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25 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Tribunal Pleno

Publicação

Julgamento

Relator

Marcelo Bandeira Pereira

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-RS_ADI_70084895200_97d3f.doc
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Inteiro Teor

@ (PROCESSO ELETRÔNICO)

MBP

Nº 70084895200 (Nº CNJ: XXXXX-38.2021.8.21.7000)

2021/Cível

AÇÃO DIREITA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE SÃO GABRIEL. LEI Nº 4.108/2020. transporte motorizado privado individual e remunerado de passageiros por aplicativos.

DA AUTORIZAÇÃO E VISTORIA. INCONSTITUCIONALIDADE. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 8º, “CAPUT”, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL EM COMBINAÇÃO COM O 170, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES DESTA CORTE.

Mostra-se inconstitucional a exigência de autorização estatal e de vistoria prévia para a realização do transporte regulado pela lei em questão, visto que ofensiva aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência.

DO COMPARTILHAMENTO DE DADOS.

Exigência que interfere na livre iniciativa e que ainda se revela prescindível, na medida em que os aplicativos possuem avaliações próprias dos motoristas. Exigência que a própria municipalidade concordou em extirpar da legislação, até porque afronta à razoabilidade, princípio disposto no artigo 19 da Constituição Estadual.

DA TAXA DE FISCALIZAÇÃO.

É inconstitucional a exigência prévia da taxa como condição para prestação do serviço de transporte motorizado privado individual e remunerado de passageiros por aplicativos, inconstitucionalidade que deriva da inconstitucionalidade do que lhe motivaria, qual seja a exigência da autorização e a fiscalização operacional do serviço de transporte. As taxas que podem ser instituídas pelos Municípios, nos termos do artigo 145 da Constituição Federal, são apenas aquelas devidas a uma atividade administrativa vinculada prestada ao contribuinte.

DOS REQUISITOS E OBRIGAÇÕES DE CARÁTER ACESSÓRIO.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. POR MAIORIA.

Ação Direta de Inconstitucionalidade

Órgão Especial

Nº 70084895200 (Nº CNJ: XXXXX-38.2021.8.21.7000)

Comarca de Porto Alegre

PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA

PROPONENTE

CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO GABRIEL

REQUERIDO

MUNICIPIO DE SÃO GABRIEL

REQUERIDO

PROCURADOR-GERAL DO ESTADO

INTERESSADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em julgar procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade, conforme o voto do Relator, vencidos os Desembargadores Aymoré Roque Pottes de Mello e João Batista Marques Tovo, que julgavam a ação procedente em parte, com redução de texto e eficácia ex tunc, dos arts. 4º, 7º, § 4º, e 15, inc. I, alínea d e II, alíneas a, d e f , da Lei nº 4.108 do Município de São Gabriel, e os Desembargadores Eduardo Uhlein, Voltaire de Lima Moraes, Deborah Coleto Assumpção de Moraes e Rosane Wanner da Silva Bordasch, que declaravam inconstitucional apenas o art. art. 4º da lei.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (Presidente), Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, Des. Rui Portanova, Des. Francisco José Moesch, Des. Nelson Antonio Monteiro Pacheco, Des. Irineu Mariani, Des. Voltaire de Lima Moraes, Des. Aymoré Roque Pottes de Mello, Des.ª Liselena Schifino Robles Ribeiro, Des. João Batista Marques Tovo, Des. Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard, Des. Tasso Caubi Soares Delabary, Des.ª Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Des. Ney Wiedemann Neto, Des. Eduardo Uhlein, Des. Ícaro Carvalho de Bem Osório, Des.ª Lizete Andreis Sebben, Des. Antonio Vinicius Amaro da Silveira, Des. Newton Luís Medeiros Fabrício, Des. Pedro Luiz Pozza, Des.ª Deborah Coleto Assumpção de Moraes, Des.ª Vivian Cristina Angonese Spengler, Des. Roberto Carvalho Fraga e Des.ª Rosane Wanner da Silva Bordasch.

Porto Alegre, 26 de maio de 2023.

DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Marcelo Bandeira Pereira (RELATOR)

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA ajuíza a presente ação direta de inconstitucionalidade, sem pedido liminar, tendo por objeto a retirada do ordenamento jurídico os artigos 3º, 4º, 6º, 7º, parágrafo 4º, 11, ‘caput’, 15, inciso I, alíneas c e d, e inciso II, alíneas a, d, e, e f, §§ 1º e 4º, 17, ‘caput’ e § 1º, 20, 23, § 1º, 24, incisos IV e VIII, 27 e 30, todos da Lei nº 4.108, de 05 de maio de 2020, do Município de São Gabriel, que estabelece normas gerais para o serviço de transporte motorizado privado individual e remunerado de passageiros por aplicativos de Município de São Gabriel e dá outras providências.

Sustenta a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Municipal nº 4.108/2020, que estabelece normas gerais para o serviço de transporte motorizado privado individual e remunerado de passageiros por aplicativos no Município de São Gabriel. Em relação à autorização e vistoria do serviço (art. 3º, art. 15, II, alínea ‘e’, art. 17, caput e § 1º e art. 30), afirma que inconstitucional, tendo em vista que atividade essencialmente econômica direcionada ao atendimento do interesse dos contratantes, estando submetida aos princípios constitucionais da livre iniciativa e concorrência, em exegese à atual redação da Lei de Mobilidade Urbana nº 12.587/2012. Cita o posicionamento do STF na ADPF nº 449 e precedente deste Tribunal de Justiça. No tocante ao compartilhamento de dados (art. 4º), sustenta violação ao artigo 1º da Constituição Estadual e artigos e , inciso X, da Constituição Federal, explicando que os aplicativos possuem avaliações dos motoristas, sendo que compartilhar as informações pessoais e profissionais, sem demonstração efetiva de que se trate de medida necessária para preservação do interesse público, não se encontra em harmonia com o ordenamento constitucional. Sobre a taxa de fiscalização (art. 6º), salienta que a competência dos Municípios para instituir taxas tem a ver com aquelas relativas ao exercício do seu poder de polícia ou pela utilização efetiva e potencial dos serviços públicos e específicos e divisíveis por ele prestados ou postos à disposição do contribuinte. Por fim, em relação aos requisitos e obrigações de caráter acessório (art. 7º, § 4º, art. 11, caput, art. 15, I, alíneas ‘c’ e ‘d’, e II, alíneas ‘a’, ‘d’, ‘e’ e ‘f’, §§ 1º e 4º, art. 20, art. 23, § 1º, art. 24, IV, VIII e art. 27), afirma que são normas dispensáveis para o pleno funcionamento do serviço de transporte privado individual de passageiros por motoristas, intermediado por aplicativos, que criam óbice indevido à atividade privada, em afronta ao entendimento sedimentado no Tema 967 do STF e à própria Lei da Política Nacional da Mobilidade Urbana - nº 12.587/2012, com as alterações da Lei nº 13.640/2018. Colaciona doutrinas e jurisprudências.

Sem pedido liminar, a inicial foi recebida e processado o feito.

Citado, o Procurador-Geral do Estado manifestou-se pela manutenção dos dispositivos objurgados (fl. 203@).

Notificada, a municipalidade prestou informações, sustentando que é dever do Município zelar pela eficiência do sistema de mobilidade urbana, nos termos do artigo 182 da CF. Tece considerações acerca da autorização e vistoria do serviço, explicando que o fato de se tratar de serviço motorizado privado e remunerado de passageiros não afasta a possibilidade de regulação pelo Poder Público. Sustenta que as regras visam resguardar à segurança e qualidade do serviço, além de evitar desvios. Afirma que a vistoria está em consonância com os princípios que regem a atividade econômica, citando o artigo 170, V, da CF. Em relação ao compartilhamento de dados, menciona que não há necessidade de divulgação das informações, pois são dados privados dos usuários do aplicativo, além de ser um serviço particular, sem concessão pública. Aponta que a taxa de fiscalização deve ser paga por cada veículo cadastrado, em razão do poder de polícia para fiscalização do serviço de transporte de passageiros. Sobre os requisitos e obrigações de caráter acessório, sustenta que não há necessidade de limitação de condutores por veículo, visto que isso limita o tempo de trabalho, até porque há possibilidade de trabalho em turnos diferentes, assim, o § 4º do artigo 7º pode ser suprimido. Refere que não há possibilidade de embarque de passageiro, em veículo cadastrado em aplicativo, que não tenha o solicitado por meio de plataforma tecnológica. Salienta que o § 2º do artigo 11, proíbe que o condutor do serviço fique estacionado em busca de usuários. Menciona que não há necessidade de o veículo ser de propriedade do motorista cadastrado, inexistindo qualquer ilegalidade. Assevera que deve ser mantida a exigência de que os veículos devem possuir, no máximo, sete anos de fabricação para serem cadastrados. Informa que a Lei nº 3.949/18 estabelece as normas para exploração do Serviço de Taxi, havendo disposição sobre a exigência de idade de sete anos para as concessões de taxi, para operação na municipalidade, devendo ser exigido o mesmo para os veículos cadastrados nos aplicativos. Refere que não é necessária a padronização dos veículos, mas apenas uma identificação do aplicativo, o que será regulamentado via Decreto. Por fim, discorre que as exigências são feitas apenas para evitar a clandestinidade, que enseja deslealdade econômico-profissional com as demais atividades do ramo, além de insegurança dos motoristas vinculados a essas empresas (fls. 207/212@).

A Procuradora-Geral de Justiça, em exercício, opina pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade (fls. 221/262@).

É o relatório.

Em sessão de 13 de dezembro de 2021:

des. voltaire de lima moraes – pRESIDENTE – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70084895200: "Em regime de discussão, pediu vista o Desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello. Os demais Desembargadores aguardam."

Sessão de 13 de dezembro de 2021

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. AYMORÉ ROQUE POTTES DE MELLO – Eminente Presidente, eminente Des. Marcelo, demais colegas.

Esse é um tema decidido no País nos lindes dos paradigmas traçados pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 449/DF, bem assim no Tema/RG 967. Essa é uma matéria, Des. Marcelo, que tem profunda repercussão no âmbito da responsabilidade civil contratual e extracontratual de questões de transporte, que é competência espécializada da minha Câmara e do meu Grupo Cível. Neste julgamento, em sede de processo objetivo, ação direta de inconstitucionalidade, os seus fundamentos são extremamente importantes para que nós possamos ter mais segurança jurídica nos julgamentos das lides subjetivas, uma vez que é competência infraconstitucional de Câmaras e Grupos Cíveis.

Como estou chegando agora nessa matéria e questões constitucionais, tenho uma série de dúvidas que gostaria de sanar, muito especialmente no âmbito da natureza jurídico-constitucional da Lei da Política Nacional de Mobilidade Urbana, a Lei n. 12.587/2012, na redação que lhe deu e nas alterações que lhe atribuiu a Lei n. 13.640/2018, consoante o Des. Marcelo frisa no seu voto e segue as diretrizes traçadas pelo Supremo Tribunal Federal, que, a toda evidência, devem ser seguidas, dada a sua importância.

Eu estou pedindo vista do processo para poder me debruçar sobre o princípio da autonomia privada, as distinções que o princípio da autonomia privada tem em relação à própria autonomia da vontade e suas inflexões no âmbito do art. 170 da Constituição Federal, no âmbito do direito público, no âmbito de um processo objetivo que questiona a higidez de um diploma municipal que tem certamente as suas inflexões de ordem fiscalizatória, registrária, como o eminente Des. Marcelo frisa no seu voto. De outro lado, o Des. Eduardo Uhlein também traça alguns parâmetros distintivos e de divergência que também precisam ser examinados.

Em função desse contexto, eu estou pedindo vista, pedindo escusas aos colegas, mas, eu gostaria de me debruçar sobre essa matéria e produzir algumas balizas, na esteira do Supremo Tribunal Federal, no que diz respeito ao princípio da autonomia privada, que é um tema muito maltratado no Brasil, com disputas doutrinárias e jurisprudenciais muito grandes.

Peço paciência aos colegas, paciência ao eminente Procurador-Geral da Justiça, que é o proponente desta ação, mas eu realmente gostaria de me demorar nos estudos desta matéria.

Obrigado, Presidente.

DES. RUI PORTANOVA – Senhor Presidente, eu tenho duas observações a fazer. Primeira, nós estamos em sede de embargos de declaração?

DES. AYMORÉ ROQUE POTTES DE MELLO – Não. Ação Direta de Inconstitucionalidade, Des. Rui.

DES. RUI PORTANOVA – Eu me preocupei um pouco com a observação que veio do Des. Marcelo a respeito daquela nossa primeira decisão, em que era Relatora a Desa. Marilene. Eu dissenti do voto originário da Desa. Marilene e, pelo que me lembro, os termos do meu dissenso acabaram prevalecendo.

Acredito que ementa que acabou saindo, talvez com um pouco de culpa minha, que deveria ter feito parte da ementa ou talvez a ementa como um todo, agora eu não consigo me recordar. Estou falando isso mais por uma questão de ordem puramente administrativa. Talvez seja o caso de nós voltarmos àquilo que está publicado, do ponto de vista puramente administrativo, no voto da ementa que veio à público naquele julgamento, para não causar dificuldade. Talvez a ementa que está publicada não represente exatamente o que foi aquele julgamento. Eu temo que talvez eu tenha um tanto de culpa em relação a isso.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) – Eu acho que essa colocação do Des. Rui Portanova é muito oportuna e decorre daquilo que no início eu coloquei. Eu tenho uma preocupação com esses dois processos, ou seja, com o número 4 e com o 1 da pauta. O número 4 é com outra composição. Agora, com o pedido de vista do Des. Aymoré, que quer apreciar com maior profundidade essa questão, eu não sei se não seria o caso de nós deixarmos o 4 para apreciarmos conjuntamente em outra oportunidade, até para fazer os ajustes e evitar insegurança jurídica.

Imaginem, por exemplo, um órgão como o nosso, um órgão de cúpula, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça dando uma decisão em um e dando uma decisão diferente no outro. Eu tenho essa preocupação.

DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA (RELATOR) – Senhor Presidente, eu gostaria de esclarecer ao Des. Rui. Talvez eu tenha me explicado mal. Realmente, um trecho da ementa do acórdão da relatoria da Desa. Marilene não representava a posição prevalente, o que foi corrigido em embargos declaratórios. Eu simplesmente fiz essa menção porque eu notei que em julgamentos que se seguiram alguns colegas talvez não tenham se dado conta de que aquele item, da forma como originariamente posto, não correspondia ao que foi efetivamente decidido

DES. JOÃO BATISTA MARQUES TOVO – Presidente, é bem simples, o número 4 não teve o julgamento concluído. O próprio Des. Uhlein integra as duas composições, e eu vi que o Des. Uhlein, na composição do número 1, ainda não se manifestou. Portanto, é possível que até mesmo ele reconsidere o seu entendimento, e podemos todos nós reconsiderar o entendimento.

Então, eu não vejo maior dificuldade nisso, até gostaria de saber do Des. Uhlein se ele irá reconsiderar, porque evidentemente que também o Des. Uhlein não vai votar de um modo no 4 e de outro modo no 1. E se o Des. Uhlein reconsiderar o voto no 4, ou mantiver o voto no 1, aí nos caberá decidir se continuaremos acompanhando ou não.

DES. EDUARDO UHLEIN – Esclareço, Presidente, buscando ser o mais sintético possível.

Quando nós julgamos a primeira vez este assunto, como esclareceu de maneira bem minuciosa o Des. Marcelo, o caso de Porto Alegre, houve uma maioria bastante escassa de votos, e o Des. Portanova penso que, juntamente com o Des. Moesch, se não estou enganado, pontuaram a divergência, que acabou majoritária. Mas a corrente minoritária foi expressiva e foi parcial a derrota, por isso que a Desa. Marilene permaneceu com a relatoria, e houve efetivamente um equívoco material na redação da ementa, o qual foii corrigido depois em embargos, mas causando talvez alguma dificuldade de compreensão por quem não tinha participado do julgamento se for considerar apenas aquela primeira ementa da primeira sentada.

Em minha divergência, apenas faço referência àquele precedente, até porque a minha divergência neste feito é mais ampla. E eu também quero recordar que, quando o Tribunal se debruçou a primeira vez sobre essa questão, exatamente nesse julgamento referente à lei de Porto Alegre o julgamento foi adiado em duas ou três semanas, porque, na primeira assentada, foi exatamente quando o Supremo estava apreciando o Tema 967. E o ponto que me parece o mais relevante, e até em função do parecer oral que fez agora o Dr. Marcelo, que propôs pelo Ministério Público esta ação de São Gabriel. Nós temos aqui São Gabriel, que é da relatoria do Des. Marcelo, e São Borja, que é da relatoria do Des. Vicente. Cada ação obviamente tem algumas particularidades, porque as leis de cada Município não são absolutamente idênticas. Então, não há como julgar em bloco essas ações. Em um caso de relatoria do Des. Antônio Maria, se não me engano, também em outro da relatoria do Des. Tasso, eu fiquei ou isolado, ou na companhia de um ou dois ilustres colegas. Nesse caso do Des. Vicente eu vi que outros colegas acabaram aderindo à divergência, a revelar que o tema, neste Colegiado, ainda não está maduro.

Eu chamo a atenção para o seguinte: o Supremo, no Tema 967, não afastou o poder regulamentar dos municípios na questão do transporte por aplicativos. O tema estabelece que os municípios não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal no exercício de sua competência para regulamentação e fiscalização do transporte individual de passageiros. Ou seja, os municípios têm competência para regulamentar, e o limite é a disciplina fixada pelo legislador federal.

E o que estabeleceu o legislador federal? Que, na regulamentação pelos municípios e pelo Distrito Federal, deverão ser observadas as seguintes diretrizes do art. 11-A da Lei Federal nº 12.587, nos seus incisos, que dizem que, na cobrança dos tributos municipais, eventualmente pode estar incluída a taxa de fiscalização; segundo, a contratação de um seguro de acidentes pessoais pelos condutores; terceiro, a exigência de inscrição do motorista como contribuinte individual do INSS. E, no art. 11-B, vai mais além o poder de regulamentação pelos municípios assegurada pela lei federal, os motoristas têm que ter carteira de habilitação categoria B, os veículos têm que atender à idade máxima estabelecida pelo poder público municipal, os motoristas precisam apresentar certidão negativa de antecedentes criminais.

Chamo atenção ainda para o parágrafo único do art. 11-B da lei federal: “Os serviços remunerados de transporte privado individual de passageiros sem o cumprimento dos requisitos previstos nesta lei e na regulamentação do poder público municipal e do Distrito Federal caracterizar-se-ão como transporte ilegal de passageiros”. Ou seja, o legislador federal, longe de deixar para a livre iniciativa ou para uma absoluta liberdade empreendedora o serviço de transporte privativo de passageiros através de aplicativos, assegurou o direito de intervenção estatal e facultou o controle e a regulação pelo legislador municipal, observadas as diretrizes estatuídas pela lei federal. O limite disso é o que, neste Colegiado, a cada casa, nós precisamos ver se está sendo respeitado, em cada uma das legislações municipais.

Mesmo aqui, ao divergir do voto do Des. Vicente, eu reconheci, em um determinado dispositivo, que estava havendo uma extrapolação da lei federal, contrariando o Tema 967.

Penso que nós ainda temos que nos debruçar, talvez mais detidamente, sobre as consequências desse enunciado estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 967 e saber qual o limite da atuação dos municípios na regulamentação. Dizer que não há poder de regulamentação algum, parece-me que evidentemente não é possível. Se o Município tem que verificar se o motorista tem antecedentes criminais ou não, se o motorista tem a habilitação padrão tipo B, se ele tem inscrição no INSS. Ora, se o Município precisa fazer isso, e só assim o transporte por aplicativos é regular e legal, então o Município tem que fiscalizar. Ai, estaria, então, o fundamento para a instituição de uma taxa correspondente e proporcional a esse poder fiscalizatório.

No julgamento de Porto Alegre, entendeu-se, e nós podemos revisitar o acórdão, colegas, que o Município não tem esse poder. E me parece que essa afirmação é que vai de encontro ao que o Supremo tinha placitado no Tema 967, com a vênia da maioria ali formada.

Por isso é que eu ainda insisto, colegas, com as divergências, naturalmente sempre examinando cada uma das legislações que vêm aqui e se expõem a este controle objetivo pelo Órgão Especial.

DES. AYMORÉ ROQUE POTTES DE MELLO – É justamente essa a questão. Em primeiro lugar, eminente Presidente, eu não participo do processo sob pauta nº 4 nesta sessão de hoje. Então, de certa forma, eu até demorei para compreender a observação do Des. Marcelo e a possibilidade de haver contradição entre votos entre processos distintos, um dos quais eu não tenho acesso no sistema Themis (pauta 4). Em segundo lugar, eminente Presidente, a pontuação que o Des. Eduardo Uhlein está fazendo, no âmbito da ADPF 449 e do Tema 967 do Supremo Tribunal Federal, questiona o limite de atuação dos municípios na regulamentação local vinculada aos parâmetros do STF decorrentes da vigente Lei Nacional de Mobilidade Urbana, se é um regramento geral uníssono, de competência privativa da União, ou se caracteriza um regramento geral unionista de abrangência federativa nacional, competência constitucional concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal. Essa é a questão. Eu examinei com muita brevidade. É a primeira vez que eu enfrento, neste Órgão Especial, essa matéria, que é uma matéria recorrente na minha Câmara no plano infraconstitucional e as argumentações são muito semelhantes – para não dizer idênticas – em grande parte e as teses são essas expostas brilhantemente pelo Des. Eduardo Uhlein de um lado e pelo Des. Marcelo de outro, no balizamento do que decidiu o Supremo Tribunal Federal na via concentrada do controle de constitucionalidade com efeito vinculante e erga omnes.

Então, justifiquei o pedido de vista, inclusive e muito especialmente, para poder estudar se a lei nacional de mobilidade urbana é uma lei que o Supremo Tribunal Federal definiu como de competência privativa ou concorrente. Se for de competência concorrente, ainda que subsidiariamente, nós vamos nos defrontar com os parágrafos 1º a do art. 24 da Constituição Federal, em que o regramento geral de abrangência federativa nacional é competência da União, os Estados e o DF suplementam e os municípios, residualmente, podem complementar a sob o viés regulamentar do interesse local sediado no inciso II do art. 30 da CF. Quer dizer, eu por esse silogismo concatenado de estrutura constitucional, preciso me dedicar a essas questões. Como o Des. Eduardo colocou, de um lado nós temos o princípio da autonomia privada do art. 170 da Constituição Federal, que é um fundamento recorrente no âmbito das lides subjetivas de competência da Câmaras Cíveis de Direito Privado deste Tribunal, mas, como todo princípio constitucional, não é absoluto, submete-se às técnicas de ponderação.

Se este Tribunal, pelo seu Órgão Especial, chegar à conclusão de que a lei nacional de mobilidade urbana, no seu texto vigente e na dicção do STF, é uma lei de competência federativa concorrente, isso faz toda a diferença, porque isso abre ou fecha a porteira para as leis municipais legislarem subsidiariamente em relação a esses aplicativos. E se o Órgão Especial desta Corte decidir que é uma lei de competência privativa da União e que o poder regulamentar dos municípios fica parcialmente interditado, somente podendo dispor, (na dicção do STF), sobre os parâmetros regulamentares autorizados pela Lei Nacional de Mobilidade Urbana, então as leis municipais no Estado do Rio Grande do Sul certamente serão quase todas inconstitucionais, pelo menos em parte, consoante acentuou o Des. Marcelo no seu voto. E ainda há uma terceira vertente, que entendo representada, em princípio, pela posição do Des. Uhlein, consistente em interpretar as normas-diretrizes do texto vigente da Lei Nacional de Mobilidade Urbana e autorizar certas e determinadas normas regulamentadoras municipais Então, em função disso, e me justificando mais uma vez, eu acho da maior importância nós estudarmos essa classificação.

Des. Marcelo, peço renovadas desculpas a Vossa Excelência por estar intervindo em um processo da relatoria de Vossa Excelência, sempre competentemente julgado.

DES. FRANCISCO JOSÉ MOESCH – Senhor Presidente, acho da maior prudência, da maior oportunidade esse pedido de vista do Des. Aymoré. Eu (...) me lembro do meu voto (...) manifestações porque não tinha decisão completa do acórdão do Supremo, principalmente sobre exigência de prévia autorização e de vistoria, principalmente sobre a questão ligada à cobrança de taxa de gerenciamento, principalmente a imposição de compartilhamento de dados e informações do município de Porto Alegre e a disponibilização no aplicativo de determinadas funcionalidades aos condutores, especialmente a questão dos bons antecedentes. Como disse bem o Des. Aymoré e o Des. Uhlein, isso no tempo já nos trouxe um novo cenário, mais o posicionamento do tema do Supremo.

Já votei no nº 4, mas voltaria a pedir vista no nº 4 para aguardarmos definição.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) – Eu acho muito prudente o encaminhamento do Des. Moesch.

DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA (RELATOR) – Senhor Presidente, na linha do que pondera o Des. Moesch, naquele julgamento em que atacada lei de Porto Alegre eu acompanhei a corrente que continua sendo sustentada pelo Des. Uhlein. A solução que eu estaria encaminhando agora tem a finalidade pragmática de manter uma segurança jurídica, porque nós tivemos, depois daquele julgamento de Porto Alegre, um julgamento unânime, da relatoria do Des. Tasso, como eu referi, de Butiá, julgando de um jeito. Ainda que haja, realmente, nas leis municipais, algumas diferenças, o dissenso está acontecendo na essência, quanto à possibilidade dessa fiscalização, da cobrança dessa taxa. Isso se repete

Por que eu pedi vista daquele processo 4 e tirei daquela sessão no meu julgamento? Porque eu observava que havia colegas que estavam acompanhando o Des. Uhlein no processo da relatoria do Des. Barroco e estavam me acompanhando – eu tendo lançado posição divergente – no processo da minha relatoria. A minha ideia, quando eu retirei de pauta, e agora, na linha do que disse o Des. Moesch, é oportunizar uma equalização. As composições não são idênticas. Fazendo um levantamento, eu identifiquei seis colegas que votaram em um sentido e em outro, porque a situação é embaralhada mesmo. Eu acho que, como disse o Des. Moesch, poderíamos retirar os votos do nº 4 e aguardar para proferir quando forem julgados juntos, quando os dois vierem com o voto-vista do Des. Aymoré, sob pena de, tanto não acontecendo, não haver mais oportunidade para que cada um daquelas julgadores sustente uma mesma posição em ambos os feitos. Era esse o encaminhamento do voto. Eu me preocupei muito mais com essa situação do que com a leitura nesta sessão do voto que adredemente preparei.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) - Eu fiquei preocupado, porque eu comecei a verificar o encaminhamento do 4, com várias linhas de interpretação e de entendimento. Agora vendo o 1, eu me preocupo com a segurança jurídica, acho que todos nós nos preocupamos.

DES. RUI PORTANOVA – Tenho uma sugestão, uma estratégia para consolidarmos. Não tem mais como modificar a composição do 4, porque já foi lançado e teve votos, mas tem como eventualmente modificar ou submeter de outra forma a composição do 1. Eu sugiro retirar de pauta o número 1, em nome da segurança jurídica. O Des. Aymoré tem que fazer um estudo a respeito disso, eu tenho um voto divergente e gostaria muito de participar desse tipo de sessão. Ao mesmo tempo, eu acho que nós não podemos fazer uma sessão com quase todo o Tribunal Pleno, juntando os que já votaram no processo 4 e os que vão votar no processo 1. Estrategicamente, seria interessante se retirar de pauta este processo 1, tendo em vista que, quando colocar o 1 em pauta, deve ser colocado também o que hoje é o 4, mantendo o número de desembargadores para o 1 e para o 4 para se ter uma clareza de qual que vai ser a posição do Órgão Especial.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) - Lembro, Des. Portanova, que no número 4, embora os colegas tivessem votado, não foi proclamado o resultado, então eles podem alterar o voto. Eu, por exemplo, já votei, mas eu não tenho a menor dificuldade em modificar o meu voto em nome da segurança jurídica, daquilo que é mais adequado.

DES. RUI PORTANOVA - Só para fazer uma réplica, Presidente. Os colegas da composição do 4 que já votaram podem não comparecer quando o 1 for colocado em pauta. Essa que é a questão. Em nome da segurança jurídica - e eu sou a favor da sua preocupação -, sugiro que o processo 1 saia de pauta, já ficando acertado que o Des. Aymoré participará, que o Des. Marcelo voltará, que eu voltarei, porque os colegas da composição do 4 da pauta podem não comparecer ao julgamento, o que pode gerar problema quanto a segurança jurídica.

DES. JOÃO BATISTA MARQUES TOVO - Eu gostaria de dizer duas coisas. Primeiro, nós não podemos retirar o voto, por que ele já está posto na tira.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) - Pode modificar o voto.

DES. JOÃO BATISTA MARQUES TOVO - Para modificar eu tenho que proferir o meu novo voto, e eu quero aguardar. Não sei como Vossa Excelência vai colocar na tira, mas pode dizer que o Des. Tovo reconsidera a manifestação anterior e aguardará o julgamento conjunto do número 1 e do número 4.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) – Parece que o Des. Moech queria manifestar a intenção de pedir vista.

DES. JOÃO BATISTA MARQUES TOVO – A segunda coisa que eu gostaria de considerar é o que torna uma composição fixa. Vossa Excelência sabe melhor que qualquer um de nós que é o início do julgamento. Então, se nós não iniciarmos o julgamento do número 1, não há como estabelecer uma composição para o futuro. O número 1 fixará a composição apenas se nós iniciarmos o julgamento. A composição da pauta 4 se tornou imodificável. A respeito da preocupação do Des. Rui Portanova quanto àqueles que já lançaram os votos e podem eventualmente não comparecer a essa nova sessão, eu vou observar uma coisa que não se tem observado. Recentemente eu trabalhei na comissão do COJE dizendo que sempre que há fato novo ou argumento novo deve ser possibilitada uma nova rodada de votação, e isso compreende a presença de todos. Por exemplo, se levantaram uma preliminar, todos têm que votar. A meu juízo, isso não é problema, até porque nós temos dois fatores diferentes.

Concluindo, eu estou aceitando a oferta do Des. Marcelo e aceitando a conveniência de suspender o meu voto da sessão anterior, não sei como Vossa Excelência vai colocar na tira, mas não vou votar ainda. Eu quero aguardar inclusive o voto do Des. Rui Portanova e do Des. Aymoré para nós unificarmos tudo. Estou suspendendo aquele voto e vou aguardar para votar nos dois processos de modo igualitário.

DES. AYMORÉ ROQUE POTTES DE MELLO - O que o Des. Tovo está corretamente propondo, a meu sentir, é que, se possível, ambos os processos sejam colocados em regime de discussão após o voto do Relator. E o pedido de vista se encaixa no regime de discussão. O Tribunal decidiu não votar hoje, até para dar tempo de nós estudarmos, conversarmos, trocarmos ideias e produzirmos a segurança jurídica, que é a preocupação no 1 do Des. Marcelo e de todos nós. Então, se colocarmos os dois processos sob regime de discussão, estaria resolvido. Depois, pautados ambos os processos para a mesma sessão, é rezar a missa republicana regimental e processual em cada um deles, até finalizar o julgamento de cada um, preferentemente em termos predominantes uniformizados.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) – Mas aí já iniciou o julgamento. Na medida em que coloca em regime de discussão, iniciou o julgamento e não pode mais tirar o número 1.

DES. AYMORÉ ROQUE POTTES DE MELLO - Mas esse é o segundo problema, Presidente. Por exemplo, se o Des. Marcelo retirar o processo de pauta, o meu pedido de vista cai. Particularmente, com todo respeito à sugestão do Des. Rui Portanova, se o Des. Marcelo tirar o processo de pauta cai o meu pedido de vista, e eu gostaria de manter o meu pedido de vista.

É a ponderação que eu faço ao Des. Marcelo.

DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA (RELATOR) – Presidente, ambas as posições estão corretas, tanto a do Des. Aymoré quanto a do Des. Tovo.

A composição do número 4 da pauta está estabelecida e não tem como alterar. O julgamento vai se complementar com aqueles votos, estejam os desembargadores presentes ou não. Sobre a proposta do Des., Tovo, se houvesse a exigência de que a cada preliminar a composição fosse a primeira, nós estaríamos condenando os julgamentos do Órgão Especial a não terminarem nunca. Isso não tem como ser contornado sob o ponto de vista prático, a meu ver.

A composição do processo 4 da pauta está completa.

Eu não quero prescindir, e acho que nenhum dos colegas quer prescindir, do estudo que vai ser feito pelo Des. Aymoré, e se eu retirar o processo de pauta ele não teria como sustentar esse pedido de vista.

No processo de Porto Alegre eu votei acompanhando o Des. Uhlein, o meu voto foi pragmático. Eu nem estou dizendo que a minha decisão agora é melhor, eu até me abstenho de votar, portanto, sugiro que, em regime de discussão, peça vista o Des. Aymoré.

Quanto ao de número 4, o máximo que é possível fazer, como o processo está em pauta, aos efeitos de oportunizar aos que já votaram a eventual revisão de posição, seria – é a sugestão – a retirada de seus votos. Com isso, eles continuam vinculados aos julgamento, por isso que seriam necessariamente convocados para a sua sequência, quando voltassem os autos à pauta para o lançamento do voto-vista.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) – O Des. Moesch já pediu vista do processo 4 pauta.

DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA (RELATOR) – Em face do pedido de vista do Des. Moesch no 4 da pauta, aqueles que quiserem podem revisar seus votos. Eu identifiquei os Desembargadores Pacheco, Mariani, Tovo, Íris, Tasso, Vanderlei e Ícaro com votos diferentes nos dois processos.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) – Eu também votei no 4 acompanhando o Des. Eduardo Uhlein. Eu votei também nesse sentido.

DES. FRANCISCO JOSÉ MOESCH – Presidente, votei no número 4, mas sujeito a modificar posição. Acho que nós precisamos definir isso, porque a maior crítica da sociedade é essa instabilidade. Nós precisamos pavimentar o tema.

DES. JOÃO BATISTA MARQUES TOVO – A proposta do Des. Marcelo é justamente para que o julgamento não se encerre sem a presença (...). É oportuna a proposta do Des. Marcelo.

Eu estou aceitando a propositura dele, Presidente, retirando o meu voto.

DES. FRANCISCO JOSÉ MOESCH – Quem precisava votar no número 4?

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) – O número 4 é voto vista do Des. Marcelo. Já tinham votado o Presidente, Des. Aristides, Des. Armínio, Des. Vicente, que é o Relator; Des. Sylvio, o Des. Rui Portanova tinha indicação aqui de que ele pretendia retificar o voto condutor, não sei se procede. O Des. Jorge Dall Agnol já votou, Des. Francisco Moesch, Des. Bruxel, Des. Nelson, Des. Brasil Santos, Des. Heinz, Des. Guinther, Des. Pestana, Des.ª, Liselena, Des. Tovo, Des.ª Íris, Des. Antônio Maria, Des. Tasso, Des.ª Vanderlei, Des. Ney, Des. Eduardo Uhlein, Des. Ícaro eu tenho aqui menção que retificaria o voto, e Des. ª Lizete.

Faltava, a rigor, só o voto do Des. Marcelo.

DES. FRANCISCO JOSÉ MOESCH – Então quem sabe o Des. Marcelo não vota hoje.

DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA (RELATOR) – Eu não vou votar hoje. Se Vossa Excelência pedir vista eu tenho mais um fundamento para não votar hoje. Essa é a ideia.

DES. FRANCISCO JOSÉ MOESCH – A minha preocupação, Des. Marcelo, é coincidir com alguma sessão em que não esteja em razão do Tribunal Regional Eleitoral. Mas se for necessário, eu estou pedindo vista.

DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA (RELATOR) – Des. Voltaire, eu destaquei apenas os colegas que estariam aparentemente votando em sentidos opostos, mas claro que todos podem rever o voto.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) – Eu vou retirar o meu voto, já vou adiantar.

O Des. Moesch retira o voto e pede vista.

DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY – Senhor Presidente, para esclarecer, até porque um dos julgamentos que está causando polemica é o meu de Butiá.

Na realidade, eu votei vencido no paradigma de Porto Alegre, votei acompanhando a Des.ª Marilene, que era a Relatora e que foi vencida. Quando eu relatei o de Butiá, vencido que eu tinha sido no anterior, segui a orientação da maioria, especialmente sobre a desnecessidade da taxa. Esse foi o meu voto, acompanhando a maioria lá, e ali gerou uma unanimidade.

Eu também estou de acordo em retirar o meu voto proferido no 4 da pauta e aguardar a discussão.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) – Então eu vou encaminhar no seguinte sentido:

O número 1 entrou em julgamento e, em regime de discussão, solicitou vista o eminente Des. Aymoré. Os demais aguardam. Acho que é uma forma de nós resolvermos isso.

O número 4, estão presentes hoje o Des. Aristides, o Des. Marcelo, o Des. Portanova, o Des. Moesch, que retira o voto e pede vista, o Des. Nelson Pacheco...

DES. NELSON ANTONIO MONTEIRO PACHECO — Retiro o meu voto e aguardo a vista, Presidente.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) — O Des. Rui Portanova também aguarda a vista?

DES. RUI PORTANOVA — Sim, aguardo a vista.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) — Des. Aristides, retira o voto e aguarda a vista? Seria ideal, porque vamos ter uma sessão na segunda quinzena de janeiro, a última da atual Administração. Até lá teriam condições de trazer?

DES. ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO — Aguardo a vista, então, Presidente.

DES.ª LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO — Aguardo a vista, Senhor Presidente.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) — Des. Tovo também?

DES. JOÃO BATISTA MARQUES TOVO — Também.

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA — Retiro o voto e aguardo a vista.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) — Des. Antônio Maria, podemos fazer assim?

DES. ANTÔNIO MARIA RODRIGUES DE FREITAS ISERHARD — Eminente Presidente, não vou suscitar questão regimental, mas penso que o voto está lançado. É evidente que, se o colega pedir vista, posso reconsiderar o voto que já lancei. Mas todos estão, de certa maneira, seguindo esse diapasão, não serei eu a desafinar. Vou seguir a mesma linha, não vou criar problemas de ordem semântica regimental.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) — Des. Tasso, também, nesse sentido, já havia falado há pouco.

DES.ª VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK — Presidente, já excluí o meu voto e vou aguardar a vista, então. Para todos os efeitos, não votei.

DES. NEY WIEDEMANN NETO — Também, Presidente, aguardo vista.

DES. EDUARDO UHLEIN — Presidente, eu pedi vista desse processo lá em novembro, eu estava verificando. Esse processo começou em novembro de 2020. Naquela ocasião, quem divergiu foi o Des. Marco Aurélio Heinz. Diante daquela divergência é que pedi vista. Quando eu trouxe, é que começou a haver algumas retificações de voto me acompanhando. Isso desencadeou o pedido de vista do Des. Marcelo e todo o relato que ele fez de maneira muito fidedigna e elogiável, porque tentando justamente a uniformização.

Então, como já pedi vista, mantenho por ora o voto. Mas naturalmente assumo o compromisso de eventualmente mudar o voto caso haja, a partir da vista que hoje foi solicitada, uma nova compreensão do Colegiado.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) — O Desembargador mantém o voto, em razão dos fatos narrados relacionados com o pedido de vista anterior.

DES. ÍCARO CARVALHO DE BEM OSÓRIO — Da mesma forma, Presidente. Estou com o voto lançado. Também acho, tal qual o Des. Antônio Maria, que poderia permanecer o voto ali e depois, eventualmente, modificar. Mas, nessa sequência, faço também da mesma forma, Presidente, excluo o voto e aguardo a vista.

DES.ª LIZETE ANDREIS SEBBEN — Também, Senhor Presidente, eu havia manifestado meu voto, mas eu aguardo a vista.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) — Estamos em uma situação sui generis, os colegas compreenderam, não? Colocando em primeiro plano a questão da segurança jurídica, para darmos uma decisão que realmente esteja de acordo e não se dê uma decisão em um sentido ou no outro. Os colegas já falaram, muito bem ponderado, cada lei é uma lei de uma cidade diferente, mas existem coisas que são praticamente idênticas. Essa é a nossa preocupação.

DES. IRINEU MARIANI — Presidente, estou em dúvida...

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) — Des. Mariani, não lhe chamei antes?

DES. IRINEU MARIANI — É que o Des. Marcelo referiu que eu teria votado no número 4. Não ouvi meu nome por parte de Vossa Excelência e também não consigo abrir o voto.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) — No número 4 Vossa Excelência não votou, pelo menos não tenho o registro.

DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA (RELATOR) — Quero me desculpar, acho que foi erro meu.

DES. IRINEU MARIANI — Não, Des. Marcelo. Se foi erro, foi plenamente justificável, porque temos aquele outro processo do Des. Tasso, que é aquele idêntico, do Município de Butiá.

DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA (RELATOR) — Foi isso, então!

DES. IRINEU MARIANI — Pode ser que eu tenha votado naquele.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) — No número 4 não votou, Des. Mariani.

DES. IRINEU MARIANI — Não votei nesse. De qualquer sorte, é prudente o pedido de vista do Des. Aymoré, em regime de discussão, o que inclusive se antecipa ao voto do Des. Marcelo, o Relator. Também é prudente o pedido de vista do Des. Moesch para que os colegas que incorreram nessa contradição, de um modo em um processo e votar de outro no outro processo tenham a oportunidade de torná-los coerentes.

Acho que a solução apresentada pelos colegas e toda essa discussão havida amadureceu a questão para essa solução.

DES. FRANCISCO JOSÉ MOESCH — Presidente, se o Des. Mariani não votou nesse processo, não seria mais prudente ele pedir vista, em vez de eu pedir vista?

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) — Ele não integra a composição, Des. Moesch. Ele não estava na composição do processo 4.

DES. JOÃO BATISTA MARQUES TOVO — Presidente, há algum equívoco. Estou olhando o número 4 e consta não só a composição do Des. Irineu Mariani como consta um voto dele.

DES. MARCELO BANDEIRA PEREIRA (RELATOR) — Continuo equivocado?

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) — Vou revisar de novo, Des. Tovo, mas não consta.

DES. JOÃO BATISTA MARQUES TOVO — Des. Mariani, o voto de Vossa Excelência está acompanhando o Des. Uhlein.

DES. IRINEU MARIANI — O meu voto não está incoerente com o voto do Des. Marcelo.

DES. EDUARDO UHLEIN — O Des. Mariani não consta da tira como participante.

DES. JOÃO BATISTA MARQUES TOVO — Na folha consta o voto do Des. Mariani... Ah, liberado em 10 de dezembro!

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) — Aí é outra coisa, Desembargador.

DES. JOÃO BATISTA MARQUES TOVO — Acho que estou confundindo. É a Iris Helena, não é o Irineu Mariani, desculpe! São parecidas as siglas.

DES. RUI PORTANOVA — Presidente, duas palavrinhas, por favor.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) — Pois não, Des. Rui.

DES. RUI PORTANOVA — A importância de termos uma segurança jurídica nesse tema é evidente que todos já viram. Há uma imensidão de trabalhadores que precisam dessa segurança e prefeituras que não podem mais (...). Algumas têm algum rigor, mas outras não têm. É essa a importância.

Eu elogio a sua preocupação em dar segurança jurídica para esse ponto por causa disso. Inclusive, vou estar de férias em janeiro, mas estarei a postos, Presidente, aqui!

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (PRESIDENTE) — Então, no processo n. 1, sempre reproduzindo o encaminhamento: em regime de discussão, solicitou vista dos autos o eminente Des. Aymoré Roque Pottes de Mello, Relatoria do Des. Marcelo.

No processo n. 4, houve o pedido de vista do Des. Francisco Moesch e houve a retirada de votos com a manifestação de que os colegas hoje aqui presentes nesta sessão aguardam o pedido de vista do Des. Francisco Moesch.

Sessão virtual de 14 de abril de 2023 até 20 de abril de 2023

VOTOS

Des. Marcelo Bandeira Pereira (RELATOR)

A presente ação direta de inconstitucionalidade tem por objeto a retirada do ordenamento jurídico os artigos 3º, 4º, 6º, 7º, parágrafo 4º, 11, ‘caput’, 15, inciso I, alíneas c e d, e inciso II, alíneas a, d, e, e f, §§ 1º e 4º, 17, ‘caput’ e § 1º, 20, 23, § 1º, 24, incisos IV e VIII, 27 e 30, todos da Lei nº 4.108, de 05 de maio de 2020, do Município de São Gabriel, que estabelece normas gerais para o serviço de transporte motorizado privado individual e remunerado de passageiros por aplicativos de Município de São Gabriel e dá outras providências.

Primeiramente, consigno que o presente processo foi retirado da pauta da sessão do dia 20/08/2021 em virtude da divergência de votos proferidos em relação à ADIn nº 70084389154, de relatoria do eminente Des. Vicente Barroco de Vasconcellos, da qual fui alertado pelo Des Eduardo Uhlein.

Considerando o exíguo prazo até o encerramento daquela sessão e a necessidade de análise dos argumentos lançados pelo Des. Uhlein, tive por bem retirar este processo de pauta, evitando que aqueles que acompanharam o sentido do meu voto fossem pegos de surpresa em caso de eventual alteração.

Além disso, pedi vista naquela ação direta de inconstitucionalidade, trazendo nesta sessão o meu voto.

Com tais considerações, e após o exame do entendimento firmado por este Órgão Especial nas ADIn’s nºs XXXXX (Porto Alegre) e XXXXX (Município de Butiá), passo ao exame das normas debatidas nesta ação.

De saída, antes mesmo da análise pontual dos dispositivos da Lei Municipal nº 4.108/2020 objurgados, que tratam da (i) da autorização e vistoria, (ii) do compartilhamento de dados, (iii) da taxa de fiscalização e (iv) dos requisitos e obrigações de caráter acessório, destaco que a utilização de aplicativos de transporte que conectam motoristas e usuários é uma realidade em todo o mundo, especialmente nas grandes cidades, sendo desnecessárias maiores digressões sobre a importância do serviço pela possibilidade de acesso a baixo custo que a inovação tecnológica gerou.

Benefícios não apenas aos usuários, mas também aos motoristas, os quais tiveram acesso a uma fonte de renda e flexibilidade na organização de sua rotina de trabalho.

E vale a lembrança de que a regra na Constituição Federal é a livre iniciativa, conforme estabelece o seu art. , inciso XIII (é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer), o que, de resto, também está posto no seu artigo 170, inciso IV, que estabelece a ordem econômica fundada no princípio da livre iniciativa.

O STF já se pronunciou sobre a questão do transporte de passageiro por aplicativo no julgamento do RE nº 1.054.110 (Tema 967), submetido à sistemática da Repercussão Geral, com fixação da seguinte tese:

"1. A proibição ou restrição da atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência; e

2. No exercício de sua competência para regulamentação e fiscalização do transporte privado individual de passageiros, os Municípios e o Distrito Federal não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal ( CF/1988, art. 22, XI)."

A polêmica relacionada aos transportes por aplicativos restou superada com a publicação da Lei nº 13.640/2018, que instituiu as diretrizes de Política Nacional de Mobilidade Urbana , alterando a Lei nº 12.587/2012. O inciso X do artigo 4º foi alterado, dispondo que se considera “ transporte remunerado privado individual de passageiros: serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede”. Seguem, ainda, os seguintes dispositivos pertinentes ao caso:

Art. 3º A Lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012 , passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 11-A e 11-B:

“ Art. 11-A. Compete exclusivamente aos Municípios e ao Distrito Federal regulamentar e fiscalizar o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros previsto no inciso X do art. 4º desta Lei no âmbito dos seus territórios.

Parágrafo único. Na regulamentação e fiscalização do serviço de transporte privado individual de passageiros, os Municípios e o Distrito Federal deverão observar as seguintes diretrizes, tendo em vista a eficiência, a eficácia, a segurança e a efetividade na prestação do serviço:

I - efetiva cobrança dos tributos municipais devidos pela prestação do serviço;

II - exigência de contratação de seguro de Acidentes Pessoais a Passageiros (APP) e do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres ( DPVAT);

III - exigência de inscrição do motorista como contribuinte individual do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), nos termos da alínea h do inciso V do art. 11 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 .”

“Art. 11-B. O serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros previsto no inciso X do art. 4º desta Lei, nos Municípios que optarem pela sua regulamentação, somente será autorizado ao motorista que cumprir as seguintes condições:

I - possuir Carteira Nacional de Habilitação na categoria B ou superior que contenha a informação de que exerce atividade remunerada;

II - conduzir veículo que atenda aos requisitos de idade máxima e às características exigidas pela autoridade de trânsito e pelo poder público municipal e do Distrito Federal;

III - emitir e manter o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV);

IV - apresentar certidão negativa de antecedentes criminais.

Parágrafo único. A exploração dos serviços remunerados de transporte privado individual de passageiros sem o cumprimento dos requisitos previstos nesta Lei e na regulamentação do poder público municipal e do Distrito Federal caracterizará transporte ilegal de passageiros”.

Como se vê, no âmbito local, o serviço deve ser regulamentado de acordo com as diretrizes traçadas no âmbito da Política Nacional da Mobilidade Urbana, tudo em consonância com os arts. 22, inciso IX , e 182 da Constituição Federal .

Postas essas considerações, impõe-se, para o devido cotejo, colacionar os pontos e dispositivos questionados da Lei Municipal nº 4.108/20, atentando à ordem como apresentados na petição inicial:

i) DA AUTORIZAÇÃO E VISTORIA – artigos 3º, 15, II, e, 17, § 1º, e 30:

Art. 3º A exploração do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros dependerá de autorização do Município de São Gabriel, concedida por intermédio da Secretaria Municipal de Segurança e Cidadania às pessoas jurídicas operadoras de plataforma tecnológica, conforme critérios de credenciamento fixados nesta Lei e em seu regulamento.

Parágrafo único. A autorização do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros é restrita às operadoras de tecnologia responsáveis pela sua disponibilização.

Art. 15. Para o cadastramento nas autorizatárias do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros deverão ser cumpridos os seguintes requisitos:

(...)

II - pelos veículos:

(...)

e) ser aprovado em vistoria realizada através do Órgão Municipal Executivo de Trânsito – OMETRAN;

(...)

Art. 17. Para fins de validação, o cadastramento de veículos e de seus condutores efetuado pelas autorizatárias do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros na forma do art. 15 desta Lei, deverá ser submetido ao Órgão Municipal Executivo de Trânsito - OMETRAN.

§ 1º Por ocasião da validação referida no caput deste artigo, o Órgão Municipal Executivo de Trânsito - OMETRAN avaliará o cumprimento do disposto nos art. 7º e 15, desta Lei.

(...)

Art. 30. A autorização para a exploração do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros será válida, inicialmente, pelo prazo de até 24 (vinte e quatro meses).

§ 1º Transcorridos 12 (doze) meses da vigência desta Lei, o Município de São Gabriel promoverá a análise e a reavaliação do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros, bem como, eventuais adequações na legislação que se fizerem necessárias.

§ 2º A renovação da autorização para a exploração do serviço dependerá da reavaliação referida no § 1º deste artigo e, se aprovada, deverá ser efetuada a cada 12 (doze) meses.

No que concerne ao primeiro item, não se tratando de transporte público de passageiros, mas de serviço realizado por veículo particular, não há que se falar em autorização por parte do Município, tampouco em necessidade de vistoria a ser realizada por órgão de trânsito.

Cabe a ressalva de que a autorização é ato administrativo unilateral, discricionário e precário pelo qual o Poder Público transfere mediante delegação a particulares a execução de um serviço do qual é titular, conceito no qual, claramente, não se enquadra a atividade em questão.

E por não se tratar de serviço público, é inadmissível que se pretenda submetê-la regime jurídico administrativo, a ponto de se exigir autorização aos particulares que pretendam o seu exercício. Nesse sentido, o voto do eminente Ministro Luís Roberto Barroso no julgamento do RE nº 1.054.110 já mencionado:

“Agiu corretamente o legislador em definir a prática desses serviços como de natureza distinta do transporte público individual de passageiros , estatuído pelo Plano Nacional de Mobilidade Urbana como o “serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens individualizadas” (art. 4º, VIII, do PNMU), bem como dos “serviços de utilidade pública de transporte individual de passageiros”, referido no art. 12 da mesma lei, do qual também constitui exemplo o serviço a cargo dos profissionais taxistas (art. da Lei 12.468/2011).

O transporte remunerado por aplicativos segue uma dinâmica econômica e social próprias , atendendo a uma demanda que surgiu, em primeiro lugar, dos sérios problemas de mobilidade urbana das grandes cidades brasileiras, sobretudo a deficiência do transporte público coletivo, e das possibilidades tecnológicas ofertadas pelos aplicativos on line. Não vejo, assim, como qualificar essa atividade como serviço público, para sujeitá-la ao regime jurídico de direito administrativo e atribuir sua titularidade ao Estado, ainda que em regime de não exclusividade . Trata-se, ao meu ver, de necessidades sociais sendo supridas pela iniciativa de particulares, no exercício de sua liberdade de empreender em uma economia de mercado. A eventual submissão dessa realidade a um regime de autorização ou permissão pela Administração Pública esvaziaria a sua utilidade econômica .

Certamente, sendo tema de utilidade pública, caberá ao Estado regulamentar todos os aspectos necessários para o correto atendimento de todos os interesses envolvidos, até o ponto em que isso não inviabilize o pleno exercício da liberdade pelos particulares.”

Ainda, ressaltou referido Ministro no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 449 julgada pelo STF:

“O regime de autorização a que estão submetidos os táxis impunha barreiras ao ingresso de novos operadores no mercado. Isso, portanto, significava uma limitação à quantidade de carros em circulação e um obstáculo à competição, agravado pelo fato de que havia um controle de preço e um preço único praticado por todos os agentes econômicos.

A admissão de diferentes regimes de regulação para a mesma atividade, que caracteriza a denominada assimetria regulatória, não viola a isonomia, mas, na verdade, é um caminho para o aumento da competitividade com a proporcional melhoria de bem-estar do usuário dos serviços, que se beneficia da competição entre os modelos tradicionais e os modelos inovadores.”

Esclarecedor, ainda, o voto do Ministro Alexandre de Moraes na ADPF:

“A União, no exercício da competência para legislar sobre política nacional de transportes e trânsito (art. 22, IX e XI), e instituir diretrizes sobre desenvolvimento urbano (art. 21, XX, da CF), editou a já mencionada Lei 12.587/2012, bem como a alterou para tratar especificamente do transporte remunerado por aplicativos. Ainda que a própria lei federal tenha reservado aos Municípios a possibilidade de regulamentação e fiscalização dessa atividade, há clara inconstitucionalidade formal nas leis municipais que pretenderam a proibição total da oferta de transporte remunerado via aplicativos, ou que a regulamentaram de forma incompatível com a legislação federal .”

Tais dispositivos, para além de restringirem a liberdade econômica, afrontam, aberta e diretamente, os princípios da livre concorrência e da livre iniciativa, previstos no artigo 170, IV, da Constituição Federal em combinação com o artigo 8º, caput, da Constituição Estadual.

(ii) DO COMPARTILHAMENTO DE DADOS – artigo 4º:

Art. 4º As autorizatárias do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros ficam obrigadas a abrir e compartilhar com o Município de São Gabriel, em tempo real e por intermédio da Secretaria Municipal de Segurança e Cidadania, os dados necessários ao controle e à regulação de políticas públicas de mobilidade urbana, garantida a privacidade e a confidencialidade dos dados pessoais dos usuários.

Parágrafo único. Os dados referidos no caput deste artigo devem conter, no mínimo:

I - origem e destino da viagem;

II - tempo e distância da viagem;

III - identificação do condutor que prestou o serviço;

IV - composição do valor pago pelo serviço prestado;

V - demais dados solicitados pela Secretaria Municipal de Segurança e Cidadania com o disposto no caput deste artigo.

A par de tal exigência não encontrar amparo na lei federal que rege a política de transporte urbano, o compartilhamento em tempo real dos dados referentes às viagens realizadas desborda da razoabilidade e proporcionalidade, tratando-se de demasiada ingerência do Poder Público em atividade que, como já explanado, é tipicamente privada.

Ao contrário do que pretende fazer crer o legislador local, os dados não são necessários ao controle e regulação de políticas públicas de mobilidade urbana, finalidade que bem poderia ser atingida com a mera prestação de informações ao final de certo período (mensal, por exemplo).

No mesmo sentido, o voto da eminente Desa. Marilene Bonzanini na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70075503433, do qual transcrevo o seguinte excerto:

“Ainda que os municípios sejam competentes para regulamentar e fiscalizar o serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros, a imposição de compartilhamento de informações sobre cada viagem (origem e destino, tempo e distância, mapa do trajeto, identificação do condutor, quantia paga pelo serviço), além de outros dados que podem ser solicitados pela EPTC, extrapola os limites de sua competência constitucional. Não bastasse isso, o Município pretende obrigar que a autorizatária comunique os motivos que levaram ao descredenciamento de condutores de veículos.

Não vislumbro justificativa para esta imposição nos termos dos dispositivos acima transcritos, os quais conflitam com os princípios da privacidade e da proporcionalidade.

Com efeito, a privacidade é protegida constitucionalmente (art. , X, da CRFB/88). Embora não seja absoluta, a intervenção nesse direito exige motivação adequada a justificar o afastamento dessa garantia fundamental; ausente na hipótese.

Não se pode esquecer que, ainda, que a Lei 12.965/2014 assegura o direito de privacidade aos usuários no acesso à internet, nos seguintes termos:

Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.

Para além disso, a transmissão dessas informações particularizadas ao poder público viola a proporcionalidade, pois: (i) não é adequada ao fim que se destina, consistente na regulamentação do serviço de transporte em si; (ii) não é necessária, pois caso o Município tivesse interesse em tais dados para subsidiar o planejamento da mobilidade urbana, as informações restringir-se-iam aos dados gerais ; (iii) nem é proporcional, pois o resultado que se obteria não é suficiente quando sopesado com a invasão à privacidade dos usuários e dos motoristas.”

Dessa forma, também se afigura inconstitucional o dispositivo em comento.

(iii) DA TAXA DE FISCALIZAÇÃO – ARTIGO 6º:

Art. 6º Fica instituída a Taxa de Fiscalização, contrapartida obrigatória da pessoa jurídica autorizatária do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros, no valor mensal equivalente a 20 (vinte) Valor de Referência Municipal (VRM’s) por veículo cadastrado para operar no Município de São Gabriel.

§ 1º Constitui fato gerador da Taxa de Fiscalização o exercício do poder de polícia administrativo pela Secretaria Municipal de Segurança e Cidadania, relacionado à autorização e à fiscalização operacional do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros.

§ 2º Considera-se sujeito passivo da Taxa de Fiscalização a pessoa jurídica autorizatária do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros.

§ 3º A Taxa de Fiscalização deverá ser recolhida mensalmente, em favor da Secretaria Municipal de Segurança e Cidadania, na condição de gestora da mobilidade urbana do Município de São Gabriel e fiscal do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros.

§ 4º O prazo para o recolhimento da Taxa de Fiscalização é de até o 10º (décimo) dia do mês imediatamente posterior ao mês de referência.

A Constituição da Republica, ao prever, em seu art. 145, II, a possibilidade de instituição de taxas, estabelece como hipótese de incidência normativa a descrição de um fato que revele uma atividade estatal direta e especificamente dirigida ao contribuinte ou colocada a sua disposição. Nesse sentido, dispõe sobre a possibilidade de instituição das taxas “em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição”.

Sobre o tema, Hugo de Brito Machado assevera que a instituição de uma taxa não tem como pressuposto essencial um proveito, ou vantagem, para o contribuinte, individualmente. O essencial, na taxa, é a referibilidade da atividade estatal ao obrigado. A atuação estatal que constitui fato gerador da taxa há de ser relativa ao sujeito passivo desta, e não à coletividade em geral. Por isso mesmo, o serviço público cuja prestação enseja a cobrança da taxa há de ser específico e divisível, posto que somente assim será possível verificar-se uma relação entre esses serviços e o obrigado ao pagamento da taxa .

Como se vê, a taxa insere-se na classe dos tributos vinculados, isto é, seus fatos geradores dependem de uma atuação estatal. Daí a se afirmar que “a natureza ressarcitória da taxa é inerente a sua estrutura e tem justamente por fundamento depender seu fato gerador de uma atividade estatal dirigida ao obrigado, que deverá indenizar o Poder Público pelo gasto efetivado com sua atuação .

Nessa linha, o art. 79 do CTN prescreve que se consideram serviços públicos, para os fins da cobrança de taxas, aqueles:

I - utilizados pelo contribuinte:

a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;

b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento;

II - específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade, ou de necessidades públicas;

III - divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.

Note-se, nesse sentido, que poderá ser instituída taxa tanto em face da utilização efetiva, quanto pela utilização potencial do serviço público. Na utilização efetiva, a hipótese de incidência dar-se-á se o contribuinte utilizar o serviço público, ao passo que, na utilização potencial, o serviço é de utilização compulsória, estando à disposição do contribuinte e em funcionamento.

No caso, entretanto, na linha do que aqui resta decidido, não há que se falar em cobrança de taxa, pois inexistente atividade estatal consistente em poder de polícia a justificar a cobrança de tributo.

Nesse sentido, o voto do Des. Irineu Mariani no julgamento da ADIn nº 70075503433:

“Ora, à medida que estamos derrubando a necessidade de autorização e dizendo que não há fiscalização da EPTC porque a modalidade de transporte é estritamente privada , sujeita apenas aos requisitos da legislação federal, conforme já deliberou o STF, não há espaço para a mencionada TAXA DE GERENCIAMENTO OPERACIONAL , pois não existe a possibilidade de ocorrência do fato, seja da autorização seja da fiscalização, sequer em termos potenciais.

Dessarte, a sua manutenção na realidade converte a cobrança em imposto.

Ademais, no que tange à fiscalização, convém lembrar que se trata de um serviço que o Município põe à disposição do público em geral para fins de uso efetivo ou potencial, ou para que o cidadão faça uso a seu favor . Bem ao invés, quem usa a fiscalização é o próprio Município contra o cidadão. Por isso, se a taxa é de fiscalização, o exercício do poder de polícia administrativa deve ser necessariamente efetivo. Não existe fiscalização potencial ou ficta. A taxa de fiscalização só pode ser cobrada por serviço efetivamente prestado. Não basta o Município, para fins de cobrança, criar órgão administrativo para tal fim, mas inoperante, preenchendo requisito apenas de existência formal.

Parece-me, Des. Moesch, que a inconstitucionalidade do art. 4º acontece até mesmo por arrastamento, quer dizer, é uma decorrência lógica do fato de que estamos dizendo que não há necessidade de autorização de quem quer que seja para o exercício da atividade, com base no art. 170, parágrafo único, da CF, o qual estabelece o livre exercícios das atividades econômicas, “independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”, e o STF decidiu que, no caso, vale a lei federal, que por sua vez não exige autorização.

Assim, se os exercentes da atividade de transporte individual privado não precisam de autorização da EPTC, desaparece a fiscalização , e por conseguinte o fato gerador da taxa , até porque, como disse e repito, admite-se taxa por uso potencial de serviço (= posto à disposição do cidadão), não por fiscalização potencial (= contra o cidadão). que tem especialização na área dos tributos, seja possível a encampação ou a incorporação ao douto voto no sentido de acrescentar o art. 4º para que se torne a decisão lógica. Parece-me, Desembargador, que seria até uma questão de inconstitucionalidade por arrastamento.”

Por decorrência lógica, assim, há que ser afastada a cobrança da taxa.

(iv) DOS REQUISITOS E OBRIGAÇÕES DE CARÁTER ACESSÓRIO – artigos 7º, § 4º, 11, caput, 15, I, alíneas ‘c’ e ‘d’, e II, alíneas ‘a’, ‘d’, e ‘f’, §§ 1º e 4º, 20, 23, § 1º, 24, IV, VIII e 27. Conforme a inicial ‘são aqueles que tem requisitos e pressupostos que não guardam pertinência com a legislação federal e com os princípios constitucionais da livre concorrência, da livre iniciativa e da razoabilidade’ (p. 38):

Art. 7º Compete às autorizatárias do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros:

I - organizar a atividade e o serviço prestado pelos condutores dos veículos cadastrados;

II - intermediar a conexão entre os usuários e os condutores, mediante adoção de plataforma tecnológica;

III - cadastrar os veículos e seus condutores para a prestação do serviço, atendidos os requisitos mínimos de segurança, conforto, higiene e qualidade;

IV - fixar o valor correspondente ao serviço prestado ao usuário;

V - permitir e disponibilizar meios eletrônicos para os usuários pagarem pelo serviço prestado;

VI - disponibilizar ao usuário, antes do início da viagem, informações sobre a forma de cálculo do valor final do serviço que lhe permitam estimar esse valor;

VII - manter canal de atendimento ao usuário e ao Serviço de Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor - Procon do Município de São Gabriel, com funcionamento 24 (vinte e quatro) horas;

VIII - exigir, como requisito para a prestação do serviço, que os condutores apresentem previamente ao seu cadastramento, documentação comprobatória de seu histórico pessoal e profissional e do cumprimento dos requisitos legais constantes no art. 15 desta Lei, para o exercício da função; e

IX - apresentar, na forma, periodicidade e prazo definidos pela Secretaria Municipal de Segurança e Cidadania, a relação de veículos e seus proprietários e de condutores cadastrados para prestar o serviço.

§ 1º Além do disposto no caput deste artigo, são requisitos mínimos para a prestação do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros:

I - utilização de mapas digitais para acompanhamento do trajeto e do tráfego em tempo real;

II - avaliação da qualidade do serviço, efetuada pelo usuário por meio da plataforma tecnológica;

III - disponibilização tecnológica ao usuário da identificação do condutor, por meio de foto, e o veículo, por meio do modelo e do número da placa;

IV - disponibilização de veículos com condições para transporte de usuário cadeirante; e

V - emissão de recibo eletrônico para o usuário, contendo as seguintes informações:

a) origem e destino da viagem;

b) tempo total e distância da viagem;

c) mapa do trajeto percorrido conforme sistema de georeferenciamento; e

d) composição do valor pago pelo serviço.

§ 2º A emissão de recibo eletrônico prevista no inciso V do § 1º deste artigo não elide outras obrigações acessórias de natureza tributária previstas em legislação própria.

§ 3º É vedada a condução, em serviço, de veículo cadastrado para prestar o serviço de transporte individual privado remunerado de passageiros por pessoa diferente daquela que o cadastrou.

§ 4º É vedado o cadastramento de um mesmo veículo para prestar o serviço de transporte individual privado remunerado de passageiros, por mais de um condutor.

§ 5º É vedado o cadastramento de condutor que já detenha a condição de permissionário do Serviço de Utilidade Pública de Transporte Individual por Táxi.

Art. 11. Fica vedado o embarque de usuários, diretamente em vias públicas, em veículo cadastrado para prestar o serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros que não tenha sido requisitado previamente por meio de plataforma tecnológica.

§ 1º Os motoristas ou empresas deverão abster-se de manter ponto fixo de estacionamento e de utilizar toda e qualquer infra-estrutura pública municipal destinada aos serviços públicos de transporte de passageiros.

§ 2º Fica proibida a utilização de pontos de táxi e frente aos estabelecimentos comerciais, mesmo que temporariamente, pelos prestadores do serviço que de trata esta Lei.

Art. 15. Para o cadastramento nas autorizatárias do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros deverão ser cumpridos os seguintes requisitos:

I - pelos condutores de veículos:

a) possuir Carteira Nacional de Habilitação (CNH) válida, na categoria correspondente ao veículo a ser cadastrado, contendo a informação de que exerce atividade remunerada;

b) apresentar certidões negativas criminais, conforme o disposto no § 1º deste artigo;

c) assumir compromisso de prestação do serviço única e exclusivamente por meio de plataformas tecnológicas;

d) possuir Carteira de Licença Individual (CLI) fornecida pelo Órgão Municipal Executivo de Trânsito - OMETRAN, para cada prestador do serviço;

e) estar inscrito como contribuinte individual do INSS (Art. 11, V, h, da Lei nº 8213/91).

II - pelos veículos:

a) estar em nome do motorista cadastrado e na categoria particular ou locado em empresa regularmente constituída;

b) possuir, no máximo, 07 (sete) anos de fabricação, admitida a transição prevista no § 4º deste artigo;

c) possuir, comprovadamente, seguro que cubra acidentes de passageiros e danos a terceiros;

d) estar emplacado no Município de São Gabriel, exceto no caso de locação quando a empresa estiver sediada em outro Município;

e) ser aprovado em vistoria realizada através do Órgão Municipal Executivo de Trânsito – OMETRAN;

f) cada veículo autorizado deverá obedecer à padronização visual estabelecida em Decreto Executivo.

§ 1º A função de condutor de veículo cadastrado para prestar o serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros fica condicionada à inexistência de condenação ou antecedente por crimes, consumados ou tentados, contra a vida, contra a fé pública, contra a administração, contra a dignidade sexual, hediondos, de roubo, de furto, de estelionato, de receptação, de quadrilha ou bando, de sequestro, de extorsão, de trânsito ou pelos previstos na legislação alusiva à repressão à produção não autorizada ou ao tráfico ilícito de drogas, ao registro, à posse e à comercialização de armas de fogo e munição ou à coibição da violência doméstica e familiar contra a mulher.

§ 2º É vedado o exercício da função de condutor de veículo cadastrado para prestar o serviço de transporte motorizado privado individual e remunerado de passageiros por aplicativos por servidores do Poder Executivo Municipal lotados na Secretaria Municipal de Segurança e Cidadania, e na Secretaria Municipal da Fazenda.

§ 3º A inobservância de quaisquer dos requisitos para o cadastramento de condutores e de veículos para prestar o serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros, acarretará às suas autorizatárias e aos condutores dos veículos a aplicação, isolada ou conjuntamente, das penalidades previstas nesta Lei e especificadas em Decreto Executivo, conforme o caso, sem prejuízo de outras previstas na Lei Federal nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro - CTB, e alterações posteriores, e da aplicação de sanções por outros órgãos do Município de São Gabriel.

§ 4º Os veículos que já estiverem devidamente cadastrados nas autorizatárias e em plena atividade quando for sancionada esta Lei, terão o prazo de até 02 (dois) anos para atenderem a condição prevista na alínea b, item II, deste artigo.

(...)

Art. 20. A identidade visual dos veículos cadastrados para prestar o serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros consistirá de elementos discretos de reconhecimento do serviço, nos termos da regulamentação desta Lei.

(...)

Art. 23. A não observância aos preceitos que regem o serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros acarretará a aplicação dos seguintes procedimentos:

I - penalidades:

a) multa;

b) suspensão do cadastro do condutor, em caso de reincidência em multa de natureza MÉDIA - M;

c) descadastramento do veículo em caso de reincidência em multa de natureza GRAVE - G;

d) descadastramento do condutor, em caso de reincidência em multa de natureza GRAVÍSSIMA – GG.

II - medidas administrativas:

a) notificação para regularização;

b) retenção, recolhimento ou remoção do veículo;

c) recolhimento e apreensão de documentos ou equipamentos; e

d) outras que se fizerem necessárias para assegurar a observância aos direitos dos usuários ou a correta prestação do serviço.

§ 1º A revogação da autorização implicará sua devolução compulsória e de eventuais documentos correlatos, impondo à penalizada o afastamento do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros do Município de São Gabriel pelo prazo de 60 (sessenta) meses.

§ 2º A aplicação da penalidade de descadastramento da função de condutor ensejará o afastamento do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros do Município de São Gabriel pelo prazo de 60 (sessenta) meses.

(...)

Art. 24. Além das demais cominações legais, serão aplicadas aos condutores dos veículos as seguintes multas por infrações, sendo que a reincidência no período de 12 (doze) meses gerará acréscimo de 100% (cem por cento) sobre os valores das multas:

I - não fixar de maneira correta a Carteira Especial de Motorista por Aplicativo - CEMA no veículo - multa de natureza LEVE - L;

II - utilizar indevidamente paradas de ônibus, pontos de táxi e frente de estabelecimentos comerciais - multa de natureza LEVE - L;

III - cobrar valor diferente do indicado no aplicativo - multa de natureza MÉDIA - M;

IV - distribuir cartão com número de telefone ou perfil eletrônico em rede social, fixar no veículo informações para contato direto que não utilize exclusivamente as plataformas digitais de aplicativos de transporte remunerado - multa de natureza GRAVE - G;

V - deixar de atender algum dispositivo desta lei - multa de natureza GRAVE - G;

VI - sonegar ou conceder informação falsa aos agentes de fiscalização ou qualquer órgão da Administração Municipal - multa de natureza GRAVÍSSIMA - GG;

VII - desacatar, ameaçar ou agredir agente de fiscalização - multa de natureza GRAVÍSSIMA - GG;

VIII - aceitar carona que não tenha sido solicitada por aplicativo, angariar e assediar passageiros, configurando assim transporte clandestino - multa de natureza GRAVÍSSIMA - GG.

Art. 27. As autorizatárias do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros ficam proibidas de cadastrar motocicletas para esse tipo de serviço.

Aqui também as exigências dos referidos dispositivos extrapolam os limites ditados pela razoabilidade, além de afrontar os princípios da livre concorrência e da livre iniciativa, previstos no artigo 170, IV, da Constituição Federal em combinação com o artigo 8º, caput, da Constituição Estadual.

A utilização de um mesmo veículo por mais de um motorista é determinação que interfere na própria organização do trabalho realizado pelos particulares, sem que haja qualquer razão prática para tal proibição.

Pelas mesmas razões, a necessidade de que a requisição do serviço seja feita exclusivamente por meio de plataforma tecnológica, de Carteira de Licença Individual (CLI) fornecida pelo Órgão Municipal Executivo de Trânsito – OMETRAN, de estar o veículo em nome de motorista cadastrado ou locado em empresa regularmente constituída, emplacado em São Gabriel, de vistoria técnica, de padronização visual, e de inexistência de antecedentes criminais, as quais desbordam do princípio da proporcionalidade em suas duas vertentes: necessidade, porque dispensáveis à prestação do serviço, e adequação, uma vez que não se prestam à finalidade que visam resguardar.

No mesmo sentido, e referentes a todas as questões aqui tratadas, menciono os seguintes precedentes deste Órgão Especial:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE BUTIÁ. LEI MUNICIPAL N. 3.348, DE 18 DE JULHO DE 2018 E DECRETO N. 182, DE 11 DE SETEMBRO DE 2018. SERVIÇO DE TRANSPORTE REMUNERADO PRIVADO INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS EXERCIDO POR PLATAFORMA DIGITAL. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL RECONHECIDA. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LIVRE INICIATIVA, LIVRE CONCORRÊNCIA, VALORES SOCIAIS DO TRABALHO E DA RAZOABILIDADE. É inconstitucional a submissão do serviço de transporte motorizado privado individual e remunerado de passageiros por aplicativos à autorização estatal ou a exigência de vistoria prévia, por se tratar de atividade eminentemente privada e essencialmente econômica - consoante definido pela Lei n. 13.640, de 24 de março de 2018, que alterou a Lei de Mobilidade Urbana, ao estabelecer distinção entre o transporte público individual a ser oferecido pelo sistema tradicional de táxi e o transporte remunerado individual privado e que pode ser prestado por plataformas digitais-, submetida, portanto, aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência. Considerando a ausência de justificativa plausível para o estabelecimento de exigência de compartilhamento de informações a justificar a necessidade da medida imposta para o exercício da atividade profissional, aliado ainda aos preceitos insculpidos na Constituição Federal quanto aos direitos de privacidade, intimidade e sigilo de dados, são inconstitucionais os dispositivos que preveem o seu fornecimento ao ente público. A Taxa de Gerenciamento Operacional – TGO é inconstitucional, porque o fato gerador que a embasa é autorização e a fiscalização operacional do serviço de transporte. Consequentemente, considerando que está sendo declarada a inconstitucionalidade da necessidade de autorização e fiscalização, dado que se trata de atividade eminentemente privada, não subsiste, o fato gerador da exação. Os dispositivos invocados que preveem obrigações de caráter acessório dispensáveis para o pleno funcionamento do serviço de transporte privado individual de passageiros por motoristas, intermediado por aplicativos, criam igualmente, óbice indevido à atividade privada e ao livre exercício da atividade profissional, afrontando também o princípio constitucional da razoabilidade, previsto no artigo 19, caput, da Constituição Estadual, notadamente porque destoam dos parâmetros previstos na normativa federal. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE.(Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70084615731, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em: 16-04-2021)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE ARROIO GRANDE. LEI MUNICIPAL Nº 3.074, DE 17 DE MAIO DE 2019. SERVIÇO DE TRANSPORTE REMUNERADO PRIVADO INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO. INOCORRÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. LIVRE INICIATIVA. INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO NA ATIVIDADE ECONÔMICA. POSSIBILIDADE. ATUAÇÃO QUE DEVE OBSERVAR, CONTUDO, A RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTE DO ÓRGÃO ESPECIAL. A subordinação do exercício do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros à previa autorização do poder público local conflita com valores sociais do trabalho e viola os princípios da livre iniciativa e livre concorrência, estando, portanto, eivado de inconstitucionalidade. A Taxa de Gerenciamento Operacional – TGO é inconstitucional, porquanto toda taxa exige uma contraprestação, e, no caso, a contraprestação que embasa a TGO é autorização e a fiscalização operacional do serviço de transporte. Nesse contexto, uma vez declarada a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que constituíam o fato gerador da TGO, não há como manter a taxa, pois não haverá qualquer contraprestação a embasar o tributo vinculado. A determinação de compartilhamento de dados e informacoes com o Município de Arroio Grande viola o princípio da privacidade dos usuários, bem como o da proporcionalidade. Os parâmetros para a prestação do serviço privado de transporte de pessoas foram estabelecidos em lei federal, não podendo eventuais leis municipais de regulação e fiscalização ser mais limitadoras do que a normativa federal, sob pena de se criar óbice à livre iniciativa. POR MAIORIA, AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70083563387, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Maria Rodrigues de Freitas Iserhard, Julgado em: 22-05-2020)

Com tais comemorativos, tenho que devem ser declarados inconstitucionais os dispositivos ora sob análise.

- Ante o exposto, julgo procedente a pretensão para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 3º, 4º, 6º, 7º, § 4º, 11, ‘caput’, 15, inciso I, alíneas c e d, e inciso II, alíneas a, d, e, e f, §§ 1º e 4º, 17, ‘caput’ e § 1º, 20, 23, § 1º, 24, incisos IV e VIII, 27 e 30, todos da Lei nº 4.108, de 05 de maio de 2020, por ofensa aos artigos 1º, 8º, 19, 157, inciso V, todos da Constituição Estadual, combinados com os artigos , , incisos V e X, e 170, inciso IV e parágrafo único, da Constituição Federal.

VOTO VISTA

Des. Aymoré Roque Pottes de Mello

1. Eminentes Colegas, à partida preciso fazer registro de ordem imperativa, no sentido de pedir as minhas mais sinceras escusas aos meus eminentes pares de julgamento, muito em especial ao eminente Relator, Des. Marcelo Bandeira Pereira, bem assim aos jurisdicionados neste feito, pelo prolongado tempo em que estive com este processo objetivo sob voto-vista, retardando o seu julgamento e violando, involuntariamente, por certo, o princípio constitucional da razoável duração do processo, ao qual sempre prestei efetivo tributo em 43 anos de magistratura.

Acresce que, a partir de março de 2022, e durante todo o ano que correu, mais até fevereiro deste ano de 2023, por razões pessoais de saúde, vi-me forçado a longas e reiteradas hospitalizações com efetivo risco de vida e internações em UTI, motivo pelo qual sequer pude pautar este processo para julgamento, No presente, graças às sessões virtuais de julgamento, posso registrar esta circunstância e celebrar a vida, ainda que em condições de saúde que inspirem cuidados.

2. Eminentes Colegas, em voto-vista, peço a máxima vênia para encaminhar divergência parcial com o eminente Relator, para julgar parcialmente procedente a presente ação direta de inconstitucionalidade e declarar a inconstitucionalidade, com redução de textos e eficácia ex tunc, dos artigos 4º, 7º, § 4º, e 15, incisos I, alínea d, e II, alíneas a, d e f, da Lei nº 4.108, de 05/05/2020, do Município de São Gabriel.

3. Com efeito. Neste norte e perspectivas, renovada vênia, o meu principal dissenso - matricial - com o douto voto condutor da relatoria reside em que admito a possibilidade de o Município de São Gabriel, no exercício do seu poder de normatização regulamentar (CRFB, artigos 13, incisos I e III, 30, incisos II e III, e 182, c/c os artigos 3º, 4º, inc. X, e 11-A, todos da vigente Lei nº Lei 12.587/20212, na forma definida pelo Tribunal Pleno do STF no julgamento conjunto vinculante do Tema XXXXX/RG nos lindes da ADPF nº 449-DF e do RE nº 1.057.110-SP), dispor sobre "normas gerais para o serviço de transporte motorizado privado individual e remunerado de passageiros por aplicativos no Município de São Gabriel", para fins de autorização de funcionamento e fiscalização da referida atividade econômica (inc. X do art. 4º, da Lei 12.587/2012, na redação que lhe deu a Lei nº 13.640/2018, verbis: Art. 4º. Para os fins desta Lei, considera-se: (...) X- transporte remunerado privado individual de passageiros: serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede. "- grifei), pelos empreendedores e empresas referenciados nos incisos II ("motorista parceiro"), III ("rede digital ou plataforma tecnológica") e V ("Provedor de Rede de Compartilhamento - PRC") do art. 2º da Lei Municipal em testilha.

Nada obstante, seguindo os passos do eminente Relator, declaro a inconstitucionalidade dos artigos 4º, 7º, § 4º, e 15, incisos I, alínea d, e II, alíneas a, d e f, da Lei nº 4.108, de 05/05/2020, do Município de São Gabriel, nos termos e sob os fundamentos deste voto, em que impugno, neste ponto, a intervenção indevida do poder público municipal em quefazeres privados não submissos à intervenção pública estatal, com violação ao princípio constitucional da autonomia privada, consoante definido pelo Tribunal Pleno do STF no julgamento conjunto vinculante do Tema XXXXX/RG nos lindes da ADPF nº 449-DF e do RE nº 1.057.110-SP, ao que peço licença para agregar, em parte, os fundamentos do voto condutor da relatoria. No ponto, incide a vedação regulamentar que o eminente Ministro ROBERTO BARROSO denomina de requisitos de entrada que extrapolam a competência municipal e distrital na matéria, por isso mesmo inconstitucionais.

Em relação à invalidação do art. 4º em epígrafe, e na validação dos demais articulados da Lei Municipal em tela, acompanho o voto proferido pelo eminente Des. Eduardo Uhlein, a cujos fundamentos ora me reporto.

4. A seguir, passo a fundamentar a minha orientação de voto, cuja tese principal afirma, em apressada síntese, que o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto vinculante do Tema XXXXX/RG nos lindes da ADPF nº 449-DF, sob a relatoria do em. Ministro Luís Fux, e do RE nº 1.057.110-SP, sob a relatoria do em. Ministro Roberto Barroso, não interditou a possibilidade dos Municípios e do Distrito Federal, no exercício do seu poder de regulamentação do transporte remunerado privado individual ou compartilhada de passageiros , exigirem, das empresas responsáveis pela intermediação entre os motoristas prestadores de serviço e os usuários credenciados na respectiva plataforma digital na rede mundial de computadores, a prévia autorização municipal (credenciamento) para a exploração da referida atividade econômica nas "infraestruturas de mobilidade urbana" elencadas no § 3º do art. da Lei 12.587/2012, abrangendo, inclusive, a "efetiva cobrança dos tributos municipais devidos pela prestação do serviço" , ut inciso Ido parágrafo único do art. 11-A, lex cit).

O que também significa asserir, renovada vênia, que a corrente jurisprudencial que apregoa ter o Tribunal Pleno do STF interditado a possibilidade regulamentar dos Municípios exigirem, os motoristas parceiros e das empresas privadas proprietárias de plataformas digitais intermediadoras de transporte remunerado privado individual ou compartilhado de passageiros, a prévia autorização municipal (credenciamento) para a exploração da referida atividade econômica nas "infraestruturas de mobilidade urbana" do seu território, em realidade quer significar a outorga de uma espécie de imunidade não prevista em lei em favor dessas empresas intermediadoras (sem as quais os serviços em tela não existem), fazendo recair exclusivamente sobre os motoristas-parceiros da sua plataforma digital todos os ônus de exploração das atividades econômicas inerentes ao transporte remunerado privado individual ou compartilhado de passageiros.

Em reforço, não se perca de vista, ainda no ponto, que a interdição dessa competência regulamentar municipal/distrital afunila e limita a obrigatoriedade dessas empresas digitais terem o seu registro como pessoa jurídica de direito privado, ao nível pelo menos nacional (na forma da lei), e, nessa esteira, obterem o seu CNPJ próprio.

E, em âmbito nacional, a União Federal, no exercício das suas competências constitucionais privativas e exclusivas (CRFB, art. 21, incisos XII, e), e XX, c/c o art. 22, incisos IX e XI), já editou, dentre outras, a Lei nº 12.587/2021, que o Tribunal Pleno do STF interpretou e deu a última palavra - vinculante e oponível erga omnes - no território nacional, no julgamento conjunto da ADPF e do RE retro nominadas (Tema XXXXX/RG).

Por fim, na esteira do disposto no espectro orgânico, etiológico e taxionômico (constitucional e infraconstitucional) do art. 2º da Lei nº 4.108/20, do Município de São Gabriel, é de vital importância identificar os elos operacionais (essenciais e eventual) do transporte remunerado privado individual ou compartilhado de passageiros ora sob exame, a saber:

(1) empresa (s) privada (s) proprietária (s) de plataforma (s) digital (ais) intermediadora (s) de transporte privado individual ou compartilhado de passageiros (elo essencial mantenedor dos serviços, sem o qual os demais operadores da plataforma digital desaparecem de fato e de direito);

(2) motoristas-parceiros previamente credenciados pela (s) empresa (s) privada (s) proprietária (s) de plataforma (s) digital (ais) intermediadora (s) de transporte remunerado privado individual ou compartilhado de passageiros (elo essencial executor dos serviços);

(3) passageiro usuário individual (Uber, 99, etc) ou passageiros usuários compartilhados (denominados, popularmente, de Uberbus, 99Bus, etc) previamente credenciado (s) pela (s) empresa (s) privada (s) proprietária (s) de plataforma (s) digital (ais) intermediadora (s) de transporte remunerado privado individual ou compartilhado de passageiros (elo essencial beneficiário dos serviços); e, por fim,

(4) terceiras pessoas eventuais, geralmente não credenciadas e não usuárias desse tipo de transporte, que venham a ser atingidas, por qualquer forma em direito admitida, por ação ou omissão praticada por qualquer um, alguns ou todos os elos operacionais essenciais do transporte privado individual ou compartilhado de passageiros (elo eventual dos serviços).

Nessa moldura, impende reconhecer que o desenvolvimento tecnológico das últimas décadas tem produzido significativo impacto nas diversas áreas de atuação conjuntural do Direito Público e do Direito Privado, viabilizando as mais variadas formas de relações negociais através de diferentes atividades empresariais no Brasil e no mundo. Neste sentido, a evolução das plataformas de tecnologia digital e os seus respectivos aplicativos requer uma análise sob nova e diferenciada ótica, na medida em que exponencializa relações jurídicas - de direito público e de direito privado - envolvendo diferentes viéses dotados de interesse público legitimadores da intervenção do poder público estatal na sua regulamentação essencial no Estado de Direito Democrático, de modo a construir uma ponte de equidade nos lindes reguladores dos princípios gerais da atividade econômica, fundada esta na valorização do trabalho humano e na livre inciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, nos termos do art. 170 da Constituição Federal de 1988.

A respeito do tema, FELIPE PEIXOTO BRAGA NETTO leciona que, “Se vivemos, hoje, um mundo novo – muito diferente do que era no passado, com transformações que revolucionam as relações sociais -, não é exagero afirmar que uma parte imensa dessa mudança está relacionada à internet. Muitas relações, que antes se davam no mundo físico, agora são predominantemente virtuais. Por exemplo, as relações entre clientes e bancos migraram, em boa parte, do mundo físico-convencional para o mundo digital. Os serviços, aliás, em geral, migraram fortemente para o mundo digital. Vivemos numa sociedade em que os bens físicos perdem muito da primazia que tiveram nos séculos passados. Há uma clara desmaterialização dos bens (a riqueza, que nos séculos passados esteve indissoluvelmente ligada à terra, hoje está no mercado acionário). Paralelamente, os serviços ganham intensa, e progressiva, relevância econômica” (BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Novo Manual de Responsabilidade Civil. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2019, p. 591).

Neste norte, anote-se que a pauta temática das questões sob exame neste processo constitucional objetivo não pode ser analisada, discutida e decidida senão diante do enfrentamento de três vertentes jurídico-normativas distintas entre si, mas intimamente interpenetradas e cumulativas, quais sejam:

(a) a noção jurisprudencial vinculante, imponível erga omnes, firmada pelo Tribunal Pleno do STF sobre viéses do thema jurídico-normativo pertinente (a1) à " mobilidade urbana terrestre, (a2) aos empreendimentos e aos empreendedores do transporte remunerado privado individual e compartilhado de pessoas em veículos automotores nas vias terrestres, e (a3) ao transporte remunerado privado de pessoas naturais previamente cadastradas em aplicativos digitais sediados na rede mundial de computadores, ou outras plataformas de comunicação em rede, nos espaços viários públicos estatais ", respectivamente;

(b) a definição do significado, perante o Estado de Direito Democrático brasileiro, em substância funcionalizada, do princípio constitucional da autonomia privada ( CRFB, art. 170, IV), com as suas inflexões sobre os subprincípios - também constitucionais - da livre iniciativa e concorrência, da autonomia da vontade, da repressão ao abuso econômico e da responsabilidade civil contratual e extracontratual do transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros previamente cadastrados em aplicativos digitais sediados na rede mundial de computadores, ou outras plataformas de comunicação em rede; e, por fim,

(c) a definição dos campos jurídico-normativos regulatórios do transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros previamente cadastrados em aplicativos digitais sediados na rede mundial de computadores, ou outras plataformas de comunicação em rede, nas searas da responsabilidade civil contratual e extracontratual daí decorrentes, em face de eventuais ilícitos civis, administrativos e criminais daí decorrentes .

Enfim, definir o grau de intervenção pública estal em empreendimentos sediados no campo da autonomia privada, da livre iniciativa, da autonomia da vontade, da repressão ao abuso econômico e da regulação da responsabilidade civil contratual e extracontratual de todos os agentes dessa nova corrente usuária desta espécie de serviços privados dotados de interesse público.

Trata-se, então, de investigar, em cada uma destas vertentes, quais são os limites - constitucionais e infraconstitucionais - que autorizam e desautorizam, respectivamente, nos lindes da Lei Municipal nº 4.108/20, do Município de São Gabriel, a intervenção do poder público estatal nas searas do transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros.

Isto consignado, passo à fundamentação extensiva do meu voto.

5. Aqui, digressão fundamental à compreensão das questões acima alinhavadas, porque o thema sob exame não pode ser discutido desvinculado da noção de mobilidade urbana e de transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros previamente cadastrados em aplicativos digitais sediados na rede mundial de computadores, ou outras plataformas de comunicação em rede, que se decide, ao fim e ao cabo, nas diretrizes fixadas pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal no já referido julgamento unificado vinculante da ADPF nº 449-DF e do RE nº 1.057.110-SP - Tema XXXXX/RG.

A questão aqui discutida atém-se aos limites da regulamentação municipal sobre os serviços de transporte veicular remunerado privado individual e compartilhado de passageiros usuários dos aplicativos da respectiva plataforma digital, a exemplo da Uber, Cabify, “99”, dentre outras, abrangendo, inclusive, os já popularmente denominados " Buser ", " UberBus ", etc, nos quais o transporte privado compartilhado de passageiros é efetuado através de ônibus, micro-ônibus, vans e minivans, peruas, etc.

No contexto da mobilidade urbana, o referido serviço surgiu como corolário das inovações tecnológicas que permitiram conectar consumidores que demandavam por serviço de transporte privado e motoristas particulares prestadores de tal serviço, ambos conectados e intermediados por plataforma digital de propriedade de empresas privadas residentes na Internet.

A demanda tem origem na já conhecida precariedade dos serviços públicos de transporte coletivo, nos altos custos ofertados por outras modalidades de transporte públicos e privados (táxis, rentacar, etc), e na insuficiência de investimento público e fomento à utilização de meios de transporte não motorizados.

Em outras palavras, as referidas pessoas jurídicas de direito privado, ante a necessidade do mercado, criaram ponte tecnológica que faz a intermediação do contato entre prestadores e usuários do serviço de transporte privado individual ou compartilhado de passageiros credenciados.

Os aplicativos ou plataformas digitais em tela operam de forma a viabilizar, aos usuários cadastrados, o acesso ao serviço de transporte individual ou compartilhado oferecido pelas plataformas digitais privadas intermediadoras do transporte de passageiros credenciados, executado por motoristas particulares, ditos parceiros, também previamente cadastrados na plataforma. Em regra, a jurisprudência desta Corte adota, no plano da responsabilidade civil desse tipo de transporte privado de passageiros, a teoria do risco solidário entre os quatro elos operacionais (três essenciais e um eventual, retro nominados) do serviço, em cujo âmbito os motoristas são considerados empreendedores individuais contratados e credenciados pelas empresas proprietárias das plataformas virtuais que operam como canais que viabilizam a comunicação e o encontro entre a oferta e a demanda usuária desse serviço.

No concernente ao controle da qualidade individual dos serviços prestados por motoristas-parceiros e da conduta dos usuários, os aplicativos/plataformas fornecem recursos de avaliação contínua e denúncias, os quais são utilizados como parâmetro para manutenção, suspensão ou extinção do cadastro dos motoristas e dos clientes usuários dos serviços de transporte privado.

Em seu período inicial, a qualidade do serviço prestado e a comodidade, aliados ao custo inferior – quando comparado às outras opções de serviço de transporte individual de passageiros – resultaram na rápida popularização dos aplicativos no Brasil e na expansão da cobertura geográfica em que o serviço era disponibilizado.

A resistência histórica a inovações disruptivas é recorrente no comportamento humano e está minuciosamente registrada no extenso voto do em. Ministro ROBERTO BARROSO no julgamento do Tema XXXXX/RG. O que se inicia, por vezes, como desconfiança, logo evolui para aversão e represália. Em relação aos aplicativos em questão, a reação não foi diferente, até que o Tribunal Pleno do STF assentou, na via concentrada do sistema de controles de (in) constitucionalidade brasileiro, as diretrizes básicas desse serviço nos lindes da Lei 12.587/2012 em vigor, outorgando aos Municípios e ao Distrito Federal as competências normativas regulamentares (constitucionais e infraconstitucionais) aplicáveis à espécie.

É de conhecimento geral que, quando começaram a operar no Brasil, em meados de 2014, tais serviços encontraram resistência tanto por parte do Estado, como na conduta de outros profissionais que prestavam serviço semelhante e buscavam estabelecer reserva de mercado.

Superados os desafios que dificultavam a própria operacionalidade dos serviços de transporte privado individual por aplicativos, agora a querela concentra-se na forma como se dará a relação entre esses e a Administração Pública.

Nesse contexto, ao julgar, em conjunto, a ADPF nº 449-DF e o Recurso Extraordinário nº 1.054.110-SP (Tema XXXXX/RG), sob o regime de repercussão geral, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal firmou duas teses vinculantes oponíveis erga omnes, a saber, verbis:

1. A proibição ou restrição da atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência; e

2. No exercício de sua competência para regulamentação e fiscalização do transporte privado individual de passageiros, os Municípios e o Distrito Federal não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal ( CF/1988, art. 22, XI)”. (grifei).

Eis o inteiro teor da ementa do acórdão proferido no julgamento (conjunto) do Recurso Extraordinário nº 1.054.110-SP (Tema XXXXX/RG), verbis:

Ementa: Direito constitucional. Recurso Extraordinário. Repercussão Geral. Transporte individual remunerado de passageiros por aplicativo. livre iniciativa e livre concorrência.

1. Recurso Extraordinário com repercussão geral interposto contra acórdão que declarou a inconstitucionalidade de lei municipal que proibiu o transporte individual remunerado de passageiros por motoristas cadastrados em aplicativos como Uber, Cabify e 99.

2. A questão constitucional suscitada no recurso diz respeito à licitude da atuação de motoristas privados cadastrados em plataformas de transporte compartilhado em mercado até então explorado por taxistas.

3. As normas que proíbam ou restrinjam de forma desproporcional o transporte privado individual de passageiros são inconstitucionais porque:

(i) não há regra nem princípio constitucional que prescreva a exclusividade do modelo de táxi no mercado de transporte individual de passageiros;

(ii) é contrário ao regime de livre iniciativa e de livre concorrência a criação de reservas de mercado em favor de atores econômicos já estabelecidos, com o propósito de afastar o impacto gerado pela inovação no setor;

(iii) a possibilidade de intervenção do Estado na ordem econômica para preservar o mercado concorrencial e proteger o consumidor não pode contrariar ou esvaziar a livre iniciativa, a ponto de afetar seus elementos essenciais.

Em um regime constitucional fundado na livre iniciativa, o legislador ordinário não tem ampla discricionariedade para suprimir espaços relevantes da iniciativa privada.

4. A admissão de uma modalidade de transporte individual submetida a uma menor intensidade de regulação, mas complementar ao serviço de táxi afirma-se como uma estratégia constitucionalmente adequada para acomodação da atividade inovadora no setor. Trata-se, afinal, de uma opção que: (i) privilegia a livre iniciativa e a livre concorrência; (ii) incentiva a inovação; (iii) tem impacto positivo sobre a mobilidade urbana e o meio ambiente; (iv) protege o consumidor; e (v) é apta a corrigir as ineficiências de um setor submetido historicamente a um monopólio “de fato”.

5. A União Federal, no exercício de competência legislativa privativa para dispor sobre trânsito e transporte ( CF/1988, art. 22, XI), estabeleceu diretrizes regulatórias para o transporte privado individual por aplicativo , cujas normas não incluem o controle de entrada e de preço. Em razão disso, a regulamentação e a fiscalização atribuídas aos municípios e ao Distrito Federal não podem contrariar o padrão regulatório estabelecido pelo legislador federal .

6. Recurso extraordinário desprovido , com a fixação das seguintes teses de julgamento:

“1. A proibição ou restrição da atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência; e,

2. No exercício de sua competência para regulamentação e fiscalização do transporte privado individual de passageiros, os Municípios e o Distrito Federal não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal ( CF/1988, art. 22, XI)”.

( RE XXXXX, Relator (a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-194 DIVULG XXXXX-09-2019 PUBLIC XXXXX-09-2019) (grifei).

Por outro lado, mas no mesmo sentido, coexiste o julgamento da ADPF nº 449, pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal (Dje 02/09/2019), sob a relatoria do Ministro LUIZ FUX, que baliza a aplicação dos princípios constitucionais da livre iniciativa e do valor social do trabalho – do qual é subprincípio a livre iniciativa e concorrência -, da liberdade profissional, da defesa do consumidor e da busca do emprego, com o objetivo de fixar a competência regulatória dos entes da federação no tocante às questões de transporte de pessoas e de mobilidade urbana, verbis:

“DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E REGULATÓRIO. PROIBIÇÃO DO LIVRE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE TRANSPORTE INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS. INCONSTITUCIONALIDADE. ESTATUTO CONSTITUCIONAL DAS LIBERDADES. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIVRE INICIATIVA E DO VALOR SOCIAL DO TRABALHO (ART. 1º, IV), DA LIBERDADE PROFISSIONAL (ART. 5º, XIII), DA LIVRE CONCORRÊNCIA (ART. 170, CAPUT), DA DEFESA DO CONSUMIDOR (ART. 170, V) E DA BUSCA PELO PLENO EMPREGO (ART. 170, VIII). IMPOSSIBILIDADE DE ESTABELECIMENTO DE RESTRIÇÕES DE ENTRADA EM MERCADOS. MEDIDA DESPROPORCIONAL. NECESSIDADE DE REVISÃO JUDICIAL. MECANISMOS DE FREIOS E CONTRAPESOS. ADPF JULGADA PROCEDENTE.

1. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental é cabível em face de lei municipal, adotando-se como parâmetro de controle preceito fundamental contido na Carta da Republica, ainda que também cabível em tese o controle à luz da Constituição Estadual perante o Tribunal de Justiça competente.

2. A procuração sem poderes específicos para ajuizar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental pode ser regularizada no curso do processo, mercê da instrumentalidade do Direito Processual.

3. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental não carece de interesse de agir em razão da revogação da norma objeto de controle, máxime ante a necessidade de fixar o regime aplicável às relações jurídicas estabelecidas durante a vigência da lei, bem como no que diz respeito a leis de idêntico teor aprovadas em outros Municípios. Precedentes: ADI 3306, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2011; ADI 2418, Relator (a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 04/05/2016; ADI 951 ED, Relator (a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 27/10/2016; ADI 4426, Relator (a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 09/02/2011; ADI 5287, Relator (a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 18/05/2016.

4. A União possui competência privativa para legislar sobre “diretrizes da política nacional de transportes”, “trânsito e transporte” e “condições para o exercício de profissões” (art. 22, IX, XI e XVI, da CRFB), sendo vedado tanto a Municípios dispor sobre esses temas quanto à lei ordinária federal promover a sua delegação legislativa para entes federativos menores, considerando que o art. 22, parágrafo único, da Constituição faculta à Lei complementar autorizar apenas os Estados a legislar sobre questões específicas das referidas matérias. Precedentes: ADI 3136, Relator (a): Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2006, DJ 10/11/2006; ADI 2.606, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ de 07/02/2003; ADI 3.135, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJ de 08/09/2006; e ADI 3.679, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ de 03/08/2007; ARE XXXXX RG, Relator (a): Min. Cezar Peluso, julgado em 16/06/2011; ADI 3049, Relator (a): Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 04/06/2007.

5. O motorista particular, em sua atividade laboral, é protegido pela liberdade fundamental insculpida no art. , XIII, da Carta Magna, submetendo-se apenas à regulação proporcionalmente definida em lei federal, pelo que o art. , VIII, da Lei Federal n.º 12.965/2014 ( Marco Civil da Internet) e a Lei Federal n.º 12.587/2012, alterada pela Lei n.º 13.640 de 26 de março de 2018, garantem a operação de serviços remunerados de transporte de passageiros por aplicativos.

6. A liberdade de iniciativa garantida pelos artigos , IV, e 170 da Constituição brasileira consubstancia cláusula de proteção destacada no ordenamento pátrio como fundamento da República e é característica de seleto grupo das Constituições ao redor do mundo, por isso que não pode ser amesquinhada para afastar ou restringir injustificadamente o controle judicial de atos normativos que afrontem liberdades econômicas básicas.

7. O constitucionalismo moderno se fundamenta na necessidade de restrição do poder estatal sobre o funcionamento da economia de mercado, sobrepondo-se o Rule of Law às iniciativas autoritárias destinadas a concentrar privilégios, impor o monopólio de meios de produção ou estabelecer salários, preços e padrões arbitrários de qualidade, por gerarem ambiente hostil à competição, à inovação, ao progresso e à distribuição de riquezas. Literatura: ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Por que as nações fracassam – As origens do poder, das prosperidade e da pobreza. Trad. Cristiana Serra. 1ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

8. A teoria da escolha pública (public choice) vaticina que o processo politico por meio do qual regulações são editadas é frequentemente capturado por grupos de poder interessados em obter, por essa via, proveitos superiores ao que seria possível em um ambiente de livre competição, porquanto um recurso político comumente desejado por esses grupos é o poder estatal de controle de entrada de novos competidores em um dado mercado, a fim de concentrar benefícios em prol de poucos e dispersar prejuízos por toda a sociedade. Literatura: STIGLER, George. “The theory of economic regulation”. in: The Bell Journal of Economics and Management Science, Vol. 2, No. 1 (Spring,1971).

9. O exercício de atividades econômicas e profissionais por particulares deve ser protegido da coerção arbitrária por parte do Estado, competindo ao Judiciário, à luz do sistema de freios e contrapesos estabelecidos na Constituição brasileira, invalidar atos normativos que estabeleçam restrições desproporcionais à livre iniciativa e à liberdade profissional. Jurisprudência: RE nº 414426 Relator (a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2011; RE XXXXX, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 17/06/2009.

10. O sistema constitucional de proteção de liberdades goza de prevalência prima facie, devendo eventuais restrições ser informadas por um parâmetro constitucionalmente legítimo e adequar-se ao teste da proporcionalidade, exigindo-se ônus de justificação regulatória baseado em elementos empíricos que demonstrem o atendimento dos requisitos para a intervenção.

11. A norma que proíbe o “uso de carros particulares cadastrados ou não em aplicativos, para o transporte remunerado individual de pessoas” configura limitação desproporcional às liberdades de iniciativa (art. , IV, e 170 da CRFB) e de profissão (art. , XIII, da CRFB), a qual provoca restrição oligopolística do mercado em benefício de certo grupo e em detrimento da coletividade. Ademais, a análise empírica demonstra que os serviços de transporte privado por meio de aplicativos não diminuíram o mercado de atuação dos táxis.

12. O arcabouço regulatório dos táxis no Brasil se baseia na concessão de títulos de permissão a um grupo limitado de indivíduos, os quais se beneficiam de uma renda extraordinária pela restrição artificial do mercado, de modo que o ativo concedido não corresponde a qualquer benefício gerado à sociedade, mas tão somente ao cenário antinatural de escassez decorrente da limitação governamental, sendo correto afirmar que os princípios constitucionais da igualdade (art. 5º, caput), da livre iniciativa (artigos 1º, IV, e 170) e da livre concorrência (art. 173, § 4º) vedam ao Estado impedir a entrada de novos agentes no mercado para preservar a renda de agentes tradicionais. Jurisprudência: ADI 5062, Relator (a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 27/10/2016.

13. A proibição legal do livre exercício da profissão de transporte individual remunerado afronta o princípio da busca pelo pleno emprego, insculpido no art. 170, VIII, da Constituição, pois impede a abertura do mercado a novos entrantes, eventualmente interessados em migrar para a atividade como consectário da crise econômica, para promover indevidamente a manutenção do valor de permissões de táxi.

14. A captura regulatória, uma vez evidenciada, legitima o Judiciário a rever a medida suspeita, como instituição estruturada para decidir com independência em relação a pressões políticas, a fim de evitar que a democracia se torne um regime serviente a privilégios de grupos organizados, restando incólume a Separação dos Poderes ante a atuação dos freios e contrapesos para anular atos arbitrários do Executivo e do Legislativo.

15. A literatura do tema assenta que, verbis: “não há teoria ou conjunto de evidências aceitos que atribuam benefícios sociais à regulação que limite a entrada e a competição de preços” (POSNER, Richard A." The Social Costs of Monopoly and Regulation ". In: The Journal of Political Economy, Vol. 83, No. 4 (Aug., 1975), pp. 807-828). Em idêntico prisma: SHLEIFER, Andrei. The Enforcement Theory of Regulation. In: The Failure of Judges and the Rise of Regulators. Cambridge: The MIT Press, 2012. p. 18; GELLHORN, Walter. “The Abuse of Occupational Licensing”. In: 44 U. Chi. L. Rev. 6 1976-1977.

16. A evolução tecnológica é capaz de superar problemas econômicos que tradicionalmente justificaram intervenções regulatórias, sendo exemplo a sensível redução de custos de transação e assimetria de informação por aplicativos de transporte individual privado, tornando despicienda a padronização dos serviços de táxi pelo poder público. Literatura: MACKAAY, Ejan. Law and Economics for Civil Law Systems. Cheltenham: Edward Elgar, 2013.

17. Os benefícios gerados aos consumidores pela atuação de aplicativos de transporte individual de passageiros são documentados na literatura especializada, que aponta, mediante métodos de pesquisa empírica, expressivo excedente do consumidor (consumer surplus), consistente na diferença entre o benefício marginal na aquisição de um bem ou serviço e o valor efetivamente pago por ele, a partir da interação entre a curva de demanda e o preço de mercado, por isso que a proibição da operação desses serviços alcança efeito inverso ao objetivo de defesa do consumidor imposto pelos artigos , XXXII, e 170, V, da Constituição.

18. A Constituição impõe ao regulador, mesmo na tarefa de ordenação das cidades, a opção pela medida que não exerça restrições injustificáveis às liberdades fundamentais de iniciativa e de exercício profissional (art. 1º, IV, e 170; art. , XIII, CRFB), sendo inequívoco que a necessidade de aperfeiçoar o uso das vias públicas não autoriza a criação de um oligopólio prejudicial a consumidores e potenciais prestadores de serviço no setor, notadamente quando há alternativas conhecidas para o atingimento da mesma finalidade e à vista de evidências empíricas sobre os benefícios gerados à fluidez do trânsito por aplicativos de transporte, tornando patente que a norma proibitiva nega “ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente”, em contrariedade ao mandamento contido no art. 144, § 10, I, da Constituição, incluído pela Emenda Constitucional nº 82/2014.

19. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental julgada procedente para declarar inconstitucional a Lei Municipal de Fortaleza nº 10.553/2016, por ofensa aos artigos 1º, IV; 5º, XIII e XXXII; 22, IX, XI e XVI; 144, § 10, I; 170, IV, V e VIII; e 173, § 4º, todos da Carta Magna.”

( ADPF 449, Relator (a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 08/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-190 DIVULG XXXXX-08-2019 PUBLIC XXXXX-09-2019)

A leitura dos acórdãos dos quais resultaram as teses acima transcritas permite a compreensão de que a Corte Suprema chegou a duas conclusões: 1) que não é admissível proibir ou obstaculizar o transporte remunerado privado individual ou compartilhado de passageiros por motorista cadastrado em aplicativo/plataforma digital, e 2) que os Municípios e o Distrito Federal podem regulamentar e fiscalizar o serviço em tela, desde que não desrespeitem o que a União dispôs sobre o tema e as diretrizes firmadas pelo próprio Tribunal Pleno do STF no julgamento do Tema XXXXX/RG.

Desse modo, afasta-se o conceito de regulamentação vedada, para dar lugar ao de regulamentação limitada, cuja baliza reside na legislação federal de regência e nos limites vinculantes fixados pelo Tribunal Pleno do STF.

No ponto, com clareza solar, a Corte Suprema alude à “regulação de menor intensidade”, e não à ausência de regulação.

6. O Supremo Tribunal Federal foi claro ao estabelecer que compete à União estabelecer as “diretrizes regulatórias”, as cláusulas e normas gerais, as quais podem ser complementadas pelos entes municipais e distrital. Cuida-se de entendimento que encontra supedâneo nas regras de competência inscritas na Constituição Federal.

O artigo 22, inciso XI, da Constituição Federal, atribui à União a competência para legislar sobre trânsito e transporte, verbis:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

XI - trânsito e transporte;

No tocante aos Municípios, a Constituição Federal confere-lhes competência legislativa para suplementar a legislação federal e estadual e tratar de interesse local, verbis:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; (Vide ADPF 672)

É imperioso pontuar que o fato de o art. 22 da Constituição Federal prever competências privativas da União não afasta a possibilidade de os Municípios suplementarem tais normas , desde que nos limites do que foi balizado pela lei federal e restrito aos marcos do interesse local. É o que bem consignou a em. Desª. Marilene Bonzanini em julgamento perante este colendo Órgão Especial do TJRS , versante sobre regulamentação normativa semelhante, feita pelo Município de Porto Alegre/RS, verbis:

" Com efeito, o simples fato de a matéria estar prevista como competência privativa da União, não significa, por si só, que o município não possa legislar sobre o assunto, sobretudo porque, como assevera Alexandre de Moraes , “o princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado Federal é o da predominância do interesse”, de modo que “à União caberá aquelas matérias e questões de predominância de interesse geral, ao passo que aos Estados referem-se as matérias de predominante interesse regional e aos municípios concernem os assuntos de interesse local”.

Nesse mesmo sentido, HELY LOPES MEIRELLES , verbis:

"(...)

O trânsito e o tráfego são daquelas matérias que admitem a tríplice regulamentação – federal, estadual e municipal –, conforme a natureza e o âmbito do assunto a prover. A dificuldade está em se fixar, com precisão, os limites da competência das três entidades estatais que concorrem na sua ordenação.”

(...)

A circulação urbana e o tráfego local, abrangendo o transporte coletivo em todo o território municipal, são atividades da estrita competência do Município, para atendimento das necessidades específicas de sua população, entre outras.

O tráfego sujeita-se aos mesmos princípios enunciados para o trânsito no que concerne à competência para sua regulamentação : cabe à União legislar sobre tráfego interestadual; cabe ao Estado-membro prover sobre o tráfego regional; e compete ao Município dispor sobre o tráfego local, especialmente o urbano .

E assim é na generalidade das Nações civilizadas, que reconhecem às comunidades locais o direito-dever de zelar pela circulação e pelo transporte em seu território, preservando seu sistema viário – urbano e rural – contra o congestionamento do trânsito e os excessos do tráfego. Todas as medidas de ordenamento da circulação e dos transportes no território municipal são da competência do Município, porque visam – no dizer autorizado de Hodges – ao controle do tráfego na via pública: “the traffic control in the public street”. (grifei).

A Constituição Estadual, no art. 13, incisos I e III, traz a competência municipal para exercer o Poder de Polícia nas matérias de interesse local e para regular o tráfego e o trânsito em suas vias públicas:

Art. 13. É competência do Município , além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado:

I - exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais;

(...)

III - regular o tráfego e o trânsito nas vias públicas municipais , atendendo à necessidade de locomoção das pessoas portadoras de deficiência;

(...). (grifei)

O interesse local dos Municípios não necessita ser exclusivamente local, bastando que predomine a relevância local em relação aos efeitos que terá para o Estado respectivo e para a União. Quanto a isso, reforça PEDRO LENZA , verbis:

"(...) o interesse local diz respeito às peculiaridades e necessidades ínsitas à localidade. Michel Temer observa que a expressão “interesse local”, doutrinariamente, assume o mesmo significado da expressão “peculiar interesse”, expressa na Constituição de 1967. E completa: “Peculiar interesse significa interesse predominante”; (...)

(...) estabelece competir aos Municípios suplementar a legislação federal e a estadual no que couber. “No que couber” norteia a atuação municipal, balizando-a dentro do interesse local. Observar ainda que tal competência se aplica, também, às matérias do art. 24, suplementando as normas gerais e específicas, juntamente com outras que digam respeito ao peculiar interesse daquela localidade; (...)."

Nessa conjuntura e à luz das diretrizes firmadas pelo Tribunal Pleno do STF, entendo que a regulamentação do serviço de transporte remunerado privado individual ou compartilhado de passageiros previamente cadastrados em aplicativos digitais sediados na rede mundial de computadores, ou outras plataformas de comunicação em rede, pode ser feita pelos Municípios e Distrito Federal, uma vez que a competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transporte não impede a atuação do Município e do DF naquilo que disser respeito ao interesse local.

Uma vez que a União traça as diretrizes gerais, fixando um sistema uniforme referente à estrutura e operação do trânsito no território nacional, compete aos demais entes federativos esmiuçar as questões atinentes aos interesses regionais e locais.

No concernente à circulação de pessoas dentro da malha urbana, concluo que se trata de interesse complementar predominantemente local. O ente municipal possui interesse em garantir o acesso isonômico da população aos meios de transporte, a qualidade e a segurança de tais meios. Trata-se de atuação que visa a resguardar a função social da cidade e o sistema de mobilidade urbana.

7. De forma coerente, a Lei Federal nº 12.587/2012 - que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, alterada pela Lei Federal nº 13.640/2018 - prevê que compete aos Municípios e ao Distrito Federal fiscalizar e regulamentar o serviço, verbis (grifos meus):

Art. 4º Para os fins desta Lei, considera-se:

(...)

X - transporte remunerado privado individual de passageiros: serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede. (Redação dada pela Lei nº 13.640, de 2018)

....................

Art. 11-A. Compete exclusivamente aos Municípios e ao Distrito Federal regulamentar e fiscalizar o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros previsto no inciso X do art. 4º desta Lei no âmbito dos seus territórios . (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)

Parágrafo único. Na regulamentação e fiscalização do serviço de transporte privado individual de passageiros , os Municípios e o Distrito Federal deverão observar as seguintes diretrizes , tendo em vista a eficiência, a eficácia, a segurança e a efetividade na prestação do serviço: (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)

I - efetiva cobrança dos tributos municipais devidos pela prestação do serviço; (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)

II - exigência de contratação de seguro de Acidentes Pessoais a Passageiros (APP) e do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT); (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)

III - exigência de i nscrição do motorista como contribuinte individual do Instituto Nacional do Seguro Social ( INSS ), nos termos da alínea h do inciso V do art. 11 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018) (Regulamento)

Art. 11-B. O serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros previsto no inciso X do art. 4º desta Lei , nos Municípios que optarem pela sua regulamentação , somente será autorizado ao motorista que cumprir as seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)

I - possuir Carteira Nacional de Habilitação na categoria B ou superior que contenha a informação de que exerce atividade remunerada; (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)

II - conduzir veículo que atenda aos requisitos de idade máxima e às características exigidas pela autoridade de trânsito e pelo poder público municipal e do Distrito Federal; (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)

III - emitir e manter o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo ( CRLV ); (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)

IV - apresentar certidão negativa de antecedentes criminais . (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)

Parágrafo único. A exploração dos serviços remunerados de transporte privado individual de passageiros sem o cumprimento dos requisitos previstos nesta Lei e na regulamentação do poder público municipal e do Distrito Federal caracterizará transporte ilegal de passageiros. (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)

Art. 12. Os serviços de utilidade pública de transporte individual de passageiros deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene, de qualidade dos serviços e de fixação prévia dos valores máximos das tarifas a serem cobradas. (Redação dada pela Lei nº 12.865, de 2013) (grifei).

Destarte, entendo que os Municípios e o DF foram expressamente autorizados a regulamentar e fiscalizar os serviços de transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros previamente cadastrados em aplicativos digitais sediados na rede mundial de computadores, ou outras plataformas de comunicação em rede, desde que o diploma municipal, ou distrital, não afronte o disposto pela União e pelo Tribunal Pleno do STF nos supratranscritos artigos 11-A e 11-B da Lei Federal nº 13.640/2018.

A limitação exige que a legislação municipal não contrarie o que propõe a Legislação Federal, na forma definida pelo Tribunal Pleno do STF no julgamento conjunto vinculante do Tema XXXXX/RG nos lindes da ADPF nº 449-DF e do RE nº 1.057.110-SP.

No ordenamento constitucional brasileiro, a livre iniciativa é subprincípio do princípio da autonomia privada que rege as atividades econômicas, verbis:

"Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)."

A livre iniciativa , para empreender atividade econômica, e a livre concorrência , para assegurar a justa competição entre os que empreendem, são subprincípios basilares da ordem econômica na Constituição Federal.

Contudo, embora pedra fundamental do Estado de Direito democrático brasileiro, não existe princípio absoluto no Direito Pátrio. O que significa que o princípio da autonomia privada e os subprincípios da livre iniciativa e da livre concorrência, dentre outros, podem ser limitados e mitigados quando em conflito com outros princípios, tais como a proteção ao consumidor, o transporte de pessoas e a segurança no trânsito veicular.

A possibilidade de abrandar os efeitos de princípios, normas, regras, direitos e garantias, no afã de assegurar a coexistência harmoniosa entre todos os princípios e valores constitucionais, já possui conclusão sedimentada na jurisprudência, verbis:

"(...)

OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição.

O estatuto constitucional das liberdades públicas , ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica , destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros. (...)."

( MS 23452, Relator (a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/1999, DJ XXXXX-05-2000 PP-00020 EMENT VOL-01990-01 PP-00086) - (grifei)

Outra não é a posição da doutrina de PEDRO LENZA , verbis:

"(...) os direitos fundamentais não são absolutos (relatividade), havendo, muitas vezes, no caso concreto, confronto, conflito de interesses. A solução ou vem discriminada na própria Constituição (ex.: direito de propriedade versus desapropriação), ou caberá ao intérprete, ou magistrado, no caso concreto, decidir qual direito deverá prevalecer, levando em consideração a regra da máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos, conjugando-a com a sua mínima restrição;

(...)

Como desdobramento da livre-iniciativa, a livre concorrência aparece como princípio da Ordem Econômica, devendo ser balizada pelos ditames da justiça social e da dignidade.

Por esse motivo, não podemos considerá-la um bem em si e de modo absoluto, devendo o Estado refutar qualquer abuso."

Especificamente quanto aos limites da livre iniciativa, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, verbis:

"Ementa: DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. OFENSA REFLEXA. PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA. ART. 170 DA CF. CLÁUSULA GERAL. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) entende ser inviável a apreciação em recurso extraordinário de alegada violação ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada ou aos princípios da legalidade, do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e da inafastabilidade da jurisdição, uma vez que se violação houvesse seria meramente indireta ou reflexa. Precedentes.

2. O princípio da livre iniciativa , inserido no caput do art. 170 da Constituição nada mais é do que uma cláusula geral cujo conteúdo é preenchido pelos incisos do mesmo artigo. Esses princípios claramente definem a liberdade de iniciativa não como uma liberdade anárquica, mas social, e que pode, consequentemente, ser limitada.

3. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC/2015, uma vez que não houve fixação de honorários advocatícios. 4. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015."

( ARE XXXXX AgR, Relator (a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 27/04/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-102 DIVULG XXXXX-05-2018 PUBLIC XXXXX-05-2018) (grifei).

Tanto o é que a própria Constituição Federal chancela a intervenção do Estado na economia, sempre que necessário e oportuno ao interesse público, verbis:

"Art. 172. A lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros.

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

(...)

§ 4º A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

§ 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei , as funções de fiscalização, incentivo e planejamento , sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado . (grifei).

A Constituição do Estado do Rio Grande do Sul vai na mesma toada, verbis:

Art. 157. Na organização de sua economia, em cumprimento ao que estabelece a Constituição Federal, o Estado zelará pelos seguintes princípios:

I - promoção do bem-estar do homem como fim essencial da produção e do desenvolvimento econômico;

II - valorização econômica e social do trabalho e do trabalhador, associada a uma política de expansão das oportunidades de emprego e de humanização do processo social de produção, com a defesa dos interesses do povo;

III - democratização do acesso à propriedade dos meios de produção;

(...)

V - convivência da livre concorrência com a economia estatal;

VI - planificação do desenvolvimento, determinante para o setor público e indicativo para o setor privado;

VII - integração e descentralização das ações públicas setoriais;

VIII - proteção da natureza e ordenação territorial;

(...)."

Art. 158. A intervenção do Estado no domínio econômico dar-se-á por meios previstos em lei, para orientar e estimular a produção, corrigir distorções da atividade econômica e prevenir abusos do poder econômico. (grifei)

8. Com efeito. Já nos albores do século XX, os ordenamentos jurídicos vinculados à família do civil law europeu continental, com especial predominância dos valores adotados pelos juscivilistas alemães no BGB de 1900 e, no Brasil, mormente a partir de 1988, com o advento da Constituição Cidadã ( CRFB/88), do Código de Defesa do Consumidor de 1990 e do Código Civil de 2002, conferiram uma nova dimensão axiológica, jurídica e normativa ao princípio da autonomia privada e aos seus subprincípios da livre iniciativa, da livre concorrência, da autonomia da vontade e da repressão ao abuso econômico e da responsabilidade civil contratual e extracontratual decorrente do transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros previamente cadastrados em aplicativos digitais sediados na rede mundial de computadores, ou outras plataformas de comunicação em rede, já então sob regência normativa de técnicas legisferantes abertas, instrumentalizadas em conceitos normativos indeterminados, em princípios, cláusulas gerais de tutela, standards de condutas e precedentes jurisprudenciais.

Neste ponto, portanto, é preciso enfatizar que o ordenamento jurídico-normativo brasileiro não se compadece com direitos absolutos, potestativos, insubmissos a técnicas de ponderação na hipótese de conflito de regras (típicas de ordenamentos jurídicos fechados, que operam em regime de fattispecie e de [in]completitude típica de suportes fáticos), em qualquer dos seus campos específicos de atuação. Basta ver, na superior dimensão dos direitos fundamentais da Carta da Republica, que a colisão de conceitos indeterminados, princípios e cláusulas gerais desata-se, não na técnica do tudo ou nada (take it or leave it; all or nothing), mas, sim, na técnica da ponderação de valores jurídico-normativos dotados de vaguidades e polissemias que não se podem excluir ou aniquilar.

Embora a norma fundamental guarde pertinência temática direta com os processos judiciais e administrativos, é voz pacífica na doutrina e na jurisprudência contemporânea a necessidade de estender os direitos, liberdades e garantias fundamentais às relações jurídicas regidas pelo direito privado, caracterizando o que os juristas pátrios convencionaram denominar de eficácia horizontal dos direitos fundamentais, verbis:

“Nesses termos, a relação que se dá entre Estado, de um lado, e particular, de outro – agora chamada de eficácia vertical dos direitos fundamentais – continua a existir. Porém, além dessa perspectiva , surge a necessidade de defender, com base no catálogo de direitos fundamentais , o particular nas suas relações com outros particulares, fazendo-se com que nesse novo quadro seja repensada toda a dinâmica posta para aplicação dos direitos fundamentais . Por isso mesmo, fala-se em eficácia horizontal de direitos fundamentais nas relações privadas.”

(FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 10.ª ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 368) - (grifos do autor nas duas últimas linhas e meus nas anteriores).

Não é sem razão, portanto, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sufraga a aplicação do princípio da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações jusprivatistas levadas a cabo entre pessoas naturais e/ou pessoas jurídicas de direito privado.

Neste norte, embora com pertinência temática indireta no processo objetivo sob exame, o julgamento do RE nº 201.819/RJ, pela 2.ª Turma do STF (DJ 26/10/2006), sob a relatoria do Ministro GILMAR MENDES, é principiológico e paradigmático no thema, assentando que as pessoas naturais e as pessoas jurídicas de direito privado estão vinculadas aos princípios, direitos, liberdades e garantias fundamentais inscritos na Constituição da Republica, que operam como difusores da eficácia horizontal desses direitos fundamentais mesmos e devem ser também garantidos nas relações jurídicas com regência no campo do direito privado, com especial ênfase nas hipóteses em que alguma das partes possa ser onerada com penalizações capazes de infligir-lhe lesões, ainda que de forma reflexa, na seara dos direitos da personalidade e da dignidade dimanente do trabalho, verbis:

“SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados.

II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES.

A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da Republica, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados.

A autonomia privada , que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais.

III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. (...) IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO”

(STF – RE nº 201.819/RJ, Relator do Acórdão Ministro GILMAR FERREIRA MENDES, 2ª Turma, DJ 26/10/2006) - (grifei)

9. Ainda no thema, a doutrina de regência dos negócios jurídicos contratuais privados vai mais adiante, analisa as profundas mudanças introduzidas em sistemas normativos abertos, flexíveis e funcionalizados, celebrando a centralidade e a força juspositivas das técnicas legisferantes instrumentalizadas em conceitos jurídicos indeterminados, princípios, cláusulas gerais e standards normativos, verbis1:

" Adjudicando aos paradigmas em tela uma indissociável dimensão valorativa do direito no plano da responsabilidade civil, o magistério de CRISTIANO CHAVES DE FARIAS, FELIPE PEIXOTO BRAGA NETTO e NELSON ROSENVALD2 integra-se como mão à luva, pois "o direito de nossos dias é o direito da ponderação, da reflexão contextualizada, do percurso argumentativo. Vivemos numa república de razões, e as democracias constitucionais atuais precisam continuamente se legitimar, de modo contínuo, transparente e dinâmico. A teoria dos direitos fundamentais, a força normativa dos princípios, a funcionalização dos conceitos e categorias, a priorização das situações existenciais em relação às patrimoniais, a repulsa ao abuso de direito, a progressiva consagração da boa-fé objetiva são algumas das ferramentas teóricas que ajudam a construir a teoria da responsabilidade civil do século XXI."

Nesta conjuntura, PRISCILA ZENI DE SÁ3leciona que "A sistemática civil-constitucional permite ao intérprete maior conexão com o caso concreto e propicia a tópica, mas também o liga à posição de centralidade da Constituição no sistema de fontes, bem como sujeita-o à aplicação dos princípios e garantias constitucionais. Não se trata aqui de deixar o seu preenchimento totalmente livre, como já afirmado, estimulando atitudes solipsistas do Judiciário, mas sim, segundo Gustavo Tepedino4, de permitir uma jurisprudência de valores comprometida com as opções valorativas da sociedade. Müller5também afirma que as cláusulas gerais contêm ao menos referências éticas e sociais que permitem uma concretização em consonância com critérios extrajurídicos de aferição".

Vem a calhar, no ponto, o magistério de MARIA CELINA BODIN DE MORAES, que, ao discorrer sobre o sistema normativo aberto e asserir que a centralidade dos princípios constitucionais em face da doutrina e da jurisprudência constitui fenômeno próprio do Estado de Direito Democrático6, leciona que "A progressiva atribuição de eficácia normativa aos princípios vem associada ao processo, delimitável historicamente, de abertura do sistema jurídico. Num sistema aberto, os princípios funcionam como conexões axiológicas e teleológicas entre, de um lado, o ordenamento jurídico e o dado cultural, e de outro, a Constituição e a legislação infraconstitucional. No sistema aberto, portanto, as funções atribuídas aos princípios não mais se compadecem com uma restrição à sua eficácia normativa, como aquela que os limitava a operar como fonte supletiva de integração do ordenamento."7

Por sua vez, JUDITH MARTINS-COSTA8 acentua que as cláusulas gerais e os princípios assumem substantivo protagonismo na mudança de paradigmas entronizada no Código Civil de 2002,9 tendo contribuído de modo decisivo para que este novo estatuto se afastasse dos vetores patrimonialistas do Código de 1916, indo buscar nos princípios da socialidade, eticidade, operabilidade e sistematicidade a supremacia da pessoa humana e da sociedade coletivamente considerada, âmbito em que, consoante gizado por Miguel Reale na exposição de motivos do Codex, a eticidade e a sociabilidade assumem absoluta relevância para o primado da responsabilidade social da lei, constituindo uma técnica aberta de legislar e viabilizando a sua adequação normativa à sociedade, à cultura, aos valores e aos padrões em que ela está encartada.

Nesta moldura e diante das tendências do século XXI, o magistério de FARIAS, BRAGA NETTO e ROSENVALD10acentua que "as categorias, conceitos e institutos devem ser lidos à luz da função exercida. É essa a grande viragem do direito contemporâneo: a passagem da estrutura à função, o abandono de uma concepção estrutural do direito em favor de uma postura funcionalizada, onde sobreleva a atuação social dos direitos".

(POTTES DE MELLO, Aymoré Roque. Dos Direitos da Personalidade ao Princípio da Boa-fé Objetiva nos Contratos de Direito Privado - Aproximações Luso-Brasileiras. 1.ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2021, p. 16/19) - (grifei)

Isto também significa asserir que, sob a ótica do direito público, mas também no campo dos direitos privados juscivilistas e empresariais, com especial ênfase na seara dos negócios jurídicos avençados sob a forma de contratos - comutativos, sinalagmáticos e bilaterais por essência, definição e excelência -, o princípio (constitucional) da autonomia privada e o seu subprincípio (infraconstitucional, no caso concreto) da autonomia da vontade estão submetidos a valores normativos mandatórios, cogentes, afirmativos de que - reitero - não há direitos sem liberdades e nem liberdades sem garantias no Estado de Direito democrático, estando permeados, também mandatoriamente, pelos princípios da função social dos negócios e da boa-fé objetiva dos contratos de direito privado, verbis:

"Nesse contexto, a boa-fé é, antes de tudo, uma diretriz principiológica de fundo ético e espectro eficacial jurídico que subsume um princípio de substrato ético e moral revestido de natureza jurídica cogente.

Constitui, portanto, um princípio vinculado a uma norma de comportamento ligada à eticidade da ordem social. Nesta toada, uma releitura da estrutura obrigacional, sem as amarras tecnicistas da teoria clássica e revista à luz desse construto ético, conduz à conclusão de que o contrato não se esgota apenas na obrigação principal de dar, fazer ou não fazer, uma vez que a boa-fé objetiva impõe às partes contratantes, também, a observância de deveres jurídicos anexos ou de proteção, que, embora não estejam inscritos no contrato, integram-no com a mesma relevância e intensidade dos deveres jurídicos principais, minimamente bilaterais no campo obrigacional do sinalagma.

Assim, os deveres anexos ou de proteção decorrentes do princípio da boa-fé objetiva podem ser exemplificados nos deveres de lealdade, confiança, assistência, informação, confidencialidade ou sigilo, dentre outros.

Tais deveres são impostos tanto ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo da relação jurídica obrigacional bilateral, referindo-se à exata satisfação dos interesses comutativos envolvidos nas prestações e contraprestações obrigacionais assumidas, por força e em decorrência dos deveres da boa-fé contratual."

(POTTES DE MELLO, Aymoré Roque. Dos Direitos da Personalidade ao Princípio da Boa-fé Objetiva nos Contratos de Direito Privado - Aproximações Luso-Brasileiras. 1.ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2021, p. 232)

A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, reitero que as técnicas legisferantes introduziram mudanças de orientação legisferante na ordem jurídica nacional, passando de um regime normativo de fattispecies para um sistema normativo aberto e flexível, integrado por conceitos indeterminados, princípios e cláusulas gerais. Embora assim, os ensinamentos de PONTES DE MIRANDA permanecem sempre atuais e exaurientes, inclusive no vasto campo do Direito Privado unificado brasileiro.

Assim é que, nos lindes do subprincípio da autonomia da vontade , o notável tratadista alagoano leciona que "Já aqui se pode caracterizar o que se passa, em verdade, com os atos humanos interiores ao campo de atividade, a que se chama auto-regramento da vontade,"autonomia privada", ou"autonomia da vontade": é o espaço deixado às vontades, sem se repelirem do jurídico tais vontades. Enquanto, a respeito de outras matérias, o espaço deixado à vontade fica por fora do direito, sem relevância para o direito; aqui, o espaço que se deixa à vontade é relevante para o direito. É interior, portanto, às linhas traçadas pelas regras jurídicas cogentes, como espaço em branco cercado pelas regras que o limitam " (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado: Parte Geral. Tomo III. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1954, p. 55 - grifei).

Em relação às dimensões jurídica, política e moral da autonomia da vontade , PONTES DE MIRANDA refere que "A preocupação de explicar o jurídico pelo político, ou pelo moral, tem levado os juristas a identificações ou analogias escusadas entre a vontade elemento do suporte fáctico do negócio jurídico e a lex. Daí ter-se usado e abusado de expressões como autonomia , autonormatividade , que em frases como"O contrato tem fôrça de lei", não poderiam significar mais do que alusão à juridicização do negócio . A"autonomia da vontade"não é mais do que o nome que se dá à possibilidade de se fazer elemento nuclear do suporte fáctico, suficiente para tornar jurídicos atos humanos, a vontade" (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Op. cit., p. 55 - grifei).

Destarte, para PONTES DE MIRANDA, "Os sistemas jurídicos não são concebidos como se as pessoas pudessem dar entrada no mundo jurídico a quaisquer fatos, ainda atos humanos, fazendo-os jurídicos. Em verdade, ainda que amplamente, o direito limita a classe dos atos humanos que podem ser juridicizados . Mundo fáctico e mundo jurídico não são coextensivos. Noutros têrmos: sòmente dentro de limites prefixados, podem as pessoas tornar jurídicos atos humanos e, pois, configurar relações jurídicas e obter eficácia jurídica. A chamada" autonomia da vontade ", o auto-regramento, não é mais do que" o que ficou às pessoas ". Há situações que predeterminam relações jurídicas, sem que as pessoas possam evitá-las, ou modificá-las. Tôda indagação de fundamento político da chamada autonomia da vontade é inútil ao jurista, no plano da exposição jurídica" (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Op. cit., p. 55-56 - grifei).

No ponto, PONTES DE MIRANDA leciona que "A lei não deixa, inteiramente, à vontade dos interessados configurar as relações jurídicas. Por vêzes, preestabelece-as de modo claro e irremovível; outras vêzes, cria alguns tipos de relações jurídicas, dentre as quais se pode escolher o que convém. Ali, a cogência é absoluta; aqui, a escolha entre tipos de relações jurídicas deixa às vontades preferir uma ou outra, respeitados os limites, isto é, o número clauso de tipos (cogência relativa)." E explicita que "As regras jurídicas cogentes não-invalidantes deixam existir e valer o negócio jurídico, mas a violação acarreta (minus quam perfecta lex) ou outra conseqüência (leges imperfectae). Aqui surge o problema da rescindibilidade que tantas vêzes temos discutido. O rescindível existe, e vale. Tem-se a chave para abrir, para cindir; enquanto não se (re) scinde, o negócio jurídico lá está, - é e vale."Nesta toada, para o doutrinador em epígrafe, "O ato jurídico, incluído o negócio jurídico, existe e vale, nos limites da lei; a sua eficácia, desde a vinculação, depende da lei: é eficácia jurídica, isto é, a eficácia que tem, no mundo jurídico, o ato jurídico (e.g., não posso contratar reservando-me o poder de revogação, unilateral, ou bilateralmente, aliter o poder de denúncia, se permitida; nem com a exclusão de modificá-lo, ou de distratá-lo)" (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Op. cit., p. 56-58 - grifei).

Ainda no ponto, PONTES DE MIRANDA leciona que "O direito cogente, que é o que limita o auto-regramento da vontade, opera impositiva ou proïbitivamente; de maneira que as pessoas têm de fazer ou não fazer (no sentido mais largo); o que elide qualquer escolha, ainda quando a regra jurídica cogente contenha a alternativa de fazer isso ou aquilo; ou de não fazer isso, ou de não fazer aquilo; ou de fazer isso (ou aquilo), ou de não fazer aquilo (ou isso); ou vice-versa. Quando a regra jurídica é supletiva, isto é, estabelece que se entenda disposto 'a' (ius dispositivum) se não foi disposto 'não-a', não se limita o auto-regramento da vontade: tais regras jurídicas, ditas regras dispositivas, deixam incólume o auto-regramento da vontade. A forma de tais regras é:" Se não foi dito 'não-a', entende-se 'a' ", ou" Se nada se disse quanto a 'a', entende-se 'a' ". Porém a cada momento tem o jurista, diante de regras jurídicas, que podem ser cogentes ou dispositivas, de levantar e de responder à questão. Para isso, tem de examiná-las em sua função e em seu alcance, se não cabe, desde logo, por serem cogentes outras que como tais foram apontadas, o argumento a contrario." (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Op. cit., p. 60-61).

Com efeito. O princípio constitucional da autonomia privada consubstancia a ideia de liberdade negocial no âmbito das relações contratuais e, muito embora seja da essência do Direito Privado, não se traduz em dogma, muito menos absoluto, cedendo diante de outros princípios.

Nesta toada, PONTES DE MIRANDA preleciona, nos lindes do "princípio da liberdade de negócio jurídico", que "Chama-se princípio da liberdade de contratar o de se poderem, livremente, assumir deveres e obrigações, ou de se adquirirem, livremente, direitos, pretensões, ações e exceções oriundos de contrato; e princípio da autonomia da vontade, o de escolha, a líbito, das cláusulas contratuais. No fundo, os dois princípios prendem-se à liberdade de declarar ou manifestar a vontade com eficácia vinculante e de se tirar proveito das declarações ou manifestações de vontade alheias, receptícias ou não. O direito longe está (e sempre longe estêve) de adotar êsses princípios como absolutos: sofrem êles, e sempre sofreram, limitações. A própria existência de tipos de negócios jurídicos limita-os. Limita-os, também, a natureza cogente (ius cogens) de certas regras." (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Op. cit., p. 63-64).

10. Portanto, ainda que em relação às atividades de natureza privada, é autorizado o controle do Estado e a intervenção do Poder Público. No ponto, é inviável concluir que haja atividade econômica completamente blindada contra a regulamentação estatal, com passaporte para ferir, em tese, a ordem pública, a saúde pública ou a segurança pública, sem que o Poder Público nada possa fazer para o prevenir.

O serviço de transporte privado individual ou compartilhado de passageiros através de plataforma/aplicativo digital é atividade essencialmente privada, o que não retira a sua utilidade pública, dado que, conforme já exposto, a Administração Pública possui interesse em todos os componentes da mobilidade urbana, especialmente quando se trata do deslocamento de pessoas, atividade que possui repercussão relevante no bem-estar da coletividade.

Faz-se necessário distinguir o serviço público do serviço privado de utilidade pública. O serviço privado de utilidade pública é autorizado pelo Poder Público, que irá regulamentar e fiscalizar o seu exercício, no afã de preservar o interesse público primário. Já o serviço público é titularizado pela Administração e, para ser prestado por particular, deve ser delegado ou concedido. Destarte, no magistério de BANDEIRA DE MELLO, a autorização é somente “(...) manifestação administrativa, destinada a verificar, no exercício de ‘poder de polícia’, se será desempenhada dentro de condições compatíveis com o interesse coletivo ”.

No caso sob exame, ademais das normas e regras da Lei Federal nº 12.587/2021 em vigor, sobre elas incidem as diretrizes – vinculantes e oponíveis erga omnes - fixadas pelo Tribunal Pleno do STF no julgamento conjunto, sob o regime de repercussão geral, da ADPF nº 449-DF e do Recurso Extraordinário nº 1.054.110-SP (Tema XXXXX/RG), vindo a calhar, no ponto, o que o Ministro ROBERTO BARROSO assentou em Plenário e no voto condutor da relatoria do referido RE, verbis:

"Livre iniciativa não tem apenas uma dimensão econômica, tem uma dimensão de uma liberdade individual, de exercício dos direitos da personalidade. Ela transcende, portanto, o domínio puramente econômico, para significar as escolhas existenciais das pessoas, seja no plano profissional, seja no plano pessoal, seja no plano filantrópico.

Além disso, a livre iniciativa também é um princípio específico da ordem econômica brasileira, e isso significa uma opção pela economia de mercado, que significa uma economia que gravita em torno da lei da oferta e da procura, com pontuais intervenções do Estado para corrigir falhas do mercado. Essa é a opção constitucional no Brasil. Portanto, nesse ambiente, eu penso ser incompatível com a livre iniciativa normas que proíbam explicitamente uma atividade econômica, como, no caso, é o transporte individual remunerado de passageiros cadastrados em aplicativos.

Eu destaco três fundamentos pelos quais considero inconstitucional esta vedação materializada na Lei paulistana e materializada na Lei de Fortaleza.

Em primeiro lugar, a Constituição estabelece, como princípio, a livre iniciativa. A lei não pode arbitrariamente retirar uma determinada atividade econômica da liberdade de empreender das pessoas, salvo se houver um fundamento constitucional que autorize aquela restrição. E eu constato que não há regra nem princípio constitucional que prescreva a manutenção de um modelo específico de transporte individual de passageiros. Não há uma linha na Constituição sobre esse assunto.

Portanto, a edição de leis ou atos normativos proibitivos pautada em uma inexistente exclusividade do modelo de exploração por táxis não se conforma ao regime constitucional da livre iniciativa. Penso que este é o primeiro fundamento e por si só seria suficiente.

Em segundo lugar, livre iniciativa significa também livre concorrência, e nessa ideia se contém uma opção pela economia de mercado assentada na crença de que é a competição entre os agentes econômicos de um lado e a liberdade de escolha dos consumidores do outro que produzirão os melhores resultados sociais, que são a qualidade dos bens e serviços a um preço justo.

Pois bem, e aqui a terceira conclusão nessa área. É contrário a esse regime de livre competição a criação de reservas de mercado em favor de atores econômicos já estabelecidos, no caso, os táxis, com o propósito simples de afastar o impacto gerado pela inovação no setor, a chegada, entre outros, do Uber, Cabify e 99.

É verdade que, como nenhum princípio é absoluto, também a livre iniciativa pode ser mitigada em favor de outros valores, no caso específico, a pretensão legítima de sanar falhas de mercado para impedir dominação de mercado, por exemplo, e para a proteção do consumidor.

Portanto, a chegada de novos atores em um mercado preestabelecido não pode, por sua vez, eliminar a concorrência igualmente existente. Portanto, o Estado pode incentivar ou desincentivar comportamentos onde o livre mercado não realiza adequadamente os valores constitucionais. Porém, a regulação estatal não pode afetar o núcleo essencial da livre iniciativa, privando os agentes econômicos do direito de empreender, inovar, competir. E, portanto, a restrição desproporcional ao transporte individual de passageiros por motoristas e clientes cadastrados em aplicativos, também, por essa razão, contraria a Constituição.

Portanto, aqui estabelecidos os contornos da livre iniciativa, Presidente, eu chego à terceira e última parte. O meu voto diz respeito aos limites à regulação da atividade e da competência municipal e distrital. Eu assentei, portanto, que considero legítima a intervenção do Estado, mesmo em um regime de livre iniciativa, para coibir falhas de mercado e/ou para proteger o consumidor." (grifei)

Sob a tutela desse paradigma e cláusula geral, assentado na legítima intervenção do Estado, mesmo em um regime de livre iniciativa, para coibir falhas de mercado e/ou para proteger o consumidor, penso que o Tribunal Pleno da Suprema Corte brasileira colocou na boca da cena e nos primeiros planos jurídico-normativos, com estatura constitucional, a questão da responsabilidade civil contratual e extracontratual do Estado (leia-se: Municípios e DF) e da iniciativa privada na “regulação limitada, de menor intensidade”, dos serviços de transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros previamente cadastrados em aplicativos digitais sediados na rede mundial de computadores, ou outras plataformas de comunicação em rede.

Mais adiante, ao dispor sobre os limites regulatórios da atividade privada de transporte individual de passageiros por aplicativo, o Ministro BARROSO registra as seguintes conclusões de voto, verbis:

"49. A admissão de uma modalidade de transporte individual submetida a uma menor intensidade de regulação, mas complementar ao serviço de táxi, afirma-se como uma estratégia constitucionalmente adequada para acomodação da atividade inovadora no setor.

Trata-se, afinal, de uma opção que: (i) privilegia a livre iniciativa e a livre concorrência; (ii) incentiva a inovação; (iii) tem impacto positivo sobre a mobilidade urbana e o meio ambiente; (iv) protege o consumidor; e (v) é apta a corrigir as ineficiências de um setor submetido historicamente a um monopólio “de fato”.

50. A partir dessas premissas é possível extrair três conclusões para a solução da questão constitucional submetida neste recurso extraordinário com repercussão geral. A primeira é a de inconstitucionalidade da proibição da atividade de transporte remunerado individual por motoristas cadastrados em aplicativos. A segunda, a de que é igualmente inconstitucional a edição de regulamento e exercício de fiscalização que, na prática, inviabilize a atividade. A terceira, a de que se deve preservar o mercado concorrencial, de modo a que não se substitua um monopólio “de fato” por outro em prejuízo ao usuário/consumidor." (grifei)

Nos lindes dos debates havidos em Plenário entre os (as) Ministros (as) da Suprema Corte, o acórdão unânime oriundo do julgamento (conjunto) do Recurso Extraordinário nº 1.054.110-SP (Tema XXXXX/RG) registra os considerandos traçados pelas Ministras ROSA WEBER e CÁRMEN LÚCIA na afirmação da legitimidade do Poder Público competente intervir, mesmo num regime de livre iniciativa, para coibir falhas de mercado e/ou para proteger o consumidor, todavia nos estreitos limites das teses fixadas pela Suprema Corte no julgamento do Tema XXXXX/RG.

Dentro dessa moldura, no legítimo exercício do Poder de Polícia Administrativa, o Município tem o dever e a prerrogativa de credenciar e fiscalizar o exercício da atividade privada no seu território, objetivando proporcionar segurança e ordem no trânsito e na sua malha viária territorial, protegendo os usuários e os motoristas, competências que, renovada vênia, não foram interditadas nas diretrizes firmadas pelo Tribunal Pleno do STF, consoante examinado.

É importante rememorar que a própria Lei Federal nº 12.587/2012, em seu artigo 11-B, traz explicitamente a possibilidade de autorização dos Municípios e do DF, o que já é uma decorrência lógica para efetivar as competências de regulamentar e fiscalizar previstas no artigo 11-A. O que foi decidido pelo STF mais se preocupou em prescrever o que a regulamentação dos Municípios não poderia fazer, deste modo mitigando a competência constitucional regulamentar desses entes federativos.

Ainda que em atividades privadas, é rotineira a exigência de autorizações, licenças e fiscalização, instrumentos típicos do Poder de Polícia.

Nesse contexto, entendo que a exigência de autorização e credenciamento das empresas privadas proprietárias e dos seus motoristas-parceiros em plataformas/aplicativos digitais de transporte privado individual e compartilhado de usuários (previamente credenciados perante as empresas proprietárias dessas plataformas/aplicativos) não vai de encontro ao princípio da autonomia privada e dos subprincípios da livre iniciativa e da livre concorrência, dentre outros, tampouco vulnera qualquer das diretrizes assentadas pelo Tribunal Pleno do STF no julgamento vinculante do já referido Tema XXXXX/RG.

11. A respeito do princípio da autonomia privada, MARIANA RIBEIRO SIQUEIRA leciona que, "Se, de um lado, defende-se tratar-se justamente de princípio segundo o qual as partes se obrigam a que, como, quando e com quem quiserem, o que reduziria significativamente o campo de controle judicial do exercício do direito à resolução, sendo vedado ao juiz analisar a gravidade de determinado descumprimento quando as partes convencionaram sobre o assunto, de outro, a autonomia privada foi relativizada por força da boa-fé objetiva, não possuindo, assim como os demais princípios e direitos, natureza absoluta." (SIQUEIRA, Mariana Ribeiro. O adimplemento substancial e a vedação ao direito abusivo de resolução contratual em instrumentos dotados de cláusula resolutiva expressa. In: TEPEDINO, Gustavo. Teoria Geral do Direito Civil: questões controvertidas. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 327)

Neste sentido, a liberdade contratual amparada na autonomia privada para a regulação negocial deve ser respaldada no princípio da boa-fé objetiva e em equilíbrio com os interesses, direitos, liberdades e garantias fundamentais assegurados pela função social dos negócios jurídicos, deste modo funcionalizando a eficácia horizontal dos direitos fundamentais aplicáveis a este setor de atividades privadas dotadas de interesse público.

A propósito, ANA CAROLINA BROCHADO TEIXEIRA pontua que "importante premissa a ser estabelecida é a diferenciação que existe, em razão do conteúdo, entre autonomia da vontade e autonomia privada. Autonomia da vontade caracteriza-se pelo poder da vontade atribuído ao indivíduo no marco político do Estado Liberal, que deixava a cargo dos indivíduos decidirem as próprias vidas no que tange à liberdade contratual, já que maior valor social à época era o patrimônio, em razão da sociedade burguesa dominante, que impunha uma dialética negocial baseada eminentemente na lógica econômica". Na sequência, leciona que "a autonomia privada foi fortemente limitada pelo caráter social do Estado, embora continuasse tendo seu matiz patrimonial. Passou a conviver com a função social - do contrato, da propriedade -, funcionando como limite e condição de seu exercício, ocasionando uma mudança expressiva". Assim, "Se a pessoa humana passou a desempenhar o papel de protagonista do direito, já que a realização da dignidade passou a ser um dos objetivos da República, a liberdade para realizar um contrato não pode ser a mesma - qualitativamente falando - da liberdade de doar sangue ou órgãos, dada a diferenciação marcante do bem jurídico envolvido" (TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Autonomia existencial. In: TEPEDINO, Gustavo. Teoria Geral do Direito Civil: questões controvertidas. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 161/163 - grifei).

Ainda na lição, GUSTAVO TEPEDINO pondera que, "Na democracia capitalista globalizada, de pouca serventia mostram-se os refinados instrumentos de proteção dos direitos humanos, postos à disposição pelo direito público, se as políticas públicas e a atividade econômica privada escaparem aos mecanismos de controle jurídico, incrementando a exclusão social e o desrespeito à dignidade da pessoa humana." (TEPEDINO, Gustavo. Direitos Humanos e Relações Jurídicas Privadas. In: Temas de Direito Civil. 3ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 61 - grifei).

A autonomia privada gera fatos jurídicos com efeitos na esfera patrimonial e existencial, na medida em que confere a empresas privadas e seus relacionados a liberdade de contratar e descontratar, estabelecendo os preceitos de regência da relação negocial.

Contudo, o ordenamento jurídico do Estado Democrático de Direito impõe limites ao princípio da autonomia privada - e, nesta esteira, naturalmente, também ao subprincípio da autonomia da vontade -, limites esses delineados pela boa-fé objetiva que deve nortear as relações negociais, bem assim pela função social do contrato, que abrangem valores normativos de natureza afirmativa, mandatória e, de regra, indisponível à vontade das partes.

Em outras palavras: nem se pense em negar, aqui, a liberdade e a autonomia das partes expressarem a sua vontade nas relações negociais privadas, mas, sim, de averbar que o ordenamento jurídico do Estado Democrático de Direito lhes impõe limites, diante da necessidade da tutela de direitos, liberdades e garantias fundamentais e socialmente relevantes, inseridos no âmbito da boa-fé e da função social dos contratos.

O magistério lusitano de ANA PRATA orienta-se na mesma direção, porque da eficácia imediata das normas constitucionais pertinentes aos direitos, liberdades e garantias fundamentais "resulta o óbvio limite negativo à autonomia privada que se traduz na nulidade dos negócios contrários aos direitos fundamentais, o que, evidentemente, tem privilegiadas condições de ocorrência, sempre que uma das partes se encontre em situação de poder relativamente à outra parte - que lhe permita ditar unilateralmente os termos do regulamento negocial, a que a contraparte tenha de se submeter -, o mesmo é dizer, quando não exista igualdade real entre os sujeitos contraentes" (PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Edições Almedinas, 2017, p. 130).

12. Com tais considerações, tendo em vista a ordem social insculpida no Estado Democrático de Direito, o ordenamento jurídico brasileiro dispõe de mecanismos hábeis para balizar o exercício da liberdade contratual e da autonomia da vontade , princípios não absolutos submissos à ponderação de princípios e cláusulas gerais de tutela, de modo a assegurar, assim, os ditames da justiça social aos casos concretos, em atenção especial à dignidade da pessoa humana.

Bem a propósito, colaciono o seguinte precedente jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, verbis:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. DEVOLUÇÃO DA RES SPERATA. SUMULA 7 DO STJ. ACÓRDÃO EM SINTONIA COM ENTENDIMENTO FIRMADO NO STJ, AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.

1. O acórdão recorrido está em consonância com a Jurisprudência do STJ quando sustenta que a autonomia privada, como bem delineado no Código Civil de 2002 (arts. 421 e 422) não constitui um princípio absoluto em nosso ordenamento jurídico, sendo relativizada, entre outros, pelos princípios da função social, da boa-fé objetiva e da prevalência do interesse público; e que o Direito brasileiro admite, expressamente, a revisão contratual, diante da alteração superveniente das circunstâncias que deram origem ao negócio jurídico. Precedentes.

2. O Tribunal de origem, amparado no acervo fático-probatório dos autos, e na análise do contrato entabulado entre as partes, concluiu pela inexistência de inadimplemento contratual por parte da recorrida; pela caracterização do descumprimento de cláusula contratual pelo recorrente a ensejar a rescisão contratual; e pelo direito ao ressarcimento de valores relativos a res sperata e a instalação da loja. Nesse contexto, qualquer conclusão em sentido contrário ao que foi decidido pelo Colegiado local demandaria, necessariamente, interpretação de cláusulas contratuais, bem como novo exame do conjunto fático-probatório acostado aos autos, providências incompatíveis com a via estreita do recurso especial.

Incidência, portanto, das Súmulas 5 e 7 do STJ.

3. Agravo interno não provido.

( AgInt no AREsp XXXXX/AP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/06/2019, DJe 11/06/2019)

13. Prosseguindo a análise principiológica, chamo à colação o magistério de NELSON NERY e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, segundo o qual "A livre concorrência é um dos princípios norteadores da atividade econômica. Desse modo, o princípio da concorrência é assumido como garantia-institucional da ordem econômica. A projeção no mercado das diferentes iniciativas autônomas é tida como a forma mais adequada de racionalização econômica, porque, em razão da diversidade e competitividade de ofertas, cria-se terreno favorável para um progresso econômico e social em benefício dos cidadãos. O Estado tem a obrigação de garantir a racionalização do poder econômico, evitando o desaparecimento da livre concorrência (Miranda-Medeiros. Const. Anotada , t. II, p. 20).” (NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada [livro eletrônico]. 4. ed. -- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022)

Com breves achegas sobre a evolução histórica da Constituição Federal no seu viés econômico, PEDRO LENZA sustenta que, “em um primeiro momento, pode-se afirmar que os institutos clássicos do direito de propriedade e a autonomia da vontade privada eram suficientes para regulamentar a atividade econômica, até porque o capitalismo primitivo pregava a autorregulação, sem qualquer interferência do Estado na economia. A partir do século XX, no entanto, a situação começa a ser repensada, especialmente diante das constantes situações de abuso do poder econômico. Surge, então, “clima” propício para a constitucionalização da economia. Neste sentido, o art. 170, caput, da CF/88 estabelece a ordem econômica, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, fundando-se em dois grandes pilares: valorização do trabalho humano e livre iniciativa. Cabe, aqui, observar que, nos termos do art. 1º, IV, são fundamentos da República Federativa do Brasil: os valores sociais do trabalho e os valores sociais da livre iniciativa. O constituinte privilegia, portanto, o modelo capitalista, porém, não se pode esquecer da finalidade da ordem econômica, qual seja assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, afastando-se, assim, de um Estado absenteísta nos moldes do liberalismo. Pelo contrário, o texto admite a intervenção do Estado no domínio econômico.” (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 24 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 1564)

Ao abordar os subprincípios da livre iniciativa e da livre concorrência, PEDRO LENZA preleciona que, verbis:

Como desdobramento da livre iniciativa , a livre concorrência aparece como princípio da Ordem Econômica, devendo ser balizada pelso ditames da justiça social e da dignidade. Por esse motivo, não podemos considerá-la um bem em si e de modo absoluto, devendo o Estado refutar qualquer abuso. O art. 173, § 4º, [da CRFB/88], dispõe que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Neste contexto, para ser um bom exemplo, lembramos o entendimento do STF que declarou inconstitucional a proibição ou restrição, por meio de lei municipal, do transporte individual de passageiro po motoristas cadastrados em aplicativos (e.g. Uber, Cabify, 99 Táxi, Lyft, etc).”

(LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 24 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 1566 - grifei)

Com maior profundidade e abrangência sobre os influxos do subprincípio da livre iniciativa , chamo à colação excertos da doutrina constitucionalista de LUÍS ROBERTO BARROSO, Ministro do STF, verbis:

“O princípio da livre iniciativa, por sua vez, pode ser decomposto em alguns elementos que lhe dão conteúdo, todos eles desdobrados no texto constitucional. Pressupõe ele, em primeiro lugar, a existência de propriedade privada, isto é, de apropriação particular dos bens e dos meios de produção ( CF, arts. 5.º, XXII, e 170, II). De parte isto, integra, igualmente, o núcleo da idéia de livre iniciativa a liberdade de empresa, conceito materializado no parágrafo único do art. 170, que assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização, salvo nos casos previstos em lei. Em terceiro lugar situa-se a livre concorrência, lastro para a faculdade de o empreendedor estabelecer os seus preços, que hão de ser determinados pelo mercado, em ambiente competitivo ( CF, art. 170, IV). Por fim, é da essência do regime de livre iniciativa a liberdade de contratar, decorrência lógica do princípio da legalidade, fundamento das demais liberdades, pelo qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei ( CF, art. 5.º, II).

(...)

Cabe, nesse passo, uma breve anotação sobre a teoria dos princípios e como eles se inserem na ordem jurídica como um todo. Como já assinalado, nenhum princípio é absoluto. O princípio da livre iniciativa, portanto, assim como os demais, deve ser ponderado com outros valores e fins públicos previstos no próprio texto da Constituição. Sujeita-se, assim, à atividade reguladora e fiscalizadora do Estado, cujo fundamento é a efetivação das normas constitucionais destinadas a neutralizar ou reduzir as distorções que possam advir do abuso da liberdade de iniciativa e aprimorar-lhe as condições de funcionamento.

( ... )

A ponderação é a técnica utilizada para a neutralização ou atenuação da colisão de normas constitucionais. Destina-se a assegurar a convivência de princípios que, caso levados às últimas conseqüências, acabariam por se chocar. É o que acontece, e.g., com a liberdade de expressão e o direito à vida privada e à honra ou com o direito à propriedade e sua função social. É evidente, entretanto, que a ponderação encontra limites no conteúdo próprio e típico de cada princípio. Não fosse assim, a interpretação constitucional seria um mero jogo de palavras sem conteúdo e sem valor. Bastaria afirmar que se está" ponderando "um determinado princípio para, por essa expressão mágica, o intérprete encontrar-se autorizado a transgredir livremente o que o princípio determina.

(...)

Cabe ao Estado fiscalizar o regular atendimento, pela iniciativa privada, dos princípios de funcionamento da ordem econômica. No desempenho dessa competência, deverá editar normas coibindo abusos contra o consumidor, prevenindo danos à natureza ou sancionando condutas anticoncorrenciais, para citar alguns exemplos. Ao traçar essa disciplina, deverá o Poder Público, como natural, pautar-se no quadro da Constituição, tendo como vetor interpretativo os fundamentos do Estado e da ordem econômica: livre iniciativa e valorização do trabalho.

(...)

Cabe ao Estado, do mesmo modo, a responsabilidade de implementação dos princípios-fins contidos no art. 170, sempre visando a assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. No desempenho de tal atribuição, compete-lhe, por exemplo, levar a efeito programas que promovam a redução da desigualdade ou que visem ao pleno emprego. Ao mesmo tempo, é dever do Estado, como agente da ordem econômica, criar mecanismos de incentivo que estimulem a iniciativa privada a auxiliar na consecução desses mesmos fins.”

(BARROSO, Luis Roberto. A Ordem Econômica Constitucional e os Limites à Atuação Estatal no Controle de Preços. Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos | vol. 2 | p. 1231 - 1260 | Jun / 2011 | DTR\2002\106 - grifos meus)

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sufraga a aplicação do subprincípio da livre iniciativa nas relações de ordem econômica.

Neste norte, o julgamento da ADI 1950, pelo Tribunal Pleno do STF (DJ XXXXX-06-2006), sob a relatoria do Min. EROS GRAU, é paradigmático no tema, ao tratar da necessidade de interpretação ampla e abrangente dos princípios e preceitos da Carta Política de 1988, verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.844/92, DO ESTADO DE SÃO PAULO. MEIA ENTRADA ASSEGURADA AOS ESTUDANTES REGULARMENTE MATRICULADOS EM ESTABELECIMENTOS DE ENSINO. INGRESSO EM CASAS DE DIVERSÃO, ESPORTE, CULTURA E LAZER. COMPETÊNCIA CONCORRENTE ENTRE A UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS E O DISTRITO FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO ECONÔMICO. CONSTITUCIONALIDADE. LIVRE INICIATIVA E ORDEM ECONÔMICA. MERCADO. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA. ARTIGOS , , 170, 205, 208, 215 e 217, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais.

2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170.

3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da"iniciativa do Estado"; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa.

4. Se de um lado a Constituição assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [artigos 23, inciso V, 205, 208, 215 e 217 § 3º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário.

5. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de complementar a formação dos estudantes. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.

( ADI 1950, Relator (a): EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 03/11/2005, DJ XXXXX-06-2006 PP-00004 EMENT VOL-02235-01 PP-00052 LEXSTF v. 28, n. 331, 2006, p. 56-72 RT v. 95, n. 852, 2006, p. 146-153) [grifos meus]

De onde também se extrai, verbis:

“A ordem econômica ou Constituição econômica pode ser definida, enquanto parcela da ordem jurídica, mundo do dever ser, como sistema de normas que define, institucionalmente, determiando modo de produção econômica. A ordem econômica diretiva contemplada na Constituição de 1.988 propõe transformação do mundo do ser. Diz o seu art. 170 que a ordem econômica [mundo do ser] deverá estar fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa e deverá ter por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditmes da justiça social, observados determiandos princípios. É Constituição diretiva. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170. Os fundamentos e os fins definidos em seus artigos 1º e 3º são os fundamentos e os fins da sociedade brasileira.

(...)

Os preceitos atinentes à ordem econômica contidos em nossa Constituição não podem ser interpretados isoladamente, destacados da totalidade que o texto constitucional é.”

Ainda neste sentido, colaciono precedentes jurisprudenciais do STF que tratam da aplicação do princípio da livre iniciativa à relações econômicas, verbis:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.737/2004, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. GARANTIA DE MEIA ENTRADA AOS DOADORES REGULARES DE SANGUE. ACESSO A LOCAIS PÚBLICOS DE CULTURA ESPORTE E LAZER. COMPETÊNCIA CONCORRENTE ENTRE A UNIÃO, ESTADOS-MEMBROS E O DISTRITO FEDERAL PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO ECONÔMICO. CONTROLE DAS DOAÇÕES DE SANGUE E COMPROVANTE DA REGULARIDADE. SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE. CONSTITUCIONALIDADE. LIVRE INICIATIVA E ORDEM ECONÔMICA. MERCADO. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA. ARTIGOS , , 170 E 199, § 4º DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

1. É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. Muito ao contrário.

2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170.

3. A livre iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da"iniciativa do Estado"; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa.

4. A Constituição do Brasil em seu artigo 199, § 4º, veda todo tipo de comercialização de sangue, entretanto estabelece que a lei infraconstitucional disporá sobre as condições e requisitos que facilitem a coleta de sangue.

5. O ato normativo estadual não determina recompensa financeira à doação ou estimula a comercialização de sangue.

6. Na composição entre o princípio da livre iniciativa e o direito à vida há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário.

7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.

( ADI 3512, Relator (a): EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 15/02/2006, DJ XXXXX-06-2006 PP-00003 EMENT VOL-02238-01 PP-00091 RTJ VOL-00199-01 PP-00209 LEXSTF v. 28, n. 332, 2006, p. 69-82)

...................................................................................

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS. TRR. REGULAMENTAÇÃO DL 395/38. RECEPÇÃO. PORTARIA MINISTERIAL. VALIDADE.

1. O exercício de qualquer atividade econômica pressupõe o atendimento aos requisitos legais e às limitações impostas pela Administração no regular exercício de seu poder de polícia, principalmente quando se trata de distribuição de combustíveis, setor essencial para a economia moderna.

2. O princípio da livre iniciativa não pode ser invocado para afastar regras de regulamentação do mercado e de defesa do consumidor.

3. O DL 395/38 foi editado em conformidade com o art. 180 da CF de 1937 e, na inexistência da lei prevista no art. 238 da Carta de 1988, apresentava-se como diploma plenamente válido para regular o setor de combustíveis. Precedentes: RE 252.913 e RE 229.440.

4. A Portaria 62/95 do Ministério de Minas e Energia, que limitou a atividade do transportador-revendedor-retalhista, foi legitimamente editada no exercício de atribuição conferida pelo DL 395/38 e não ofendeu o disposto no art. 170, parágrafo único, da Constituição.

5. Recurso extraordinário conhecido e provido.

( RE XXXXX, Relator (a): ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 14/06/2005, DJ XXXXX-08-2005 PP-00119 EMENT VOL-02199-06 PP-01118 LEXSTF v. 27, n. 321, 2005, p. 309-314) - [grifos meus]

No mesmo sentido, vem a calhar o magistério de GIOVANI AGOSTINI SAAVEDRA, ao tratar do subprincípio da livre concorrência, verbis:

“O princípio da livre concorrência é um dos fundamentos da chamada Constituição Econômica brasileira”.

Segundo Ortiz, “se entende por ‘Constituição Econômica’ (...) o conjunto de princípios, critérios, valores e regras fundamentais que presidem a vida econômico-social de um país, segundo uma ordem que se encontra reconhecida na Constituição.

Em sentido estrito, explica Canotilho, o termo deve ser entendido como “o conjunto de disposições constitucionais que dizem respeito à conformação da ordem fundamental da economia.”

O entendimento, porém, de que a CF/88 institutiu uma Constituição Econômica não pode, por outro lado, implicar um rompimento da unidade da Constituição, muito menos significar que ela contenha também uma decisão econômica fundamental.

Por exemplo, em que pese o princípio da livre concorrência seja um dos pilares do liberarlismo econômico, não parece correto afirmar que a CF/88 seja essencialmente liberal.

Pelo contrário, a “Constituição Econômica” brasileira tem gerado debates ainda não conclusos sobre a sua “decisão fundamental”, e existe uma tendência de muitos autores em classificá-la como Constituição Dirigente, ou seja, como aquelas Constituições que “não se bastam em conceder-se como mero ‘instrumento de governo’, mas, além disso, enunciam diretrizes, programas e fins a serem pelo Estado e pela sociedade realizados.“

(CANOTILHO, J.J. Gomes; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz; MENDES, Gilmar Ferreira. Comentários à Constituição do Brasil. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 1898/1899)

Ainda no tema, GIOVANI AGOSTINI SAAVEDRA destaca, verbis:

“Mais importante, porém, do que se tentar, neste breve comentário, colocar um ponto final neste debate, é fixar o entendimento de que a livre concorrência deve ser vista como um princípio, cuja eficácia depende de sua harmonia com os demais princípios, regras e valores da Constituição Econômica, sendo que esta deve ser entendida como concretização da CF/88 como um todo no âmbito econômico.

Em doutrina, tem-se entendido, por conseguinte, que a concorrência é meio, instrumento para o alcance de outro bem maior, que se consubstancia no caput do art. 170, ou seja: “assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social”. Na esteita desse entendimento, parece assistir razão à Ávila, que entende serem princípios “normas imediatamente finalísticas”.

Desta forma, a concretização do princípio da livre concorrência deve sempre significar, ao mesmo tempo, concretização do seu telos. Sendo assim, parace clara a relação direta que se estabelece entre a livre concorrência e a Dignidade da Pessoa: trata-se de relação teleológica, dado que o caput trata especificamente da “existência digna” como telos da ordem econômica. Como bem definiram Grau e Forgioni, “os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência são instrumentais da promoção da dignidade humana.

A Constituição do Brasil, em seu todo, persegue objetivos mais amplos e maiores do que, singularmente, o do livre mercado”. Reforça-se, assim, a ideia, de que a Constituição Econômica não se limita ao disposto nos arts. 170 e seguintes, mas deriva de uma concretização da Constituição como um todo no âmbito econômico.”

“(CANOTILHO, J.J. Gomes; SARLET, Ingo Wulfgang; STRECK, Lenio Luiz; MENDES, Gilmar Ferreira. Comentários à Constituição do Brasil. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 1898/1899)

Ainda nesta toada, concluindo a abordagem sobre a aplicação do princípio da livre concorrência, SAAVEDRA destaca que, “Compreendido o fim da livre concorrência, deve-se definir qual é a sua relação com os demais princípios da ordem econômica, como, por exemplo, os incisos V (Defesa do Consumidor) e VI (Defesa do Meio Ambiente). Para compreender essa relação é necessário, primeiramente, fixar o entendimento de que, no fundo, sempre que se discute a aplicação do princípio da livre concorrência está-se discutindo em que medida o Estado pode intervir na economia, pois parece claro que a CF/88 pretende apenas permitir a intervenção estatal quando o telos da livre concorrência não estiver sendo cumprido (ver, a esse respeito: REsp XXXXX/DF (Dje, de 14.12.2010) ou quando outro princípio da ordem econômica estiver sendo lesado, como é o caso do inciso V do Art. 170 da CF/88 que trata do Direito do Consumidor. Nesse sentido, manifestou-se o STJ, por exemplo, ao afirmar que sempre que a intervenção estatal envolver restrição a princípios fundamentais da ordem conômica e da ordem social, tem o Estado o dever de fundamentar essa intervenção ( REsp XXXXX/RS – Dje, de 15/12/2008). Como se vê, o princípio da livre concorrência não pode ser considerado como um fim em si mesmo, mas deve sempre ser compreendido em relação com os demais princípios, valores, regras e normas fundamentais da CF/88.” (CANOTILHO, J.J. Gomes; SARLET, Ingo Wolfgang; STRECK, Lênio Luiz; MENDES, Gilmar Ferreira. Comentários à Constituição do Brasil. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 1898/1899)

14. Anoto que a Municipalidade de São Gabriel/RS bem andou e está coberta de razões preventivas ao chamar à sua ordem normativa local ( CRFB, art. 30, I e II), nas balizas fixadas pelo Tribunal Pleno do STF, o transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros usuários de plataformas/aplicativos digitais, uma vez que o § 6º do art. 37 da Carta da Republica estabelece, mandatoriamente, a sua responsabilidade civil objetiva na matéria, também legislada, nos mesmos termos, no art. 43 do Código Civil de 2002, respectivamente, verbis:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

(...)."

......................................................

"Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, , se houver, por parte destes, culpa ou dolo."

Destarte, à luz das relações de Direito Privado afetas à aplicação dos princípios constitucionais retro referenciados, impende analisar os campos jurídico-normativos regulatórios da responsabilidade civil contratual e extracontratual em face dos ilícitos civis, administrativos e criminais na seara dos empreendimentos privados de transporte de pessoas por aplicativos/plataformas digitais dotados de interesse público-estatal.

À partida, de novo chamo à colação o magistério de CRISTIANO CHAVES DE FARIAS, FELIPE PEIXOTO BRAGA NETTO e NELSON ROSENVALD, que, no âmbito da responsabilidade civil objetiva, prelecionam que, "aquele que delibera por assumir o risco inerente a uma atividade deverá se responsabilizar por todos os danos dela decorrentes, independentemente da existência de culpa. Se a opção do agente é de ousar e se aventurar, necessariamente arcará com os custos relacionados à trasladação dos danos sofridos pela vítima, sem se considerar a licitude ou ilicitude da conduta. A teoria do risco representa profunda ruptura da responsabilidade civil aquiliana herdada do direito romano e, de certa forma, um retorno às origens". E prosseguem no seu magistério ao asserir que" O corte epistemológico é evidente! Com a teoria do risco o sistema de responsabilidade civil introduz um acento de justiça a uma concepção que só privilegiava a liberdade do agente e a segurança jurídica sob um viés imobilista de tutela de direito de propriedade. A partir do momento em que a teoria objetiva liberta o acesso à reparação de danos do filtro da culpa, delibera por aceitar a ideia de que mesmo se o caso concreto não demonstrar a prática do comportamento antijurídico, em certas circunstâncias será socialmente mais justo atribuir o pagamento de indenização àquele que administra o risco da atividade . Perfeitamente assimiláveis se tornam as sentenças: "quem aufere o bônus, suporta o ônus"; "quem aufere o cômodo, suporta o incômodo". (FARIAS, Cristiano Chaves de. NETTO, Felipe Peixoto Braga. ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. 4.ed. São Paulo:Saraiva Educação, 2019, p. 607/608) - (grifos meus)

É neste contexto que o embrião da teoria do risco criado decorre da cisão ampliada da teoria do risco proveito.

Na lição de FARIAS, BRAGA NETTO e ROSENVALD, " o dever de reparar não se subordina ao pressuposto da vantagem, pois o que se encara é a atividade em si mesma, independentemente do resultado bom ou mau que dela advenha para o agente. A ideia fundamental dela pode ser simplificada, ao dizer que " cada vez que uma pessoa, por sua atividade, cria um risco para outrem, deverá responder por suas consequências danosas " . A teoria do risco importa em ampliação do conceito do risco proveito . Aumentando os encargos do agente: é, porém, mais equitativa para a vítima, que não tem de provar que o dano resultou de uma vantagem ou de um benefício obtido pelo causador do dano. Deve este assumir as consequências de sua atividade. Tudo se resume então a um problema de causalidade ". (FARIAS, Cristiano Chaves de. NETTO, Felipe Peixoto Braga. ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. 4.ed. São Paulo:Saraiva Educação, 2019, p. 612) (grifos meus).

Nesta moldura, a teoria do risco criado encontra regência regulatória na terceira parte do enunciado multifuncional do parágrafo único do art. 927 do CC, verbis:

“Art. 927 . Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único . Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

A redação atribuída à cláusula final (teoria do risco criado) do parágrafo único o do art . 927 7 do CC C introduz a cláusula geral do risco da atividade nos lindes da responsabilidade civil objetiva e estabelece diretrizes mínimas que deverão ser observadas no desempenho da atividade privada empreendedora. A cláusula geral do risco da atividade possibilita uma constante atualização, leitura e releitura do seu conteúdo, como forma de assegurar uma eficácia jurídico-normativa social flexível, contemporânea, atualizada e dotada de capacidade para absorver e regular as inovações - inclusive tecnológicas - e as velocidades vertiginosas das sociedades de massa no século XXI, configurando uma técnica instrumental típica de sistemas jurídico-normativos abertos, que legislam mediante as técnicas legisferantes dos conceitos indeterminados, princípios e cláusulas gerais de tutela.

Chamo à colação, de novo, o magistério de CRISTIANO CHAVES DE FARIAS, FELIPE PEIXOTO BRAGA NETTO e NELSON ROSENVALD sobre o tema, verbis: "As cláusulas gerais , como cediço, são normas de conteúdo vago, impreciso, que remetem o seu preenchimento a princípios e direitos fundamentais . A abertura dessas normas de forte carga semântica permite a constante atualização de seu conteúdo e impede que o passar dos anos deteriore a sua eficácia social , eis que os " riscos da atividade "invariavelmente serão aqueles que a doutrina e os tribunais considerem pertinentes em cada contexto, oscilando conforme tempo e espaço ". (FARIAS, Cristiano Chaves de. NETTO, Felipe Peixoto Braga. ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. 4.ed. São Paulo:Saraiva Educação, 2019, p. 623/625 - grifos meus)

Neste quadrante, os autores em epígrafe continuam lecionando que "A diretriz de operabilidade pretende que as normas do Código Civil sejam munidas de concretude , em razão dos elementos de fato e valor que devem ser levados em consideração na enunciação e na aplicação da norma. (...) O nexo de imputação da obrigação objetiva de indenizar será duplo: a lei ou o risco da atividade. Lembramos que o nexo de imputação é a razão pela qual se atribui a alguém a obrigação de indenizar . Caso se concedesse ao legislador o monopólio da formulação de fattispecies em que se dispensasse o ato ilícito como nexo de imputação da reparação de danos, a teoria objetiva manteria a sua posição de subserviência perante a responsabilidade subjetiva. Isso nos parece evidente. A ciência é a lebre e o direito a tartaruga! Não precisamos recorrer às fábulas de Esopo para evidenciar que a sociedade tecnológica da pós-modernidade alargou o risco da atividade potencialmente danosa para a sociedade . Em paralelo a todos os benefícios e comodidades propiciados pela capacidade de inovação humana, evidencia-se que a vida humana se tornou uma incessante luta contra o impacto potencialmente incapacitante dos perigos, genuínos ou supostos, que nos tornam temerosos ". E prosseguem dizendo que, "Mediante a cláusula geral de risco de atividade surge uma zona mais ampla de proteção em face dos perigos calculáveis emanados de atividades potencialmente danosas. Mesmo que o legislador, a priori, não tenha previsto as consequências indesejáveis de certa atividade, poderá a vítima alicerçar a sua pretensão na teoria objetiva, caso reste demonstrado o liame de causalidade entre o risco da atividade e o dano injusto. A cláusula geral se abre para acomodar as transformações para o futuro. Conforme disciplina a parte final do parágrafo único do art. 927 , para que se condene o agente à reparação de danos patrimoniais ou extrapatrimoniais na ausência de norma, será necessário o preenchimento da cláusula geral a fim de que se evidencie que a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano concretamente implica, por sua natureza, risco para os direitos de outrem ". (FARIAS, Cristiano Chaves de. NETTO, Felipe Peixoto Braga. ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. 4.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 623/625 - grifos meus)

Ainda no ponto, os autores em epígrafe chamam à colação a doutrina de ALEXANDRE BONNA, segundo a qual "a responsabilidade objetiva revela um núcleo relacional de direitos de responsabilidades de primeira e segunda ordem em relação aos quais, em atividades de risco, os idealizadores, realizadores e aproveitadores desses empreendimentos devem suportar todas as perdas que causem às pessoas afetadas, tal como se fosse um preço a pagar para continuar desempenhando determinados papéis . Em outras palavras, o dever de indenizar pode ser aferido preteritamente à ocorrência do dano como correlativo ao direito a não ser lesado em determinados interesses juridicamente protegidos. Tal fundamento relacional também se apoia na ideia de que na responsabilidade objetiva há um desequilíbrio anterior ao dano calcado na produção de um risco pelo ofensor em relação à vítima, que não é recíproco. As vítimas serão expostas a esse risco desproporcional, de modo que, caso esse risco se consume e materialize, quando de fato o ofensor podia e deveria desenvolver medidas adequadas, deve ser obrigado a indenizar de modo a equilibrar uma relação marcada pela injustiça e desiquilíbrio em seu nascedouro ". (BONNA, Alexandre. Indenização punitiva e responsabilidade objetiva no Brasil, p. 105 - grifos meus).

No que respeita à diretriz de operabilidade, MIGUEL REALE destaca que “o princípio da operabilidade leva , também, a redigir certas normas jurídicas, que são normas abertas, e não normas cerradas , para que a atividade social mesma, na sua evolução, venha a alterar-lhe o conteúdo através daquilo que denomino "estrutura hermenêutica" . Porque, no meu modo de entender, a estrutura hermenêutica é um complemento natural da estrutura normativa . E é por isso que a doutrina é fundamental, porque ela é aquele modelo dogmático, aquele modelo teórico que diz o que os demais modelos jurídicos significam.” (REALE, Miguel. Visão Geral do Projeto do Código Civil. Disponível em http://www.miguelreale.com.br/artigos/vgpcc.htm Acesso em 10/05/2021 - grifei)

Nesta moldura e perspectiva, MIGUEL REALE refere que “São previstas, em suma, as hipóteses, por assim dizer, de ‘indeterminação do preceito’, cuja aplicação in concreto caberá ao juiz decidir, em cada caso ocorrente, à luz das circunstâncias correntes . (...) Somente assim se realiza o direito em sua concretude, sendo oportuno lembrar que a teoria do Direito concreto , e não puramente abstrato, encontra apoio de jurisconsultos do porte de Engisch, Betti, Larenz. Esses e muitos outros, implicando maior participação decisória conferida aos magistrados. Como se vê, o que se objetiva alcançar é o Direito em sua concreção, ou seja, em razão dos elementos de fato e de valor que devem ser sempre levados em conta na enunciação e na aplicação da norma .” (REALE, Miguel. Visão Geral do Projeto do Código Civil. Disponível em http://www.miguelreale.com.br/artigos/vgpcc.htm Acesso em 10/05/2021 - grifei)

Destarte, com a aplicação do princípio e diretriz da operabilidade à teoria do risco objetivo, é possível ampliar a proteção dos agentes expostos aos riscos inerentes às atividades mais modernas e inovadoras, por intermédio da aplicação de conceitos indeterminados, princípios e cláusulas gerais dotados, necessariamente, de preceitos abertos, flexíveis, polissêmicos, capazes de absorver as inovações sociais passíveis de regulação no ordenamento jurídico-normativo.

A propósito da teoria do risco, FELIPE PEIXOTO BRAGA NETTO ressalta que “ Os riscos do progresso e dos avanços científicos e tecnológicos, em geral, são suportados pelas pessoas mais vulneráveis, socialmente mais fracas. E quase ninguém se lembra que, historicamente, a responsabilidade civil se insurgiu contra isso, buscando meios e formas de proteger os mais vulneráveis. Lembremos, a propósito, da teoria do risco (Código Civil, art. 927, parágrafo único ). Não é demasiado lembrar que a teoria do risco surgiu na França justamente para amparar trabalhadores, crescentemente vitimados por acidentes de trabalho, que resultavam sem reparação, pois a sistemática clássica, fundada na culpa, tornava difícil, quase impossível - a chamada “culpa diabólica” -, o sucesso da ação de responsabilidade civil. Em síntese esclarecedora, Lorezentti lembra que “a responsabilidade civil baseada na imputação culposa se assemelha a um edifício dotado de portas difíceis de serem abertas: somente quem demonstre a culpa, pode obter a reparação”. (LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos de Direito Privado. São Paulo: RT, 1998, p. 96 - grifos meus)

Neste compasso, FARIAS, BRAGA NETTO e ROSENVALD concluem que o dever de indenizar do prestador do serviço em relação ao risco da atividade não deve ser restrito à vida e à integridade da vítima, verbis: " Se entendermos que uma cláusula geral desse jaez deva estabelecer imediata conexão com a tutela da dignidade humana, nada mais natural do que considerar que o risco da atividade é suscetível de ofender situações jurídicas patrimoniais e existenciais do indivíduo . Não se cuida tão somente de uma atividade de inerente potencial lesivo para a incolumidade econômica ou psicofísica de vítimas em potencial, mas também pela sua natural aptidão de vilipendiar a honra, intimidade, liberdade e outros bens jurídicos inerentes à personalidade humana . Nesse diapasão, afigura-nos adequado o teor do Enunciado n. 555 do Conselho de Justiça Federal:"Os 'direitos de outrem' mencionados no parágrafo único do art. 927 do Código Civil devem abranger não apenas a vida e a integridade física, mas também outros direitos, de caráter patrimonial ou extrapatrimonial" . (FARIAS, Cristiano Chaves de. NETTO, Felipe Peixoto Braga. ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. 4.ed. São Paulo:Saraiva Educação, 2019, p. 629 - grifei)

Ainda no tema, os autores em epígrafe prelecionam, magistralmente, que, "Em termos paradigmáticos, sabemos que a quase totalidade de eventos lesivos desencadeados por atividades serão emanados de empresas, seja o agente um empresário individual ou coletivo (pessoa jurídica). Decisivamente, o instinto da empresa é forjado pelo binômio iniciativa/risco. Sendo a sua atuação invariavelmente vinculada a um mercado, suportará o bônus e o ônus, o cômodo e o incômodo. Outrossim, temos a convicção que a empresa é o agente econômico que possui as condições necessárias para absorver o abalo negativo de obrigações objetivas de indenizar. Pelo fato de deter uma estrutura voltada à introdução massificada e impessoal de produtos e serviços no mercado, os danos são estatisticamente previsíveis e o impacto das condenações será mitigado ou mesmo neutralizado pela técnica da securitização privada, ou pela internalização dos prejuízos pela via da socialização dos custos do produto ."(FARIAS, Cristiano Chaves de. NETTO, Felipe Peixoto Braga. ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. 4.ed. São Paulo:Saraiva Educação, 2019, p. 632 - grifos meus)

Neste passo, os doutrinadores em tela afirmam que, "Para fins de restauração do equilíbrio desfeito pela lesão, a teoria objetiva é extremamente positiva no sentido de reduzir a duração do litígio e gerar efetividade. Nesses termos, na comparação entre a teoria do risco proveito e a do risco criado , em termos de eticidade , esta última é superior , pois expande a proteção das situações existenciais da pessoa humana, deferindo a obrigação objetiva de indenizar mesmo que os danos não tenham sido produzidos no exercício de uma atividade empresarial ". (FARIAS, Cristiano Chaves de. NETTO, Felipe Peixoto Braga. ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. 4.ed. São Paulo:Saraiva Educação, 2019, p. 633) (grifos meus)

No ponto, com notável percuciência, FARIAS, BRAGA NETTO e ROSENVALD deduzem as seguintes indagações, verbis:"Qual seria o potencial de risco de uma atividade que justifique uma imputação objetiva de danos ao agente? Quais serão as circunstâncias não aleatórias que legitimam o sistema privado ir além da responsabilidade subjetiva para proporcionar às vítimas a superação do filtro da culpa?"

Na sequência, os autores em tela prosseguem o exame da teoria do risco criado pela particular potencialidade lesiva da atividade, verbis: "Quando o dispositivo legal em comento enuncia que a atividade implica risco, 'por sua natureza', oferece importante subsídio. Isso significa que o risco é um dado da essência da atividade, tratando-se de uma qualidade preexistente e intrínseca a ela. Isso significa que por mais que o empreendedor atue de forma diligente, a atividade, por sua própria natureza ou pela natureza dos meios empregados, produz um alto índice de danosidade. O responsável pela reparação será a pessoa que empreende, seja por dirigir ou apenas organizar a atividade, disciplinando os meios e mecanismos de sua execução. Através de seus subordinados - aqueles que desempenham a atividade mediante ordens ou instruções -, será possível identificar o responsável e lhe atribuir a obrigação objetiva de indenizar". (FARIAS, Cristiano Chaves de. NETTO, Felipe Peixoto Braga. ROSENVALD, Nelson. Novo Tratado de Responsabilidade Civil. 4.ed. São Paulo:Saraiva Educação, 2019, p. 635-636)

E concluem, verbis: " não é exata a mençã o à expressão atividade de risco , mas sim risco da atividade . A adoção daquela causa a errônea noção de que o agente poderia ter atuado de forma vigilante e responsável, mas deliberou por converter a sua atividade em uma 'atividade de risco'. Mais uma vez, por um paradoxo, alcançaríamos a teoria subjetiva. Porém, o risco não se situa no desempenho bom ou ruim da iniciativa por A, B ou C, mas no 'risco inerente' à própria atividade. Isto é, tanto faz se a empresa é conduzida por uma ou outra pessoa, pois é da própria natureza daquela atividade que se produzam danos em escala anormal, em comparação com outras atividades realizadas no mercado ". (FARIAS, Cristiano Chaves de. NETTO, Felipe Peixoto Braga. ROSENVALD, Nelson. Op. et loc. cit., p. 636 - grifos meus)

O magistério de JUDITH MARTINS-COSTA segue na mesma toada, ensinando que," Se aquele que atua na vida jurídica desencadeia uma estrutura social que, por sua própria natureza, é capaz de pôr em risco os interesses e direitos alheios, a sua responsabilidade passa a ser objetiva. Em outras palavras, é a noção metajurídica de 'atividade normalmente exercida pelo autor do dano, que implique risco', a ser necessariamente concretizada pelo intérprete, que definirá qual o regime aplicável à responsabilidade, constituindo esta norma a projeção da diretriz da solidariedade social ". (MARTINS-COSTA, JUDITH; BRANCO, GERSON LUIZ CARLOS. DIRETRIZES TEÓRICAS DO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO, op. cit., p. 75-76, p. 128) (grifos meus)

Nesta moldura concreta de responsabilidade civil objetiva sediada na parte final do enunciado do parágrafo único do art. 927 do CC/2002, entendo que as relações jurídicas estabelecidas no âmbito dos empreendimentos e serviços remunerados privados de transporte terrestre individual e compartilhado de passageiros usuários de plataformas/aplicativos digitais devem ser analisadas sob os fundamentos das cláusulas gerais de tutela centradas na teoria do risco criado e no princípio da boa-fé objetiva, no plano da responsabilidade civil objetiva, envolvendo, no que couber, o próprio Poder Público, os empreendimentos empresariais e os empreendedores privados.

14. Nesta ordem de ideias, tendo em mente as considerações lançadas sobre os princípios constitucionais que regulamentam a ordem econômica - notadamente o princípio da autonomia privada e os seus subprincípios da livre iniciativa e concorrência , da autonomia da vontade , da repressão ao abuso econômico e da responsabilidade civil contratual e extracontratual do transporte privado remunerado de passageiros em testilha -, nos lindes do art. 170 da Constituição Federal, passo a analisar o caso concreto deste processo constitucional objetivo estadual, pertinente às eventuais (in) constitucionalidades da Lei nº 4.108/2020, editada pelo Município de São Gabriel, que estabelece normas gerais para o serviço de transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros usuários previamente cadastrados em aplicativos digitais sediados na rede mundial de computadores ou outras plataformas de comunicação em rede.

Nesta moldura, à luz das teses fixadas pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal na edição do Tema 967, afasto o conceito de regulamentação vedada, para dar lugar ao de regulamentação limitada, cuja baliza será a legislação federal, notadamente, no caso sub judice, a Lei nº 12.587/2012 - com as alterações promovidas pela Lei nº 13.640/2018 -, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Vale dizer: A Corte Suprema fala em “regulação de menor intensidade”, não em ausência de regulação.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal chancela o entendimento de que compete à União Federal estabelecer as “diretrizes regulatórias” para o desenvolvimento da atividade no âmbito dos municípios.

De outro lado, a Corte Suprema assentou o entendimento de que tais diretrizes regulatórias poderão ser objeto de complementação pelo ente municipal, nas hipóteses que entender pertinentes e não contrariem as assentadas do Tema XXXXX/RG.

A questão guarda relação com as regras de organização político-administrativa e suas competências, previstas na Constituição Federal de 1988.

Nesta moldura legislativa e jurisprudencial vinculante, entendo que o ente municipal está expressamente autorizado a regulamentar e fiscalizar o serviço de transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros por aplicativos digitais sediados na rede mundial de computadores ou outras plataformas de comunicação em rede, desde que a legislação municipal não afronte os limites estabelecidos nos artigos 11-A e 11-B da Lei Federal nº 12.587/2012, tampouco o princípio constitucional da autonomia privada e suas inflexões mandatórias sobre os subprincípios – também constitucionais – da livre iniciativa e concorrência, da autonomia da vontade, da repressão ao abuso econômico e da responsabilidade civil contratual e extracontratual do transporte de passageiros em testilha , já tratados ao longo deste voto.

14.1. No caso concreto deste processo constitucional objetivo estadual, passo a examinar as disposições da Lei Municipal nº 4.108/2020 sob as três vertentes jurídico-normativas que deixei retro assentadas.

Nesta moldura, desde logo adianto que estou julgando parcialmente procedente a presente ação direta de inconstitucionalidade, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 4º, 7º, § 4º, 15, incisos I, alínea 'd', e II, alíneas 'a', 'd' e 'f', da Lei nº 4.108/2020, do Município de São Gabriel.

14.2. No tocante à obrigação imposta às autorizatárias do serviço de transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros usuários previamente cadastrados em aplicativos digitais sediados na rede mundial de computadores ou outras plataformas de comunicação em rede, quanto ao compartilhamento de dados necessários ao controle, a Lei nº 4.108/2020, do Município de São Gabriel, assim dispôs no seu art. 4º, verbis:

Art. 4º As autorizatárias do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros ficam obrigadas a abrir e compartilhar com o Município de São Gabriel, em tempo real e por intermédio da Secretaria Municipal de Segurança e Cidadania, os dados necessários ao controle e à regulação de políticas públicas de mobilidade urbana, garantida a privacidade e a confidencialidade dos dados pessoais dos usuários.

Parágrafo único. Os dados referidos no caput deste artigo devem conter, no mínimo:

I - origem e destino da viagem;

II - tempo e distância da viagem;

III - identificação do condutor que prestou o serviço;

IV - composição do valor pago pelo serviço prestado;

V - demais dados solicitados pela Secretaria Municipal de Segurança e Cidadania com o disposto no caput deste artigo.”

A exigência de compartilhamento de informações - origem e destino, tempo e distância, identificação do motorista, composição do valor do serviço, e demais dados solicitados -, em tempo real, é medida extrema que ultrapassa os limites da intervenção do Poder Público municipal nos domínios do princípio da autonomia privada e seus subprincípios retro enumerados, os quais são guiados pelos princípios do interesse público, da razoabilidade e da proporcionalidade.

Sob o prisma dos princípios constitucionais que regem esta espécie de relação de transporte privado dotado de interesse público, não há justificativa plausível para a intervenção do Poder Público nos domínios da autonomia privada e seus subprincípios da livre iniciativa e concorrência, razão pela qual impende reconhecer e declarar a sua inconstitucionalidade.

14.2. No mesmo norte, a disposição constante no § 4º do art. 7º, da Lei Municipal nº 4.108/2020, ultrapassa os limites da intervenção do Poder Público municipal nos domínios do princípio da autonomia privada e seus subprincípios retro enumerados, impendendo declarar a sua inconstitucionalidade, verbis:

“Art. 7º Compete às autorizatárias do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros:

(...)

§ 4º É vedado o cadastramento de um mesmo veículo para prestar o serviço de transporte individual privado remunerado de passageiros, por mais de um condutor.

(...)."

No caso, novamente entendo que não há justificativa para a intervenção do Poder Público nos domínios do princípio constitucional da autonomia privada e seus subprincípios já nominados.

Acresço que a vedação imposta no referido dispositivo legal afronta, ainda, o direito constitucional ao trabalho – fundamento da República, nos lindes do art. 1º, inc. IV, da CFRB/1988 -, bem assim a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa.

Com efeito. O cadastramento e a utilização de um mesmo veículo por mais de um condutor possibilita, na prática, que uma unidade familiar, por exemplo, possa se dedicar à atividade de transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros, utilizando como ferramenta de trabalho um mesmo automóvel.

Nos dias atuais, a atividade de transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros previamente cadastrados em aplicativos digitais sediados na rede mundial de computadores, ou outras plataformas de comunicação em rede, tornou-se a fonte principal de renda de muitas famílias brasileiras, e obstar o cadastramento de mais de um condutor para um único veículo significa impedir que estes cidadãos e seus

familiares possam buscar condições dignas de trabalho e sobrevivência.

Destarte, impende declarar a inconstitucionalidade do § 4º, do art. 7º, da Lei nº 4.108/2020, do Município de São Gabriel/RS.

14.3. Por fim, quanto ao cadastramento nas autorizatárias do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros, entendo que os dispositivos inscritos no art. 15, incisos I, alínea 'd', e II, alíneas 'a', 'd' e 'f', da Lei nº 4.108/2020, do Município de São Gabriel, são inconstitucionais, não desatando interesse público capaz de justificar a intervenção da Municipalidade nos domínios do princípio da autonomia privada e seus subprincípios retro referidos, impondo-se a sua declaração de inconstitucionalidade, verbis:

Art. 15. Para o cadastramento nas autorizatárias do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros deverão ser cumpridos os seguintes requisitos:

I - pelos condutores de veículos:

(...)

d) possuir Carteira de Licença Individual (CLI) fornecida pelo Órgão Municipal Executivo de Trânsito - OMETRAN, para cada prestador do serviço;

(...)

II - pelos veículos:

a) estar em nome do motorista cadastrado e na categoria particular ou locado em empresa regularmente constituída;

(...)

d) estar emplacado no Município de São Gabriel, exceto no caso de locação quando a empresa estiver sediada em outro Município;

(...)

f) cada veículo autorizado deverá obedecer à padronização visual estabelecida em Decreto Executivo.

(...)."

Neste norte, entendo que as disposições em tela são inconstitucionais, quando cotejadas com o princípio constitucional da autonomia privada e os seus subprincípios retro mencionados, não desatando interesse público capaz de justificar a intervenção da Municipalidade nos seus domínios.

Com efeito.

14.3.1. O art. 15, inciso I, alínea 'd', da referida Lei Municipal de São Gabriel/RS, exige que o condutor do veículo que presta o serviço de transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros titule a “Carteira de Licença Individual (CLI) fornecida pelo Órgão Municipal Executivo de Trânsito - OMETRAN, para cada prestador do serviço.”

No entanto, a Lei Federal de Mobilidade Urbana, no seu artigo 11-B, inciso I, estabelece como condição, ao motorista cadastrado perante as plataformas digitais de aplicativos de transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros, apenas e tão somente a apresentação da Carteira Nacional de Habilitação na"categoria B", ou superior, que contenha a informação de que exerce atividade remunerada.

Nesse passo, a exigência imposta na disposição sob comento afigura-se inconstitucional, porque desborda da regulamentação suplementar autorizada pelo STF, ao impor ao condutor do veículo o preenchimento de requisito superior àquele imposto na legislação federal de regência, não guardando nenhuma relação com o interesse local e não desatando interesse público capaz de autorizar, neste ponto, a intervenção da Municipalidade nos domínios do princípio constitucional da autonomia privada e seus subprincípios já nominados.

14.3.2. Padecem de idêntica inconstitucionalidade as disposições constantes das alíneas a, d e f, do art. 15 da Lei Municipal em tela, pois elas não justificam a intervenção do Poder Público nos domínios do princípio da autonomia privada e dos seus subprincípios já nominados.

A um, porque, de novo, afronta o direito constitucional ao trabalho – fundamento da República, nos lindes do art. 1º, inc. IV, da CFRB/1988 -, bem assim a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa.

A dois, porque a titularidade do veículo utilizado na prestação dos serviços, o local do seu emplacamento ou a padronização visual do automóvel não guardam mínima relação com a mobilidade urbana e o interesse local, a possibilitar que a legislação municipal condicione o cadastramento do motorista parceiro e seu veículo para a execução do serviço de transporte privado remunerado de passageiros.

15. Nesta ordem de ideias, tendo presente as três vertentes jurídico-normativas pertinentes

(a) à noção jurisprudencial vinculante, imponível erga omnes, firmada pelo Tribunal Pleno do STF sobre viéses do thema jurídico-normativo pertinente (a1) à mobilidade urbana terrestre nos limites territoriais do Município de São Gabriel/RS, (a2) aos empreendimentos e empreendedores do transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros previamente cadastrados em aplicativos digitais sediados na rede mundial de computadores, ou outras plataformas de comunicação em rede, dotados de interesse público-estatal municipal, e (a3) à regulação municipal do transporte remunerado privado de individual e compartilhado de passageiros previamente cadastrados em aplicativos digitais sediados na rede mundial de computadores, ou outras plataformas de comunicação em rede, na seara da responsabilidade civil contratual e extracontratual daí decorrente, respectivamente;

(b) à definição do significado, em substância funcionalizada, perante o Estado de Direito Democrático brasileiro, do princípio constitucional da autonomia privada ( CRFB, art. 170, IV), com as suas inflexões mandatórias sobre os subprincípios - também constitucionais - da livre iniciativa e concorrência, da autonomia da vontade, da repressão ao abuso econômico e da responsabilidade civil consectária ao transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros previamente cadastrados em aplicativos digitais sediados na rede mundial de computadores, ou outras plataformas de comunicação em rede; e, por fim,

(c) à definição dos campos jurídico-normativos regulatórios da responsabilidade civil contratual e extracontratual em face de ilícitos civis, administrativos e criminais na seara da responsabilidade civil consectária ao transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros previamente cadastrados em aplicativos digitais sediados na rede mundial de computadores, ou outras plataformas de comunicação em rede;

impende declarar a inconstitucionalidade, com redução de textos e eficácia ex tunc , dos artigos 4º, 7º, § 4º, 15, incisos I, alínea 'd', e II, alíneas 'a', 'd' e 'f', da Lei nº 4.108/2020, do Município de São Gabriel/RS, por extrapolarem os limites de intervenção do Poder Público nos domínios do princípio constitucional da autonomia privada e suas inflexões sobre os subprincípios – também constitucionais – da livre iniciativa e concorrência, da autonomia da vontade, da repressão ao abuso econômico e da responsabilidade civil contratual e extracontratual decorrente do transporte remunerado privado individual e compartilhado de passageiros previamente cadastrados em aplicativos digitais sediados na rede mundial de computadores, ou outras plataformas de comunicação em rede.

Renovando o pedido de máxima vênia aos entendimentos e orientações de voto em sentido diverso, estes são os fundamentos pelos quais, em parcial divergência, julgo parcialmente procedente a presente ação direta de inconstitucionalidade, para declarar a inconstitucionalidade, com redução de textos e eficácia ex tunc, dos artigos 4º, 7º, § 4º, e 15, incisos I, alínea 'd', e II, alíneas 'a', 'd' e 'f'', da Lei 4.108, de 05 /05/2020, do Município de São Gabriel/RS.

10. Diante do exposto, renovada vênia, o meu voto em parcial divergência é no sentido de julgar parcialmente procedente a presente ação direta de inconstitucionalidade e declarar a inconstitucionalidade, com redução de textos e eficácia ex tunc , dos artigos 4º, 7º, § 4º, e 15, incisos I, alínea 'd', e II, alíneas 'a', 'd' e 'f'', da Lei 4.108, de 05 /05/2020, do Município de São Gabriel/RS.

É o voto.

Des. Eduardo Uhlein

Peço vênia ao eminente Relator para divergir parcialmente de seu douto voto.

Cuida-se de examinar a constitucionalidade de diversos dispositivos da Lei Municipal nº 4.108, do Município de São Gabriel, e que objetiva regulamentar, no âmbito municipal, a atividade econômica de transporte privado individual remunerado, por aplicativos, de passageiros.

Relembro que o tema da constitucionalidade de lei municipal regulando o transporte por aplicativos foi inicialmente examinado por este Órgão Especial no ano de 2019, em julgado de que participei, em que reconhecida a parcial inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 12.162, de 09 de dezembro de 2016, do Município de Porto Alegre, em que, parcialmente, restei vencido (reconhecia a inconstitucionalidade em menor extensão do que a compreensão que acabou prevalecendo, por estreita maioria).

Nesse referido julgado (Ação Direta nº 70075503433, de relatoria da eminente Desembargadora Marilene Bonzanini, julgado em: 24-06-2019), restei vencido (em companhia da própria Relatora, entre tantos outros membros deste Colegiado), tanto quanto à constitucionalidade da taxa municipal de gerenciamento, naquele diploma legal instituído, assim como também quanto à própria autorização exigida pela Lei do Município de Porto Alegre para o exercício do transporte por aplicativos, havendo a douta maioria compreendido que a “subordinação do exercício do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros à previa autorização do poder público local (art. 2º, 11, II, d?, 22 e 39, da Lei Municipal nº 12.162/2016) conflita com valores sociais do trabalho e viola os princípios da livre iniciativa e livre concorrência, portanto, está eivada de inconstitucionalidade”.

No caso da Lei de São Gabriel, ora em análise, verifico que, a exemplo da Lei de Porto Alegre, há previsão de instituição de taxa de fiscalização e, igualmente, obrigação de compartilhamento de dados por parte da operadora da plataforma eletrônica (detentora do aplicativo para o serviço) com a Municipalidade (art. 4º da Lei em exame).

Quanto a esse último ponto (compartilhamento de dados), na esteira do que votei também no caso da Capital, tenho que há evidente inconstitucionalidade, na linha do que aqui também sustenta o voto do eminente Relator, de forma que, no ponto, estou acompanhando Sua Excelência.

Entretanto, o voto do eminente Relator reconhece a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei, que tem a seguinte redação:

Art. 3º- A exploração do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros dependerá de autorização do Município de São Gabriel, concedida por intermédio da Secretaria Municipal de Segurança e Cidadania às pessoas jurídicas operadoras de plataforma tecnológica, conforme critérios de credenciamento fixados nesta Lei e em seu regulamento.

Parágrafo único. A autorização do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros é restrita às operadoras de tecnologia responsáveis pela sua disponibilização.

Não vejo, em tais dispositivos, inconstitucionalidade, com a mais respeitosa vênia à respeitável compreensão diversa do eminente Relator.

Inobstante os seus doutos e percucientes argumentos, tenho que a resolução do tema da regulamentação municipal sobre o transporte privado individual de passageiros deve ser encaminhada a partir do que decidiu o Colendo Supremo Tribunal Federal, ainda em 2019, ao fixar, em repercussão geral, tese em que, desde logo, reconhece a constitucionalidade da Lei Federal nº 13.640/2018 (Tema 967) e em tal tese estabelece que os Municípios não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal no exercício de sua competência para regulamentação e fiscalização do transporte privado individual de passageiros.

A partir de tal compreensão da Suprema Corte, estabelecida em precedente vinculante, penso que toda a análise de constitucionalidade de leis municipais tratando de transporte privado individual de passageiros deve ser empreendida a partir dos parâmetros disciplinados pela lei federal, buscando verificar se e em que proporção o legislador municipal eventualmente desbordou dos limites fixados genericamente pela Lei Federal nº 12.587 e modificações posteriores.

Nesse sentido, destaco o que previsto na referida Lei nº 12.587 (e suas alterações), no que interessa ao tema em discussão:

Art. 4º Para os fins desta Lei, considera-se:

(...)

X - transporte remunerado privado individual de passageiros: serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede.

(...)

Art. 11-A. Compete exclusivamente aos Municípios e ao Distrito Federal regulamentar e fiscalizar o serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros previsto no inciso X do art. 4º desta Lei no âmbito dos seus territórios.

Parágrafo único. Na regulamentação e fiscalização do serviço de transporte privado individual de passageiros, os Municípios e o Distrito Federal deverão observar as seguintes diretrizes, tendo em vista a eficiência, a eficácia, a segurança e a efetividade na prestação do serviço:

I - efetiva cobrança dos tributos municipais devidos pela prestação do serviço;

II - exigência de contratação de seguro de Acidentes Pessoais a Passageiros (APP) e do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres ( DPVAT);

III - exigência de inscrição do motorista como contribuinte individual do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), nos termos da alínea h do inciso V do art. 11 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.

Art. 11-B. O serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros previsto no inciso X do art. 4º desta Lei, nos Municípios que optarem pela sua regulamentação, somente será autorizado ao motorista que cumprir as seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)

I - possuir Carteira Nacional de Habilitação na categoria B ou superior que contenha a informação de que exerce atividade remunerada; (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)

II - conduzir veículo que atenda aos requisitos de idade máxima e às características exigidas pela autoridade de trânsito e pelo poder público municipal e do Distrito Federal; (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)

III - emitir e manter o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV); (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)

IV - apresentar certidão negativa de antecedentes criminais. (Incluído pela Lei nº 13.640, de 2018)

Parágrafo único. A exploração dos serviços remunerados de transporte privado individual de passageiros sem o cumprimento dos requisitos previstos nesta Lei e na regulamentação do poder público municipal e do Distrito Federal caracterizará transporte ilegal de passageiros.

Assim, relativamente ao primeiro ponto, que diz respeito à necessidade de autorização do Poder Público Municipal para o exercício do serviço de transporte privado individual de passageiros, extraio do acima transcrito art. 11-B da Lei Federal nº 12.587/2012, incluído pela Lei Federal n. 13.640/2018, a expressão, inclusive literal, de autorização.

É certo que o diploma federal utiliza explicitamente essa expressão em relação ao motorista; entretanto, na medida em que estabelece a ilegalidade do serviço que não cumprir os requisitos previstos nessa Lei e, principalmente, quando, no art. 4º, X, é expressa em condicionar a condição regular de tal serviço à veiculação através de aplicativos cadastrados, parece evidente que o êxito da atividade fiscalizatória do Poder Público depende também de prévia autorização a ser conferida às próprias plataformas de comunicação em rede, às quais se vinculam os condutores a serem autorizados a partir da análise de suas condições pessoais e dos veículos utilizados na atividade de transporte.

Veja-se que o legislador federal estabeleceu uma série de condicionantes de cunho pessoal - possuir Carteira Nacional de Habilitação na categoria B, apresentar certidão negativa de antecedentes criminais e também formulou exigências mínimas para a atividade de transporte - veículo precisa ter características exigidas pela autoridade de trânsito e pelo poder público municipal...- o que, inequivocamente, pressupõe tanto a possibilidade de se estabelecer, na regulamentação municipal, a exigência de vistoria, assim como dá legitimidade e validade à estipulação de requisitos de idade máxima dos veículos fixados pela autoridade de trânsito e pelo poder público municipal, o que se compatibiliza perfeitamente com o dever de controle erigido pelo diploma impugnado acerca dos equipamentos utilizados no serviço de transporte privado individual de passageiros.

Afinal, se o Município, segundo a lei federal, declarada constitucional pelo STF, deve controlar e fiscalizar o exercício do transporte por aplicativo, e sua prestação deve ser realizada através de veículos que atendam às características definidas pelo legislador municipal, como poderá o ente municipal verificar se está havendo submissão às suas exigências senão examinando, por vistoria técnica, essa adequação e conformidade?

Nessa linha, na medida em que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o citado Tema 967 da Repercussão Geral, afirmou a possibilidade de os Municípios estabelecerem a fiscalização e a regulamentação do serviço nos limites dos parâmetros fixados pelo legislador federal na Lei nº 13.640/2018, tenho que se mostra harmônico com tal reconhecimento a possibilidade de que o exercício do poder regulamentador e fiscalizatório municipal inclua, dentre outras competências, a de verificar as condições pessoais dos motoristas, como está especificamente mencionado na Lei Federal, e também as condições do veículo quanto aos requisitos de idade e características fixadas pelo poder público municipal.

Com efeito, está estabelecida na própria Lei Federal a legitimidade da instituição de autorização ou credenciamento prévio, tanto do prestador do serviço e sua vinculação a aplicativo ou plataforma de comunicação em rede, bem como do equipamento que ele usará na prestação do serviço, inexistindo direito ao ingresso e ao exercício da atividade de prestação do serviço privado de transporte individual de passageiros sem a prévia autorização do Município quanto às condições pessoais do prestador e do veículo a ser utilizado, segundo os termos do referido art. 11-B da Lei Federal, placitado como constitucional pelo STF no julgamento do RE XXXXX (Tema 967).

A tal respeito, pondero, na linha do voto do Min Edson Facchin na ADPF 449, que não há atividade econômica que dispense a atividade regulatória do Estado.

Disse Sua Excelência, verbis, “a livre iniciativa não é incompatível com a atividade regulatória do Estado. Ao Estado não se veda aprimorar a legislação, ainda que, na prática, isso implique em equiparar o serviço intermediado pelas plataformas com o que é feito pelos taxistas. A interpretação do princípio da livre iniciativa não vai de e sim ao encontro da proteção dos bens jurídicos. Não se trata, assim, de definir se deve haver mais ou menos regulação, mas sim de assegurar que ela seja a melhor possível. A proteção dos direitos do consumidor e a garantia da segurança, pública e pessoal, estão a reclamar ação contundente do Estado, que deve equilibrar as parcelas de responsabilidade entre as empresas, o poder público, os consumidores e os trabalhadores. Sob essa perspectiva, é bastante ampla a liberdade de conformação que detém o legislador para promover a realização desses direitos. Pode ele tanto autorizar o funcionamento desses aplicativos, como proibi-los. Esse poder não deriva exclusivamente de uma regra prévia da definição do alcance de sua competência, mas da investigação minudente sobre os melhores meios de se atingir o fim constitucional de proteção dos direitos fundamentais. Só assim a livre iniciativa funcionaliza-se, isto é, fica à serviço daquilo que ela efetivamente promove: o aumento do bem-estar”.

Por isso é que, data venia, considero que a autorização estabelecida pelo legislador municipal se insere na previsão de competência regulamentadora do Município, outorgada pelo legislador federal e que o Supremo Tribunal Federal examinou e, desde logo, acabou por placitar em juízo de repercussão geral, chancelando sua constitucionalidade.

Nessa medida, competindo ao Município cadastrar os motoristas que realizarão o serviço de transporte por aplicativos, assim como ao Município igualmente sendo legítima a realização de vistorias para verificação da adequação e conformidade dos equipamentos a serem utilizados pelos condutores, afigura-se constitucional a instituição da taxa de fiscalização (art. 6º):

Art. 6º - Fica instituída a Taxa de Fiscalização, contrapartida obrigatória da pessoa jurídica autorizatária do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros, no valor mensal equivalente a 20 (vinte) Valor de Referencia Municipal (VRM`s) por veículo cadastrado para operar no Município de São Gabriel.

§ 1º Constitui fato gerador da Taxa de Fiscalização o exercício do poder de polícia administrativo pela Secretaria Municipal de Segurança e Cidadania, relacionado à autorização e à fiscalização operacional do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros.

§ 2º Considera-se sujeito passivo da Taxa de Fiscalização a pessoa jurídica autorizatária do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros.

§ 3º A Taxa de Fiscalização deverá ser recolhida mensalmente, em favor da Secretaria Municipal de Segurança e Cidadania, na condição de gestora da mobilidade urbana do Município de São Gabriel e fiscal do serviço de transporte motorizado privado e remunerado de passageiros.

§ 4º O prazo para o recolhimento da Taxa de Fiscalização é de até o 10º (décimo) dia do mês imediatamente posterior ao mês de referência.

Aliás, a tal respeito, tenho que se revela inconsistente o argumento utilizado pelo autor da ação, na inicial, referindo que haveria inconstitucionalidade na instituição da taxa por ser ela anterior ao serviço público previsto na Lei – quando, em verdade, a Taxa em questão é recolhida mensalmente, no mês posterior ao mês de referência, e não antes de ter início a atividade autorizada pelo Poder Público Municipal.

Os demais dispositivos impugnados – e afirmados inconstitucionais pelo douto voto do eminente Relator – referem-se à mesma questão acerca dos limites do atividade fiscalizatória do Poder Público Municipal.

Quanto aos demais dispositivos impugnados na ação, cuida-se de disciplinar requisitos e condicionantes para o condutor e para os veículos a serem utilizados no serviço de transporte por aplicativos, o que, como já apreciado neste voto, compatibiliza-se totalmente com a Lei Federal nº 12.587 e com a compreensão fixada pelo STF no Tema 967.

Assim, apenas quanto ao já apreciado art. 4º (compartilhamento de dados) renovada vênia, reconheço a inconstitucionalidade identificada no voto do eminente Relator

Isto posto, voto pela procedência parcial da ação, para que seja declarada a inconstitucionalidade unicamente do art. 4º da Lei Municipal nº 4.108/20 do Município de São Gabriel.

É como voto, com respeitosa vênia ao eminente Relator e aos que o acompanham.

Des. Voltaire de Lima Moraes

Com a devida vênia, em nome da necessária manutenção da estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência deste Colendo Órgão Especial (art. 926, caput, do CPC), estou acompanhando a divergência lançada pelo eminente Des. Eduardo Ulhein. Isso porque, em caso semelhante (ADI nº 70084389154), votei nesse mesmo sentido.

É o voto.

Des. Francisco José Moesch

Eminentes colegas, estou acompanhando integralmente o Relator.

Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal apreciou o tema 967 da repercussão geral e aprovou as seguintes teses:

1 – A proibição ou restrição da atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência.

2 – No exercício de sua competência para a regulamentação e fiscalização do transporte privado individual de passageiros, os municípios e o Distrito Federal não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal ( Constituição Federal, artigo 22, inciso XI).

O acórdão restou assim ementado:

Direito constitucional. Recurso Extraordinário. Repercussão Geral. Transporte individual remunerado de passageiros por aplicativo. livre iniciativa e livre concorrência. 1. Recurso Extraordinário com repercussão geral interposto contra acórdão que declarou a inconstitucionalidade de lei municipal que proibiu o transporte individual remunerado de passageiros por motoristas cadastrados em aplicativos como Uber, Cabify e 99. 2. A questão constitucional suscitada no recurso diz respeito à licitude da atuação de motoristas privados cadastrados em plataformas de transporte compartilhado em mercado até então explorado por taxistas. 3. As normas que proíbam ou restrinjam de forma desproporcional o transporte privado individual de passageiros são inconstitucionais porque: (i) não há regra nem princípio constitucional que prescreva a exclusividade do modelo de táxi no mercado de transporte individual de passageiros; (ii) é contrário ao regime de livre iniciativa e de livre concorrência a criação de reservas de mercado em favor de atores econômicos já estabelecidos, com o propósito de afastar o impacto gerado pela inovação no setor; (iii) a possibilidade de intervenção do Estado na ordem econômica para preservar o mercado concorrencial e proteger o consumidor não pode contrariar ou esvaziar a livre iniciativa, a ponto de afetar seus elementos essenciais. Em um regime constitucional fundado na livre iniciativa, o legislador ordinário não tem ampla discricionariedade para suprimir espaços relevantes da iniciativa privada. 4. A admissão de uma modalidade de transporte individual submetida a uma menor intensidade de regulação, mas complementar ao serviço de táxi afirma-se como uma estratégia constitucionalmente adequada para acomodação da atividade inovadora no setor. Trata-se, afinal, de uma opção que: (i) privilegia a livre iniciativa e a livre concorrência; (ii) incentiva a inovação; (iii) tem impacto positivo sobre a mobilidade urbana e o meio ambiente; (iv) protege o consumidor; e (v) é apta a corrigir as ineficiências de um setor submetido historicamente a um monopólio “de fato”. 5. A União Federal, no exercício de competência legislativa privativa para dispor sobre trânsito e transporte ( CF/1988, art. 22, XI), estabeleceu diretrizes regulatórias para o transporte privado individual por aplicativo, cujas normas não incluem o controle de entrada e de preço. Em razão disso, a regulamentação e a fiscalização atribuídas aos municípios e ao Distrito Federal não podem contrariar o padrão regulatório estabelecido pelo legislador federal. 6. Recurso extraordinário desprovido, com a fixação das seguintes teses de julgamento: “1. A proibição ou restrição da atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência; e 2. No exercício de sua competência para regulamentação e fiscalização do transporte privado individual de passageiros, os Municípios e o Distrito Federal não podem contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal ( CF/1988, art. 22, XI)”.

( RE XXXXX, Relator (a): ROBERTO BARROSO , Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-194 DIVULG XXXXX-09-2019 PUBLIC XXXXX-09-2019)

Os parâmetros da legislação federal foram dispostos na Lei nº 13.640, de 26 de março de 2018, que alterou a Lei nº 12.587/2012 (Política Nacional de Mobilidade Urbana), para regulamentar o transporte remunerado privado individual de passageiros.

Não há dúvidas de que cabe aos Municípios a regulamentação e fiscalização do serviço de transporte privado individual de passageiros. Contudo, entendo que qualquer dispositivo legal que estabelece a necessidade de prévia autorização do ente público para o exercício do serviço deve ser declarado inconstitucional, visto que se trata de atividade econômica baseada nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência.

Por essa razão, os arts. 3º, 15, II, e, 17, § 1º, e 30, da Lei nº 4.108/2020 do Município de São Gabriel, por previrem exigência de autorização por parte do Município e de vistoria a ser realizada por órgão de trânsito, devem ser declarados inconstitucionais.

Ainda que a atividade privada possua indiscutível relevância/interesse público, submetê-la, em excesso, ao controle do Poder Público pode acarretar à sua inviabilidade.

O mesmo se aplica à previsão de compartilhamento em tempo real dos dados referentes às viagens, prevista no art. 4º, que ainda desborda da razoabilidade e proporcionalidade, como bem ressaltado pelo Relator.

Como já me manifestei em outras ocasiões, a taxa de fiscalização, prevista no art. 6º não pode ser cobrada, diante da ausência da atividade estatal consistente em poder de polícia a justificar a cobrança de tributo.

Por fim, os artigos , § 4º, 11, caput, 15, I, alíneas ‘c’ e ‘d’, e II, alíneas ‘a’, ‘d’, e ‘f’, §§ 1º e 4º, 20, 23, § 1º, 24, IV, VIII e 27, dispõem sobre requisitos e obrigações acessórias que extrapolam as previsões da Lei Federal n.º 12.587/2012, em ofensa ao Tema 967 do STF, além de criarem óbice indevido à atividade privada, razão pela qual devem ser declarados inconstitucionais.

Deste modo, estou acompanhando integralmente o nobre Relator, na procedência da presente ação, para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 3º, 4º, 6º, 7º, § 4º, 11, ‘caput’, 15, inciso I, alíneas c e d, e inciso II, alíneas a, d, e, e f, §§ 1º e 4º, 17, ‘caput’ e § 1º, 20, 23, § 1º, 24, incisos IV e VIII, 27 e 30, da Lei nº 4.108, de 05 de maio de 2020, do Município de São Gabriel.

Des.ª Deborah Coleto Assumpção de Moraes

Com a devida vênia ao entendimento do Eminente Relator, acompanho o voto divergente lançado pelo Eminente Des. Eduardo Ulhein.

É o voto.

Des. Tasso Caubi Soares Delabary

Eminentes Colegas.

Inicialmente, nos autos da ação direta de inconstitucionalidade n. XXXXX, quando se analisou a norma legal do Município de Porto Alegre, que também objetivava regulamentar o transporte de passageiros por aplicativos, havia votado favoravelmente à exigência de autorização, nos termos do voto exarado pela e. Relatora, Desa. Marilene Bonzanini, ponto em que ficamos vencidos.

Posteriormente, ao examinar a lei do Município de Butiá, nos autos da ação direta de inconstitucionalidade n. XXXXX, aderi ao entendimento da douta maioria que havia se formado nesse colendo Órgão Especial, tendo assim me manifestado pela inconstitucionalidade das normas que previam a submissão do serviço à autorização estatal e à prévia vistoria, a obrigatoriedade de compartilhamento de dados, bem como as obrigações de caráter acessório que se revelavam dispensáveis para o pleno funcionamento do serviço de transporte privado individual de passageiros por motoristas, intermediado por aplicativos, as quais criavam igualmente óbice indevido à atividade privada e ao livre exercício da atividade profissional, afrontando também o princípio constitucional da razoabilidade, previsto no artigo 19, caput, da Constituição Estadual, notadamente por destoarem dos parâmetros previstos na normativa federal. Do mesmo modo, manifestei-me pelo reconhecimento da inconstitucionalidade da norma que previa a instituição de Taxa de Gerenciamento Operacional – TGO, por entender que não mais subsistiria o fato gerador da exação considerando a declaração de inconstitucionalidade da norma que previa a necessidade de autorização e fiscalização.

E, ainda, nos autos da ADI n. XXXXX, também acompanhei a douta maioria, cujo julgamento restou finalizado em 14/10/2022, e que objetiva analisar a lei municipal de São Borja, cuja controvérsia era idêntica a dos presentes autos. Neste sentido, transcreve-se a ementa daquele julgado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL DE SÃO BORJA. REGULAMENTAÇÃO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE REMUNERADO INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS POR APLICATIVO E OUTRAS PLATAFORMAS DE COMUNICAÇÃO EM REDE. INOCORRÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. INEXISTÊNCIA DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA PRIVATIVA. POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO NA ATIVIDADE ECONÔMICA. ATUAÇÃO QUE DEVE, CONTUDO, OBSERVAR A RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE DO ESTABELECIMENTO DE REQUISITOS E PRESSUPOSTOS QUE NÃO GUARDAM PERTINÊNCIA COM A LEGISLAÇÃO FEDERAL E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIVRE INICIATIVA, LIVRE CONCORRÊNCIA, RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE, POR MAIORIA. (Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70084389154, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vicente Barrôco de Vasconcellos, Julgado em: 14-10-2022)

No caso ora em exame, com a mais respeitosa vênia aos entendimentos em contrário, por questão de coerência e segurança jurídica, entendo que deve ser reconhecida a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei do Município de São Gabriel que preveem exigências de prévia autorização estatal, subordinando o exercício de atividade privada à previa autorização do poder público local e que exigem a vistoria dos veículos, bem como aqueles que dispõem sobre compartilhamento de dados e cobrança de taxa de fiscalização, por violarem os princípios da livre iniciativa e livre concorrência.

Com essas singelas considerações, acompanho o voto do e. Relator.

Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (PRESIDENTE)

Eminentes Colegas.

Estou de acordo com o nobre Relator, inclusive porque firmei idêntico entendimento nos autos da ADIn nº 70084615731 (Município de Butiá).

É como voto.

Des. João Batista Marques Tovo

Rogando vênia ao ilustre relator, acompanho integralmente o voto divergente lançado pelo Des. Aymoré.

É o voto.

Des. Rui Portanova

Eminentes Colegas, estou acompanhado integralmente o voto do Eminente Relator.

A solução encaminhada pelo Relator neste caso concreto está de acordo com o entendimento por mim manifestado em casos anteriores, notadamente nos autos da ação direta de inconstitucionalidade nº 70075503433, relativa à Lei Municipal de Porto Alegre e na ação direta de inconstitucionalidade nº 70084615731, relativa à Lei Municipal do Município de Butiá.

Na oportunidade, esta entendi pela inconstitucionalidade da exigência de autorização estatal, taxa de fiscalização e compartilhamento de dados, tal como aqui entende o Relator.

Com tais considerações, voto por acompanhar o Eminente Relator.

OS DEMAIS DESEMBARGADORES VOTARAM DE ACORDO COM O RELATOR.

Em sessão virtual de 14 de abril de 2023 até 20 de abril de 2023:

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - Presidente - Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70084895200, Comarca de Porto Alegre:"Após voto do Relator julgando procedente a ação direta de inconstitucionalidade, apresentou voto de vista o Desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello, julgando a ação procedente em parte, com redução de textos e eficácia ex tunc, dos artigos 4º, 7º, § 4º, e 15, inc. I, alínea d e II, alíneas a, d e f , da Lei Municipal 4.108 do Município de São Gabriel, no que foi acompanhado pelo Desembargador João Batista Marques Tovo. Votou declarando a inconstitucionalidade apenas do art. da Lei Municipal nº 4.108 o Desembargador Eduardo Uhlein, no que foi acompanhado pelos Desembargadores Voltaire de Lima Moraes e Deborah Coleto Assumpção de Moraes. Os demais julgadores acompanharam o Relator. Aguardam o voto da Desembargadora Rosane Wanner da Silva Bordasch."

Sessão virtual de 19 de maio de 2023 até 26 de maio de 2023

VOTO

Des.ª Rosane Wanner da Silva Bordasch

Rogando vênia ao Em. Relator, estou acompanhando o voto do Em. Des. Eduardo Uhlein.

Em sessão virtual de 19 de maio de 2023 até 26 de maio de 2023:

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - Presidente - Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70084895200, Comarca de Porto Alegre:"Em continuação de julgamento, votou a Desembargadora Rosane Wanner da Silva Bordasch, julgando a Ação Direta de Inconstitucionalidade procedente somente quanto ao art. 4º da Lei nº 4.108 do Município de São Gabriel. Resultou assim o julgamento: 'Por maioria, julgaram procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade, conforme o voto do Relator, vencidos os Desembargadores Aymoré Roque Pottes de Mello e João Batista Marques Tovo, que julgavam a ação procedente em parte, com redução de texto e eficácia ex tunc, dos arts. 4º, 7º, § 4º, e 15, inc. I, alínea d e II, alíneas a, d e f , da Lei nº 4.108 do Município de São Gabriel, e os Desembargadores Eduardo Uhlein, Voltaire de Lima Moraes, Deborah Coleto Assumpção de Moraes e Rosane Wanner da Silva Bordasch, que declaravam inconstitucional apenas o art. 4º da lei'."

� Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

IX - diretrizes da política nacional de transportes;

(...)

XI - trânsito e transporte;

� Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

� Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

� A título exemplificativo, registro que outras regulamentações, como as dos municípios de São José dos Campos/SP e Vitória/ES, limitaram a exigência de informações a dados estatísticos do funcionamento do serviço, com o propósito de subsidiar o planejamento da mobilidade urbana nos respectivos municípios: Decreto nº 17.462/2017. Art. 4º. As Provedoras de Redes de Compartilhamento credenciadas ficam obrigadas a disponibilizar à Secretaria de Mobilidade Urbana relatórios periódicos, com dados estatísticos, anonimizados e agregados relacionados as rotas e distâncias percorridas em média, estatísticas das viagens iniciadas e/ou finalizadas, com a finalidade de subsidiar o planejamento da mobilidade urbana do Município, desde que garantida a privacidade e a confidencialidade dos dados pessoais dos usuários e motoristas, na forma da legislação vigente; e Decreto nº 16.770/2016, alterado pelo Decreto nº 16.785/2016. Art. 21. As OTTs credenciadas deverão, sempre que solicitado, disponibilizar ao Município de Vitória dados estatísticos e estudos necessários ao controle, aprimoramento e regulação de políticas públicas de mobilidade urbana, garantida a privacidade e confidencialidade dos dados pessoais dos usuários e motoristas; bem como dos dados e segredos empresariais das OTTs na forma da legislação vigente.

� MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 34. ed. São Paulo: Malheiros, pp. 411-412.

� SILVA, Edgar Neves da. Curso de direito tributário. Ives Grande Martins coordenador. 7a ed. São Paulo: RT, 2000. p. 757.

CRFB, artigos 30, incisos II e III, e 182, c/c os artigos 3º, 4º, inc. X, e 11-A, todos da vigente Lei nº Lei 12.587/20212.

� Vide inc. X do art. , da Lei 12.587/2012, na redação que lhe deu a Lei nº 13.640/2018: serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede.

� A matéria de fundo – transporte remunerado privado individual e compartilhado (v.g., Uberbus) de passageiros previamente cadastrados em aplicativos digitais sediados na rede mundial de computadores, ou outras plataformas de comunicação em rede - e as questões vertidas neste processo constitucional objetivo não são prerrogativas exclusivas de controvérsias no campo do direito público, mas também, e muito especialmente, nas searas da responsabilidade civil contratual e extracontratual decorrentes desta espécie de transporte privado de passageiros. Ainda no ponto, averbo a circunstância de que a 11ª Câmara Cível desta Corte, que tenho a honra de presidir, titula a competência processual originária e recursal especializada (juntamente com a 12ª Câmara Cível) exclusiva sobre questões de transporte e responsabilidade civil por acidente de trânsito, bem assim, concorrencialmente, sobre questões de"responsabilidade civil em questões - contratuais e aquilianas - de direito privado não especificado. De modo que a decisão colegiada que vier a ser tomada nesta ação direta de (in) constitucionalidade estadual terá profunda inflexão na jurisdição ordinária desta Corte.

� Ademais, não há previsão de aplicação das regras de competência concorrente (artigo 24 da Constituição Federal) para os Municípios, cuja competência foi estabelecida apenas para legislar sobre assuntos de interesse local (artigo 30, inciso I, da Constituição Federal) e suplementar a legislação federal e a estadual (artigo 30, inciso II, da Constituição Federal), não havendo restrição expressa de que a suplementação ou legislação local deve estar inserta no rol de competências concorrentes e/ou privativas.

� Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70075503433.

� MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 460-463.

� Lenza, Pedro. Direito constitucional esquematizado [livro eletrônico]. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2018. p. 593-594.

� Lenza, Pedro. Direito constitucional esquematizado [livro eletrônico]. 22. ed. – São Paulo: Saraiva, 2018. p. 1296-1718.

� MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 702.

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Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-rs/1930310091/inteiro-teor-1930310095

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