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17 de Maio de 2024

Teoria geral das provas

há 9 anos

A Lei nº. 11.690/2008, que entrou em vigor no dia 11 de agosto de 2008, alterou alguns dispositivos do Código de Processo Penal relativos à prova, além de outros, como veremos a seguir.

Permanecemos, como não poderia ser diferente, com o sistema do livre convencimento fundamentado, pois diz o novo art. 155 que o “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.” (grifo nosso).

Lamentavelmente acrescentou-se o advérbio exclusivamente que não constava do texto do anteprojeto entregue ao Ministério da Justiça pela Comissão presidida por Ada Pelegrini Grinover e que deu origem ao Projeto de Lei nº. 4.205/2001.

Se é verdade que a expressão “prova produzida em contraditório judicial” fortalece a exigência constitucional da observância do devido processo legal, o certo é que o acréscimo do referido advérbio de exclusão fez cair por terra o que desejavam os autores do anteprojeto.

Ao prescrever que o Juiz não pode fundamentar a sua decisão exclusivamente nos atos investigatórios, a contrario sensu, defere-se ao Magistrado a possibilidade de motivar a sua sentença com base em alguns elementos informativos colhidos na investigação (ainda que não todos), o que é uma afronta à Constituição Federal. A lei deveria sim proibir categoricamente a utilização de quaisquer elementos informativos adquiridos na primeira fase da persecutio criminis, salvo, evidentemente, as provas irrepetíveis, antecipadas e produzidas cautelarmente.

Como se sabe, na fase investigatória, que é inquisitiva, não se permite o exercício pleno do contraditório, nem tampouco a ampla defesa o que macula qualquer decisão tomada com base em elementos colhidos naquela fase anterior. Assim, salvo as ressalvas feitas pela lei (as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas), aliás, perfeitamente compreensíveis, os atos investigatórios produzidos na peça informativa devem ser repetidos para que valham como meios de prova idôneos para o julgador.

Neste sentido, por maioria de votos, os ministros presentes à sessão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal concederam um Habeas Corpus (HC 96356) para J. C. M. B., que foi condenado no Rio Grande do Sul por latrocínio, apenas com base em depoimentos prestados na fase de inquérito policial. Com a decisão, os ministros cassaram a condenação imposta a J. C., e restabeleceram a decisão do juiz de primeira instância, que absolveu o acusado. O julgamento começou no início de agosto, quando o relator do caso, ministro Marco Aurélio, votou pela concessão da ordem. Para ele, o caso era emblemático. “Não se trata de valorar depoimentos prestados durante o inquérito e a posterior retratação em juízo. Busca-se saber se depoimentos colhidos durante o inquérito sem o contraditório, refutados por sinal em juízo, servem ou não à condenação”, explicou o ministro. Sobre o tema, o ministro disse que o STF vem reiteradamente proclamado que “o que coligido na fase de inquérito não serve a respaldar decisão condenatória”. Dessa forma, seria indispensável a demonstração da culpa em juízo, sob o ângulo do contraditório, disse o ministro ao votar pelo deferimento do HC. Na ocasião, o julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli, que na sessão de hoje proferiu seu voto-vista. Ao decidir acompanhar o relator, o ministro Toffoli revelou que não encontrou nenhuma outra prova ou elemento a fundamentar a condenação, apenas os depoimentos colhidos na fase de inquérito, e que esses depoimentos não foram submetidos ao contraditório. Apenas o ministro Ricardo Lewandowski divergiu do relator.

Em decisão unânime, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente Ação Penal (AP 427) aberta contra um Deputado Federal por crime de dano qualificado. O parlamentar foi acusado de estragar uma porta do Incor (Instituto do Coração), em São Paulo, quando aguardava sua mãe ser atendida no hospital2. “Inexistem provas suficientes para condenação”, afirmou a relatora da ação penal, Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha. “Falta, nos autos, prova a demonstrar ter sido o réu efetivamente responsável pelo dano causado na porta do hospital”. Cármen Lúcia também ressaltou que as provas testemunhais colhidas na fase do inquérito não foram submetidas ao contraditório, regra a ser observada quando o processo criminal tramita como ação penal. Ela informou que o MPF não arrolou testemunhas na fase da ação penal, circunstância que “ajudou a inviabilizar a demonstração dos fatos na forma narrada na denúncia”. “Sem o crivo do contraditório não há como validar o quanto dito (pelas testemunhas ouvidas no inquérito)”, concluiu.“Quanto à autoria e ao dolo do réu em causar dano ao hospital Instituto do Coração inexistem nos autos provas colhidas sob o crivo do contraditório a responsabilizar de qualquer forma o réu, o que impossibilita absolutamente a condenação”, acrescentou. O decano do Supremo, ministro Celso de Mello, lembrou que a orientação jurisprudencial dos tribunais e do STF é “no sentido de que é nula a decisão proferida em processo que correu em branco, sem que nenhuma prova fosse produzida contra o réu em juízo”. Ele acrescentou que “a prova colhida no inquérito não serve, sabidamente, para dar respaldo a um decreto condenatório”. O revisor do processo, Ministro Dias Toffoli, também destacou o fato de que a prova testemunhal colhida na fase do inquérito não foi submetida ao contraditório. “O inquérito policial não pode ser sede de sentença condenatória”, disse. “Os depoimentos das testemunhas que reforçariam uma eventual condenação foram todos colhidos na dita fase pré-processual”, acrescentou.

Por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus (HC 103660) para absolver um cidadão condenado a nove anos de reclusão por crime sexual contra a própria enteada. Segundo os ministros, a condenação se baseou apenas em provas colhidas durante a fase de inquérito policial, sem as garantias do contraditório, o que não é aceito pela jurisprudência da Corte. De acordo com o relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski, o juiz de primeiro grau absolveu o acusado com base no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, alegando ausência de provas. Essa decisão, contudo, foi alterada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que, na análise de recurso do Ministério Público Estadual, condenou o réu a 15 anos de reclusão. Ao analisar o mérito do pedido – depois de conceder liminar, em julho de 2010, para que o condenado aguardasse em liberdade o julgamento do recurso –, o ministro Lewandowski lembrou que é pacífica a jurisprudência da Corte no sentido de que não pode se manter uma condenação fundada apenas em provas colhidas durante a fase de inquérito policial, como se deu no caso. Todos os ministros presentes à sessão acompanharam o relator, pela concessão da ordem de habeas corpus, restabelecendo a sentença absolutória de primeiro grau.

Em sentido oposto, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal manteve a condenação do advogado E. R. M. Pela prática de estelionato previdenciário contra o Instituto Nacional do Seguro Social. Por unanimidade, a Turma seguiu o voto do relator, Ministro Celso de Mello, que negou provimento ao Recurso Ordinário no Habeas Corpus (RHC) 106398. Para o ministro, há evidências de que a condenação do advogado em primeira instância não se baseou apenas em provas penais produzidas unilateralmente na fase de inquérito policial, como alega a defesa, o que transgrediria a garantia constitucional do contraditório. “Houve empréstimo de prova, mas há outros elementos de informação idôneos, produzidos em juízo, sob a garantia do contraditório, e que motivaram a prolação pelo magistrado sentenciante de um decreto de condenação penal”.

Ressalve-se que tais provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas devem se submeter, quando possível, ao contraditório prévio e ser produzidas na presença de um Juiz de Direito, do Ministério Público e de um defensor (seja dativo ou constituído), salvo absoluta impossibilidade, como no caso da realização urgente de um exame de corpo de delito; nesta última hipótese, difere-se o contraditório para a fase judicial.

Prova irrepetível é aquela que não pode mais ser reproduzida em Juízo, em razão, por exemplo, de terem desaparecidos os vestígios do crime, o que impossibilitará a realização de um novo exame de corpo de delito (ressalvando-se, como dito, a possibilidade de contestação do laudo pericial realizado, mesmo porque, segundo o art. 182 do Código de Processo Penal, não se trata de um meio de prova de idoneidade absoluta); outro exemplo é o depoimento da vítima prestado durante o inquérito policial, quando esta já tenha falecido na época da instrução criminal. O § 251, 2º. Do Código de Processo Penal Alemão, expressamente, estabelece que "se uma testemunha, um perito ou um inculpado morrer ou se, por outra razão, não puder ser inquirido em tempo determinável, podem ser aproveitados os autos de outro interrogatório, bem como certidões que contenham uma manifestação escrita provenientes das pessoas mencionadas."

No art. 225 do Código de Processo Penal temos um exemplo de prova antecipada: “Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento.”. Neste caso, a ouvida de uma “testemunha de defesa” antes de uma “de acusação”, invertendo-se a ordem determinada pelo Código (art. 400 com a redação dada pela Lei nº. 11.719/08) e exigida pelo princípio do contraditório, não gerará nulidade, desde que a providência tenha sido realmente imprescindível.

A propósito, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal negou Habeas Corpus (HC 93157) para M. M. O., acusado pela prática de homicídio qualificado. Ele questionava o fato de o juiz ter interrogado antecipadamente as testemunhas do caso. Para os Ministros, porém, o Código de Processo Penal permite ao juiz antecipar a produção de provas. De acordo com o relator, Ministro Ricardo Lewandowski, logo que citou o acusado (foragido) por edital e decretou sua prisão preventiva, o juiz decidiu antecipar a produção de provas, sem justificar. O magistrado só fundamentou sua decisão mais tarde, quando solicitado a dar informações de sua atitude às instâncias superiores que julgaram pedidos de habeas corpus ajuizados pela defesa. Na ocasião, o juiz explicou que os fatos criminosos investigados teriam ocorrido há mais de seis anos, e que se corria o risco de as testemunhas esquecerem os detalhes. Para o Ministro Ricardo Lewandowski, mesmo que o Código de Processo Penal permita a produção antecipada de provas, não se pode permitir o automatismo. Assim, por falta de fundamentação específica do juiz a justificar o procedimento, Lewandowski votou pela concessão da ordem para anular os interrogatórios. O ministro fez questão de frisar que seu voto tinha um viés pedagógico, no sentido de alertar os magistrados para que não tornem esse tipo de conduta automatizada. Os demais Ministros da Primeira Turma, contudo, divergiram do entendimento do relator. Para eles, o juiz agiu bem. O Ministro Carlos Alberto Menezes Direito revelou que, de acordo com os autos, o que o juiz fez foi aceitar um pedido de antecipação de provas. O juiz tem o poder de determinar essa produção antecipada de provas, “está ao seu alvedrio”, disse o Ministro, iniciando a divergência e votando pelo indeferimento do pedido. O Código de Processo Penal, em seus artigos 225 e 366 dão respaldo ao juiz, emendou o presidente da Turma, Ministro Marco Aurélio. Para Cármen Lúcia Antunes Rocha, em certos casos o magistrado deve agir nesse sentido, para assegurar que se cumpra o dever do estado. O Ministro Carlos Ayres Britto completou a corrente que definiu o resultado do julgamento, pela rejeição do pedido.

Como prova de natureza cautelar, cita-se a busca e apreensão disciplinada nos arts. 240 e seguintes do Código de Processo Penal, com as ressalvas feitas em alguns daqueles dispositivos, a saber: art. 240, § 1º., f (cfr. Art. ., XII da Constituição Federal), art. 241 (quando dispensa a expedição de mandado), art. 242 (ordem determinada de ofício pelo Juiz, ferindo o sistema acusatório). Obviamente que como toda medida cautelar, deve-se atentar para os seus conhecidos pressupostos (periculum in mora e fumus commissi delicti), sem os quais será ela incabível e, por conseguinte, não valerá para subsidiar uma sentença. Ademais, tais provas devem ser aquelas “consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida”, segundo complementa o novo art. 156, I.

O parágrafo único do art. 155 prescreve, tal como conhecíamos, que “somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil”; a propósito, já ensinava Câmara Leal que “a prova do estado das pessoas fica subordinada às regras civis para sua produção”, como no casamento, a idade, filiação, etc. Aliás, exatamente por isso, quando se trata de questão prejudicial relativa ao estado civil das pessoas, o Juiz da ação penal deve deixar a solução da controvérsia para o Juiz Cível, pois se trata de uma “questão prejudicial de devolução obrigatória” (art. 92 do Código de Processo Penal). Na verdade, como explica Antonio Scarance Fernandes, “o que é obrigatória ou facultativa é a suspensão do processo em face da existência de prejudicial.”

O novo art. 156 repete, em parte, o atual, ao dizer que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”, facultando-se, porém, ao Juiz, de ofício o seguinte:

“I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida

“II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”

Lamentavelmente continua o nosso Código de Processo Penal estabelecendo uma regra só aplicável para os processos cíveis, qual seja a de caber o ônus da prova a quem alega. Tal disposição é absolutamente inaplicável em processo penal, onde o ônus da prova é sempre da acusação, em razão dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo. Estabelecer simples e categoricamente que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”, repetindo o Código de Processo Civil (art. 333, I e II), é fazer tábula rasa do referido princípio constitucional da presunção de inocência (art. ., LVII da Constituição Federal). Com acerto, afirmava Giuseppe Bettiol, que “é sobre o Ministério Público que recai todo o peso do ônus da prova no processo penal. Isto no sentido de que ele é chamado a demonstrar (se pretende eliminar da mente do juiz todo o resíduo de dúvida) a realidade dos fatos constitutivos da pretensão punitiva (o acusado de crime de furto subtraiu efetivamente uma coisa móvel de outrem) e a inexistência de fatos impeditivos (não se verificou a favor do réu o estado de necessidade que justificaria o delito de furto): isto é, todo o complexo dos pressupostos, elementos, condições e circunstâncias que tornam possível a aplicação da pena.”

Aliás, encontramos na jurisprudência uma ou outra decisão que faz recair o ônus da prova sobre os ombros da acusação, ainda que a defesa alegue algum fato impeditivo, modificativo ou extintivo. Neste sentido, por exemplo, esta decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região:

“Cabe à acusação, preleciona o jurista Fernando da Costa Tourinho Filho, ´provar a existência do fato e demonstrar sua autoria. Também lhe cabe demonstrar o elemento subjetivo que se traduz por dolo ou culpa. Se o réu goza de presunção de inocência, é evidente que a prova do crime, quer a parte objecti, quer a parte subjecti, deve ficar a cargo da acusação` (Processo Penal. 14. Ed. Saraiva: São Paulo, 1993. V. III, p. 213). Assim, não tendo o Ministério Público Federal arcado com o ônus material de provar a imputação penal atribuída ao réu na denúncia, encargo que lhe é conferido pelo art. 156, 1ª parte, do CPP, deve ser reformada a r. Sentença condenatória em relação aos crimes dos arts. 334, § 1º, alínea c, e 288, ambos do CP.” (Apelação nº. 2005.04.01.009927-8).

No mesmo sentido, decidiu-se no Tribunal Regional Federal da 2ª. Região: “Necessidade de se harmonizar as regras do ônus da prova com o princípio processual penal do in dubio pro reu, diante do qual resta que não faz sentido exigir que o próprio acusado prove que não praticou o crime, ônus esse que cabe ao Estado, demonstrando que o agente efetivamente violou o tipo penal.” (Apelação nº. 2002.50.01.005932 – 9).

Mesmo no Superior Tribunal de Justiça, como se observa do julgado a seguir transcrito:

“Habeas Corpus nº. 27.684 - Relator: Ministro Paulo Medina: (...) O órgão acusador tem a obrigação jurídica de provar o alegado e não o réu demonstrar sua inocência.2. É característica inafastável do sistema processual penal acusatório o ônus da prova da acusação, sendo vedado, nessa linha de raciocínio, a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 1 56 do Código de Processo Penal. 3. Carece de fundamentação idônea a decisão condenatória que impõe ao acusado a prova de sua inocência, bem como ignora documento apresentado pela Defesa a teor dos artigos 231 e 400 do Código de Processo Penal.” Do voto lê-se: “(...) Estarrecido estou com o teor do decreto condenatório, porquanto o trecho transcrito corresponde à integralidade da fundamentação. Nada mais há; sequer uma só referência à prova produzida pelo órgão ministerial, seja quanto aos fatos objetivamente considerados, seja com relação ao elemento subjetivo do tipo, ou seja, o intuito de fraudar. Não houve qualquer apreciação das provas produzidas pela acusação para firmar o juízo condenatório, mas, ao contrário, afirmou-se que não logrou o acusado provar inverídicos os fatos a ele imputados, numa inaceitável inversão do ônus da prova ao presumir, juris tantum, como verdadeira a narrativa do Parquet, incumbindo ao réu o dever de desconstituir tal presunção. É notório que o órgão acusador tem a obrigação jurídica de provar o alegado e não o réu demonstrar sua inocência. É característica inafastável do sistema processual penal acusatório, como retratado no art. 156 do Código de Processo Penal. Nesse sentido, afirma AFRÂNIO SILVA JARDIM: ´O réu apenas nega os fatos alegados pela acusação. Ou melhor, apenas tem a faculdade de negá-los, pois a não impugnação destes ou mesmo a confissão não leva a presumi-los como verdadeiros, continuando eles como objeto de prova de acusação. Em poucas palavras: a dúvida sobre os chamados fatos da acusação leva à improcedência da pretensão punitiva, independentemente do comportamento processual do réu. Assim, o ônus da prova, na ação penal condenatória é todo da acusação/ e relaciona-se com todos os fatos constitutivos do poder-dever de punir do Estado/, afirmado na denúncia ou queixa; conclusão esta que harmoniza a regra do art. 156, primeira parte, do Código de Processo Penal com o salutar princípio in dubio pro reo.` (Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: forense, 2000, p. 214).”

Esta decisão do Superior Tribunal de Justiça traduz perfeitamente a idéia de que o Processo Penal é, antes de tudo, “um sistema de garantias face ao uso do poder do Estado.” Para Alberto Binder, por meio do Processo Penal “procura-se evitar que o uso deste poder converta-se em um fato arbitrário. Seu objetivo é, essencialmente, proteger a liberdade e a dignidade da pessoa”

Atentemos, outrossim, para a lição do mestre argentino Julio Maier, segundo a qual “la carga de la prueba de la inocencia no le corresponde al imputado o, de otra manera, que la carga de demonstrar la culpabilidad del imputado le corresponde al acusador y, también, que toda la teoria de la carga probatória no tiene sentido en el procedimiento penal. (...) El imputado no tiene necessidad de construir su inocencia, ya construida de antemano por la presunción que lo ampara, sino que, antes bien, quien lo condena debe destruir completamente esa posición, arribando a la certeza sobre la comisión de un hecho punible.”

Concordamos também com Alexandre Bizzotto e Andreia de Brito Rodrigues, que “na persecução penal, todo ônus probatório é da acusação.”

Também no Supremo Tribunal Federal:

“Habeas Corpus nº. 73338, de 19/12/1996 - EMENTA: HABEAS CORPUS - PROVA CRIMINAL - MENORIDADE - RECONHECIMENTO - CORRUPÇÃO DE MENORES (LEI Nº 2.252/54)- INEXISTÊNCIA DE PROVA ESPECÍFICA - IMPOSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO TÍPICA DA CONDUTA IMPUTADA AO RÉU- CONDENAÇÃO POR OUTROS ILÍCITOS PENAIS - EXACERBAÇÃO DA PENA - DECISÃO PLENAMENTE MOTIVADA - LEGITIMIDADE DO TRATAMENTO PENAL MAIS RIGOROSO - PEDIDO DEFERIDO EM PARTE. MENORIDADE - COMPROVAÇÃO - CERTIDÃO DE NASCIMENTO - AUSÊNCIA - DESCARACTERIZAÇÃO TÍPICA DO CRIME DE CORRUPÇÃO DE MENORES. O reconhecimento da menoridade, para efeitos penais, supõe demonstração mediante prova documental específica e idônea (certidão de nascimento). A idade - qualificando-se como situação inerente ao estado civil das pessoas - expõe-se, para efeito de sua comprovação, em juízo penal, às restrições probatórias estabelecidas na lei civil (CPP, art. 155). - Se o Ministério Público oferece denúncia contra qualquer réu por crime de corrupção de menores, cumpre-lhe demonstrar, de modo consistente - e além de qualquer dúvida razoável -, a ocorrência do fato constitutivo do pedido, comprovando documentalmente, mediante certidão de nascimento, a condição etária (menor de dezoito (18) anos) da vítima do delito tipificado no art. da Lei nº 2.252/54. O PROCESSO PENAL COMO INSTRUMENTO DE SALVAGUARDA DAS LIBERDADES INDIVIDUAIS. - A submissão de uma pessoa à jurisdição penal do Estado coloca em evidência a relação de polaridade conflitante que se estabelece entre a pretensão punitiva do Poder Público e o resguardo à intangibilidade do jus libertatis titularizado pelo réu. A persecução penal rege-se, enquanto atividade estatal juridicamente vinculada, por padrões normativos, que, consagrados pela Constituição e pelas leis, traduzem limitações significativas ao poder do Estado. Por isso mesmo, o processo penal só pode ser concebido - e assim deve ser visto - como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu. O processo penal condenatório não é um instrumento de arbítrio do Estado. Ele representa, antes, um poderoso meio de contenção e de delimitação dos poderes de que dispõem os órgãos incumbidos da persecução penal. Ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu - que jamais se presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença condenatória -, o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão judicial e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão acusador o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado, que jamais necessita demonstrar a sua inocência, o direito de defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público (grifo nosso). A própria exigência de processo judicial representa poderoso fator de inibição do arbítrio estatal e de restrição ao poder de coerção do Estado. A cláusula nulla poena sine judicio exprime, no plano do processo penal condenatório, a fórmula de salvaguarda da liberdade individual. O PODER DE ACUSAR SUPÕE O DEVER ESTATAL DE PROVAR LICITAMENTE A IMPUTAÇÃO PENAL. - A exigência de comprovação plena dos elementos que dão suporte à acusação penal recai por inteiro, e com exclusividade, sobre o Ministério Público. (grifo nosso). Essa imposição do ônus processual concernente à demonstração da ocorrência do ilícito penal reflete, na realidade, e dentro de nosso sistema positivo, uma expressiva garantia jurídica que tutela e protege o próprio estado de liberdade que se reconhece às pessoas em geral. Somente a prova penal produzida em juízo pelo órgão da acusação penal, sob a égide da garantia constitucional do contraditório, pode revestir-se de eficácia jurídica bastante para legitimar a prolação de um decreto condenatório. Os subsídios ministrados pelas investigações policiais, que são sempre unilaterais e inquisitivas - embora suficientes ao oferecimento da denúncia pelo Ministério Público -, não bastam, enquanto isoladamente considerados, para justificar a prolação, pelo Poder Judiciário, de um ato de condenação penal. É nula a condenação penal decretada com apoio em prova não produzida em juízo e com inobservância da garantia constitucional do contraditório. Precedentes. - Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-Lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Não se justifica, sem base probatória idônea, a formulação possível de qualquer juízo condenatório, que deve sempre assentar-se - para que se qualifique como ato revestido de validade ético-jurídica - em elementos de certeza, os quais, ao dissiparem ambigüidades, ao esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade, revelam-se capazes de informar, com objetividade, o órgão judiciário competente, afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas que poderiam conduzir qualquer magistrado ou Tribunal a pronunciar o non liquet.”

No mesmo sentido:

“TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO – 2007.059.08360 - HABEAS CORPUS - PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL - DES. CARLOS AUGUSTO BORGES - Julg: 29/01/2008 - Se a denúncia imputa ao agente a prática de crime omissivo impróprio, deve descrever de modo claro e objetivo, com todos elementos estruturais, essenciais e circunstanciais, o fato que o coloca em posição de garantia da não superveniência do resultado típico, que não subsume apenas da qualificação funcional do agente, pois não se admite a responsabilidade penal objetiva. A deficiente descrição dos fatos não favorece a identificação do dever jurídico de atuar, com um inelutável prejuízo para a defesa, que se vê numa anômala condição de demonstrar a não ocorrência de um fato não descrito e imputado, que importaria, em última análise, em inversão do ônus da prova no processo penal instaurado com o recebimento da denúncia. Afinal, é quanto aos fatos que é feita a denúncia e não em relação à eventual capitulação dada a uma suposta infração penal praticada pelo denunciado. Writ que se concede em parte para rejeitar a denúncia por inépcia.”

Outrossim, repete-se aqui o equívoco de se permitir ao Juiz de Direito atividade de natureza eminentemente persecutória (agir de ofício), o que significa um gravíssimo atentado aos postulados do sistema acusatório. De toda maneira, atentar que se o Juiz, na forma do disposto no inciso I do art. 156, determinar a produção de prova considerada urgente e relevante, além de observadas a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida, urge que também seja garantido o contraditório, com a presença do Ministério Público e do defensor (constituído, nomeado ou público).

A propósito, Juan Montero Aroca adverte que “si el medio de prueba practicado de oficio por el tribunal de instancia tiene por objeto la comprobación de los hechos, esto es, se dirige a probar su existencia o inexistencia, se produce la quiebra de la imparcialidad objetiva del tribunal.”

Em consonância com o art. 5º., LVI, a lei passa a considerar, no art. 157, “inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”, bem como aquelas “derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.” (§ 1º.)

Neste ponto a lei tratou não somente das provas ilícitas, como também das chamadas provas ilícitas por derivação, baseadas na doutrina do fruit of the poisonous ou the tainted fruit, o que já era, na doutrina nacional, uma ideia mais ou menos pacífica. Esta disposição é válida tanto em relação às provas ilícitas como às ilegítimas, para quem as diferencia.

A propósito, Marco Antônio Garcia de Pinho afirma que “a questão das provas ilícitas por derivação, isto é, aquelas provas e matérias processualmente válidas, mas angariadas a partir de uma prova ilicitamente obtida é, sem dúvida, uma das mais tormentosas na doutrina e jurisprudência. Trata-se da prova que, conquanto isoladamente considerada possa ser considerada lícita, decorra de informações provenientes da prova ilícita. Nesse caso, hoje, nossos tribunais vêm tomando por base a solução da Fruits of the Poisonous Tree, adotada pela US Supreme Court. Esse entendimento, na doutrina pátria, é adotado, dentre outros autores, por Grinover e Gomes Filho. Já Avolio, também tratando com maestria sobre o assunto, concluiu não ser possível a utilização das provas ilícitas por derivação no nosso direito pátrio. Há pouco mais de dez anos, em maio de 1996, o STF confirmou sua posição quanto à inadmissibilidade das provas derivadas das ilícitas, posicionamento, hoje, ainda mais pacífico tendo à frente a ministra Ellen Gracie e os ministros como Gilmar Mendes, Peluzo e Joaquim Barbosa. A prova ilícita por derivação se trata da prova lícita em si mesma, mas cuja produção decorreu ou derivou de outra prova, tida por ilícita. Assim, a prova originária, ilícita, contamina a prova derivada, tornando-a também ilícita. É tradicional a doutrina cunhada pela Suprema Corte norte-americana dos “Frutos da Árvore Envenenada” —Fruits of the Poisonous Tree— que explica adequadamente a proibição da prova ilícita por derivação.”

Esclarece este mesmo autor “que se sustenta um argumento relacional, ou seja, para se considerar uma determinada prova como fruto de uma árvore envenenada, deve-se estabelecer uma conexão entre ambos os extremos da cadeia lógica; dessa forma, deve-se esclarecer quando a primeira ilegalidade é condição sine qua non e motor da obtenção posterior das provas derivadas, que não teriam sido obtidas não fosse a existência da referida ilegalidade originária18. Estabelecida a relação, decreta-se a ilegalidade. O problema é análogo, diga-se, ao direito penal quando se discute com profundidade o tema do nexo causal. É possível que tenha havido ruptura da cadeia causal ou esta se tenha enfraquecido suficientemente em algum momento de modo a se fazer possível a admissão de determinada prova porque não alcançada pelo efeito reflexo da ilegalidade praticada originariamente.”

Em determinada oportunidade, decisão do Ministro Celso de Mello suspendeu, cautelarmente, processo penal em trâmite na 6ª. Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro pela suposta prática de crime contra a ordem tributária praticado por um empresário e contador português. O pedido do acusado foi feito por meio do Habeas Corpus (HC) 93050. A defesa afirma que em agosto de 1993 uma das sedes da empresa foi invadida pela Polícia Federal, e as provas obtidas pelo Ministério Público Federal foram fruto desta operação, realizada sem autorização judicial, na ausência dos sócios e sob coação de funcionários. Portanto, “provas obtidas por meios ilícitos”. Tal diligência, afirmam os advogados, transgrediu as garantias fundamentais contidas no artigo . Da Constituição Federal. Para o relator, ministro Celso de Mello, parte do acórdão do Superior Tribunal de Justiça, questionado pela defesa, “parece demonstrar que tal decisão teria considerado válida prova qualificada pela ilicitude por derivação”. Isto porque, segundo a decisão atacada, a documentação que embasou o início da ação penal resultou de fiscalização ocorrida em outra empresa que não a do acusado. Segundo Celso de Mello, a decisão do STJ contém afirmação que conflita com a jurisprudência do Supremo sobre prova ilícita, “quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação”. Assim, o relator deferiu o pedido de medida liminar para suspender, cautelarmente, até o final do do habeas corpus, o andamento do Processo-crime nº 96.00.26361-2, que tramita na 6ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro/RJ. Depois, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa indeferiu liminar em Habeas Corpus (HC 92020) impetrado para suspender ação penal que tramita no Superior Tribunal de Justiça. A ação penal é derivada de inquérito iniciado no Tribunal Regional Federal da 3ª Região que, por sua vez, é decorrente de interceptação telefônica, deferida e prorrogada pelo Juízo Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária de Alagoas. Segundo Joaquim Barbosa, a eventual nulidade de uma ou outra prova não contamina, automaticamente, aquelas que sejam produzidas posteriormente, devendo a chamada nulidade por derivação (a prova que teve como origem uma prova ilícita, também é ilícita) incidir somente sobre os elementos de convicção que sejam diretamente decorrentes da prova considerada ilícita. Fonte: STF.

No mesmo sentido:

“Com efeito, acolhida a doutrina da contaminação dos frutos da árvore envenenada – fruits of the poisonous tree – necessariamente teremos de reconhecer que as provas ilícitas (inclusive por derivação) devem ser consideradas nulas, independentemente do momento em que foram produzidas” (TRF 4ª R. – 8ª T. – C 2008.04.00.006199-1 – rel. Paulo Afonso Brum Vaz – j. 02.04.2008 – DJU 16.04.2008).

“Tendo o STF declarado a ilicitude de diligência de busca e apreensão que deu origem a diversas ações penais, impõe-se a extensão desta decisão a todas as ações dela derivadas, em atendimento aos princípios da isonomia e da segurança jurídica. Se todas as provas que embasaram a denúncia derivaram da documentação apreendida em diligência considerada ilegal, é de se reconhecer a imprestabilidade também destas, de acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada, trancando-se a ação penal assim instaurada. Ordem concedida para trancar a ação penal em questão, estendendo, assim, os efeitos da presente orda C. R.” (STJ – 6ª T. – HC 100.879 – rel. Maria Thereza de Assis Moura j. 19.08.2008 – DJU 08.09.2008).

Segundo Luiz Flávio Gomes, “prova ilícita é a que viola regra de direito material, constitucional ou legal, no momento de sua obtenção (confissão mediante tortura, v. G.). Essa obtenção, de qualquer modo, sempre se dá fora do processo (é, portanto, sempre extraprocessual). Prova ilegítima é a que viola regra de direito processual no momento de sua obtenção em juízo (ou seja: no momento em que é produzida no processo). Exemplo: oitiva de pessoas que não podem depor, como é o caso do advogado que não pode nada informar sobre o que soube no exercício da sua profissão (art. 207, do CPP). Outro exemplo: interrogatório sem a presença de advogado; colheita de um depoimento sem advogado etc. A prova ilegíma, como se vê, é sempre intraprocessual (ou endoprocessual). O fato de uma prova violar uma regra de direito processual, portanto, nem sempre conduz ao reconhecimento de uma prova ilegítima. Por exemplo: busca e apreensão domiciliar determinada por autoridade policial (isso está vedado pela CF, art. 5.º, X, que nesse caso exige ordem judicial assim como pelo CPP -art. 240 e ss.). Como se trata de uma prova obtida fora do processo, cuida-se de prova ilícita, ainda que viole concomitantemente duas regras: uma material (constitucional) e outra processual. Conclusão: o que é decisivo para se descobrir se uma prova é ilícita ou ilegítima é o locus da sua obtenção: dentro ou fora do processo. De qualquer maneira, combinando-se o que diz a CF, art. 5.º, inc. LVI com o que ficou assentado no novo art. 157 do CPP, vê-se que umas e outras (ilícitas ou ilegítimas) passaram a ter um mesmo e único regramento jurídico: são inadmissíveis (cf. PACHECO, Denílson Feitoza, Direito processual penal, 3.ª ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2005, p. 812).”

Lembra, ainda, Luiz Flávio Gomes que “dizia-se que a CF, no art. 5.º, LVI, somente seria aplicável às provas ilícitas ou ilícitas e ilegítimas ao mesmo tempo, ou seja, não se aplicaria para as provas (exclusivamente) ilegítimas. Para esta última valeria o sistema da nulidade, enquanto para as primeiras vigoraria o sistema da inadmissibilidade. Ambas as provas (ilícitas ou ilegítimas), em princípio, não valem (há exceções, como veremos), mas os sistemas seriam distintos. Essa doutrina já não pode ser acolhida (diante da nova regulamentação legal do assunto). Quando o art. 157 (do CPP) fala em violação a normas constitucionais ou legais, não distingue se a norma legal é material ou processual. Qualquer violação ao devido processo legal, em síntese, conduz à ilicitude da prova (cf. Mendes, Gilmar Ferreira et alii, Curso de Direito constitucional, São Paulo: Saraiva: 2007, p. 604-605, que sublinham: “A obtenção de provas sem a observância das garantias previstas na ordem constitucional ou em contrariedade ao disposto em normas fundamentais de procedimento configurará afronta ao princípio do devido processo legal”). Paralelamente às normas constitucionais e legais existem também as normas internacionais (previstas em tratados de direitos humanos). Por exemplo: Convenção Americana sobre Direitos Humanos. No seu art. 8.º ela cuida de uma série (enorme) de garantias. Provas colhidas com violação dessas garantias são provas que colidem com o devido processo legal. Logo, são obtidas de forma ilícita. Uma das garantias previstas no art. 8.º diz respeito à necessidade de o réu se comunicar livre e reservadamente com seu advogado. Caso essa garantia não seja observada no momento da obtenção da prova (depoimento de uma testemunha, v. G.), não há dúvida que se trata de uma prova ilícita (porque violadora de uma garantia processual prevista na citada Convenção). Não importa, como se vê, se a norma violada é constitucional ou internacional ou legal, se material ou processual: caso venha a prova a ser obtida em violação a qualquer uma dessas normas, não há como deixar de concluir pela sua ilicitude (que conduz, automaticamente, ao sistema da inadmissibilidade).”

Esta disposição chega a ser despicienda em razão do referido comando constitucional. É a nossa velha mania de achar que se não estiver previsto em uma lei (infraconstitucional) não está no ordenamento jurídico, ainda que esteja na Constituição Federal:

“(...) Demonstrada a ilicitude da prova sob enfoque, ela deve ser desentranhada dos autos, vedando-se às partes sobre ela, se manifestarem em plenário, sob pena de exercício de influencia negativa ao Conselho de Sentença, o qual somente pode deliberar sobre provas licitamente colhidas. (...) Ordem parcialmente concedida, apenas para excluir dos autos a prova ilicitamente colhida” (STJ – 6ª T. – HC 111.972 – rel. Jane Silva – j. 18.12.2008 – DJU 02.02.2009).

Ainda sobre a questão da prova ilícita por derivação, o Ministro Celso de Mello suspendeu, em decisão liminar, o andamento da ação penal que tramitava na 8ª. Vara Criminal do Rio de Janeiro, por ilicitude na obtenção das provas usadas contra a empresa. A decisão do ministro no Habeas Corpus (HC) 103325 baseia-se na tese de que se as provas são coletadas de forma ilícita, elas ficam também contaminadas de ilicitude e são invalidadas. As provas teriam sido retiradas do escritório em 1993 sem autorização judicial e através de operação policial com uso de arma de fogo. Segundo Celso de Mello, a administração estatal, embora tenha poderes excepcionais que lhe permitem exercer a fiscalização tributária, não pode desrespeitar as garantias constitucionais asseguradas aos cidadãos em geral e aos contribuintes, em particular. “Ao Estado é somente lícito atuar respeitados os direitos individuais e nos termos da lei”, explicou. Ele também afirmou que “nenhum agente público, ainda que vinculado à administração tributária do Estado, poderá, contra a vontade de quem de direito, ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em espaço privado não aberto ao público, onde alguém exerce sua atividade profissional, sob pena de a prova resultante da diligência de busca e apreensão assim executada reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude material”. A jurisprudência do Supremo já é pacificada na interpretação de que a inviolabilidade da casa – prevista na Constituição Federal – estende-se aos escritórios profissionais, inclusive os de contabilidade, embora sem conexão com a casa de moradia propriamente dita. O ministro lembrou que o próprio Supremo já trancou ações penais baseadas nessas mesmas provas.

Entendemos que o ato judicial que determina o desentranhamento das provas ilícitas tem a natureza de decisão interlocutória com força de definitiva, razão pela qual desafia o recurso de apelação (art. 593, II do Código de Processo Penal). A natureza desta decisão vem reforçada pelo § 3º. Deste mesmo art. 157 (“preclusa a decisão de desentranhamento”), pois, como se sabe, a preclusão é fato processual próprio de decisões que não tratam do mérito propriamente dito. Para estas, reserva-se o efeito da coisa julgada (evidentemente que a diferença entre preclusão e coisa julgada não se resume a esta circunstância). Caso se entenda não se tratar de uma decisão com força de definitiva, e não havendo recurso previsto em lei, a solução será a utilização da correição parcial, “a quem a doutrina pátria moderna atribui natureza jurídica de recurso” e que “constitui medida judicial contra decisões ou despachos dos juízes não impugnáveis por outro recurso e que representem erro ou abuso, de que resulte a inversão tumultuária dos atos e fórmulas da ordem legal do processo.” (STJ – 6ª T. – Resp 730.079 – rel. Hamilton Carvalhido – j. 11.10.2005 – DJU 04.08.2008). Também não se admitindo a correição parcial, o remédio seria a utilização do mandado de segurança em matéria criminal.

Evidentemente que se o desentranhamento prejudicar, ainda que remotamente e em tese, interesse da defesa, o remédio mais rápido será a utilização do habeas corpus.

A propósito, veja este texto de Alberto Bovino, sob o psedônimo de John Doe, "Sobre los Motivos para ser Abogado":

"Hay tantos motivos para ser abogado como para no serlo, aunque quizá haya más motivos para no serlo. Algunos de los motivos son, entre otros, querer ser abogado litigante, profesor, consejero de empresas, abogado de divorcios o de testamentos. Otro es querer ser juez. Y esto significa, entre otras cosas, decidir sobre la vida de muchas personas. O querer ser juez de la Corte Suprema, lo que significa decidir sobre muchísimas más personas. Lo que nunca he podido entender, sin embargo, es por qué uno de esos motivos, en ciertos casos, está relacionado con ser una persona miserable. Paso a explicarme. Ser juez de la Corte Suprema, por ejemplo, puede significar varias cosas. Una de ellas es detentar un poder discrecional sobre un montón de pobres diablos, como, por ejemplo, la gran mayoría de los perseguidos penalmente. Y digo sobre un montón de pobres diablos porque no es sobre todos. La Corte menemista, como VERBITSKY ha demostrado en su libro Hacer la Corte, ha sido una buena muestra de que hay cosas que no se hacen y personas que no se tocan. Su obsecuencia con el poder ejecutivo ha sido patética. Todo fue posible en las comarcas del menemismo después del fin de la historia, y nada indica que las cosas vayan a cambiar sustancialmente durante el reinado del futuro suegro de SHAKIRA. Pero no es a la voluptuosa argentina menemista a quien me quiero referir, sino a la Corte Suprema del gran país del norte. II. El gran país del norte, símbolo de la libertad para muchos de los liberales vernáculos, que jamás han entendido lo que significa el liberalismo, se caracteriza, en los últimos tiempos, por una severidad inusual en cuanto a la justicia penal se refiere. Por otra parte, es justo destacar que muchas de las injusticias cometidas a diário por el sistema de justicia penal estadounidense son viejas prácticas cuyos orígenes datan de épocas inciertas. El racismo con que se construyen muchas de las decisiones diarias de la justicia penal, en todas sus instancias —legislativa, ejecutiva y judicial— es un fenómeno analizado por un sinnúmero de trabajos e investigaciones1. El bien intencionado esfuerzo de los autores citados, sin embargo, en muchos casos se limita a señalar lo que es autoevidente. * Este libelo fue escrito hace años. Varios estudios destacan el racismo de las prácticas de la justicia penal estadounidense. Sobre el racismo, genéricamente, cf. PELLER, Gary, Criminal Law, Race, and the Ideology of Bias: Trascending the Critical Tools of the Sixties, en" Tulane Law Review ", 1993, vol. 67, p. 2231; WRIGHT, Bruce, Black Robes, White Justice, Ed. Carol Publishing Group, New York, 1993, 2ª ed.; DAILEY, Debra, Prison and Race in Minnesota, en" Colorado Law Review ", 1993, vol. 64, p. 761. Sobre racismo y discreción del fiscal, cf. NOTA, Race and the Prosecutor's Charging Decision, en"Harvard Law Review", 1988, vol. 101, p. 1472; GROSSMAN APPLEGATE, Amy, Prosecutorial Discretion and Discrimination in the Decision to Charge, en" Temple Law Quarterly ", 1982, vol. 55, p. 35."

"En los últimos años ha habido un endurecimiento discursivo a nivel de la más alta instancia jurídica de ese dichoso país, en el que la dicha se reparte, entre otras razones, según las coloraciones de la piel, más o menos inequitativamente. En cuanto a lo discursivo, no hacen falta las sutiles disquisiciones de la teoría crítica para develar los oscuros significados de los instersticios de ciertas decisiones jurídicas. En la tierra de la libertad se acostumbra a llamar a las cosas por su nombre, y poco queda por descubrir tras las abiertas confesiones de quienes poseen el don de la palabra con fuerza de ley. No se necesita ningun criminólogo crítico para develar las oscuras intenciones del sistema de justicia penal de transformar al “desviado” en individuo productivo en el marco de una economía capitalista. Mientras estuvo en boga la teoría resocializadora, se ha sostenido, sin ninguna vergüenza, que el fin de la pena es obtener “buenos pagadores de impuestos”, frase que pocos juristas de otros países se atreverían a pronunciar con tanto desparpajo. En la actualidad, con la moda de la teoría de la prevenciónespecial negativa, se sostiene abiertamente que hay que sacar de las calles a los delincuentes por el mayor tiempo posible. Tampoco se necesita denunciar que la justicia penal funciona sobre la base de las confesiones —como en nuestro aniquilosado pero, en definitiva, “garantista”3, sistema inquisitivo—, porque las confesiones son necesarias y positivas, entre otras cosas, por tornar a los acusados más “virtuosos”. Y ésta no es una afirmación de un desconocido guardiacárcel o de un policía “apretador”, sino de uno de los jueces más respetados de la Corte Suprema (SCALIA). Al mismo tiempo que se mantiene el j icio de partes efectivamente contradictorio y por jurados, que todos conocemos a través de la películas hollywoodenses, y que puede ser calificado, en principio, como un modelo de juicio razonable, la racionalidad del sistema pasa por otros carriles, puesto que más del 90 % de los acusados son condenados sin juicio alguno."

"La ambigüedad de esta frase no se debe a que el reparto sea materialmente más o menos equitativo, sino a que el color de la piel es más o menos determinante según los casos. Ello se debe a una cuestión de clasificaciones. Por ejemplo, a los fines clasificatorios, el color de la piel puede ser irrelevante, por cuanto una clasificación usual en EE. UU. Es blanco-negro-hispánico-asiático-nativo. Y puede suceder que un blanquísimo uruguayo comparta la misma categoría que un negrísimo dominicano a ciertos efectos —v. Gr., frente a las autoridades migratorias, para quienes ambos son hispánicos—. Sin embargo, no siempre sucede lo mismo. Por ejemplo, un blanquísimo colombiano en un aeropuerto internacional corre serio peligro al atravesar el control aduanero, mientras que ese peligro se diluye si camina por un área residencial blanca urbana de cualquier ciudad estadounidense. A la inversa, el negrísimo dominicano pasa tranquilo el control de aduanas en el aeropuerto, pero tendrá serios problemas para circular tranquilamente en un area residencial predominantemente blanca. Un consejo para algunos despistados: los argentinos, debido a la ignorancia de los estadounidenses, pertenecemos a la categoría de “hispánicos”. Ellos aún no se han dado por enterados de que somos, en realidad, europeos que sólo tuvimos la mala fortuna de nacer en el continente equivocado."

"Lo de garantista no implica intencionalidad alguna por respetar los derechos del imputado, sino la ineficiencia propia del sistema, que alcanza un bajísimo nivel de condenas, aun si tenemos en cuenta a los detenidos preventivamente (esta nota fue escrita antes de la incorporación del juicio abreviado a nuestras legislaciones procesales). Ello se logra a través del plea bargaining, transacción que reduce sustancialmente la pena aplicable a cambio de la confesión del imputado. Puesto en otros términos, significa que el imputado paga un precio por ejercer el derecho constitucional de tener un juicio. Esta práctica ha merecido severas críticas de autores que han estudiado el derecho penal estadounidense se hayan limitado a describir algunas de sus virtudes, mantenidas, quizá, al solo efecto simbólico y, a la vez, hayan dejado de lado las prácticas y reglas jurídicas que han llevado a este país a ser el país con la más alta tasa de población carcelaria del mundo, con más personas negras5 en prisión que la Sud-África del aparttheid. En los 60' y 70', diversos fallos de la Corte Suprema pusieron serios límites a los métodos por los cuales el Estado podía llevar adelante la persecución penal. Sin embargo, muchos de los aspectos más terribles del sistema fueron dejados de lado. Especialmente, en esta etapa, la Corte se dedicó a salvaguardar ciertas garantías procesales. Las cuestiones sustantivas jamás fueron consideradas. Tampoco fue considerado el problema de las condenas sin juicio a través de la práctica del plea bargaining. Se ha señalado el efecto coercitivo del plea bargaining. Se ha llegado, incluso, a comparar ese efecto coercitivo con la tortura: “Existe una diferencia entre triturar los miembros del acusado que se rehúsa a confesar y agregar algunos años de prisión a quien se rehúsa a confesar, pero la diferencia es cuantitativa, no cualitativa. La práctica del plea bargaining, como la tortura, es coercitiva”. Frente a la sentencia más severa —el aumento de la pena puede ser del 40 %— que se impondrá al imputado que va a juicio, se origina un efecto coercitivo que presiona al imputado para que admita su responsabilidad. En este contexto, se afirma que los estadounidenses han duplicado la experiencia de la Europa medieval de la Inquisición, que fundaba la atribución de culpabilidad en un sistema de confesiones."

"La única diferencia del sistema de los EE. UU. Consiste en que el sistema inquisitivo europeo concentraba el poder en la figura del “juez” inquisidor, mientras que el plea bargaining concentra el poder en las manos del fiscal. III. Los nuevos tiempos trajeron una nueva Corte y, con ella, muchas de las garantías resguardadas se disolvieron a través de decisiones que no sabían cómo explicar que había que dejar de lado los pronunciamientos anteriores que, en el críticas. Sobre estas críticas, cf. CHRISTIE, Nils, La industria del control del delito, Ed. Del Puerto, Buenos Aires, 1993, ps. 87 y ss., y ps. 142 y ss.; LANGBEIN, John, Sobre el mito de las constituciones escritas: la desaparición del juicio por jurados, en “Nueva Doctrina Penal”, Ed. Del Puerto, Buenos Aires, t. 1996/A; LANGBEIN, John, Tortura y plea bargaining, en AA. VV., El procedimiento abreviado, Ed. Del Puerto, 2001.5 En los EE. UU., resulta “políticamente incorrecto” llamar “negros” a las personas negras. Se propone el uso del término “African-American” como expresión no discriminatoria. Sin embargo, los estadounidenses blancos no se llaman a sí mismos “European-Americans”, con lo cual no queda claro por qué razón se debe usar el término considerado apropiado por los intelectuales de ese país. En todo caso, la distinción blanco/negro resulta más igualitaria que la de American/African-American, especialmente si tenemos en cuenta que las personas realmente originarias del territorio estadounidense son llamadas “Native-Americans”.6 LANGBEIN, John, Torture and Plea Bargaining, en “University of Chicago Law Review”, 1978-1979, vol. 46, ps. 12 y siguiente.7 Cf. LANGBEIN, Torture and Plea Bargaining, cit., p. 12.8 Cf. LANGBEIN, Torture and Plea Bargaining, cit., p. 18. Sobre las características de la persecución penal pública en los EE. UU., cf. BOVINO, Alberto, La persecucion penal pública en el derecho anglosajón, en “Pena y Estado”, Ed. Del Puerto, Buenos Aires, 1997, nº 2, ps. 45 y siguientes."

"Con la nueva Corte, uno de los ministros que venía arrastrando disidencias desde la vieja época pasó a ser mayoría y a imponer sus decisiones como ley suprema del país. Sus decisiones, a partir de aquí, pudieron afectar a millones de personas. A pesar de que en nuestro ámbito jurídico se recuerda a la Corte Suprema Federal estadounidense por creaciones como la regla de exclusión de prueba obtenida en violación de garantías constitucionales, o las reglas MIRANDA sobre la confesión, las creaciones de estos jueces exceden ampliamente este campo. En primer lugar, todas las recientes decisiones se han ocupado de destruir, prácticamente, la regla de exclusión y, básicamente, de dejar en claro que, en los nuevos tiempos, la función de la Corte es la de garantizar que cualquier método es bueno para “luchar” contra el delito o, lo que es lo mismo, contra ciertos “delincuentes”. La jurisprudencia constitucional, por decirlo de algún modo, se ha personalizado. Una de las cosas que llama la atención al analizar los fallos más recientes es la sistemática recurrencia a la muletilla de que las garantías constitucionales fueron pensadas para proteger a los inocentes, cuando toda la evidencia histórica señala lo contrario. Pero, como es común en aquellos lugares, vayamos a los casos. Una de las primeras medidas para destruir la regla de exclusión está relacionada con la forma en que se introduce la prueba en el juicio. Un elemento probatorio, en el juicio estadounidense, se puede ofrecer como prueba sustantiva —es decir, para probar la existencia de un hecho controvertido— o, también, para atacar la credibilidad del testigo. Así, por ejemplo, si un imputado confesó en sede policial, pero no fue advertido de su derecho de no declarar, la confesión así obtenida no puede ser introducida como prueba sustantiva, para probar el hecho que se le atribuye. Pero si el imputado decide declarar y dice, por ejemplo, que él no cometió el delito, el fiscal puede ofrecer la confesión para atacar su credibilidad. Y, de este modo, el jurado escuchará la confesión completa. Por supuesto que también escuchará la instrucción del juez que dirá algo así como: “Ustedes escucharon que el imputado dijo ‘yo maté al fulano’, pero sólo pueden tomar en cuenta esa frase para decidir la credibilidad del imputado respecto de su declaración durante el juicio, en la cual afirmó ‘yo no maté al fulano’, y no para decidir si es culpable o

no”. Resultado, doce jurados que gritan culpable”.

"La doctrina del stare decisis sobre la que reposa este sistema jurídico obliga a respetar los precedentes. El “supuestamente” no sólo contempla la ambigüedad del propio fenómeno jurídico, sino que, en el caso de la Corte Suprema, hace referencia al hecho de que no existe ningún órgano que pueda controlar sus decisiones. Por este motivo, la Corte Suprema tiene el poder de modificar sus propios precedentes, aunque raras veces lo usa de manera explícita. La práctica más usual a la que se recurre para lograr este efecto consiste, regularmente, en reinterpretar significativamente el alcance y contenido de los principios del precedente que se quiere modificar, al mismo tiempo que se afirma que la nueva decisión se limita a aplicar la doctrina anterior adaptada a las especiales particularidades del caso concreto. Una decisión sobre derechos de los presos, o sobre condiciones de detención carcelaria, por ejemplo, produce efectos sobre más de un millón de personas sometidas a encierro —1.250.000 en el año 1991—, si se trata de una cuestión constitucional que los estados están obligados a respetar."

"Numerosos ejemplos de excepciones a la regla de exclusión de la prueba obtenida en violación a garantías constitucionales derivan del nuevo y exclusivo fundamento dado a la regla: la posibilidad de prevenir futuras violaciones. Mientras queda en el olvido la posibilidad de prevenir futuras violaciones al derecho penal a través del derecho penal mismo, se discute minuciosamente la inutilidad preventiva de varios casos de exclusión de prueba obtenida por medios ilícitos. Las elaboraciones de la nueva Corte sólo sirven para sostener que lo único que no se puede prevenir son las nuevas excepciones. Cada caso que llega a la Corte tiene un doble y perverso efecto: perjudicar al imputado que reclama en ese caso y, también, perjudicar a todos los futuros imputados que se enfrenten a esa violación de sus derechos. Una de las nuevas excepciones creadas es la “doctrina” del descubrimiento

inevitable, que conduce a un resultado más que paradójico. Cuando el Estado obtiene la prueba por medios ilícitos, pero, a la vez, era casi seguro que iba a obtener el resultado lícitamente, la prueba resulta admisible. En la racionalidad exclusivamente preventiva de la Corte, el mensaje significa algo así como: “si de todos modos podrían obtener lícitamente esta prueba, no se preocupen mucho por hacerlo realmente” o, dicho de otro modo, “el Estado no puede violar los derechos constitucionales del imputado, a menos que los haya violado y que hubiera podido no violarlos”.

"Pero lo hasta aquí narrado resulta una sutileza en comparación con lo que habría de venir. En un caso que suena a ficción jurídica argentina-menemistadelarruista, se decidió la constitucionalidad de una regla que determinaba la cantidad de años de la sentencia que debía imponerse al condenado teniendo en cuenta la cantidad de droga involucrada en el hecho. El problema planteado era que, en el caso del LSD —no nos referimos al tema “Lucy in the Sky with

Diamonds”, sino al ácido lisérgico—, la regla preveía que debía tomarse en cuenta no sólo el peso de la droga en sí, sino, además, el del medio o sustancia que la contenía —puesto que el LSD habitualmente no se comercializa en estado puro, sino con alguna otra sustancia—. La ley cuestionada conducía a los siguientes resultados: si el LSD estaba en estado puro, 100 dosis valían, por ejemplo, cinco años de prisión; pero si estaba mezclado con otra cierta sustancia, diez dosis valían veinte años. La Corte sostuvo que la ley era acorde con la Constitución. La única voz racional que se alzó fue la de un juez del tribunal de apelación (el juez POSNER) que había intervenido anteriormente en el caso, y que opinó que basar la sentencia 11 La afirmación deja de lado dos problemas. El primero de ellos es que declarar inadmisible una prueba no da derecho a cometer ningún delito. Así, cuando se excluye una confesión en sede policial

sobre un homicidio, ello no implica —y nadie jamás lo ha sostenido— que el imputado tenga derecho a cometer el homicidio. En segundo lugar, el supuesto falso testimonio puede ser probado por otros medios diferentes a la confesión en si misma y, de todos modos, no integra el objeto del proceso en el cual se podría haber cometido.12 La exclusión de la prueba, en este contexto, no es un remedio para beneficiar al imputado en el caso concreto, aunque produzca en el caso esta consecuencia, sino que pretende prevenir futuras violaciones del derecho constitucional de que se trate y beneficiar, de este modo, a las posibles futuras víctimas de este tipo de violaciones."

"Un profesor universitario, tras esta decisión, se preguntó si, en el supuesto caso de que el LSD hubiera sido encontrado sobre e asiento de un automóvil, habría habido que pesar el automóvil o sólo el asiento. Esta Corte también decidió que no era una decisión discriminatoria del fiscal recusar a cuatro individuos negros13 del jurado porque el acusado era otro individuo negro, obteniendo así un jurado de doce blancos, con el argumento de que el fiscal hubiera recusado a los blancos si el acusado era blanco, a los hispanos, si hispano, y a los orientales, si oriental. En resumen, una suma de discriminaciones es una “nodiscriminación”. La facultad, según la Corte, era del fiscal. Más allá del hecho de que la decisión implica que un negro no puede ser imparcial cuando se juzga a otro negro —porque esto es lo que tal selección afirma—, la decisión deja de lado el significado que tiene la existencia del jurado como institución —independientemente de que estemos de acuerdo con ella—. Además, todas las investigaciones empíricas a las que son tan afectos en el país del norte señalan la importancia de la composición racial del jurado para, a través de sus prejuicios, aumentar las posibilidades del Estado de obtener una condena. Un sinnúmero de decisiones pueden llamar la atención de quienes creen en la racionalidad de ese sistema jurídico. Un acusado por robo con arma que, según el jurado, sólo es culpable de robo e inocente del uso del arma atribuido en la acusación, puede ver aumentada su condena en años en la etapa de sentencia —la sentencia se decide en una audiencia posterior al juicio—, sólo porque un rumor convence al juez de que efectivamente usó el arma, a pesar del veredicto del jurado15. Un acusado de producción de cierta droga elaborada con una sustancia. No aceptamos el término “afro-americanos”, definido como el término “políticamente correcto” para denominar a las personas negras. Al menos hasta que los estadounidenses descendientes de europeos no se denominen a sí mismos “European-Americans”, las demás calificaciones carecen de sentido (“Native-American”, “Assian-American”, etc.). Los prejuicios del jurado operan del mismo modo que los de los jueces profesionales, más allá de que el reconocimiento de esta circunstancia resulta casi imposible en nuestra inquisitiva cultura jurídica. La única diferencia consiste, probablemente, en que las técnicas de los abogados —fiscales o defensores— para explotar la capacidad de discriminación propia de la justicia penal son diferentes. En la audiencia de determinación de la pena, posterior al juicio, sólo interviene un juez profesional —salvo en casos de pena de muerte— y, además, no se aplican las reglas de prueba propias del juicio en el cual el jurado decide el veredicto de culpabilidad o inocencia. En consecuencia, en esta audiencia basta un simple indicio de dudosa credibilidad para que el tribunal pueda afirmar que, por ej., el robo fue con arma. Esta circunstancia, unida a las particularidades del nuevo régimen de determinación judicial de la pena vigente, entre otros, en el derecho federal autorizan a aumentar sustancialmente la pena, a pesar de que el aumento se funde en una circunstancia del hecho que el jurado consideró, expresamente, no probado en el juicio más allá de toda duda razonable —v. Gr., el uso del arma—. La reforma mencionada, a pesar de constituir un nuevo régimen acabado de determinación judicial de la pena, dejó subsistentes numerosas reglas jurídicas referidas a las escalas penales del viejo sistema. La conjunción de estos dos sistemas normativos permite que se eleve la pena prevista en el nuevo esquema teniendo como límite el máximo establecido en el esquema anterior que, aun cuando fuera ordenado por el tribunal, nunca se cumplía porque las comisiones de libertad bajo palabra liberaban al condenado mucho tiempo antes de que cumpliera el máximo impuesto judicialmente. Como la pena prevista en el nuevo esquema es de íntegro cumplimiento efectivo, y el máximo anterior nunca se cumplía, el incremento es muy alto. Por una muy difícil de conseguir, puede ser condenado después de que un agente del gobierno proveyó esa sustancia. Un acusado, y otro acusado, y otro acusado. En el país de las acusaciones, el acusador siempre tiene razón, y la Corte dará razones para sostener su razón, porque, aunque tengan problemas para alojar tantos prisioneros, siempre habrá lugar para uno más. V. Pero el motivo de este artículo no se vincula con los culpables. Y con esto no quiero parecerme a la Corte, sino cuestionarla en los que podrían considerarse sus propios términos. Siempre me provocaron escozor esas películas que muestran terribles condiciones de encierro carcelario, al mismo tiempo que la historia conduce al encierro de un pobre individuo inocente que, en este contexto, sufre tanto como los demás, sólo que no lo “merece”, o no es tan duro como los culpables para soportarlo. La cárcel es uno de los peores inventos de la humanidad, y poco importa a quiénes encerremos en ella. Pero la historia viene a cuento para mostrar los curiosos valores de una de las personas con más poder en aquél, el país de la libertad. En el caso del homicidio de un policía, en un confuso episodio en un bar, donde varias personas atacaron a la policía cuando pretendía detener a alguien, la situación terminó con un intercambio de balazos en aras de detener ya no se sabe a quién. Tampoco nadie supo quién había disparado el tiro que finalmente mató al policía, pero el muerto, antes de morir, disparó a una de las cincuenta o sesenta personas presentes. Ergo, aquel a quien el muerto disparó antes de morir debía ser quien lo había matado. Gran conclusión policial gran. Sólo que dejó de lado la pequeña presunción policial de que todos somos culpables, probablemente porque en este caso resultaba inadecuada. Automáticamente apareció un policía dispuesto a afirmar que había visto que la persona que recibió el disparo del policía antes de que aquél muriera, fue quien había disparado al policía finalmente muerto. Y el homicidio de un policía, como pronto veremos, es cosa seria. La única"prueba"de que el acusado fue quien matara al policía era la declaración del otro policía y, además, el procesamiento, que en EE. UU., como en cualquier otro lugar, es prueba y garantía de culpabilidad en sí mismo. Mientras tanto, la persona que efectivamente había disparado contra el policía y, por lo tanto, haba causado su muerte, se mudó a otro estado. Al tiempo volvió y firmó una confesión, afirmando que él había sido quien lo había matado. Además, al día siguiente al episodio, le incisiva crítica al nuevo sistema de determinación de la pena, cf. CHRISTIE, La industria del control del delito, cit., ps. 135 y siguientes.16 Cualquier persona que lea los datos del caso, y la confusa situación que tuvo lugar, llegaría a la conclusión de que el caso es el paradigma del hecho que no puede ser probado más allá de toda duda razonable, independientemente de quién sea la persona que declare. A pesar de la declaración del policía que dijo haber visto disparar al acusado, varios policías declararon que en ese momento escucharon cinco o seis disparos, con lo cual la declaración no podía demostrar que el disparo que finalmente mató al policía haya sido el del acusado, es decir, no demostró nada que vinculara la muerte del policía con el acusado. Y ésa era toda la prueba del caso, si dejamos de lado la declaración de otro policía que dijo que, después del disparo, vio que el acusado movió su brazo. En un contexto en que más de cincuenta personas se enfrentan a varios policías en el medio de un tiroteo, concedamos, este “movimiento del brazo” poco o nada indica sobre el hecho de que el acusado pudiera haber sido quien realmente había matado al policía. Contó a tres amigos distintos que había sido él quien matara al policía. En este punto, se inició un procedimiento en contra de esta persona, el verdadero autor del homicidio. Sin embargo, el culpable logró que los cargos contra él fueran archivados, alegando una historia inventada. Mientras tanto, la persecución contra el “principal sospechoso” seguía su curso, aunque éste negaba toda responsabilidad en el hecho. Y se llegó, finalmente, al juicio. En el juicio contra el inocente y supuesto homicida, declararon los policías pero, debido a ciertas reglas del procedimiento del estado en el cual el juicio tuvo lugar, el confeso —el verdadero autor— no pudo ser debidamente interrogado por el defensor del acusado, y tampoco se pudo introducir el testimonio de los tres testigos a quienes el que mato al policía había contado los hechos. El peritaje había determinado que la bala era calibre 32. Mientras el acusado nunca había tenido un arma, el confeso arrepentido había contado a uno de los testigos descartados que se había desprendido de su 32 para no resultar involucrado en los hechos. Toda esta información, que demostraba inequívocamente la inocencia del acusado, estaba en conocimiento del fiscal. A pesar de ello, el fiscal no sólo no decidió iniciar una investigación para determinar la eventual responsabilidad del culpable confeso, sino que, además, se opuso, en el juicio, a la introducción de todas las pruebas que hubieran permitido demostrar la absoluta inocencia del acusado. Es importante señalar que, según las reglas de procedimiento aplicadas, de no ser por las objeciones del fiscal, la prueba habría sido admitida. También es importante señalar que, por lo general, en un juicio estadounidense, entre testimonios contradictorios de la policía y el acusado, el jurado sabe a quién elegir. Y el jurado, sin defraudar las expectativas de ningún sociólogo, salió de la sala de deliberación con un veredicto de culpabilidad. El acusado, ahora condenado, recurre, y el tribunal de alzada no hace lugar al recurso. La corte suprema del estado tampoco, a pesar de que ambos tribunales pudieron apreciar directamente las pruebas que no pudieron ser vistas por el jurado. Estas pruebas consistían en: a) la confesión del verdadero culpable, bajo la forma de una declaración jurada, en la cual admitía haber matado al policía; 2) las declaraciones de tres testigos, amigos íntimos del confeso, en las que admitían que el culpable había reconocido frente a ellos haber matado al policía; 3) la declaración de uno de los testigos anteriores en la que manifestaba que el culpable le había informado que se había deshecho del arma con la cual había matado al policía y que, por ese motivo, se había comprado otra arma; y 4) la declaración de otro de los testigos anteriores, en la que contradecía la versión del culpable, vertida en el juicio, en la que afirmaba haber estado con el testigo bebiendo en otro bar en el momento de los hechos. Finalmente, el caso llegó a la Corte Suprema Federal. Este tribunal, por diversas consideraciones relacionadas con lo que debe ser un juicio justo acorde con la Constitución, invalidó la condena y obligó al estado a realizar un nuevo juicio, en el que se permitiera la introducción de los testigos de la defensa. No se pronunció, sin embargo, sobre la condena que debería haber merecido el fiscal. En el fallo, sin embargo, hubo una nota discordante. Una disidencia del ministro REHNQUIST, uno de los más conspicuos sostenedores de que las garantías constitucionales son para los inocentes. Una disidencia de, exactamente, 1.822 palabras. De esas 1.822 palabras, extrañamente, ni una sola de ellas se refirió a la injusticia de condenar a un inocente. Toda su disidencia, que comenzaba con la incomprensible afirmación de que, si hubiera considerado el fondo del asunto, no habría encontrado motivo alguno para compartir el criterio de los demás miembros de la Corte, se dedicó a explicar por qué, según el 28 U. S. C. § 1257 (3), la Corte Suprema no debía haber considerado el caso por cuestiones formales."

E conclui: "Fiscales, jueces, ministros. Y todo para qué. Quién sabe, quizá la sabiduría popular tiene razón sobre los abogados. Pero tal vez no. No estoy seguro y, por eso, no me animo a arriesgar un juicio. Pero soy abogado. Lo que no quiero ser es un miserable. Y mucho menos demostrarlo en 1.822 palabras."

Foram acrescentados mais dois parágrafos ao art. 157, considerando-se “fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.” (?). O que seriam mesmo “trâmites típicos e de praxe”?

Ademais, estabelece-se que “preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.”

Foi vetado o § 4º., exatamente o que determinava: “O juiz que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão.” Veto absolutamente infeliz, pois preservava a inutilidade verdadeira da prova ilícita e a impossibilidade de sua contaminação pelo julgador.

Por fim, ressalvamos a possibilidade de se admitir a prova ilícita em favor do réu; neste caso, havendo um claro conflito entre dois valores constitucionais, deve prevalecer, evidentemente, o direito à liberdade. Aplica-se aqui, sem problemas, os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e favor rei.

Neste sentido, decisão do Superior Tribunal de Justiça apontou que a Polícia Federal pode investigar crimes em prol da Justiça Estadual, afastando nulidade em ação penal proposta pelo Ministério Público Federal baseada em inquérito policial da Polícia Federal. A Polícia Federal instaurou inquérito policial para investigar os crimes contra a administração municipal, tendo como subsídio cópias das interceptações telefônicas, além de termos de declarações dos investigados e documentos emitidos por uma das empresas que mantinham contrato com a prefeitura. A filha do ex-prefeito, assessora e coordenadora da campanha para reeleição, e outros envolvidos foram indiciados e denunciados pelo Ministério Público Estadual de Pernambuco pela prática dos crimes de formação de quadrilha e concussão. O relator do Recurso em Habeas Corpus, Ministro Sebastião Reis Júnior, aponta: “As atribuições da Polícia Federal não se restringem a apurar infrações em detrimento de bens, serviços e interesses da União, sendo possível a apuração de infrações em prol da Justiça Estadual.” Segundo o magistrado, não há nada que impeça a investigação dos crimes em tese praticados no município pela Polícia Federal, até porque, naquela ocasião, não se conhecia a extensão da associação criminosa ou a complexidade das infrações – elementos que foram apurados com a instauração do segundo inquérito policial. O relator mencionou que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça considera que eventuais nulidades ocorridas na fase extrajudicial não são suficientes para prejudicar a abertura da ação penal. Sebastião Reis Júnior também rebateu a alegação de nulidade da interceptação telefônica. Para ele, “trata-se do fenômeno do encontro fortuito de provas, que consiste na descoberta fortuita de delitos que não são objeto da investigação”. (Recurso em Habeas Corpus nº. 50011/PE - 2014/0170879-8, autuado em 31/07/2014).

Quanto às perícias houve nova modificação em relação àquela já ocorrida com a Lei nº. 8.862/94. Assim, ao invés de dois peritos oficiais, a nova redação do art. 159 estabelece que “o exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior” que, na sua falta, será realizado, agora sim, “por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame”; neste último caso, os peritos não oficiais deverão prestar “o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo”, sujeitando-se, inclusive, às sanções penais previstas no art. 342 do Código Penal. Assim, para a realização de um exame cadavérico ou de lesões corporais, na falta de perito oficial, devem ser escolhidos, de preferência, dois médicos, ou um médico e um enfermeiro, ou um médico e um odontólogo. Para a realização de um exame pericial em uma porta arrombada, nomeia-se, preferencialmente, dois engenheiros, ou um engenheiro e um arquiteto, e assim por diante...

Bem de ver que se se tratar “de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico.” (art. 159, § 7º.).

Ainda sobre os peritos, o art. 2º. Desta lei traz uma norma de caráter transitório, disciplinando que “aqueles peritos que ingressaram sem exigência do diploma de curso superior até a data de entrada em vigor desta Lei continuarão a atuar exclusivamente nas respectivas áreas para as quais se habilitaram, ressalvados os peritos médicos.”

Uma grande e alvissareira novidade é a possibilidade agora de assistentes técnicos no processo penal. Diz o § 3º. Do art. 159 que “serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico”, que “atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão.”

Pela utilização dos vocábulos “assistente de acusação” (que só é admissível a partir do início da ação penal, segundo o art. 268 do Código de Processo Penal), “querelante” e “acusado” infere-se que esta faculdade deve ser dada apenas na fase judicial. Por outro lado, se não é possível ao indiciado formular quesitos e indicar assistente técnico, evidentemente que na primeira fase da persecutio criminis, tampouco será permitido ao Ministério Público e ao ofendido fazê-lo. Seria uma violação inequívoca ao princípio da paridade de armas.

Em reforço a este entendimento, observa-se que o § 5º., acrescentado ao art. 159, prevê que no “curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia: I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar; II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência.” (grifo nosso).

Caso haja “requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.”

Esta lei também alterou o art. 201 do Código de Processo Penal. O Capítulo V do Título VII passa a ter a seguinte epígrafe: “Do Ofendido”, ao invés do antigo “Das Perguntas ao Ofendido”. Porém, o caput continua com a mesma redação, sendo que o antigo parágrafo único foi renumerado para o § 1º., mantendo-se, no entanto, o mesmo texto.

A inovação é que foram acrescentados mais cinco parágrafos com a nítida e salutar finalidade de proteção dos interesses da vítima. Nota-se, com Ada, Scarance, Luiz Flávio e Gomes Filho que esta lei insere-se “no generoso e atualíssimo filão que advoga a revisão dos esquemas processuais de modo a dar resposta concreta à maior preocupação com o ofendido.”

García-Pablos, por exemplo, informa que “o abandono da vítima do delito é um fato incontestável que se manifesta em todos os âmbitos (...). O Direito Penal contemporâneo – advertem diversos autores – acha-se unilateralmente voltado para a pessoa do infrator, relegando a vítima a uma posição marginal, ao âmbito da previsão social e do Direito Civil material e processual”.

A própria legislação processual penal relega a vítima a um plano desimportante, inclusive pela “falta de mención de disposiciones expressas en los respectivos ordenamientos que provean medidas para salvaguardar aquellos valores ultrajados”.

Esta atenção com a vítima no processo penal é tema atual e tem sido motivo de inúmeros trabalhos doutrinários, como observou o jurista argentino Alberto Bovino:

“Después de varios siglos de exclusión y olvido, la víctima reaparece, en la actualidad, en el escenario de la justicia penal, como una preocupación central de la política criminal. Prueba de este interés resultan la gran variedad de trabajos publicados recientemente, tanto en Argentina como en el extranjero;” (...) mesmo porque “se señala que com frecuencia el interés real de la víctima no consiste en la imposición de una pena sino, en cambio, en ‘una reparación por las lesiones o los daños causados por el delito’” Neste sentido, veja-se obra bastante elucidativa de Antonio Scarance Fernandes.

Dois juristas italianos, Michele Correra e Danilo Riponti, também anotaram:

“Il recupero della dimensione umana della vittima, molto spesso reificata, vessata, dimenticata da giuristi e criminologi in quanto oscurata da quella cosí clamorosa ed eclatante del criminale, soddisfa l’intento di rendere giustizia a chi viene a trovarsi in una situazione umana tragica ed ingiusta, a chi ha subito e subisce e danni del crimine e l’indifferenza della società.”

Pois bem.

O § 2º. Determina que “o ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem.” Idêntica providência vem prevista no art. 21 da Lei nº. 11.340/06, a chamada Lei Maria da Penha, in verbis: “A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.”

Tais comunicações, segundo o § 3º., “deverão ser feitas no endereço por ele indicado, admitindo-se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrônico.” É preciso, no entanto, máxima cautela na utilização, por exemplo, de e-mail, especialmente para que não restem dúvidas quanto à respectiva cientificação.

Uma observação urge: é sabido que o art. 598 e seu parágrafo único estabelecem que “o ofendido ou qualquer das pessoas enumeradas no art. 31, ainda que não se tenha habilitado como assistente” tem legitimidade para apelar (além de interesse, evidentemente) quando, “nos crimes de competência do Tribunal do Júri, ou do juiz singular, da sentença não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal”, deferindo, inclusive, um prazo bem maior para o recurso (quinze dias a partir da data em que terminar o prazo do Ministério Público).

Ora, a doutrina sempre justificou e admitiu este prazo em triplo concedido à vítima não habilitada como assistente (e aos seus sucessores), exatamente em razão do ofendido (e aquelas demais pessoas) não terem sido intimados da sentença, razão pela qual se justificava um prazo maior pela dificuldade de conhecimento da decisão. Agora, no entanto, estabelecendo a lei que da sentença será também intimada a vítima, parece-nos, à luz do princípio da igualdade, que o prazo deve ser o mesmo de cinco dias previsto no caput do art. 593 do Código de Processo Penal, tornando-se inaplicável o prazo previsto no parágrafo único do art. 598.

Ressalte-se, com Humberto Ávila, que a igualdade (que ele denomina de postulado) “estrutura a aplicação do Direito quando há relação entre dois sujeitos em função de elementos (critério de diferenciação e finalidade da distinção) e da relação entre eles (congruência do critério em razão do fim).” Para ele, a proporcionalidade (que também seria um postulado) “aplica-se nos casos em que exista uma relação de causalidade entre um meio e um fim concretamente perceptível. A exigência de realização de vários fins, todos constitucionalmente legitimados, implica a adoção de medidas adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito.”

Tal princípio está previsto expressamente no art. ., caput da Constituição Federal e “significa a proibição, para o legislador ordinário, de discriminações arbitrárias: impõe que a situações iguais corresponda um tratamento igual, do mesmo modo que a situações diferentes deve corresponder um tratamento diferenciado.” Segundo ainda Mariângela Gama de Magalhães Gomes, a igualdade “ordena ao legislador que preveja com as mesmas conseqüências jurídicas os fatos que em linha de princípio sejam comparáveis, e lhe permite realizar diferenciações apenas para as hipóteses em que exista uma causa objetiva – pois caso não se verifiquem motivos desta espécie, haverá diferenciações arbitrárias.”

Para Ignacio Ara Pinilla, “la preconizada igualdad de todos frente a la ley (...) ha venido evolucionando en un sentido cada vez más contenutista, comprendiédose paulatinamente como interdicción de discriminaciones, o, por lo menos, como interdicción de discriminaciones injustificadas.”

Como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, “há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando a norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada.”

E se a vítima já faleceu? Entendemos que subsiste a obrigação de comunicação aos seus sucessores em conformidade com a ordem estabelecida nos arts. 31 e 36 do Código de Processo Penal. Parece-nos que somente assim poderemos preservar a mens legislatoris. Observa-se que o próprio art. 598 faz referência ao art. 31 do Código de Processo Penal.

A propósito, vejamos estes julgados:

“APELAÇÃO CRIMINAL – AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA VÍTIMA DO TEOR DA SENTENÇA– MUDANÇA DE ENDEREÇO SEM INFORMAÇÃO DA NOVA RESIDÊNCIA AO JUÍZO – DESINTERESSE – DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO VIA EDITAL – AUSÊNCIA DE NULIDADE – EMPREGO DE ARMA DE FOGO DEVIDAMENTE COMPROVADO PELO DEPOIMENTO DA VÍTIMA E DEMAIS ELEMENTOS COLHIDOS NA INSTRUÇÃO PROCESSUAL – DESNECESSIDADE DE LOCALIZAÇÃO DA ARMA E REALIZAÇÃO DE PERÍCIA – CORRETA APLICAÇÃO DO AUMENTO DE PENA – PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA A MODALIDADE TENTADA – SUBTRAÇÃO DE COISA MEDIANTE AMEAÇA, FUGA E POSTERIOR PERSEGUIÇÃO – OCORRÊNCIA DA CONSUMAÇÃO DO CRIME – INEXISTÊNCIA DE TENTATIVA – ALEGAÇÃO DE EXCESSO NA DOSIMETRIA DA PENA – EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS VALORADAS ERRONEAMENTE - CÁLCULO CORRETO SUPERIOR A PENA APLICADA NA SENTENÇA – AUSÊNCIA DE RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – VEDAÇÃO AO REFORMATIO IN PEJUS – IMPOSSIBILIDADE – PEDIDO DE RETIRADA DA CONDENAÇÃO POR DANO MORAL – AUSÊNCIA DE PEDIDO E DISCUSSÃO ACERCA DO DANO – VIOLAÇÃO AO CONTRADITÓRIO – IMPOSSIBILIDADE – ACOLHIMENTO – PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. I - O Apelante foi condenado pela prática do crime descrito no art. 157, caput, do Código Penal brasileiro, a pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão, a ser cumprida em regime semi-aberto e ao pagamento de 50 (cinquenta) dias-multa, a razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato, bem como a indenizar a vítima pelos danos morais que lhe foram causados, no importe de R$ 1.000,00 (mil) reais, por ter, no dia 20.11.2008, por volta das 08:20 horas, no estacionamento do Edf. Lindolfo Mota Lima, Rua Barão de Lobato, nº 41, Bairro da Graça, nesta Capital, mediante grave ameaça, exercida com o emprego de uma faca, tipo peixeira, subtraído da vítima uma bolsa contendo um aparelho de telefone celular e documentos pessoais. II – O fato de a vítima mudar-se e não fornecer o novo endereço demonstra não possuir interesse em ter conhecimento dos atos processuais ou intervir na condição de assistente do Ministério Público, motivo que dispensa a necessidade de sua intimação por edital, acerca da sentença. III – A palavra da vítima, conectada com os demais elementos colhidos na instrução processual, são suficientes para, no delito de roubo, embasar a condenação com o aumento referente ao emprego de arma. O fato de a faca utilizada pelo réu não ter sido encontrada, o que, consequentemente, impossibilitou a realização da perícia, não impede o aumento de pena previsto no inciso I, do § 2º, do art. 257. IV – O roubo tentado ocorre, tão somente, quando, após o emprego da violência e/ou grave ameaça, o agente, por circunstância alheia a sua vontade, não consegue executar a subtração. Não há que se falar em roubo tentado quando o agente subtrai o bem e foge em seguida, sendo capturado após perseguição da vítima ou de terceiros. V – A existência de circunstâncias judicias valoradas erroneamente deixam de ser levadas em consideração, ante a vedação ao reformatio in pejus e inexistência de recurso do Ministério Público, quando o cálculo correto ensejaria a condenação a pena privativa de liberdade superior a aplicada no primeiro grau. VI – O juiz não pode fixar indenização decorrente do delito sem pedido e discussão acerca da matéria, em observância ao que dispõe o princípio do contraditório. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. AP. 0188611-41.2008.8.05.0001 - SALVADOR RELATOR:DESEMBARGADOR ESERVAL ROCHA” (TJ-BA - APL: 01886114120088050001 BA 0188611-41.2008.8.05.0001, Relator: Eserval Rocha, Data de Julgamento: 17/07/2012, Primeira Câmara Criminal - Segunda Turma, Data de Publicação: 17/11/2012). Grifo nosso.

"ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. CONDENAÇÃO EM PRIMEIRO GRAU. RECURSO DA DEFESA. PRELIMINARES. CITAÇÃO DO RÉU POR MEIO DE EDITAL. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO POR HORA MARCADA. PREJUÍZO INEXISTENTE PARA A DEFESA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA VÍTIMA ACERCA DO CONTEÚDO DA SENTENÇA. AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA. INTIMAÇÃO NA PESSOA DO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PRELIMINARES RECHAÇADAS. MÉRITO. ACUSADO QUE, NA ESCOLA DE INFORMÁTICA ONDE TRABALHAVA, TERIA ABUSADO SEXUALMENTE DA VÍTIMA. CONDENAÇÃO INVIÁVEL. PALAVRAS DA VÍTIMA QUE NÃO SE MOSTRARAM CONTUNDENTES. ACERVO PROBATÓRIO FRÁGIL. VÍTIMA QUE SEQUER FOI ARROLADA COMO TESTEMUNHA. DEPOIMENTO COLHIDO SOMENTE NA FASE INQUISITIVA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 155 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE." Não logrando a acusação fazer prova convincente acerca da autoria e revelando o conjunto probatório mais dúvida do que certeza, a única solução possível é a absolvição "(Apelação Criminal n., rel. Des. Tulio Pinheiro, Segunda Câmara Criminal, j. 3.11.2009).”(TJ-SC, Relator: Jorge Schaefer Martins, Data de Julgamento: 19/06/2013, Quarta Câmara Criminal Julgado). Voto: “(...) Outrossim, a segunda preliminar levantada, no sentido de que a sentença estaria viciada por conta da ausência de intimação da ofendida, também não pode ser acolhida. Como bem salientou o ilustre Promotor de Justiça em suas contrarrazões," Os crimes sexuais, como no presente caso, quando cometidos contra menor de 18 (dezoito) anos, são processados mediante ação penal pública incondicionada, em que o legitimado para intentá-la é o Ministério Público, representando desta forma os interesses da vítima ". Ou seja, uma vez que o Ministério Público foi devidamente intimado da sentença (fl. 139, v), e também pelo fato de, nesse sentido, não ter havido qualquer prejuízo à vítima, o recurso deve ser desprovido no ponto (fls. 185-195).”

Estabelece o § 4º. Que, “antes do início da audiência e durante a sua realização, será reservado espaço separado para o ofendido.” Esta medida é tão apropriada quanto de difícil operacionalização na prática, conhecendo-se a estrutura dos nossos fóruns criminais.

Já o § 5º. Tem seguinte redação: “Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado.”

Questão que não foi esclarecida pela lei é como se pode obrigar o ofensor a custear, ainda que tenha condições econômicas e financeiras, este atendimento multidisciplinar à vítima, especialmente antes de uma sentença condenatória. Aliás, mesmo após a sentença condenatória. Observa-se que a nova redação dada ao art. 387, IV (Lei nº. 11.719/08) refere-se apenas à fixação de um valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, o que não implica em custear, por exemplo, um tratamento psicossocial que pode levar até anos...

Por fim, o último parágrafo determina que o Juiz de Direito deve tomar “as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.” Tais medidas, se efetivamente forem levadas a efeito, serão de grande valia e utilidade, principalmente quando se trata de ofendido em crimes contra os costumes e em relação a crianças e adolescentes vítimas. Neste sentido, veja-se o art. ., LX da Constituição Federal.

Não esqueçamos que no Brasil já temos uma lei específica a respeito do assunto, a Lei nº. 9.807/99, regulamentada pelo Decreto nº. 3.518/00, que estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas, além de instituir o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, dispondo, ainda, sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal. Para a implementação deste Programa, os Estados, a União e o Distrito Federal poderão celebrar convênios com entidades não-governamentais, sob a supervisão do Ministério da Justiça.

Observa-se que a vítima no Brasil já pode ser ouvida por videoconferência; neste sentido, art. 185, §§ 8º. E 9º. Do Código de Processo Penal.

A nova lei alterou também alguns dispositivos do Código de Processo Penal que tratam sobre a prova testemunhal. Assim, ao art. 210, cujo caput não foi alterado, acrescentou-se um parágrafo único nos seguintes termos:

“Antes do início da audiência e durante a sua realização, serão reservados espaços separados para a garantia da incomunicabilidade das testemunhas.” Repetimos o que afirmamos acima: esta medida é tão apropriada quanto de difícil operacionalização na prática, conhecendo-se a estrutura dos nossos fóruns criminais.

A novel redação do art. 212 estabelece que “as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.” Evidentemente que “sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.” (parágrafo único). Este parágrafo único não autoriza o entendimento segundo o qual ao Juiz cabe perguntar após as partes. Neste aspecto nada mudou, ou seja, primeiro o Magistrado faz as suas perguntas e depois as partes, agora diretamente. Se, depois das indagações das partes, restarem pontos ainda a ser esclarecidos, o Juiz repergunta. Afinal de contas, como afirma Cleunice Valentim Bastos Pitombo, “facultar às partes a formulação de perguntas não retira do juiz a condução do processo e da instrução.” De mais a mais, atentemos que no art. 473 está previsto expressamente que o Juiz será o primeiro a inquirir as testemunhas. Não nos parece lógico, sob o ponto de vista de uma interpretação sistemática, que no procedimento do Júri o Magistrado indague primeiro e nos demais simplesmente não deva fazê-lo. Também este é o entendimento de Alberto Jorge de Barros Lima:

“A antiga redação, como se nota, não menciona na¬da sobre as perguntas do próprio juiz, como, da mesma maneira, a nova redação em nada dispõe sobre as perguntas do magistrado. A inserção do parágrafo único está estritamente atrelada, é importante observar, às perguntas das próprias partes, as quais podem ser complementadas pelo juiz ao final, acaso existam pontos duvidosos, como aliás, já se fazia, antes da reforma, na práxis forense. O parágrafo, como é cediço em técnica legislativa, apenas está a complementar o sentido do caput. De nenhum modo ele diz respeito às perguntas iniciais do magistrado, de maneira alguma há vedação por ele, ou por qualquer outra norma, destas perguntas. A interpretação para a nova redação do dispositivo não pode se esquivar da inevitável observação sistemática acima exposta, a qual não permite outra leitura senão a de que o juiz ouve primeiramente as testemunhas e o ofendido, e, após as perguntas das partes, pode, ainda, complementar a inquirição, acaso reste de tais indagações pontos não esclarecidos ou controversos.”

Neste sentido, a 3.ª Turma do TRF da 1ª. Região negou habeas corpus a um cidadão que alegava violação ao art. 212 do Código de Processo Penal, ao inaugurar os questionamentos às testemunhas de acusação na audiência de instrução e julgamento, tendo agido, segundo entende, como órgão de acusação, razão pela qual o processo encontra-se eivado de nulidade absoluta, a ferir os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Ao analisar o caso, a relatora, Desembargadora Federal Mônica Sifuentes, manteve a sentença proferida no primeiro grau. Segundo a Dembargadora, “de se ressaltar que o art. 212 do Código de Processo Penal, com a redação que lhe deu a Lei 11.690/2008, não subtraiu do juiz o poder de inquirir as testemunhas, tendo em vista que, como destinatário da prova, deve conduzir o ato processual para a melhor utilidade quando do julgamento da ação. (Processo n.º: 0069579-50.2012.4.01.0000/MG - Data da sentença: 17/12/2012 - Data de publicação: 31/01/2013 - Fonte: Assessoria de Comunicação Social do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região).

Aqui, abandonando o nosso sistema tradicional de ouvida das testemunhas, que era o presidencialista, adotou-se o sistema da cross examination. A propósito, veja-se a lição de Fredie Didier Jr.: “No direito anglo-americano, a inquirição das testemunhas é feita pelo advogado diretamente à testemunha. A direct-examination (inquirição pela parte que arrolou a testemunha) e a cross-examination (inquirição pela parte contrária) são feitas sem a intermediação do magistrado, a quem cabe principalmente controlar a regularidade da inquirição (EUA, Federal Rules of Evidence, rule n. 611, ´a`). Permite-se que o magistrado formule perguntas com o objetivo de integrar as perguntas formuladas pelas partes e esclarecer pontos duvidosos do depoimento – trata-se de poder escassamente exercitado, porém. O papel do magistrado é, portanto, bem diverso (e mais restrito) do que aquele para ele previsto no direito processual brasileiro: no direito anglo-americano, o magistrado é coadjuvante e as partes, por seus advogados, os grandes protagonistas. Esse modo de produção da prova é manifestação da ideologia liberal que orienta o processo da common law, principalmente o processo estadunidense, de caráter marcadamente adversarial (dispositivo), em que deve prevalecer a habilidade das partes sem a interferência do magistrado. Segundo MICHELE TARUFFO, trata-se de manifestação de uma concepção ´esportiva` (competitiva) da justiça, de modo a exprimir um dos valores fundamentais do processo da common law: o combate individual como método processual.” (Curso de Direito Processual Civil, Vol. II, Salvador: Editora JusPodivum, 2007).

Criticando o procedimento presidencialista, afirma o Professor René Ariel Dotti que esta “regra sexagenária, não é o melhor caminho para apurar a verdade material, objetivo essencial do processo criminal. E são vários os inconvenientes. O primeiro deles é o tempo que a testemunha dispõe para mentir ou omitir a verdade se quiser trair o compromisso legal de “dizer a verdade sobre o que souber e lhe for perguntado” (CPP, art. 203). O segundo é a intervenção do Juiz entre a pergunta da parte e a resposta com prejuízo para o esclarecimento de detalhe sobre o fato típico ou conduta de réu ou vítima. O terceiro é a perda de objetividade que é um corolário lógico do princípio de economia processual. O quarto é a falsa impressão causada à testemunha acerca do papel de cada um dos protagonistas da audiência, parecendo ao leigo que os procuradores exercem atividade menor. O cross-examination é o método da pergunta (ou repergunta) direta à testemunha, réu ou vítima, utilizado em países como a Inglaterra e os Estados Unidos, onde as experiências sobre a colheita da prova são bem sucedidas.”

Este procedimento há de ser observado, sob pena de nulidade absoluta, conforme decisões abaixo transcritas, inclusive do Superior Tribunal de Justiça:

“PROCESSUAL PENAL. INQUIRIÇÃO DAS VÍTIMAS E TESTEMUNHAS DIRETAMENTE PELA MAGISTRADA CONDUTORA. NULIDADE. A nova redação legal do art. 212 do CPP, dando largo passo em direção ao sistema acusatório consagrado na Lei Maior, previu expressamente a subsidiariedade das perguntas do Magistrado em relação às indagações das partes: do juiz é exigido o julgamento justo e eqüidistante, de modo tal que não pode ele ter compromisso com quaisquer das vertentes da prova. Anularam, em parte, o processo. Unânime. Ve-se da audiência de instrução e julgamento (fls. 99/110) que a magistrada singular, após apregoar os presentes, passou de pronto a dirigir suas indagações às ofendidas e às testemunhas, tal como ocorria no antigo sistema “presidencialista”, vigente até a reforma do CPP, ocorrida no ano passado. Não permitiu que as partes – no caso, a defesa, pois o Ministério Público não estava presente na audiência de instrução e julgamento – primeiro dirigissem as suas perguntas, olvidando-se que agora há regra expressa no Código de Processo Penal a determinar o sistema de perguntas cruzadas pelas partes: “As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição” (CPP, art. 212). A nova regra tem a sua razão de ser: é que ao juiz não é dado gerenciar a prova ao seu talante, como se, em paridade com as partes, estivesse a perseguir uma versão probatória determinada. O juiz não pode nem deve concorrer com as partes na busca de provas: tal interesse é de todo incompatível com a judicatura, porquanto o juiz sempre haverá de manter eqüidistância entre as partes, para que não deixe aquebrantar a sua imparcialidade – exigência fundamental para um julgamento justo. Desde muito tenho dito que ao juiz compete apenas julgar, sem gerir a prova de qualquer maneira: “processual penal. Sistema acusatório. Prova. Gestão. ARTIGO 156, DO CPP. AGRessão ao ARTIGO 129, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AO JUIZ É VEDADO perseguir prova. Palavra da vítima. Ausência de valor probatório absoluto. - O TEXTO DO ARTIGO 156, DO CPP, PROCLAMADO PELA ACUSAÇÃO, FERE EXPRESSAMENTE A NORMA CONSTITUCIONAL, QUER GENERICAMENTE DIANTE DA RECEPÇÃO DO SISTEMA PROCESSUAL ACUSATÓRIO, QUER ESPECIFICAMENTE EM SEU ARTIGO 129, I (ONDE RESGUARDA O PRINCÍPIO DA INÉRCIA DA JURISDIÇÃO): EIS A REGRA BÁSICA DO JOGO NO SISTEMA PROCESSUAL DEMOCRÁTICO: UM ACUSA (E PROVA), OUTRO DEFENDE E OUTRO JULGA – NÃO SE PODE COGITAR DA INQUISITORIAL RELAÇÃO INCESTUOSA ENTRE ACUSADOR E JULGADOR. - A principiologia constitucional suplantou – desde muito – estratagemas como a crença mitológica de busca da “verdade real”. Dela o que se alcança é o resultado das limitações históricas, culturais e ideológicas de cada um, exteriorizado na interpretação dos fenômenos mundanos. - Não prestar valor absoluto à palavra da vítima e não violar o princípio da inércia da jurisdição para buscar provas afasta a atividade jurisdicional dos dogmas processuais inquisitórios impregnados na legislação infraconstitucional e na atuação jurisdicional pátrias. - À UNANIMIDADE NEGARAM PROVIMENTO AO APELO.” (APEL. CRIM. Nº 70006183826, 5ª CÂMARA CRIMINAL, TJRS, REL. AMILTON BUENO DE CARVALHO, J. EM 28.05.2003). Claro que, diante da consagração, na legislação anterior, do sistema de inquirição “presidencialista”, onde o juiz era intermediário necessário entre a parte processual e as testemunhas, muito difícil era perceber o exato ponto em que o juiz atuara com excesso, tomando o lugar da parte. Pelo menos no tocante às inquirições, há agora um novo marco legal para superar o impasse: a legislação subalterna deu claro passo no rumo do sistema acusatório consagrado na Lei Maior, vindo a determinar que o juiz pergunte após e subsidiariamente às partes. Mas se as partes nada quiserem indagar, ou se, intimadas, não demonstrarem interesse em comparecer na audiência designada, data venia, não há o que possa o juiz “complementar”: a iniciativa das partes é a de nada perguntar, e não será o juiz que substituirá tal interesse. Veja-se, nesse sentido, a lição da doutrina: “Cabe às partes a proposição dos meios de prova, bem como da metodologia de busca da prova. É certo que a prova se destina ao convencimento do julgador, pois é ele quem decide; entretanto na moldura constitucional acusatória e do justo processo, o magistrado é quem julga o que as partes produzem nos autos. Ao juiz não cabe provar e nem contraprovar; decide com o que foi produzido nos autos. Questão importante diz respeito à possibilidade de o julgador perguntar ao réu, ao ofendido e às testemunhas. Penso que não, nem subsidiariamente ou supletivamente pode o magistrado interferir na proposição e busca da prova, pois o encargo probatório é das partes.” (GIACOMOLLI, Nereu José. Reformas (?) do Processo Penal: Considerações críticas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 37). Assim, rogando pela vênia da magistrada sentenciante, entendo que o feito padece de vício nulificador: a coleta da prova oral distanciou-se da expressa determinação legal.” (Apel. Crim. Nº 70028349843, 5ª Câmara do TJRS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, j. Em 18.03.2009).

“HABEAS CORPUS. NULIDADE. RECLAMAÇÃO AJUIZADA NO TRIBUNAL IMPETRADO. JULGAMENTO IMPROCEDENTE. RECURSO INTERPOSTO EM RAZÃO DO RITO ADOTADO EM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. INVERSÃO NA ORDEM DE FORMULAÇÃO DAS PERGUNTAS. EXEGESE DO ART. 212 DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.690/2008. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO.1. A nova redação dada ao art. 212 do CPP, em vigor a partir de agosto de 2008, determina que as vítimas, testemunhas e o interrogado sejam perquiridos direta e primeiramente pela acusação e na sequência pela defesa, possibilitando ao magistrado complementar a inquirição quando entender necessários esclarecimentos.2. Se o Tribunal admite que houve a inversão no mencionado ato, consignando que o Juízo Singular incorreu em error in procedendo, caracteriza constrangimento, por ofensa ao devido processo legal, sanável pela via do habeas corpus, o não acolhimento de reclamação referente à apontada nulidade.3. A abolição do sistema presidencial, com a adoção do método acusatório, permite que a produção da prova oral seja realizada de maneira mais eficaz, diante da possibilidade do efetivo exame direto e cruzado do contexto das declarações colhidas, bem delineando as atividades de acusar, defender e julgar, razão pela qual é evidente o prejuízo quando o ato não é procedido da respectiva forma.4. Ordem concedida para, confirmando a medida liminar, anular a audiência de instrução e julgamento reclamada e os demais atos subsequentes, determinando-se que outra seja realizada, nos moldes do contido no art. 212 do CPP.”(HC 121.216, 5ª Turma do STJ, Rel. Min. Jorge Mussi, j. Em 19.05.2009).

Alterou-se, sutilmente e para melhor, o art. 217, estabelecendo que “se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.” Neste caso, segundo o parágrafo único acrescentado, a adoção de tais medidas “deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram.” Observar o art. 185, § 2º., III, que permite, nesta situação, o interrogatório por videoconferência.

O antigo art. 217 não previa esta medida (excepcional, diga-se de passagem) a ser aplicada em favor também do ofendido. Preferível a videoconferência para ouvir uma testemunha ou ofendido que a realização de uma audiência de instrução sem a presença física do acusado.

Aliás, em qualquer caso a testemunha ou a vítima pode ser ouvida por videoconferência; neste sentido, art. 185, §§ 8º. E 9º. Do Código de Processo Penal.

Por fim, a lei ora comentada modificou o art. 386 do Código de Processo Penal, dando nova redação aos incisos IV (estar provado que o réu não concorreu para a infração penal), V (não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal), VI (existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência) e VII (não existir prova suficiente para a condenação).

Como se sabe, a fundamentação e a conclusão de uma sentença absolutória têm efeitos civis, especialmente na chamada ação civil ex delicto, pois, apesar da responsabilidade civil ser independente da criminal, não se pode questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. É o que dispõe o Código Civil (art. 935).

Esta disposição do Código Civil se justifica plenamente, a fim que se evitem decisões absolutamente discrepantes, em evidente prejuízo para a segurança jurídica. Não seria admissível atestar-se em um processo que alguém praticou um delito e, sob o mesmo sistema jurídico, afirmar-se o contrário em outro processo ou, como bem diz Washington de Barros Monteiro, “decidir-se na justiça penal que determinado fato ocorreu e depois, na justiça civil, decidir diferentemente que o mesmo não se verificou”.

Para este civilista “repugna conceber que o Estado, em sua unidade, na repressão de um fato reputado como ofensivo da ordem social, decida soberanamente, por um de seus órgãos jurisdicionais, que esse fato constitui crime, que seu autor é passível de pena e o condene a sofrer o castigo legal; e que esse mesmo Estado, prosseguindo na repressão do fato antijurídico, venha a declarar, por outro ramo do Poder Judiciário, que ele não é delituoso, que é perfeitamente lícito, que não acarreta responsabilidade alguma para seu autor, que não está assim adstrito ao dever de compor os danos a que deu causa”.

Bem antes, João Monteiro já indagava: “Que papel representaria o Poder Público, se o mesmo crime pudesse existir e não existir, ou se X fosse e não fosse o autor de determinado crime?”.

Assim, absolvido com base no inciso IV, a sentença penal terá ressonância na esfera cível, o que não ocorrerá se o decreto absolutório fundar-se nos novos incisos V e VII, mesmo porque pode não ter existido no juízo penal prova suficiente da autoria ou para uma condenação e, no juízo cível, tal prova vir a ser conseguida. Lembre-se do brocardo aplicado no Processo Penal do in dubio pro reo.

O novo inciso VI (que também passou a privilegiar na segunda parte o princípio do in dubio pro reo) guarda estreita relação com o disposto no art. 65 do Código de Processo Penal, segundo o qual “faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito”.

Por sua vez, tais disposições processuais penais estão complementadas pelo disposto nos arts. 188, 929 e 930 do Código Civil, in verbis:

“Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

“I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido

“II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

“Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.”

“Art. 929 - Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.

“Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.

Vê-se, portanto, que o sistema adotado pelo Brasil reconhece a independência entre o Juízo cível e o penal, ressalvando, no entanto, que quanto à autoria e à existência do delito prevalece o decidido categoricamente no juízo criminal (art. 935 do Código Civil), bem como no que se refere às causas excludentes de ilicitude ou de isenção de pena; exatamente por isso, o parágrafo único do art. 64 “faculta” ao Juiz da ação civil suspender o curso do respectivo processo, até que se decida definitivamente a ação penal.

“Realmente, o conflito entre sentenças que apreciam o mesmo fato, uma negando e a outra afirmando a sua existência, uma recusando a autoria do delito e a outra aceitando-a, criaria uma situação de contundente extravagância. Inclinou-se a doutrina, por isso, para a conclusão de Merlin, negando-lhe os fundamentos. A decisão proferida no Juízo criminal tranca o Juízo civil toda vez que declarar inexistente o fato imputado ou disser que o acusado não o praticou. Quando, porém, como bem esclareceu Mendes Pimentel ‘a absolvição criminal teve motivo peculiar ao direito ou ao processo penal, como a inimputabilidade do delinqüente ou a prescrição da ação penal, a sentença criminal não obsta ao pronunciamento civil sobre a reparação do dano’”.

Observa-se, contudo, que a inexistência material do fato deve ser reconhecida categoricamente, sob pena de não vincular a decisão cível. Di-lo o art. 66 do Código de Processo Penal: “Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato”.

Por fim, o inciso IIdo parágrafo único do art. 386, consentâneo com a Parte Geral do Código Penal, que desde 1984 acabou com as penas acessórias, passou a estabelecer que o Juiz de Direito, na sentença absolutória, deverá ordenar “a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas.”

Para terminar as nossas conclusões, asseveramos que ainda falta muito trabalho para que o nosso Código de Processo Penal ajuste-se aos princípios da Constituição Federal, especialmente quando se trata do devido processo legal, sistema acusatório, etc. Maiores considerações a este respeito tecemos em nosso livro antes mencionado, quando abordamos de forma geral a reforma do Código de Processo Penal, bem como, mais especificamente, os projetos de lei ainda em tramitação no Congresso Nacional.

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