasil ter aderido a uma resolução das Nações Unidas com relação à não prática da tortura fazem concluir que este fato em si é imprescritível. Não é um tipo de ilícito que se possa acabar. É algo que permanece e a todo tempo pode ser apurado, afirma Jorge do Canto.

A decisão do TJRS se deu na esfera cível, mas os militantes de direitos humanos vêem a chance de o debate ser levado para a esfera criminal abrindo caminho para a punição de torturadores.

Numa entrevista ao saite IG, o magistrado gaúcho Jorge do Canto evita comentar os eventuais desdobramentos, mas reconhece que sua decisão pode influenciar no debate. Não desconheço isso. Inclusive já me perguntaram como fica a Comissão da Verdade, se passa a ser um março para isso. Não sou eu o canal para isso. Mais que a questão da imprescritibilidade, o mais importante é que foi reconhecido na decisão que nós seguimos os ordenamentos internacionais. E a nossa Constituição garante ao cidadão que ele está protegido da tortura, protegido de penas cruéis por parte do Estado. Esse é o ponto mais relevante da decisão, reforça.

O desembargador também admite que outras pessoas poderão buscar indenização por danos morais ou a revisão de valores já recebidos. Se vão ser acolhidas suas pretensões, vai depender dos fatos. Existem situações e situações. Que pode abrir essa janela, pode, avalia. Jorge do Canto afirma ainda que a decisao do TJ-RS pode abrir espaço para que vítimas de tortura por parte das forças policiais, nos dias de hoje, também busquem reparação.

Leia a íntegra do acórdão

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. TORTURA. REPRESSÃO POR PARTE DOS AGENTES DO ESTADO. MÉTODOS DESUMANOS DE TRATAMENTO AO INDIVÍDUO DETIDO PELO APARATO ESTATAL QUE EXTRAPOLAM AS FUNÇÕES DO PODER DE POLÍCIA. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. QUANTUM. IMPRESCRITIBILIDADE RECONHECIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

Da imprescritibilidade dos direitos e garantias fundamentais

1. Merece reparo a decisão singular que julgou extinto o feito em razão do reconhecimento da prescrição do direito de ação, aplicando ao caso dos autos o Decreto nº 20.910 de 1932, porquanto constatada a imprescritibilidade da demanda que visa reparar danos morais decorrentes de tortura praticada durante período de exceção do Estado, cujos agentes públicos extrapolaram os poderes de polícia, utilizando métodos desumanos para obter objetivos escusos.

2. Com efeito, adotar a prescrição qüinqüenal com base no Decreto nº 20.910 de 1932 é destituir a força normativa da Constituição, e reconhecer a aplicabilidade de norma de conteúdo valorativo inferior em detrimento de princípio de maior valor consagrado na Carta Magna.

3. A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, e a tortura o mais expressivo atentado a esse pilar da República, de sorte que reconhecer a imprescritibilidade dessa lesão é uma das formas de dar efetividade à missão de um Estado Democrático de Direito, reparando odiosas desumanidades praticadas na época em que o país convivia com um governo autoritário e a supressão de liberdades individuais consagradas.

4. Constata-se a existência de um núcleo essencial de direitos fundamentais que não permite ser atingido por qualquer tipo de interpretação, e o princípio orientador desse núcleo será justamente o princípio da dignidade da pessoa humana. Desta forma, somente será possível limitar um direito fundamental até o ponto de o princípio da dignidade da pessoa humana não for agredido, porquanto existem direitos fundamentais considerados absolutos.

5. A vedação a tortura deve ser considerada um direito fundamental absoluto, pois a mínima prática de sevicias já é capaz de atingir frontalmente a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido é o proclamado no art. 2º da declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra a tortura, que dispõe que todo ato de tortura ou outro tratamento ou pena cruel, desumano ou degradante constitui uma ofensa à dignidade humana e será condenado como violação dos propósitos da Carta das Nações Unidas e dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Proclamados na Declaração Universal de Direitos Humanos. Assim, rejeita-se a prefacial de prescrição, pois este instituto é incompatível com o tema em discussão, na medida em que versa sobre direito inalienável sem prazo para o exercício.

6. Possibilidade de reexame amplo da matéria neste grau de Jurisdição, por se tratar de questões preponderantemente de direito e presentes os requisitos necessários para o julgamento da lide, conforme alude os artigos 330, I, 515, § 1º e 516, do CPC.

Mérito do recurso em exame

7. O Estado do Rio Grande do Sul tem responsabilidade de ordem objetiva pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, no termos do § 6º do art. 37 da CF.

8. O Estado demandado apenas se desonera do dever de indenizar caso comprove a ausência de nexo causal, ou seja, prove a culpa exclusiva da vítima, fato exclusivo de terceiro, caso fortuito ou força maior.

9. Presente nos autos a conduta ilícita dos agentes responsáveis pela investigação, porquanto agiram com flagrante excesso ao poder de polícia, salvaguardados pelo regime ditatorial vigorante à época.

10. Com relação ao direito à indenização, esta matéria é ponto incontroverso da lide, a teor do que estabelece o art. 334, II, do CPC, tendo em vista que houve o reconhecimento administrativo por parte do Estado da existência de conduta ilícita por parte de seus agentes públicos, consubstanciado na prática de tortura, física e psíquica, cujo nexo causal também restou inconteste quanto a ter ocasionado os danos de ordem psicológica e atinente a saúde física da parte autora.

11. Portanto, no caso dos autos configurada a prática do delito hediondo de tortura por parte dos agentes públicos, os quais teriam a responsabilidade de garantir a incolumidade física e mental do cidadão mediante o poder de polícia, e não ao contrário, ocasionar a mais vil das lesões ao espírito humano, ou seja, submeter determinada pessoa, impotente e desprotegida, as sevicias de um estado totalitário e sem respeito às garantias mínimas que asseguram o direito à vida e à dignidade humana, princípios estes subjugados por uma violência irracional e desproporcional.

12. A matéria controvertida diz respeito há apenas dois pontos: o primeiro deles é quanto à abrangência dos danos reconhecidos mediante a Lei Estadual nº 11.042/1997, ou seja, o que foi objeto de indenização e se nesta estaria subsumida a indenização por dano imaterial pleiteada na presente ação. O outro vértice a ser analisado no presente feito é o que diz respeito à extensão dos prejuízos causados, isto é, se o valor pago à parte autora a título de indenização pelos fatos ocorridos nos calabouços da ditadura foi suficiente e proporcional ao dano em questão, bem como se serviram para reparar os prejuízos imanentes ao trauma vivenciado pela parte autora.

13. Tendo o autor formulado pedido administrativo para receber indenização por base na Lei 11.042 de 1997, e estabelecido que esta se limita a indenizar os danos físicos e psicológicos, não há qualquer óbice a reparação dos danos morais experimentados, pois estes podem ser aquinhoados em razão de vértices distintos.

14. Há que se reconhecer, igualmente, que os prejuízos causados excedem em muito o valor pago à parte autora a título de indenização pelos fatos ocorridos, bem como não se prestaram a reparar os danos imanentes, que só se evidenciaram em lapso temporal posterior ao pagamento da reparação.

15. Ademais, há que se ressaltar que na ocasião o autor foi contemplado com o limite máximo tarifariamente estabelecido em função dos horrores a que foi submetido na adolescência, pois contava como apenas 16 anos na ocasião, e teve esmagados naquela ocasião os seus ideais pela violência desproporcional e abusiva, própria daqueles que se escondem atrás dos títulos inerentes aos cargos públicos que ocupam para praticar o mal, valendo-se da máquina estatal e de vítimas indefesas para tanto.

16. No que tange à prova do dano moral por se tratar de lesão imaterial, desnecessária a demonstração do prejuízo, na medida em que possui natureza compensatória, minimizando de forma indireta as conseqüências da conduta do demandado, decorrendo aquele do próprio fato. Conduta ilícita do demandado que faz presumir os prejuízos alegados pela parte autora, é o denominado dano moral puro.

17. O valor da indenização a título de dano moral deve levar em conta questões fáticas, como as condições econômicas do ofendido e do ofensor, a extensão do prejuízo, além quantificação da culpa daquele, a fim de que não importe em ganho desmesurado.

Afastada a prescrição. Dado provimento ao apelo.

APELAÇÃO CÍVEL - QUINTA CÂMARA CÍVEL

Nº 70037772159 - COMARCA DE CAXIAS DO SUL

AIRTON JOEL FRIGERI - APELANTE

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, e afastar a prescrição e dar provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. ROMEU MARQUES RIBEIRO FILHO E DES.ª ISABEL DIAS ALMEIDA.

Porto Alegre, 20 de abril de 2011.

DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO,

Relator.

I-RELATÓRIO

DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO (RELATOR)

Trata-se de apelação interposta por AIRTON JOEL FRIGERI nos autos da ação de indenização por danos morais e materiais proposta em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.

Na decisão atacada (fls. 131-134) foi julgado extinto o feito, em razão da prescrição do direito de ação, forte no art. 20, § 4º, do CPC.

Em suas razões recursais (fls. 149-157) assegurou a parte autora que o direito à indenização por danos morais advindos de prisão indevida e tortura na época da ditadura militar é imprescritível.

Defendeu que inexiste qualquer limite à interposição de ação judicial em defesa da garantia constitucional da dignidade da pessoa humana.

Aduziu que o recebimento de valores na via administrativa não impede a busca de indenização através do judiciário, bem como que os valores decorrentes de decisões administrativas referem-se unicamente aos danos materiais experimentados pelas vítimas do regime militar, diante da impossibilidade de estudo e de trabalho.

Alegou que eventual proibição de acumulação de benefícios restringe-se àqueles com o mesmo fundamento, o que não é o caso em tela, haja vista que a indenização prevista na Lei Estadual refere-se à reparação econômica, e a presente demanda versa sobre reparação por danos morais.

Pleiteou a reforma da decisão singular.

Contra-razões às fls. 159-161, os autos foram remetidos a esta Corte.

O Ministério Público, em seu parecer (fls. 167-171) opinou pelo conhecimento e improvimento do recurso

de apelação.

Registro que foi observado o disposto nos arts. 549, 551 e 552 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

II-VOTOS

DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO (RELATOR)

Admissibilidade e objeto do recurso

Eminentes colegas, o recurso intentado objetiva a reforma da sentença de primeiro grau, versando a causa sobre indenização por danos morais em razão de tortura experimentada durante o regime autoritário instituído no país na ocasião dos fatos narrados na exordial.

Os pressupostos processuais foram atendidos, utilizado o recurso cabível, há interesse e legitimidade para recorrer, este é tempestivo, não sendo efetivado o preparo por ser o postulante beneficiário da gratuidade da justiça (fl. 63), inexistindo fato impeditivo do direito recursal, noticiado nos autos.

Assim, verificados os pressupostos legais, conheço do recurso intentado para o exame das questões suscitadas.

Da imprescritibilidade dos direitos e garantias fundamentais

Merece reparo a decisão singular que julgou extinto o feito em razão do reconhecimento da prescrição do direito de ação, aplicando ao caso dos autos o Decreto nº 20.910 de 1932, porquanto constatada a imprescritibilidade da demanda que visa reparar danos morais decorrentes de tortura praticada durante período de exceção do Estado, cujos agentes públicos extrapolaram os poderes de polícia, utilizando métodos desumanos para obter objetivos escusos, consoante razões a seguir alinhadas.

Inicialmente, cumpre salientar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada e proclamada pela resolução 217 A (III)

da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, anterior aos danos experimentados pelo autor, estabelece que toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, bem como que ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel,

desumano ou degradante, consoante arts. III e V da declaração.

Por seu turno, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, consagrado no art. , inciso III, da Carta Maior. Ainda, nossa Lei Fundamental consagra a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, bem como baliza que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, inciso III).

Portanto, sendo um dos pilares da República, a proteção à dignidade da pessoa humana perdura enquanto existente essa forma de governo, visto que se constitui em seu fundamento basilar.

Destarte, a Constituição Federal é norma de hierarquia superior, fonte de validade de todo o ordenamento jurídico, devendo se conferir a máxima eficácia as normas ali previstas, em especial os direitos e garantias fundamentais consagrados naquela Carta.

Sobre o princípio da máxima efetividade são os ensinamentos de Inocêncio Mártires Coelho[1]:

Estreitamente vinculado ao princípio da força normativa da Constituição, em relação ao qual configura um subprincípio, o cânone hermenêutico-constitucional máxima efetividade orienta os aplicadores da Lei Maior para que interpretem as suas normas em ordem a otimizar-lhes a eficácia, sem alterar o seu conteúdo.

De igual modo, veicula um apelo aos realizadores da Constituição para que em toda situação hermenêutica, sobretudo em sede de direitos fundamentais, procurem densificar os seus preceitos, sabidamente abertos e predispostos a interpretação expansivas.

Tendo em vista, por outro lado, que, nos casos concretos, a otimização de qualquer dos direitos fundamentais, em favor de determinado titular, poderá implicar a simultânea compressão, ou mesmo o sacrifício, de iguais direitos de outrem, direitos que constitucionalmente também exigem otimização o que, tudo somado, contraria a um só tempo tanto o princípio da unidade da Constituição quanto o da harmonização , em face disso, impõe-se harmonizar a máxima efetividade com essas e outras regras de interpretação, assim como impõe-se conciliar, quando em estado de conflito, quaisquer bens ou valores protegidos pela Constituição.

Luís Roberto Barroso[2] também fornece relevante conceito sobre o princípio interpretativo em tela:

(…) A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.

Nessa seara, cumpre salientar que o Superior Tribunal de Justiça há muito vem reconhecendo a imprescritibilidade do dano experimentado em razão de tortura durante o regime militar, consoante arestos a seguir transcritos:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. REGIME MILITAR. DISSIDENTE POLÍTICO PRESO NA ÉPOCA DO REGIME MILITAR. TORTURA. DANO MORAL. FATO NOTÓRIO. NEXO CAUSAL. NÃO INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL - ART. DECRETO 20.910/1932. IMPRESCRITIBILIDADE.

1. Ação ordinária proposta com objetivo de reconhecimento dos efeitos previdenciários e trabalhistas, acrescidos de danos materiais e morais, em face do Estado, pela prática de atos ilegítimos decorrentes de perseguições políticas perpetradas por ocasião do golpe militar de 1964, que culminaram na prisão do autor, bem como na sua tortura, cujas conseqüências alega irreparáveis.

2. Prova inequívoca da perseguição política à vítima e de imposição, por via oblíqua, de sobrevivência clandestina, atentando contra a dignidade da pessoa humana, acrescido do fato de ter sido atingida a sua capacidade laboral quando na prisão fora torturado, impedindo atualmente seu auto sustento.

3. A indenização pretendida tem amparo constitucional no art. 8º, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Precedentes.

4. Deveras, a tortura e morte são os mais expressivos atentados à dignidade da pessoa humana, valor erigido como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

5. Sob esse ângulo, dispõe a Constituição Federal: "Art. . A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana;""Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes;

(...) III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;" 6. Destarte, o egrégio STF assentou que: "...o delito de tortura - por comportar formas múltiplas de execução - caracteriza- se pela inflição de tormentos e suplícios que exasperam, na dimensão física, moral ou psíquica em que se projetam os seus efeitos, o sofrimento da vítima por atos de desnecessária, abusiva e inaceitável crueldade. - A norma inscrita no art. 233 da Lei nº 8.069/90, ao definir o crime de tortura contra a criança e o adolescente, ajusta-se, com extrema fidelidade, ao princípio constitucional da tipicidade dos delitos (CF, art. , XXXIX). A TORTURA COMO PRÁTICA INACEITÁVEL DE OFENSA À DIGNIDADE DA PESSOA. A simples referência normativa à tortura, constante da descrição típica consubstanciada no art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente, exterioriza um universo conceitual impregnado de noções com que o senso comum e o sentimento de decência das pessoas identificam as condutas aviltantes que traduzem, na concreção de sua prática, o gesto ominoso de ofensa à dignidade da pessoa humana. A tortura constitui a negação arbitrária dos direitos humanos, pois reflete - enquanto prática ilegítima, imoral e abusiva - um inaceitável ensaio de atuação estatal tendente a asfixiar e, até mesmo, a suprimir a dignidade, a autonomia e a liberdade com que o indivíduo foi dotado, de maneira indisponível, pelo ordenamento positivo." (HC 70.389/SP, Rel. p. Acórdão Min. Celso de Mello, DJ 10/08/2001) 7. À luz das cláusulas pétreas constitucionais, é juridicamente sustentável assentar que a proteção da dignidade da pessoa humana perdura enquanto subsiste a República Federativa, posto seu fundamento.

8. Consectariamente, não há falar em prescrição da ação que visa implementar um dos pilares da República, máxime porque a Constituição não estipulou lapso prescricional ao direito de agir, correspondente ao direito inalienável à dignidade.

9. Outrossim, a Lei 9.140/95, que criou as ações correspondentes às violações à dignidade humana, perpetradas em período de supressão das liberdades públicas, previu a ação condenatória no art. 14, sem estipular-lhe prazo prescricional, por isso que a lex specialis convive com a lex generalis, sendo incabível qualquer aplicação analógica do Código Civil no afã de superar a reparação de atentados aos direitos fundamentais da pessoa humana, como sói ser a dignidade retratada no respeito à integridade física do ser humano.

10. Adjuntem-se à lei interna, as inúmeras convenções internacionais firmadas pelo Brasil, a começar pela Declaração Universal da ONU, e demais convenções específicas sobre a tortura, tais como a Convenção contra a Tortura adotada pela Assembléia Geral da ONU, a Conveção Interamericana contra a Tortura, concluída em Cartagena, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).

11. A dignidade humana violentada, in casu, decorreu do fato de ter sido o autor torturado- revelando flagrante atentado ao mais elementar dos direitos humanos, os quais, segundo os tratadistas, são inatos, universais, absolutos, inalienáveis e imprescritíveis.

12. Inequívoco que foi produzida importante prova indiciária representada pelos comprovantes de tratamento e pelas declarações médicas que instruem os autos, consoante se extrai da sentença de fls. 72/79.

13. A exigibillidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declaração Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no art. 1º que "todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos".

14. Deflui da Constituição federal que a dignidade da pessoa humana é premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual.

15. O egrégio STJ, em oportunidades ímpares de criação jurisprudencial, vaticinou: "RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. PRISÃO, TORTURA E MORTE DO PAI E MARIDO DAS RECORRIDAS. REGIME MILITAR. ALEGADA PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. LEI N. 9.140/95. RECONHECIMENTO OFICIAL DO FALECIMENTO, PELA COMISSÃO ESPECIAL DE DESAPARECIDOS POLÍTICOS, EM 1996. DIES A QUO PARA A CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL.

A Lei n. 9.140, de 04.12.95, reabriu o prazo para investigação, e conseqüente reconhecimento de mortes decorrentes de perseguição política no período de 02 de setembro de 1961 a 05 de outubro de 1998, para possibilitar tanto os registros de óbito dessas pessoas como as indenizações para reparar os danos causados pelo Estado às pessoas perseguidas, ou ao seu cônjuge, companheiro ou companheira, descendentes, ascendentes ou colaterais até o quarto grau. Omissis (REsp 845.228/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/10/2007, DJ 18/02/2008, p. 25)

ADMINISTRATIVO. ATIVIDADE POLÍTICA. PRISÃO E TORTURA. INDENIZAÇÃO. LEI Nº 9.140/1995. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. REABERTURA DE PRAZO.

1. Ação de danos morais em virtude de prisão e tortura por motivos políticos, tendo a r. sentença extinguido o processo, sem julgamento do mérito, pela ocorrência da prescrição, nos termos do art. , do Decreto nº 20.910/1932. O decisório recorrido entendeu não caracterizada a prescrição.

2. Em casos em que se postula a defesa de direitos fundamentais, indenização por danos morais decorrentes de atos de tortura por motivo político ou de qualquer outra espécie, não há que prevalecer a imposição qüinqüenal prescritiva.

3. O dano noticiado, caso seja provado, atinge o mais consagrado direito da cidadania: o de respeito pelo Estado à vida e de respeito à dignidade humana. O delito de tortura é hediondo. A imprescritibilidade deve ser a regra quando se busca indenização por danos morais conseqüentes da sua prática.

4. A imposição do Decreto nº 20.910/1932 é para situações de normalidade e quando não há violação a direitos fundamentais protegidos pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pela Constituição Federal.

5. O art. 14, da Lei nº 9.140/1995, reabriu os prazos prescricionais no que tange às indenizações postuladas por pessoas que, embora não desaparecidas, sustentem ter participado ou ter sido acusadas de participação em atividades políticas no período de 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 e, em conseqüência, tenham sido detidas por agentes políticos.

6. Inocorrência da consumação da prescrição, em face dos ditames da Lei nº 9.140/1995. Este dispositivo legal visa a reparar danos causados pelo Estado a pessoas em época de exceção democrática. Há de se consagrar, portanto, a compreensão de que o direito tem no homem a sua preocupação maior, pelo que não permite interpretação restritiva em situação de atos de tortura que atingem diretamente a integridade moral, física e dignidade do ser humano.

7. Recurso não provido. Baixa dos autos ao Juízo de Primeiro Grau.

(REsp 379.414/PR, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/11/2002, DJ 17/02/2003, p. 225)

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REGIME MILITAR. TORTURA. IMPRESCRITIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. DO DECRETO 20.910/1932. QUANTUM INDENIZATÓRIO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADADE.

1. As ações indenizatórias por danos morais decorrentes de atos de tortura ocorridos durante o Regime Militar de exceção são imprescritíveis. Inaplicabilidade do prazo prescricional do art. do Decreto 20.910/1932. Precedentes do STJ.

2. O Brasil é signatário do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas incorporado ao ordenamento jurídico pelo Decreto-Legislativo 226/1991, promulgado pelo Decreto 592/1992 , que traz a garantia de que ninguém será submetido a tortura, nem a pena ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, bem como prevê a proteção judicial para os casos de violação de direitos humanos.

3. A Constituição da República não estipulou lapso prescricional à faculdade de agir, correspondente ao direito inalienável à dignidade.

4. Hipótese em que o Tribunal de origem, ao concluir, diante da documentação colacionada aos autos, que o autor foi realmente preso e torturado, tendo sofrido danos psicológicos permanentes, fixou indenização por danos morais em R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).

5. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que somente em casos excepcionais é possível rever o valor da indenização, quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, em flagrante violação dos Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade, o que, in casu, não se configura.

6. Recurso Especial não provido. (REsp 1104731/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/03/2009, DJe 05/11/2009)

ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSO CIVIL RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 535, II; 515, § 3º; 165, 333 E 458, II, TODOS DO CPC, BEM COMO DOS ARTS. 93, IX, E , LV, DA CF"CAUSA MADURA"PARA O JULGAMENTO DA APELAÇÃO AUSÊNCIA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA ACÓRDÃO QUE ENCAMPA, IPSIS LITERIS, O PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO POSSIBILIDADE, NO CASO NULIDADE DO ACÓRDÃO POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO PARA A CONFIGURAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA UNIÃO E RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA PRESCRIÇÃO DECRETO N. 20.910/32 DISCUSSÃO SOBRE PRESCRIÇÃO DE PRETENSÃO DE COMPENSAÇÃO POR VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS TORTURA DE CIDADÃO BRASILEIRO DE ASCENDÊNCIA ALEMÃ POR"POLICIAIS DA FARDA AMARELA"DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, EM 1942 RESPONSABILIDADE DO ESTADO PELAS PERSEGUIÇÕES POLÍTICAS, PRISÕES, TORTURA, LOUCURA E SUICÍDIO DO CIDADÃO, EM DECORRÊNCIA DE TAIS ATOS RECURSO ESPECIAL ADESIVO DOS PARTICULARES PRETENSÃO DE VALORAÇÃO DO ARBITRAMENTO DOS DANOS MORAIS ACIMA DO ARBITRADO NA SEGUNDA INSTÂNCIA (R$ 500.000,00).

1. Não-existência de violação do art. 535, II, do CPC. Apesar de o acórdão embargado ter encampado o que registrou o parecer do Ministério Público Federal, exarado na segunda instância, frisou que esta era, na integralidade, a conclusão adotada.

2. Muito embora seja o parecer ministerial peça meramente informativa, pode levar o julgador a adotá-la como parâmetro, desde que o faça motivadamente. Na esteira de alguns precedentes do STJ,"não se constitui em nulidade o Relator do acórdão adotar as razões de decidir do parecer ministerial que, suficientemente motivado, analisa toda a tese defensiva."(HC 40.874/DF, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 18.4.2006, DJ 15.5.2006 p. 244.)

3. Alegada violação do art. 515, § 3º, do CPC. O caso dos autos amolda-se ao conceito de"causa madura"trazida pela doutrina e jurisprudência, uma vez que o Tribunal a quo, ao estabelecer que não eram as rés partes ilegítimas, adentrou desde logo no mérito da questão, pois toda a instrução probatória já se fazia presente nos autos, bem como assim lhe permitia o art. 515, § 3º, do CPC.

4. O art. 515, § 3º, do CPC deve ser lido à luz do disposto no art. 330, I, do mesmo diploma, que trata do julgamento imediato do mérito. Poderá o Tribunal (assim como o juiz de primeiro grau poderia) pronunciar-se desde logo sobre o mérito se as questões de mérito forem exclusivamente de direito ou, sendo de fato e de direito, não houver necessidade de produção de novas provas. Entendimento doutrinário e jurisprudencial.

5. Questão federal relativa à prescrição da pretensão para a compensação por danos morais e materiais por violação de direitos da personalidade. Doutrina e jurisprudência. Alegação da União de que deve ser aplicado o lustro prescricional do art. do Decreto n. 20.910/32, pois a Lei n. 9.140/95 só se aplica aos fatos ocorridos entre 2.9.1961 a 5.10.1988, sendo que os fatos retratados nos autos ocorreram entre 1940-1943.

6. Danos morais. Imprescritibilidade. Tortura, racismo e outros vilipêndios à dignidade da pessoa humana. Possível, no caso, a aplicação da mais conhecida norma sobre a proteção aos direitos da personalidade, qual seja, a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, que também possibilita sua aplicação a fatos pretéritos, escrita com os bradados dos ideais democráticos e que nunca podem ser esquecidos.

7. Referida declaração é a referência brasileira mais próxima de condenação à tortura. Mas não é só ela que deve ser lembrada. Além do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, também incorporado ao nosso ordenamento jurídico, é preciso ainda levar em conta mais três importantíssimos documentos internacionais: (I) Declaração sobre a Proteção de todas as pessoas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, de 9.12.1975; (II) Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, de 10.12.1984, da Organização das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil com o Decreto n. 40, de 15.2.1991; e (III) Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, de 9.12.1985, da OEA, ratificada pelo Brasil com o Decreto n. 98.386, de 9.11.1989.

8. Além da tortura, ocorreu racismo, crime que a própria Constituição Federal de 1988, em seu art. , XLII, considera imprescritível. A Lei n. 7.716/85, com a redação dada pela Lei n. 9.459/97 (art. 20), tipifica o crime de racismo como"induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, etnia, religião ou procedência nacional".

9. Para reconhecer de vez a não-existência da prescrição da pretensão indenizatória, basta verificar que a então autora desta demanda, mãe dos ora recorrentes e esposa do Sr. Antônio Kliemann, viveu desde a época dos fatos (1942-1944) até 1985 (fim da Ditadura e abertura política para a democratização Diretas Já!), período de completa supressão de direitos e garantias constitucionais, tendo sido reconhecido no acórdão recorrido que tinha receio naquela época de represálias do Governo Federal, bem como de ser deportada, máxime quando passou a viger o Ato Institucional n. 05, que possibilitava, inclusive, retirar do Poder Judiciário a apreciação de qualquer alegação de violação de direitos.

10. Pretensão para a compensação por danos morais em razão de acontecimentos que maculam tão vastamente os direitos da personalidade, como a tortura e a morte, é imprescritível.

11. Danos materiais."Saliente-se, no entanto, quanto aos danos patrimoniais, que os efeitos meramente patrimoniais do direito devem sempre observar o lustro prescricional do Decreto n. 20.910/32, pois não faz sentido que o erário público fique sempre com a espada de Damocles sobre a cabeça e sujeito a indenizações ou pagamentos de qualquer outra espécie por prazo demasiadamente longo. Daí porque, quando se reconhece direito deste jaez, ressalva-se que quaisquer parcelas condenatórias referentes aos danos patrimoniais só deverão correr nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação"(REsp 475.625/PR, Rel. p/ Acórdão Ministro Franciulli Netto, DJ 20.3.2006). No mesmo sentido: REsp 1002009/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, DJ 21.2.2008.

12. Mesmo levando-se em conta o lustro anterior ao ajuizamento da ação, ou seja, o período compreendido entre 9.1.1996 e 9.1.2001, prescritas estão as pretensões dos efeitos patrimoniais da demanda, pois nada nesse período era devido, tendo em vista que a autora já tinha conhecimento dos fatos já no advento da Constituição Federal de 1988, como está assentado na instância ordinária, soberana na análise das provas. Assim, mesmo tomando-se como termo inicial a promulgação da Constituição Federal de 1988, prescrita já está a pretensão de reparação de danos materiais.

13. Acolhimento da prescrição da pretensão de reparação por danos materiais.

14. Recurso especial adesivo. Conhecimento. Possibilidade de o STJ" analisar o arbitramento da compensação por danos morais quando o valor fixado destoa daqueles estipulados em outros julgados recentes deste Tribunal, observadas as peculiaridades de cada litígio ".

15. Acórdão recorrido que, diante de tão graves violações dos direitos da personalidade do marido da autora e da própria autora e filhos, fixou os danos morais em R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

16. Análise de mais de dez casos recentes da jurisprudência do STJ com resultado morte, todos com valores inferiores a quinhentos mil reais, com condenações entre trezentos e quinhentos salários mínimos.

17. Razoabilidade do valor arbitrado no caso dos autos, bem acima dos precedentes do STJ, tendo em vista as gravíssimas e reiteradas violações dos direitos da personalidade do Sr. Antônio Kliemann, esposa e filhos.

Recurso especial da União parcialmente provido, para reconhecer a prescrição da parcela referente aos danos materiais.

Recurso especial adesivo dos particulares improvido. (REsp 797.989/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/04/2008, DJe 15/05/2008)

Nesse mesmo rumo são os precedentes do TRF da 4ª Região:

ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. ANISTIADO POLÍTICO. NÃO-INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. IMPRESCRITIBILIDADE. LEI Nº 10.559/2002.

1. A prescrição não serve para fatos ocorridos durante o regime ditatorial militar, excepcionais em sua gravidade, e em relação aos quais as vítimas, por muito tempo, estiveram impossibilitadas de se insurgir.

2. A promulgação das Leis 9.140/95 e 10.536/02 importou em reconhecimento do Estado quanto a sua responsabilidade pelos abusos cometidos por seus agentes durante aquele período.

3. A autora se obrigou a se afastar de sua atividade profissional remunerada para acompanhamento de seu esposo. Essa condição está disciplinada no inciso IV, do art. , da Lei 10.559/02, a qual regulamenta o art. 8º do ADCT. Desta forma, evidente o direito da parte autora de ver declarada a sua condição de anistiada política, com os consectários indenizatórios daí decorrentes. (TRF4, AC 0004233-62.2008.404.7000, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E. 29/03/2010).

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. TORTURA SOFRIDA NO REGIME MILITAR. PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA.

1. A prescrição não corre enquanto ao titular do direito é obstado acesso aos elementos comprobatórios necessários à dedução do seu pleito, máxime se o empeço é ditado pelo indigitado devedor da obrigação.

2. Em se tratando de direito estabelecido pela Constituição, o dies a quo para a contagem do lapso prescricional é diferido à data da edição da lei regulamentadora do preceito constitucional correspondente.

3. O crime de tortura é hediondo, impondo-se, quanto à reparação de seus efeitos deletérios, a regra da imprescritibilidade, haja vista a mácula aos direitos fundamentais básicos assegurados ao indivíduo, insertos na Constituição Federal. (TRF4, EIAC 1998.04.01.017395-2, Segunda Seção, Relator Amaury Chaves de Athayde, DJ 26/02/2003).

Com efeito, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, e a tortura o mais expressivo atentado a esse pilar da República, de sorte que reconhecer a imprescritibilidade dessa lesão é uma das formas de dar efetividade à missão de um Estado Democrático de Direito, reparando odiosas desumanidades praticadas na época em que o país convivia com um governo autoritário e a supressão de liberdades individuais consagradas.

Registro que deixar de reparar significa anuir com essa prática odiosa durante o regime autoritário e de exceção pelo qual passou há muito este país, com a conivência de agentes públicos e membros da sociedade civil, abdicando de se conceder a justa reparação para quem contribuiu, no mínimo com seus ideais, para a formação de um Estado Democrático de Direito.

Assim, reconhecer a prescrição qüinqüenal com base no Decreto nº 20.910 de 1932 é destituir a força normativa da Constituição, e reconhecer a aplicabilidade de norma de conteúdo valorativo inferior em detrimento da norma de maior valor consagrada na Carta Magna.

Aplicar o prazo previsto no Decreto precitado, o qual coincidentemente foi gestado também quando vigia no país também regime de exceção na chamada era Vargas, em última análise, significa abdicar de uma ordem jurídica justa e igualitária, negligenciando a adequada reparação de quem teve coragem de se opor contra um sistema antidemocrático.

A aplicação de tal decreto também afronta o princípio da proibição do retrocesso social, afrontando conquistas históricas de uma geração que amargou a repressão na época ditatorial em questão, implicando em retrocesso às garantias adquiridas ao longo das lutas sociais e à custa do sangue daqueles que não se contentavam com o abuso de poder de poucos.

Portanto, a luta de toda uma geração é posta a prova quando, em prol de uma aparente segurança jurídica, se deixa de atender o pleito de quem sofreu por muitos anos em silêncio, diante da opressão de regime autoritário de antanho, não podendo na ocasião buscar a justa reparação em função de evidente

temor de sofrer represálias.

Nesse sentido leciona José Joaquim Gomes Canotilho[3] sobre o princípio da proibição do retrocesso social, o que segue:

O princípio da democracia económica e social aponta para a proibição de retrocesso social.

A ideia aqui expresas também tem sido designada como proibição de contra-revolução social ou da evolução reaccionária. Com ito quer dizer-se que os direitos sociais e económicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passa a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo. A proibição de retrocesso social nada pode fazer contra as recessões e crises económicos

(reversibilidade fáctica), mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito económico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. O reconhecimento desta protecção de direitos prestacionais de propriedade, subjectivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjectivamente alicerçadas. A violação do núcleo essecial efectivado justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente a normas manifestamente aniquiladoras da chamada justiça social. Assim, por ex., será incontitucional uma lei que extinga o direito a subsídio de desemprego ou pretenda alargar desproporcionalmente o tempo de serviço necessário a aquisição de direito à reforma. (…) A liberdade de conformação do legislador nas leis sociais nunca pode afirmar-se sem reservas, pois está sempre sujeita ao princípio da igualdade, princípio da proibição de discriminações sociais e de políticas antisociais. As eventuais modificações destas leis devem observar os princípios do Estado de direito vinculativos da actividade legislativa e o núcleo essecial dos direitos sociais. O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essecial dos direitos sociais já eralizado e efectivado através de medidas legislativas (lei da segurança social, lei do subsídio de desemprego, lei de serviço de saúde) deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam, na prática, numa anulação, revogação ou aniquilação pura a simples desse núcleo essencial. Não se trata, pois, de proibir um retrocesso social captado em termos ideológicos ou formulado em termos gerais ou de garantir um abstracto um status quo social, mas de proteger direitos fundamentais sociais sobretudo no seu núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislado e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado, sobretudo quando o núcleo essencial se reconduz à garantia do mínimo de existência condigna inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana.

Luís Roberto Barroso[4] assim assevera sobre o tema em comento:

A vedação do retrocesso, por fim, é uma derivação da eficácia negativa, particularmente ligada aos princípios que envolvem os direitos fundamentais. Ela pressupõe que esses princípios sejam concretizados através de normas infraconstitucionais (isto é, freqüentemente, os efeitos que pretendem produzir são especificados por meio da legislação ordinária) e que, com base no direito constitucional em vigor, um dos efeitos gerais pretendido por tais princípios é a progressiva ampliação dos direitos fundamentais. Partindo desses pressupostos, o que a vedação do retrocesso propõe se possa exigir do Judiciário é a invalidade da revogação de normas que, regulamentando o princípio, concedam ou ampliem direitos fundamentais, sem que a revogação em questão seja acompanhada de uma política substitutiva ou equivalente. Isto é: a invalidade por inconstitucionalidade, ocorre quando se revoga uma norma infraconstitucional concessiva de um direito, deixando um vazio em seu lugar. Não se trata, é bom observar, da substituição de uma forma de atingir o fim constitucional por outra, que se entenda mais apropriada. A questão que se põe é a da revogação pura e simples da norma infraconstitucional, pela qual o legislador esvazia o comando constitucional, exatamente como se dispusesse contra ele diretamente.

Ademais, constata-se a existência de um núcleo essencial de direitos fundamentais que não permite ser atingido por qualquer tipo de interpretação, e o princípio orientador desse núcleo será justamente o princípio da dignidade da pessoa humana. Desta forma, somente será possível limitar um direito fundamental até o ponto de o princípio da dignidade da pessoa humana não for agredido, porquanto existem direitos fundamentais considerados absolutos.

Nessa seara, cumpre transcrever as lições de Ingo Wolfgang Sarlet[5] sobre o princípio da dignidade da pessoa humana:

(…) temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunha degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimaspara uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.

(…)

O que se pretende demonstrar, neste contexto, é que o princípio da dignidade da pessoa humana assume posição de destaque, servindo como diretriz material para a identificação de direitos implícitos (tanto de cunho defensivo como prestacional) e, de modo especial, sediados em outras partes dConstituiçãoão. Cuida-se, em verdade, de critério basilar, mas não exclusivo, já que em diversos casos outros referenciais, podem ser utilizados (como, por exemplo, o direito à vida e à saúde na hipótese do meio ambiente, ou mesmo a ampla defesa e os recursos a ele inerentes, no caso da fundamentação das decisões judiciais e administrativas). Assim, o fato é que e isto temos por certo sempre que se puder detectar, mesmo para além de outros critérios que possam incidir na espécie, estamos diante de uma posição jurídica diretamente embasada e relacionada (no sentido de essencial à sua proteção) à dignidade da pessoa, inequivocadamente estaremos diante de uma norma de direito fundamental, sem desconsiderar a evidência de que tal tarefa não prescinde do acurado exame de cada caso.

(…)

José Afonso da Silva[6] também fornece um importante conceito sobre a questão da dignidade da pessoa humana e o corolário jurídico do dever do Estado respeitar este direito fundamental:

(…) a tortura e toda sorte de desrespeito à pessoa humana praticadas sob o regime militar levaram o constituinte brasileiro a incluir a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme o disposto no inciso III do art. 1ºº daCFF de 1988.

(…)

(…) a dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo sua existência e sua eminência, transformou-as num valor supremo da ordem jurídica, quando a declara com um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito.

(…)

(…) a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira] o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de direitos econômicos, sociais e culturais. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará à realização da justiça social (art. 193), à educação, ao desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205), etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores, do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.

(…)

A par disso, a vedação a tortura deve ser considerada um direito fundamental absoluto, já que a mínima prática de sevicias já é capaz de atingir frontalmente a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido é o proclamado no art. 2º da declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra a tortura, que dispõe que todo ato de tortura ou outro tratamento ou pena cruel, desumano ou degradante constitui uma ofensa à dignidade humana e será condenado como violação dos propósitos da Carta das Nações Unidas e dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Proclamados na Declaração Universal de Direitos Humanos.

Aliás, a declaração sobre a proteção de todas as pessoas contra tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, adotada pela assembléia das Nações Unidas em 09 de dezembro de 1975, já consagrava o conceito de tortura e repudiava toda forma de manifestação desta, in verbis: Artigo 1º § 1. Sob os efeitos da presente declaração, será entendido por tortura todo ato pelo qual um funcionário público, ou outra pessoa a seu poder, inflija intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos graves, sendo eles físicos ou mentais, com o fim de obter dela ou de um terceiro informação ou uma confissão, de castigá-la por um ato que tenha cometido ou seja suspeita de que tenha cometido, ou de intimidar a essa pessoa ou a outras. Não serão consideradas torturas as penas ou sofrimentos que sejam conseqüência única da privação legítima da liberdade, ou sejam inerentes ou incidentais a esta, na medida em que estejam em acordo com as Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos.

§ 2. A tortura constitui uma forma agravada e deliberada de tratamento ou de pena cruel, desumana ou degradante.

(...)

Artigo 3º

Nenhum Estado poderá tolerar a tortura ou tratos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Não poderão ser invocadas circunstâncias excepcionais tais como estado de guerra ou ameaça de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública como justificativa da tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.

Artigo 4º

Todo Estado tomará, conforme suas disposições da presente Declaração, medidas efetivas para impedir que sejam praticadas dentro de sua jurisdição torturas ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes.

Por seu turno, a convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10.12.1984 e ratificada pelo Brasil em 28.09.1989, conceitua de forma mais abrangente a tortura, bem como estabelece que nenhuma circunstância excepcional poderá ser invocada como justificativa para a sua ocorrência:

Artigo 1º - Para fins da presente Convenção, o termo"tortura"designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.

O presente artigo não será interpretado de maneira a restringir qualquer instrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa conter dispositivos de alcance mais amplo.

Artigo 2º - Cada Estado tomará medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de outra natureza, a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua jurisdição.

2. Em nenhum caso poderão invocar-se circunstâncias excepcionais, como ameaça ou estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública, como justificação para a tortura.

Ademais, o ilustre doutrinador José Afonso da Silva[7] também fornece um conceito de tortura, a seguir transcrito:

A tortura e o tratamento desumano ou degradante são formas bárbaras de agressão à integridade física da pessoa humana. Agredir o corpo humano é um modo de agredir a vida, pois esta se realiza nele. A integridade físico-corporal constitui, por isso, um bem vital a revela um direito fundamental da pessoa. Daí por que as lesões corporais são punidas pela legislação penal

(…)

(…) Constituiçãoão vai mais longe: além de garantir a dignidade da pessoa humana e o respeito à integridade física (e moral) de presos, declara que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante norma que revela triste recordação dos porões do regime militar.

(…)

Trata-se de um conjunto de procedimentos destinado a forçar, com todos os tipos de coerção física e moral, a vontade de um imputado ou de outro sujeito para admitir, mediante confissão ou depoimento assim extorquidos, a verdade da acusação.

(…)

A tortura não é só um crime contra o direito à vida. É uma crueldade que atinge a pessoa em todas as suas dimensões, e a Humanidade com um todo.

Portanto, inaplicável ao caso em tela o prazo prescricional previsto no Decreto nº 20.910 de 1932, devendo ser reconhecida a imprescritibilidade da ação de indenização referente a danos ocasionados para tortura durante a ditadura militar.

Portanto, rejeita-se a prefacial de prescrição, pois este instituto é incompatível com o tema em discussão, na medida em que versa sobre direito inalienável sem prazo para o exercício.

Ademais, é oportuno destacar a possibilidade de reexame amplo da matéria tratada no presente recurso, na forma do art. 515, § 1º, e art. 516, ambos do CPC, por se tratar de matéria preponderantemente de direito. Assim, o feito está em condições de ser julgado com os elementos existentes nos autos, nos termos do art. 330, I, do diploma legal precitado.

Assim, atendida integralmente a legislação processual civil quanto aos pressupostos legais precitados para a análise das questões controvertidas nesta instância, a causa pode ter imediata resolução de mérito. Aliás, neste sentido adotei igual posicionamento na apelação cível 70019235217, julgada em 17 de maio de 2007, cujo entendimento reafirmo no presente recurso.

Nesse sentido, reproduzo a seguir os ensinamentos de Marinoni[8] ao asseverar que:

Isso quer dizer que, formulado o pedido de revisão da sentença impugnada, por meio da apelação, pode o tribunal conhecer dentro dos limites do pedido todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro, sendo que, quando o pedido ou a defesa tiver mais de uma fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais (§§ 1º e do art. 515 do CPC).

(...)

Em princípio, o tribunal não deve avançar no exame de temas não decididos ainda em primeiro grau, já que se supõe, normalmente, que isso violaria o princípio do duplo grau de jurisdição. Essa idéia, todavia, vem cedendo espaço e conta com duas importantes exceções postas no regime de apelação.

Inicialmente, como estabelece o art. 515, § 3º, é possível que o tribunal, afastando questão preliminar em que se baseou o juiz a quo pra extinguir o processo (e desde que não haja outra preliminar a ser acolhida), examine desde logo o pedido sem ter de, previamente, restituir o feito para julgamento pelo primeiro grau de jurisdição.

Mérito do recurso em exame

Assiste razão à parte autora ao imputar ao Estado demandado a responsabilidade pelos danos ocasionados em razão dos graves excessos cometidos pelos policiais civis que empregaram tratamento desumano e degradante à vítima, além de tortura psicológica e física ao postulante.

Frise-se que a Administração Pública tem responsabilidade de ordem objetiva pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, no termos do § 6º, do artigo 37 da Constituição Federal, o que dispensaria a parte prejudicada de provar a culpa do Poder Público para que ocorra a reparação, bastando à relação de causalidade entre a ação ou omissão administrativa e o dano sofrido.

No entanto, o ente público se exonera do dever de indenizar caso comprove a ausência de nexo causal, ou seja, provar a culpa exclusiva da vítima, fato exclusivo de terceiro, caso fortuito ou força maior. Da mesma forma, terá o quantum indenizatório reduzido se comprovar culpa concorrente da vítima para o evento danoso. Sobre o tema em foco ensina o doutrinador Meirelles[9] que:

Advirta-se, contudo, que a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da

Administração, permite que o Poder público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Isto porque o risco administrativo não se confunde com o risco integral. O risco administrativo não significa que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa, apenas e tão-somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integralmente ou parcialmente da indenização.

No mesmo sentido são os ensinamentos de Cavalieri Filho[10] ao lecionar que:

Com efeito, a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da administração, permite ao Estado afastar a sua responsabilidade nos casos de exclusão do nexo causal fato exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro. O risco administrativo, repita-se, torna o Estado responsável pelos riscos da sua atividade administrativa, e não pela atividade administrativa de terceiros ou da própria vítima, e nem, ainda, por fenômenos da natureza, estranhos à sua atividade. Não significa, portanto, que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular. Se o Estado, por seus agentes, não deu causa a esse dano, se inexiste relação de causa e efeito entre a atividade administrativa e a lesão, não terá lugar a aplicação da teoria do risco administrativo e, por via de conseqüência, o Poder público não poderá ser responsabilizado.

No caso em exame restou devidamente configurada a responsabilidade do ente público, ponto este incontroverso da lide. Presente nos autos a conduta ilícita dos agentes responsáveis pela investigação, porquanto agiram com flagrante excesso, salvaguardados pelo regime ditatorial vigorante à época.

Preambularmente, com relação ao direito à indenização, esta matéria é ponto incontroverso da lide, a teor do que estabelece o art. 334, II, do CPC, tendo em vista que houve o reconhecimento administrativo por parte do Estado da existência de conduta ilícita por parte de seus agentes públicos, consubstanciado na prática de tortura, física e psíquica, cujo nexo causal também restou inconteste quanto a ter ocasionado os danos de ordem psicológica e atinente a saúde física da parte autora.

Portanto, no caso dos autos configurada a prática do delito hediondo de tortura por parte dos agentes públicos, os quais teriam a responsabilidade de garantir a incolumidade física e mental do cidadão mediante o poder de polícia, e não ao contrário, ocasionar a mais vil das lesões ao espírito humano, ou seja, submeter determinada pessoa, impotente e desprotegida, as sevicias de um estado totalitário e sem respeito às garantias mínimas que asseguram o direito à vida e à dignidade humana, princípios estes subjugados por uma violência irracional e desproporcional.

Na hipótese em análise, a matéria controvertida diz respeito há apenas dois pontos: o primeiro deles é quanto à abrangência dos danos reconhecidos mediante a Lei Estadual nº 11.042/1997, ou seja, o que foi objeto de indenização e se nesta estaria subsumida a indenização por dano imaterial pleiteada na presente ação. O outro vértice a ser analisado no presente feito é o que diz respeito à extensão dos prejuízos causados, isto é, se o valor pago à parte autora a título de indenização pelos fatos ocorridos nos calabouços da ditadura foi suficiente e proporcional ao dano em questão, bem como se serviram para reparar os danos imanentes ao trauma vivenciado pela parte autora.

Assim, a parte autora no presente feito tem apenas que demonstrar que os prejuízos morais causados são distintos daqueles indenizados de forma tarifada pelo Estado, ou ao menos, que aqueles suplantaram em muito a justa e devida indenização para reparar o mal causado na ocasião.

Consoante se depreende do enunciado da Lei 11.042 de 1997, a qual reconhece a responsabilidade do Estado do Rio Grande do Sul por danos físicos e psicológicos causados a pessoas detidas por motivos políticos e estabelece normas para que aquelas sejam indenizadas, a reparação se restringe à indenização pelos danos físicos e psicológicos dos presos durante a ditadura militar, in verbis:

Art. 1º - O Estado do Rio Grande do Sul indenizará, nos termos desta Lei, as pessoas que, presas ou detidas, legal ou ilegalmente, por motivos políticos entre os dias 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, que tenham sofrido sevícias ou maus tratos, que acarretaram danos físicos ou psicológicos, quando se encontravam sob guarda e responsabilidade ou sob poder de coação de órgãos ou agentes públicos estaduais.

A mesma conclusão se denota do disposto no art. 5º da mesma legislação, o qual estabelece parâmetros para a indenização com base na existência de danos físicos e psicológicos:

Art. 5º - O montante da indenização prevista nesta Lei não será superior a R$

(trinta mil reais), nem inferior a R$

(cinco mil reais), devendo sua fixação levar em conta a extensão e gravidade das seqüelas apresentadas pelo ex-preso ou ex-detido, considerando: I - existência de danos físicos ou psicológicos; II - existência de nexo de casualidade com a detenção referida no artigo 1º desta Lei.

Portanto, tendo o autor formulado pedido administrativo para receber indenização por base na Lei 11.042 de 1997, e estabelecido que esta se limita a indenizar os danos físicos e psicológicos, não há qualquer óbice a reparação dos danos morais experimentados, pois estes podem ser aquinhoados em razão de vértices distintos. Registre-se que o ressarcimento não se deu em razão dos prejuízos morais sofridos, mas em razão de danos físicos e psicológicos.

Com efeito, o dano moral envolve diferentes formas de violação aos direitos da personalidade. Este pode consistir na dor física, no vexame público, no sofrimento psicológico, na indignação com a impunidade dos ofensores, no sentimento de marginalização de suas convicções políticas, entre muitos outros motivos, cujas conseqüências são igualmente diversas sob o ponto de vista jurídico.

Logo, a honra, a liberdade, a intimidade violadas merecem tutela jurídica independente, não se confundindo com o valor ressarcido ao autor, que somente remunera parcialmente os diversos danos experimentados.

Cavalieri Filho[11] consagra que a atual Magna Carta deu uma maior dimensão ao dano moral, lastreada no valor fundamental da dignidade da pessoa humana, no qual está englobado o direito à honra, ao nome, à intimidade, à privacidade e à liberdade:

Tenho por mim que todos os conceitos tradicionais de dano moral terão que ser revistos pela ótica da Constituição de 1988. Assim é porque a atual Carta, na trilha das demais Constituições elaboradas após a eclosão da chamada questão social, colocou o Homem no vértice do ordenamento jurídico da Nação, fez dele a primeira e decisiva realidade, transformando os seus direitos no fio condutor de todos os ramos jurídicos. E, ao inserir em seu texto normas que tutelam os valores humanos, a Constituição fez também estrutural transformação no conceito e valores dos direitos individuais e sociais, o suficiente para permitir que a tutela desses direitos seja agora feita por aplicação direta de suas normas. Ninguém desconhece que as normas constitucionais, por serem de hierarquia superior, balizam a interpretação e aplicação de toda a legislação infraconstitucional, de sorte a não ser possível aplicar esta em desarmonia com aquelas.

Pois bem, logo no primeiro artigo, inciso III, a Constituição Federal consagrou a dignidade humana como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito. Temos hoje o que pode ser chamado de direito subjetivo constitucional à dignidade. Ao assim fazer, a Constituição deu ao dano moral uma nova feição e maior dimensão, porque a dignidade humana nada mais é do que a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos.

Os direitos à honra, ao nome, à intimidade, à privacidade e à liberdade estão englobados no direito à dignidade, verdadeiro fundamento e essência de todos os direitos personalíssimos.

À luz da Constituição vigente, podemos conceituar o dano moral por dois aspectos distintos. Em sentido estrito, dano moral é violação do direito à dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu art. , V e X, a plena reparação do dano moral. Este é, pois, o novo enfoque constitucional pelo qual deve ser examinado o dano moral, que já começou a ser assimilado pelo Judiciário, conforme se constata do aresto a seguir transcrito: Qualquer agressão à dignidade pessoal lesiona a honra, constitui dano moral e é por isso indenizável. Valores como a liberdade, a inteligência, o trabalho, a honestidade, aceitos pelo homem comum, formam a realidade axiológica a que todos estamos sujeitos. Ofensa a tais postulados exige a compensação indenizatória (Ap. cível 40.541, rel. Des. Xavier Vieira, in ADCOAS 144.719). (grifo meu).

O ilustre doutrinador[12] ainda afirma que o dano imaterial nem mesmo necessita de algum detrimento anímico à vítima, pois este pode ser a conseqüência do ato perpetrado pelo ofensor:

Nessa perspectiva, o dano moral não está necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da vítima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação da dignidade. Dor, vexame, sofrimento e humilhação podem ser conseqüências, e não causas. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, a reação psíquica da vítima só pode ser considerada dano moral quando tiver por causa uma agressão à sua dignidade.

Com essa idéia abre-se espaço para o reconhecimento do dano moral em relação a várias situações

nas quais a vítima não é passível de detrimento anímico, como se dá com doentes mentais, as pessoas em estado vegetativo ou comatoso, crianças de tenra idade e outras situações tormentosas. Por mais pobre e humilde que seja uma pessoa, ainda que complemente destituída de formação cultural e bens materiais, por mais deplorável que seja seu estado biopsicológico, ainda que destituída de consciência, enquanto ser humano será detentora de um conjunto de bens integrantes de sua personalidade, mais precioso que o patrimônio. É a dignidade humana, que não é privilégio apenas dos ricos, cultos ou poderosos, que deve ser por todos respeitada. Os bens que integram a personalidade constituem valores distintos dos bens patrimoniais, cuja agressão resulta no que se convencionou chamar de dano moral. Essa constatação, por si só, evidencia que o dano moral não se confunde com o dano material; tem existência própria e autônoma, de modo a exigir tutela jurídica independente.

Os direitos da personalidade, entretanto, englobam outros aspectos da pessoa humana que não estão diretamente vinculados à sua dignidade. Nessa categoria incluem-se os chamados novos direitos da personalidade: a imagem, o bom nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos, gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais. Em suma, os direitos da personalidade podem ser realizados em diferentes dimensões e também podem ser violados em diferentes níveis. Resulta daí que o dano moral, em sentido amplo, envolve esses diversos graus de violação dos direitos da personalidade, abrange todas as ofensas à pessoa, considerada esta em suas dimensões individual e social, ainda que sua dignidade não seja arranhada.

Há que se reconhecer, igualmente, que os prejuízos causados excedem em muito o valor pago à parte autora a título de indenização pelos fatos ocorridos, bem como não se prestaram a reparar os danos imanentes, que só se evidenciaram em lapso temporal posterior ao pagamento da reparação.

Ademais, há que se ressaltar que na ocasião o autor foi contemplado com o limite máximo tarifariamente estabelecido em função dos horrores a que foi submetido na adolescência, pois contava como apenas 16 anos na ocasião, e teve esmagados os seus ideais pela violência desproporcional e abusiva, própria daqueles que se escondem atrás dos títulos inerentes aos cargos públicos para praticar o mal, valendo-se da máquina estatal e de vítimas indefesas para tanto.

Portanto, mesmo que se admita que indenização que foi contemplado com o limite máximo estabelecido (R$ 30.000,00) se destinava também a reparação por dano moral, o que incorreu no caso em análise, conforme esclarecido anteriormente, restou evidenciado nos autos que o martírio experimentado pelo autor foi em muito superior a ínfima reparação deferida.

Nessa seara, a fim de dar suporte aos argumentos antes expostos, e ressaltar a gravidade do evento em questão, cumpre transcrever um breve relato da prisão e tortura vivenciada pelo autor (fls. 33-34):

Fui conduzido, algemado, à Delegacia Regional, onde funcionava o SOPS, na Rua Marquês do Herval, esquina com a Rua Pinheiro Machado, em Caxias do sul, onde fui revistado e interrogado. Meus avós presenciaram a prisão. Embora tenha sido ameaçado, não houve torturas físicas. Mas, lembro que por volta das 22 horas e 30 minutos fui levado para os matos próximos à represa São Miguel, onde fui ameaçado de morte. Levei pontapés e socos pelo corpo. Voltei para a Delegacia Regional, exigiram que escrevesse uma confissão, mas não a fiz. A noite ainda estava longe de terminar. Por volta de 1 hora e 30 minutos da madrugada, fui levado a Porto Alegre, em um carro sem identificação (fusca)

acompanhado por três elementos e o Delegado Regional. Sentia frio e medo, mas me mantive firme. Sentia dor de cabeça, meu estômago doía. Só anos mais tarde fui saber que eram os primeiro sintomas de uma gastrite que me acompanhou por muitos anos e até hoje se manifesta. O veículo foi acompanhado até Porto Alegre por outros dois da Polícia Civil que seguiram a uma certa distância. Em um deles havia outro companheiro preso: José Ruaro.

Em Porto Alegre, chegamos por volta das 3 horas e 30 minutos da manhã. fomos levados direto ao Palácio da Polícia na Avenida Ipiranga. Fui algemado, encapuzado e levado para o 2º piso, onde funcionava o DOPS. Ao chegar, levei um soco no queixo, ainda no corredor de acesso. Fui levado, então, para uma pequena sala de interrogatórios, conhecido com fossa, localizada à esquerda do corredor interno do DOPS, forrada em todas as paredes com pilhas de livros apreendidos e que serviam para diminuir os gritos dos torturados.

Durante muitos anos, ouvia estes gritos à noite ao deitar para dormir, usei vários calmantes e até hoje meu sono não é tranqüilo.

As torturas consistiam de choques elétricos nas orelhas, mãos e pés, através de um telefone de campanha (apelidado de Maricota). Com algemas nos braços, permaneci por longo tempo imobilizado. Além dos choques elétricos, havia a aplicação de golpes nas costas com o Papalégua, que era um pedaço de madeira preso a uma tira com mais ou menos 40 centímetros de comprimento, por 4 centímetros de largura de pneu de automóvel. Tive rompimento das minúsculas veias embaixo da pelé o que provocava o derrame de sangue internamente. Por um momento, naquela noite, fiquei longe da presença dos torturadores. Pude, então, conversar com o Paulo de Tarso Carneiro, que havia sido preso alguns dias antes, e permaneceu na mesma sala de tortura por longe tempo.

(…) Por volta das 9 horas do dia seguinte fui levado ao aeroporto, encapuzado, sendo transportado para Caxias do Sul. Os policias queriam localizar Sílvio, outro companheiro. Felizmente não deu certo. Na tarde do dia 10 houve nova sessão de tortura, no prédio da Delegacia Regional, agora em Caxias. Naquela noite voltamos para Porto Alegre e diretor para o DOPS, onde encontrávamos numa cela juntamente com Hélio Minuto, Carlos Pinto e seu irmão. Ao lado estava índio Vargas, João Bona Garcia, Elvaristo Teixeira do Amaral. Novas torturas voltaram a ocorrer a cada novo interrogatório. Aliás, a pior delas, e que lembro até hoje, era escutar o grito de dor dos companheiros durante noites inteiras de interrogatório, tanto no 2º andar, onde estávamos, como no 3º andar do Palácio da Polícia, onde funcionava a Divisão de Investigação do Exército.

Em meados de maio, fui levado à Ilha do Presídio, no Rio Guaíba. Lá permaneci noites de frio e fome,

nos dividíamos em celas, na cela onde estava, encontrava-se 8 companheiros entre eles Orlando Pedro Michelli, José Ruaro, Paulo de Tarso Carneiro, podíamos conversar e até escutar rádio. Estávamos isolados e sem possibilidade imediata de liberdade, mas o dias e as noites já não eram tão difíceis, apesar que, durante o seqüestro do embaixador alemão, que ocorreu em início de junho de 1970 e culminou com o banimento do país de companheiros no dia 15 do mesmo mês, ficamos totalmente incomunicáveis na ilha, os rádios foram apreendidos, ocasionando novamente um clima de medo e apreensão, entre todos, voltando a ocorrerem sessões de tortura.

Na mesma ilha, apesar de ser inverno, não havia chuveiro elétrico, os banhos eram tomados em uma lata de tinta furada, de onde a água gelada escorria de um cano. Os banheiros eram abertos sem paredes e com uma abertura gradeada, dando direto para o rio.

As celas não possuíam janelas e as grades davam para um corredor, que suas extremidades eram grades, sem porta ou vidro algum, onde o vento gelado do inverno gaúcho soprava diuturnamente. O piso da cela, não havia revestimento térmico algum, era puro concreto, o que tornava o local ainda mais frio.

Lá permaneci por mais de três meses. Só no final de agosto, fui libertado. No entanto, continuei sentindo o peso da prisão ainda por muito tempo, primeiro, pela proibição de voltar a estudar tanto em escolas públicas, quanto particulares; depois, por continuar a responder processo por mais sete anos, até a decisão final que saiu em junho de 1977. Além disso, durante todo este período, fui visitado e ameaçado pelos elementos da SNI, DOPS, Polícia Civil, que me procuravam no local de trabalho, em casa e até mesmo na rua, sendo que a última visita aconteceu em no final de 1978, depois de mais de um ano de absolvição pelo Superior Tribunal Militar, em recurso do Ministério Público. Por fim, passei estes 28 anos, tratando de uma gastrite de fundo emocional, crises de depressão, e insônia que até hoje me perturba. Passei estes anos todos sob o efeito de calmantes, tranqüilizantes e outros remédios.

Causa repugnância a forma covarde com que o autor foi tratado, um adolescente que pouca ou nenhuma ameaça poderia produzir ao regime antidemocrático instaurado, denotando-se que as agressões mais de prestaram a satisfazer o caráter vil dos agressores, do que assegurar a perpetuação do regime, atitudes que eram incentivadas ou ao menos toleradas pelas autoridades competentes.

Nessa seara o parecer psicológico de Luciano Fialkoski (fls. 38-40) dá conta do suplício mental experimentado pelo autor durante e depois dos atos praticados pelos agentes públicos. Evidenciado, portanto, que o postulante experimentou danos ocasionados pelo trauma durante toda a sua vida, mesmo após o ressarcimento pela administração pública, comprovando o caráter imanente da lesão gerada. Eis o teor do parecer psicológico:

1. Considerando a idade que Airton contava na época, 17 anos, estamos diante de um adolescente, portanto vivenciado as modificações psíquicas que se estampam no comportamento, onde são observadas certas características que podemos descrever como um necessário processo de avessamento psíquico das aquisições da educação familiar durante a infância, processo que tem por destino a estruturação final dos valores, caráter e personalidade que caracterizarão o futuro adulto. É sabido que muitas vezes as manifestações desse processo produzem uma exacerbação no comportamento, comumente tomado pelos adultos como rebeldia adolescente.

No caso de Airton, essa passagem coincidiu com o momento político institucional, ocasião que levou a envolver-se com o movimento estudantil da época, local propício para a canalização daqueles anseios subjetivamente idealizados característicos da fase da adolescência. A vinculação com a dimensão política desse envolvimento não tinha nada a ver com aquelas necessidades subjetivas de desenvolvimento psíquico a que se prestavam, naquela ocasião, carreando da vida escolar e participação nos grupos da sua idade, seu alimento principal. Não foram, portanto, as convicções ideológicas que o levaram a se envolver com as ações no meio estudantil, mas que o levaram à prisão política, no entanto.

A prisão por si só não traria maiores conseqüências, muitas vezes comuns em casos de arruaças adolescentes em fins-de-semana. Porém, temos que diferenciá-la dos atos de tortura sofridos, segundo Airton, durante a prisão. Nestes casos, onde a prisão é acompanhada de tortura, mesmo o adulto sofre conseqüências que em geral, sabe-se por farta literatura, deixam marcas que o obrigam a constantemente se ocupar dos fantasmas que representam tais episódios, pelo resto de suas vidas. No caso de Airton, por ser adolescente na época, temos então que considerar que os atos de tortura sofridos incidiram sobre uma personalidade não totalmente formada, cujas seqüelas decorrem, entre outras, da interrupção drástica dos mecanismos normais de elaboração das vivências da adolescência em curso normal até então, por obrigá-lo neste caso, segundo relata, sob agressão física e de forma compulsória e de total submissão, a ter que agir contrariamente a suas convicções mais profundas, ao mesmo tempo que articular simbolicamente algo estranho às relações sociais vividas até então, na sua formação psíquica individual.

2. Outro ponto que podemos considerar se refere ao fato de que muitas vezes ocorrem, durante a

infância e adolescência, atos agressivos de adultos responsáveis pela formação de uma criança ou adolescente, em especial os pais, que se aproximam em grau aos atos de crueldade característicos de tortura. Porém, mesmo nestes casos, os prejuízos psíquicos só não são maiores pelo fato de que os laços afetivos em jogo são também laços de amor e que, pela presença de patologia nos pais, se mesclam, não deixando, mesmo assim, de ter suas conseqüências psíquicas danosas. No caso da tortura sofrida por Airton, conforme relata, esta foi perpetrada por quem não possuía nenhum laço afetivo com o mesmo, o que tornam esses atos muito mais graves do ponto de vista da agressão e danos psíquicos. Podemos aventar como sendo da ordem das seqüelas, entre outros, o afastamento sumário que se seguiu ao episódio, dos amigos e pessoas com os quais mantinha relações de afeto, de lealdade e credibilidade, dimensões importantes da vivência adolescente entre seus pares, para o futuro adulto, aspectos que aparecem prejudicados, se levarmos em conta o perfil das relações sociais que o mesmo passou a viver após sua prisão, caracterizado basicamente pela inibição e afastamento dos amigos da época, que passou a constituir como item limitador da sua vida afetiva e social, sendo que até hoje tem extrema dificuldade de constituir amizades. A inibição e afastamento também eram gerados por uma fantasia obsessiva de que iria prejudicar alguém.

3. Devemos considerar também a passagem de Airton por locar de prisão onde, segundo se refere, vivenciou, por vários meses, a proximidade com colegas presos que eram torturados, cujos gritos e ruídos ouvidos desde sua sela, também representaram um ato de tortura compulsório que deixou marcas psíquicas a partir daí, parecendo até hoje presentes. Os sintomas da permanência destas marcas aparecem quando Airton ouve gritos ou vozes difusas em torno do ambiente em que se encontra, levando-o a se alterar emocionalmente, de imediato, provocando comportamentos de defesa exacerbados ante tais estímulos. Sente-se impelido a ir de encontro a tais estímulos. Sente-se impelido a ir de encontro a tais estímulos procurando interrompê-los a qualquer custo, inclusive tal acontecendo na relação com seus filhos infantes. Neste caso, como pareceria outro agravante, como seqüela, que é o prejuízo que essas reações e características sintomáticas provocam na sua relação pai-filhos.

Impende destacar, ainda, o parecer exarado pelo relator do processo administrativo, o Sr. Carlos Alberto Franck (fls. 43 e 47/48):

A prisão de Aírton Joel Frigeri merece um especial análise. Pois entre todos os casos por mim analisados este é o terceiro em que um menor de idade é preso e seviciado; 16 anos tinha na época. Portanto, peço que me perdoem os auditores, por estender-me um pouco reportando-me ao que o próprio jovem relata, e estendendo-me também a observações que o dever me obriga, mais que isto, a repugnância que causa tal sorte de crime!

(…)

É impressionante o poder que os policiais tinham sobre os seus prisioneiros; de vida e morte,

protegidos pelo poder discricionário, que sobrepõe-se a qualquer direito cidadão, mais ainda quando se trata de um jovem menor de idade, protegido pela constituição e por acordos firmados a níveis internacionais; nem falar do mais importante, o respeito devido à criança, algo que não se aprende nas escolas, que é cerne intuitivo de qualquer ser com ética e moral. Tinham os policiais carta branca para atuar, desde que obtivessem resultados satisfatórios; resultados que somavam glórias e currículos que os levavam a pensões, a super salários, por serem durões e sem escrúpulos, aos aplausos de seus superiores. Mostra esse processo, a diferença de tantos outros de maior ou menos nível de sevícias, por se tratar de um menor de idade. O cerne imoral, antiético, antidemocrático, doentio, desumano de qualquer ditadura. O preso, nas mãos deles, perde qualquer valor, rosto, mesmo a condição de criança; é transformado num trapo pelo simples e inalienável direito de exercer seus deveres cidadãos, de escolha, preferência, de opor-se intuitivamente ao que condena, de condena ou aplauso; e dizer que comunistas comiam criancinhas! Como o jovem Frigeri, com apenas dezesseis anos de idade, mas que suficiente valentia e dignidade teve, para alçar a sua vós contra o arbítrio, o crime de lesa-humanidade, a prepotência, o egocentrismo dos super poderes, dos direitos individuais cercados, contra os cernes conhecidos do caracter fascistas! Casos como o do jovem Frigeri, são os melhores exemplos, os que impõe maior qualidade de interrogações, de reflexões; pois que outro conclusão permite formar sobre um governo que a tanto crime permite, senão de criminal!? Que outra conclusão permite tanto crime, senão a concluir ser ele um governo formado por criminais!?

Desta forma, não há dúvidas quanto à ilicitude dos atos praticados pelos agentes públicos, nem quanto ao nexo causal ou dever de reparar, insculpidos no art. 186 do Código Civil, nem ao menos da responsabilidade objetiva que cabe ao Estado em função da prática de tortura comprovada no feito e realizada por aqueles. Portanto, é devida a indenização pleiteada à título de dano moral.

Dos danos morais

Preambularmente, cumpre ressaltar que, uma vez reconhecida a responsabilidade do Estado pelo evento danoso, exsurge o dever de ressarcir os danos daí decorrentes, como o prejuízo imaterial ocasionado, decorrente da dor e sofrimento do autor, em razão do constrangimento e vexame moral ao qual foi submetido nas masmorras de um regime totalitário, cuja tortura é a prática mais vil a que o ser humano pode ser exposto. Aliado ao fato de que se trata aqui de dano moral puro que prescinde de qualquer prova a respeito, embora estas existam a profusão no presente feito, pois a profunda amargura que atinge ao âmago do indivíduo nesses casos é presumível, o que é passível de indenização.

A esse respeito, é oportuno trazer à colação os ensinamentos do jurista Cavalieri Filho[13] ao asseverar que:

... Por mais pobre e humilde que seja uma pessoa, ainda que completamente destituída de formação cultural e bens materiais, por mais deplorável que seja seu estado biopsicológico, ainda que destituída de consciência, enquanto ser humano será detentora de um conjunto de bens integrantes de sua personalidade, mas precioso que o patrimônio, que deve ser por todos respeitada. Os bens que integram a personalidade constituem valores distintos dos bens patrimoniais, cuja agressão resulta no que se convencionou chamar de dano moral. Essa constatação, por si só, evidencia que o dano moral não se confunde com o dano material; tem existência própria e autônoma, de modo a exigir tutela jurídica independente.

É oportuno ressaltar a peculiaridade do caso em exame, pois se trata da redução de um ser humana a condição de coisa, sem valor, sem passado ou futuro, apenas um objeto a ser submetido à forma mais perversa de maldade, aquela que atinge não só a existência física, mas busca esmagar a alma e a condição de indivíduo, qual seja a tortura, sem dúvida que esta destitui a vítima de sua dignidade, mal este que merece reparação.

Do quantum a ser fixado para indenização por dano moral

Com relação ao valor a ser arbitrado a título de indenização por dano moral há que se levar em conta o princípio da proporcionalidade, bem como, as condições do ofendido, in casu, agricultor, que utiliza do benefício da gratuidade judiciária, a capacidade econômica do ofensor, ente público de direito interno, ou seja, o Estado. Acresça-se a isso a reprovabilidade da conduta ilícita praticada e, por fim, que o ressarcimento do dano não se transforme em ganho desmesurado, deixando de corresponder à causa da indenização. Nesse sentido, Cavalieri Filho[14] discorre sobre este tema, mais uma vez, com rara acuidade jurídica, afirmando que:

Creio que na fixação do quantum debeatur da indenização, mormente tratando-se de lucro cessante e dano moral, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano.

Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e conseqüências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes.

Portanto, a indenização deve ter um caráter preventivo, com o fito de a conduta danosa não voltar e se repetir, assim como punitivo, visando à reparação pelo dano sofrido. Não devendo, contudo, se transformar em objeto de enriquecimento ilícito devido à fixação de valor desproporcional para o caso concreto.

Desse modo, o valor a título de danos morais, ao meu sentir deve levar em consideração as questões fáticas presentes nos autos e mencionadas anteriormente, tais como a extensão do prejuízo, a devida quantificação da conduta ilícita e capacidade econômica do ofendido.

Nesse contexto, entendo que para a controvérsia examinada, adequada se mostra a indenização no montante equivalente a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), quantia esta que não se mostra nem tão baixa assegurando o caráter repressivo-pedagógico próprio da indenização por danos morais nem tão elevada a ponto de caracterizar um enriquecimento sem causa.

Assim, entendo que o quantum indenizatório fixado a título de dano moral seja equivalente à gravidade do prejuízo ocasionado, de forma a compensar a vítima pela lesão causada, mostrando-se compatível com as condições examinadas no caso em tela.

Do termo inicial dos juros e da correção monetária

Com relação à incidência de juros e correção monetária sobre o valor da condenação, é importante assinalar que aqueles são corolários legais desta, de sorte que é desnecessário que a sentença disponha expressamente a esse respeito.

Frise-se que a correção monetária não representa encargo, uma vez que neutraliza os efeitos do tempo sobre o valor da moeda, ou seja, é conseqüência do próprio crédito, não importando em acréscimo ao quantum devido, mas mera manutenção do poder aquisitivo da moeda em curso no país, de sorte que a não-satisfação desta importa em enriquecimento sem causa por parte da apelante. Logo, deve ser ressarcido integralmente ao credor, de acordo com o disposto no artigo 884, caput, in fine, do atual Código Civil, bem como em função de expressa disposição da Lei n.º 6.899/80.

De outro lado, o índice que medirá esta atualização deve ser o IGP-M, que é o parâmetro adotado por esta Corte como fator de correção monetária, pois é o que melhor atualiza o valor nominal da moeda em curso no país, sendo que o entendimento deste Colegiado é de que esta deve incidir a contar do

arbitramento da indenização.

Aliás, a questão envolvendo o termo inicial da correção monetária, anteriormente controvertida na

jurisprudência dos tribunais pátrios, restou pacificada com a edição recente da Súmula nº. 362 pelo Superior Tribunal de Justiça, em 15 de outubro de 2008:

Súmula nº. 362 do Superior Tribunal de Justiça: A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.

No que tange aos juros moratórios estes devem incidir a base de 1% ao mês, na forma do artigo 406 do Código Civil, em consonância com o disposto no artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, a partir do reconhecimento do fato em análise. Dispositivos estes que autorizam a incidência imediata do percentual precitado para a hipótese de moratórios, em especial no caso em exame, no qual a reparação deve ser a mais ampla possível, sob pena de importar em prejuízo para a parte autora. Nesse sentido são os arestos a seguir transcritos:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. VALOR DA REPARAÇÃO. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA. VERBA HONORÁRIA. Preliminar de nulidade da sentença, por cerceamento de defesa, rejeitada. A reparação do dano moral há de ser arbitrada em consonância com as circunstâncias de cada caso e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido, evitando que se converta em fonte de enriquecimento ou se torne inexpressiva. Valor da reparação mantido. Juros de mora contados da data do evento danoso. Súmula 54 do STJ e art. 398 do atual CC. Verba honorária majorada. Apelação provida em parte. (Apelação Cível Nº. 70027280932, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leo Lima, Julgado em 17/12/2008).

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DESCONTO PREVIDENCIÁRIO INDEVIDO. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. Evidenciado o ilícito da ré, que procedeu o desconto do benefício previdenciário da autora, junto ao INSS, de parcelas de financiamento não contratado pela beneficiária, privando-a da utilização dos valores indevidamente deduzidos, caracterizado está o dano moral puro ou in re ipsa, exsurgindo, daí o dever de indenizar. Assim, de acordo com os parâmetros adotados por esta Câmara, em casos análogos, a indenização resta fixada em R$ 8.300,00, acrescida de correção monetária pelo IGP-M a contar da sessão e julgamento e de juros legais, incidentes a partir do evento danoso. Sucumbência redimensionada. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº. 70026937383, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho, Julgado em 29/10/2008).

O presente feito apresenta uma peculiaridade que distingue o caso dos autos dos demais que versam quanto a responsabilidade civil aquiliana, o fato do dano ter sido reconhecido a partir da Lei Estadual nº 11.042/1997, sendo o termo inicial a ser considerado para a incidência dos juros moratórios é a data na qual o pedido administrativo foi dirigido à Administração Pública e deferido por esta, tendo em vista que foi constituída a obrigação de indenizar desde aquele março, ou seja, a partir do ingresso daquele pleito retroagem os efeitos do reconhecimento da evento danoso em questão.

Por derradeiro, no que tange a sucumbência, o demandado deverá arcar com o pagamento das custas

processuais, assim como, suportar os honorários advocatícios aos procuradores da parte adversa, sendo que fixo em 20% sobre o valor da condenação na forma do art. 20, § 3º, do CPC, tendo em vista o trabalho realizado pelos procuradores das partes e complexidade da causa, além do resultado obtido na demanda. III - DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao apelo a fim de afastar a prescrição do direito de ação, bem como condenar o demandado ao pagamento de R$

(duzentos mil reais) a título de indenização por danos morais, corrigidos monetariamente a partir do arbitramento e acrescidos de juros moratórios desde a data do pedido administrativo feito ao Estado, conforme fundamentação delineada no corpo do voto. No que tange à sucumbência, esta é reordenada de acordo com o preconizado anteriormente.

DES. ROMEU MARQUES RIBEIRO FILHO (REVISOR) - De acordo com o (a) Relator (a).

DES.ª ISABEL DIAS ALMEIDA - De acordo com o (a) Relator (a).

DES. JORGE LUIZ LOPES DO CANTO - Presidente - Apelação Cível nº 70037772159, Comarca de Caxias do Sul:"DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME."

Julgadora de 1º Grau: MARIA ALINE FONSECA BRUTTOMESSO

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