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26 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Primeira Câmara de Enfrentamento de Acervos

Julgamento

Relator

Luiz Felipe Schuch

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-SC__0021915-04-2006-8-24-0018_3257f.pdf
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Inteiro Teor

Processo: XXXXX-04.2006.8.24.0018 (Acórdão do Tribunal de Justiça)
Relator: Luiz Felipe Schuch
Origem: Chapecó
Orgão Julgador: Primeira Câmara de Enfrentamento de Acervos
Julgado em: Wed Mar 27 00:00:00 GMT-03:00 2019
Juiz Prolator: Marcelo Volpato de Souza
Classe: Apelação Cível


Citações - Art. 927, CPC: Súmulas STJ: 83, 7
Tema Repetitivo: 1336026

Apelação Cível n. XXXXX-04.2006.8.24.0018

Apelação Cível n. XXXXX-04.2006.8.24.0018, de Chapecó

Relator: Des. Subst. Luiz Felipe Schuch

APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEFICÁCIA DE ATO JURÍDICO FALIMENTAR. CONTRATO PARTICULAR DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA COM ARRENDAMENTO DE UNIDADE INDUSTRIAL DE ABATE DE AVES. NEGÓCIO CELEBRADO DENTRO DO TERMO LEGAL DA FALÊNCIA. ACTIO AJUIZADA PELA MASSA FALIDA ALIENANTE EM FACE DA AGROAVÍCOLA ADQUIRENTE DO IMÓVEL E CONTRA A EMPRESA CESSIONÁRIA QUE, A POSTERIORI, ADQUIRIU OS DIREITOS SOBRE O ESTABELECIMENTO COMERCIAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS PRINCIPAIS E RECONVENCIONAIS. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES.

DIREITO INTERTEMPORAL. FALÊNCIA DECRETADA SOB A ÉGIDE DA REVOGADA LEI DE FALENCIAS (DL. 7.661/45). INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. ANÁLISE DO CONFLITO SOB A ÓTICA DA LEGISLAÇÃO VIGENTE AO TEMPO DA QUEBRA.

INTERVENÇÃO DE TERCEIRO. PEDIDO DE HABILITAÇÃO ASSISTENCIAL FORMULADO PELO SINDICATO DOS TRABALHADORES DAS INDÚSTRIAS COOPERATIVAS DE CARNES E DERIVADOS E DA ALIMENTAÇÃO DE XAXIM (SINTRAC). ALEGADO INTERESSE JURÍDICO NA DEMANDA DIANTE DA EXISTÊNCIA DE ACORDO TRABALHISTA ENTABULADO COM A REQUERIDA "DIPLOMATA S/A COMERCIAL E INDUSTRIAL", COM OBJETO DE CESSÃO DE EVENTUAIS CRÉDITOS A SEREM RECEBIDOS PELA REQUERIDA NO JULGAMENTO DESTA LIDE. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO JURÍDICA. PLEITO AMPARADO EM MERO INTERESSE ECONÔMICO DO SINDICATO. INAPLICABILIDADE DO ART. 119 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AO CASO CONCRETO (CORRESPONDENTE AO ART. 50, DO CPC/1973). PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CRÉDITOS QUE, ADEMAIS, PODERÃO SER EXIGIDOS NO JUÍZO FALIMENTAR DA REQUERIDA, A QUAL, NO TRANSCURSO DA PRESENTE REVOCATÓRIA, TEVE SUA FALÊNCIA DECRETADA. PLEITO REJEITADO.

RECURSO DA MASSA FALIDA AUTORA. DEFENDIDO O NÃO CABIMENTO DA RECONVENÇÃO EM AÇÃO REVOCATÓRIA. TESE ACOLHIDA. AUSÊNCIA DE COMPATIBILIDADE ENTRE OS PEDIDOS PRINCIPAIS E RECONVENCIONAIS. EXPRESSA PREVISÃO DE VEDAÇÃO À RECONVENÇÃO NA ANTIGA LEI DE FALENCIAS (DECRETO LEI N. 5.746/1929). OMISSÃO DA POSTERIOR LEI DE QUEBRAS (DECRETO LEI 7.661/1946) SUPRIDA PELA NECESSIDADE DE MORALIZAÇÃO DOS PROCESSOS FALENCIAIS E DE PUNIÇÃO DA FRAUDE CONTRA CREDORES. IMPOSSIBILIDADE DE O TERCEIRO, CREDOR DA MASSA FALIDA, VALER-SE EM DEFESA DIRETA DE COMPENSAÇÃO PECUNIÁRIA NA AÇÃO REVOCATÓRIA AJUIZADA PELO SÍNDICO. FACULTADA HABILITAÇÃO DA RECONVINTE NO PROCESSO DE FALÊNCIA PARA PERSEGUIR EVENTUAIS CRÉDITOS. RECONHECIMENTO DA AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR DA RECONVINTE QUE SE IMPÕE, NA MODALIDADE ADEQUAÇÃO. CASSAÇÃO PARCIAL DA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU E EXTINÇÃO DA RECONVENÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 485, VI, DO ATUAL DIPLOMA INSTRUMENTAL CIVIL.

PLEITO DE AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO À RESTITUIÇÃO DOS VALORES DESPENDIDOS PELAS REQUERIDAS COM DÉBITOS TRABALHISTAS E INDENIZAÇÃO PELAS BENFEITORIAS NECESSÁRIAS, DIANTE DA MÁ-FÉ NA CELEBRAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO. TESE RECHAÇADA. CONSEQUÊNCIA LÓGICA DA DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA DO ATO, COM RETORNO DAS PARTES AO ESTADO ANTERIOR, INDEPENDENTEMENTE DA CONDIÇÃO DAS CONTRAENTES (BOA-FÉ OU MÁ-FÉ). INTELIGÊNCIA DO ART. 54, § 1º, DO DECRETO LEI N. 7.661/1945 E ARTS. 1.219 E 1.220 DO ESTATUTO CIVILISTA. SENTENÇA MANTIDA NO TÓPICO.

SUSCITADA A DISPENSABILIDADE DA LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA PARA AFERIÇÃO DOS VALORES DEVIDOS A TÍTULO DE BENFEITORIAS NECESSÁRIAS. ALEGAÇÃO DESACOLHIDA. SUPOSTA AVALIAÇÃO DOS ATIVOS DA MASSA FALIDA REALIZADA NA AÇÃO FALIMENTAR NÃO COLACIONADA A ESTES AUTOS. NECESSIDADE DE APURAÇÃO DA QUANTIA DEVIDA, NA FORMA DETERMINADA EM PRIMEIRO GRAU. APELO DESPROVIDO NO PONTO.

ADUZIDA IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA SOBRE A CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO PELAS BENFEITORIAS NECESSÁRIAS. PLEITO ADMITIDO. FLUÊNCIA DOS ENCARGOS RELATIVOS AO PERÍODO POSTERIOR À DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA TÃO SOMENTE SE A APURAÇÃO DO ATIVO DA MASSA FOR SUFICIENTE AO PAGAMENTO DO DÉBITO PRINCIPAL. INTELECÇÃO DO ART. 26 DO DECRETO-LEI N. 7.661/45. DECISUM REFORMADO NESTA PARTE.

RECURSO DAS DEMANDADAS. PLEITEADA ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECLAMO, A FIM DE EVITAR PREJUÍZO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. INSUBSISTÊNCIA. PEDIDO JÁ APRECIADO PELO JUÍZO A QUO POR MEIO DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA AGRAVADA. DESPROVIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO POR ESTA CORTE DE JUSTIÇA. PETIÇÃO AVULSA PROTOCOLADA PELAS RECORRENTES PARA RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO. INADMISSIBILIDADE DE REABERTURA DA DISCUSSÃO SOBRE A QUESTÃO DECIDIDA. PRECLUSÃO OPERADA. JULGAMENTO DAS APELAÇÕES POR ESTE ÓRGÃO JULGADOR QUE, DE TODA FORMA, REVELARIA A INOCUIDADE DA MEDIDA PRETENDIDA.

PRELIMINARES. 1. CERCEAMENTO DE DEFESA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. DESNECESSIDADE DE OITIVA DE TESTEMUNHAS E PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO ( CPC/1973, ARTS. 130 E 131; CPC/2015, ARTS. 370 E 371), DERIVADO DO SISTEMA DA PERSUASÃO RACIONAL. INEXISTÊNCIA DO VÍCIO. INCONFORMISMO DESPROVIDO. 2. NULIDADE DA SENTENÇA POR ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR. SUPOSTO RECONHECIMENTO DA FRAUDE CONTRA CREDORES DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO SINGULAR. VÍCIO INEXISTENTE. APELANTES QUE, EM SEDE DE CONTESTAÇÃO, TROUXERAM À TONA A DISCUSSÃO DA FRAUDE NO NEGÓCIO JURÍDICO. INCIDÊNCIA DOS AFORISMOS JURA NOVIT CURIA E DA MIHI FACTUM DABO TIBI JUS. POSSIBILIDADE DE O JULGADOR APLICAR NORMA JURÍDICA DIVERSA PARA JULGAMENTO DA CAUSA. TEORIA DA SUBSTANCIAÇÃO. ORIENTAÇÃO DA CORTE CIDADÃ. PREFACIAL RECHAÇADA. 3. OCORRÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRA PETITA. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO PELO USO DO IMÓVEL. PLEITO NÃO FORMULADO PELA AUTORA NA EXORDIAL REVOCATÓRIA. PRESCINDIBILIDADE. DECORRÊNCIA LÓGICA DA DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA DO ATO JURÍDICO E DA DETERMINAÇÃO DE RETORNO DAS PARTES AO ESTADO ANTERIOR. APLICAÇÃO DO ART. 884 DO CÓDIGO CIVIL, SOB PENA DE FOMENTAR O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DAS REQUERIDAS. PRELIMINAR DENEGADA. 4. AVENTADA FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL DA MASSA FALIDA AUTORA, POR NÃO TER TRANSITADO EM JULGADO A SENTENÇA DECLARATÓRIA DA SUA FALÊNCIA. ALEGAÇÃO INSUSTENTÁVEL. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE DO PLEITO COM FUNDAMENTO EM VÍCIO SOCIAL DE FRAUDE CONTRA CREDORES. INTERESSE PROCESSUAL DA MASSA FALIDA EXTERIORIZADO NO MOMENTO DA DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA, REVELANDO-SE DISPENSÁVEL O TRÂNSITO EM JULGADO DO DECISUM. JURISPRUDÊNCIA ITERATIVA NO SENTIDO DE ADMITIR A FUNGIBILIDADE ENTRE AS AÇÕES REVOCATÓRIA E PAULIANA. COINCIDÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS FÁTICOS DAS AÇÕES. INDEMONSTRADA, ADEMAIS, A EXISTÊNCIA DE AGRAVOS DE INSTRUMENTO PENDENTES DE JULGAMENTO PERANTE AS CORTES SUPERIORES. ÔNUS QUE INCUMBIA ÀS REQUERIDAS, A TEOR DO ART. 333, II, DO CPC/73. REBELDIA DESACOLHIDA.

MÉRITO. DISCUSSÃO ADSTRITA À (IR) REGULARIDADE DA APLICAÇÃO DO ART. 52, VIII, DO DECRETO LEI N. 7.661/1945 AO CASO EM TELA. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE ALIENAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL, MAS SIM DE MERA TRANSFERÊNCIA DE ATIVO PERMANENTE. TESE REFUTADA. UNIDADE INDUSTRIAL COMPOSTA DE DIVERSOS BENS INDISPENSÁVEIS AO OBJETIVO ECONÔMICO PRETENDIDO PELA SOCIEDADE EMPRESÁRIA ADQUIRENTE. ESTRUTURA DESTINADA AO DESENVOLVIMENTO, CRIAÇÃO, ABATE E ARMAZENAMENTO DE AVES. SOMA DE ELEMENTOS MATERIAIS E IMATERIAIS QUE FORMAM O FUNDO DE COMÉRCIO (ART. 1.142 DO ESTATUTO CIVILISTA), DESTINADO AO EXERCÍCIO DE EMPRESA. LAUDO PERICIAL ACOSTADO NO PROCESSO FALIMENTAR INDICANDO A SINGULARIDADE DE CADA UNIDADE DE PRODUÇÃO, CONSUBSTANCIADAS EM "ATIVO ÚNICO DE OBTENÇÃO DE RENDA OPERACIONAL". INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 53 E 44, VI, DA ANTIGA LEI FALIMENTAR. TRANSAÇÃO SEM CONSENTIMENTO EXPRESSO DOS CREDORES QUE ATRAI A INCIDÊNCIA DO ART. 52, VIII, DO DECRETO LEI N. 7.661/1945 E IMPLICA NA DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA DO ATO JURÍDICO. SENTENÇA MANTIDA.

DEFENDIDA AUSÊNCIA DE PROVAS ACERCA DO CONSILIUM FRAUDIS. TESE DESACOLHIDA. INCONTROVERSA TRANSFERÊNCIA DO ESTABELECIMENTO COMERCIAL DENTRO DO PRAZO LEGAL DA FALÊNCIA (ART. 334, II E III DO CPC/73). ANULABILIDADE DE CONTRATOS ONEROSOS DO DEVEDOR QUANDO A FALTA DE SOLVÊNCIA FOR NOTÓRIA OU HOUVER MOTIVO PARA SER CONHECIDA DO OUTRO CONTRATANTE. INTELIGÊNCIA DO ART. 159 DO CODEX CIVIL. CONTRATO PARTICULAR DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA QUE APONTA A CIÊNCIA DAS RÉS ACERCA DA INADIMPLÊNCIA DA ORA FALIDA. OBSERVAÇÕES CONSIGNADAS NAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS EVIDENCIANDO O ENFRENTAMENTO DE CRISE FINANCEIRA PELA AUTORA, CAPAZ DE PRECIPITAR SUA FALÊNCIA, ALÉM DA PARALISAÇÃO DA SUA PRODUÇÃO PELA FALTA DE RECURSOS. NEGOCIAÇÃO FIRMADA NO "APAGAR DAS LUZES". INEQUÍVOCA TENTATIVA DOS ADMINISTRADORES DA "CHAPECÓ COMPANHIA INDUSTRIAL DE ALIMENTOS" EM LIVRAR PARTE DO SEU ATIVO DO CONCURSO UNIVERSAL DE CREDORES. ALIENAÇÃO DA UNIDADE PRODUTIVA POR VALOR IRRISÓRIO SE COMPARADO À ESTIMATIVA DO PASSIVO DA AUTORA À ÉPOCA. AUSÊNCIA DE TERMO DE ANUÊNCIA DOS CREDORES. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA PARIDADE OU PAR CONDICTIO CREDITORUM. REQUISITOS DO CONSILIUM FRAUDIS E EVENTUS DAMNI COMPROVADOS. CONDUTA DAS RÉS/APELANTES CONTRÁRIA ÀS CLÁUSULAS GERAIS DOS CONTRATOS (BOA-FÉ OBJETIVA, FUNÇÃO SOCIAL, EQUILÍBRIO CONTRATUAL). DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU ESCORREITA.

NOTÍCIA DE FALÊNCIA DA REQUERIDA "DIPLOMATA S/A INDUSTRIAL E COMERCIAL" NO TRANSCURSO DA AÇÃO REVOCATÓRIA. 1. SUSCITADA NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DAS AÇÕES E EXECUÇÕES MOVIDAS EM SEU DESFAVOR PELO PRAZO DE 180 (CENTO E OITENTA) DIAS. MEDIDA QUE, EMBORA DETERMINADA EM DECISÃO EMANADA DO JUÍZO FALIMENTAR DA DEMANDADA E APLICÁVEL AO CASO, NÃO FOI COMUNICADA AO JUÍZO DESTA LIDE A TEMPO E MODO. EXEGESE DO ART. 52, § 3º, DA LEI N. 11.101/2005. EXISTÊNCIA DA ORDEM DE SUSPENSÃO COMUNICADA APENAS QUANDO DA INTERPOSIÇÃO DO PRESENTE RECURSO. DESCABIMENTO DA ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR QUEM DEU CAUSA AO VÍCIO. INCIDÊNCIA DA MÁXIMA DORMIENTIBUS NON SUCURRIT IUS. SÚPLICA INDEFERIDA. 2. AVENTADA INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DA AÇÃO REVOCATÓRIA. INSUBSISTÊNCIA. SUPERVENIÊNCIA DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE UMA DAS REQUERIDAS QUE, DE PER SI, NÃO IMPLICA NA ALTERAÇÃO DA COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DA AÇÃO DECLARATÓRIA. AUSÊNCIA DE CONEXÃO OU CONTINÊNCIA DAS DEMANDAS E/OU DE RISCO DE SEREM PROFERIDAS DECISÕES CONTRADITÓRIAS. INCONFORMISMO DESPROVIDO.

ARROGADA CONDENAÇÃO DA AUTORA À RESTITUIÇÃO DAS BENFEITORIAS ÚTEIS E NECESSÁRIAS REALIZADAS NA UNIDADE INDUSTRIAL. FALTA DE INTERESSE RECURSAL COM RELAÇÃO ÀS OBRAS NECESSÁRIAS. TEMA DECIDIDO NA SENTENÇA NOS EXATOS TERMOS PLEITEADOS PELAS RECORRENTES. APELO NÃO CONHECIDO NO TÓPICO. BENFEITORIAS ÚTEIS INDEVIDAS NO CASO EM APREÇO, DIANTE DA CONJUNTURA FRAUDULENTA EM QUE REALIZADO O NEGÓCIO JURÍDICO DECLARADO INEFICAZ. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.220 DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA IRRETOCÁVEL NESTE TOCANTE.

SOLICITADA DECLARAÇÃO DE PREFERÊNCIA SOBRE OS CRÉDITOS (ART. 54, § 1º, C/C ART. 124, § 2º, III, AMBOS DA ANTIGA LEI DE QUEBRAS). ACOLHIMENTO. PAGAMENTO QUE DEVERÁ OCORRER COM PRIORIDADE, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA MASSA FALIDA. APELO PROVIDO NO TÓPICO.

PLEITO DE COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS E DÉBITOS RECÍPROCOS. IMPOSSIBILIDADE. CRÉDITO CONCURSUALE. NECESSIDADE DE HABILITAÇÃO, EM OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA PAR CONDITIO CREDITORUM. INSURGÊNCIA REPELIDA.

INVERSÃO DOS ENCARGOS SUCUMBENCIAIS EXCLUSIVAMENTE NA RECONVENÇÃO. CONDENAÇÃO DA RECONVINTE AO PAGAMENTO INTEGRAL DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, DIANTE DA ALTERAÇÃO DO PANORAMA INICIAL DA DEMANDA RECONVENCIONAL. VERBA DE SUCUMBÊNCIA DA AÇÃO PRINCIPAL INALTERADA, PORQUE MINIMAMENTE REFORMADA A SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU. DECISÃO HOSTILIZADA QUE OBSERVOU A QUANTIDADE E EXPRESSÃO DOS PEDIDOS.

RECURSO DA MASSA FALIDA AUTORA CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DAS DEMANDADAS CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. XXXXX-04.2006.8.24.0018, da comarca de Chapecó 3ª Vara Cível em que são apelantes/apelados Massa Falida de Chapecó Companhia Industrial de Alimentos e Diplomata SA Industrial e Comercial Ltda e outro.

A 1ª Câmara de Enfrentamento de Acervos decidiu, por unanimidade, a) conhecer do recurso da autora "Massa Falida de Chapecó Companhia Industrial de Alimentos Ltda." e dar-lhe parcial provimento para a.1) cassar parcialmente a sentença de primeiro grau e extinguir, sem resolução de mérito, os pedidos reconvencionais formulados pela ré "Diplomata S/A Industrial e Comercial", diante do reconhecimento da falta do interesse de agir da reconvinte, na modalidade adequação, com fulcro no art. 485, inciso VI, do atual Diploma Instrumental (correspondente ao art. 267, VI, do CPC/1973) e a.2) afastar a incidência de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês da condenação da massa falida ao pagamento de indenização pelas benfeitorias necessárias, devendo a incidência dos encargos moratórios ficar condicionada à existência de passivo suficiente para pagamento da dívida principal, nos termos do art. 26 do Decreto Lei n. 7.661/1945; b) conhecer em parte do recurso das demandadas "Diplomata S/A Industrial e Comercial" e "Globoaves Agroavícola Ltda." e dar-lhe parcial provimento para declarar como dívida da massa os créditos existentes em benefício da primeira recorrente, os quais deverão ser pagos com preferência sobre os créditos admitidos na falência, com supedâneo nos arts. 54, § 1º e 124, § 2º, III, do Decreto Lei n. 7.661/1945; e c) redistribuir os encargos sucumbenciais, condenando a reconvinte ao pagamento integral das custas processuais e honorários advocatícios na demanda reconvencional. Custas legais.

O julgamento, realizado em 27 de março de 2018, foi presidido pelo Desembargador Guilherme Nunes Born, com voto, e dele participou o Desembargador Substituto José Maurício Lisboa.

Funcionou como representante do Ministério Público o Procurador de Justiça Onofre José Carvalho Agostini.

Florianópolis, 29 de março de 2018.

Luiz Felipe Schuch

RELATOR


RELATÓRIO

Acolho o relatório da sentença de fls. 1135-1166, de lavra do Juiz de Direito Marcelo Volpato de Souza, por contemplar precisamente o conteúdo dos presentes autos, ipsis litteris:

MASSA FALIDA DE CHAPECÓ COMPANHIA INDUSTRIAL DE ALIMENTOS, qualificada, ajuizou ação revocatória em face de GLOBOAVES AGROAVÍCOLA LTDA e DIPLOMATA INDUSTRIAL E COMERCIAL LTDA, qualificadas. Discorreu acerca dos fatos que ensejaram a decretação da falência de Chapecó Companhia Industrial de Alimentos, doravante denominada apenas de CCIA. Alegou que CCIA celebrou com a ré Globoaves contrato particular de compromisso de compra e venda com prévio arrendamento de uma de suas unidades produtivas, qual seja, a chamada "Indústria de Abate Xaxim". Disse que o negócio foi celebrado aos 17/12/2003 pelo preço de R$ 52.118.000,00. Asseverou que no dia 22/12/2003, no entanto, a ré Globoaves cedeu para a ré Diplomata seus direitos sobre a unidade produtiva em questão. Aduziu que esse negócio foi levado a efeito dentro do termo legal da falência da CCIA, isto é, nos 60 dias anteriores à decretação de sua quebra, ocorrida em 12/01/2004. Sustentou que, em razão disso, o negócio celebrado entre a CCIA e as rés lhe é presumida e objetivamente ineficaz, porquanto lesivo a seus interesses e de seus credores. Sustentou também que, por esses motivos, o compromisso de compra e venda celebrado não pode ser concluído, não sendo lícito exigir-se a outorga da escritura definitiva de compra e venda. Dissertou acerca da possibilidade de convalidação do negócio que reputa ineficaz como contrato de locação. Ao final, pugnou pela procedência dos pedidos para que seja declarada a ineficácia do compromisso de compra e venda celebrado com a ré Globoaves e cedido à ré Diplomata, bem assim para que seja esse compromisso de compra e venda convertido em contrato de locação. Valorou a causa. Acostou documentos.

Citada, a ré Diplomata contestou e reconveio.

Na primeira (contestação), arguiu as preliminares de falta de interesse processual por ter sido a presente ação proposto antes do trânsito em julgado da sentença que decretou a falência de CCIA, inépcia da petição inicial por ser confuso o pedido de conversão do compromisso de compra e venda em contrato de locação e de ilegitimidade ativa ad causam da massa falida para requerer a responsabilização da ré pelas dívidas do estabelecimento. No mérito, alegou que o contrato celebrado com a CCIA observa a função social e não trouxe nenhum prejuízo à massa falida. Disse também que a negociação levada a efeito com a CCIA não caracterizou o trespasse, uma vez que esta já havia paralisado suas atividades. Ressaltou ainda que o compromisso de compra e venda celebrado com a CCIA, por ser válido e eficaz, deve ser cumprido pela autora. Observou que a decretação da ineficácia do negócio jurídico em questão pressupõe prova de fraude, a qual reputa inexistente. Aduziu não ser cabível a conversão substancial do negócio jurídico tal como pleiteada pela autora, uma vez que não tem nenhum interesse na locação do imóvel objeto da lide. Ressaltou não ter responsabilidade pelo passivo da CCIA. Ao final, pugnou pela extinção do processo sem resolução do mérito ou pela improcedência dos pedidos formulados na petição inicial. Acostou documentos.

Já na segunda (reconvenção), aduziu que a reconvinda tem a obrigação de outorgar-lhe a escritura definitiva do imóvel compromissado à compra e venda. Disse também que, na hipótese de o negócio vir a ser desfeito, a reconvinda deverá lhe ressarcir os valores pagos. Asseverou ainda o direito de indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis realizadas. Ao final, pugnou pela procedência dos pedidos reconvencionais para que a reconvinda lhe outorgue a escritura pública de compra e venda do imóvel objeto da lide, ou seja condenada a restituir-lhe o valor pago no negócio e as benfeitorias necessárias e úteis levadas a efeito no imóvel, ou ainda condenada a restituir-lhe a diferença entre o preço pago e o valor devido pela utilização do imóvel objeto da lide, bem assim sejam declarados extraconcursais seus créditos decorrentes do desfazimento do negócio.

Citada, a ré Globoaves contestou. Preliminarmente, arguiu sua ilegitimidade passiva ad causam, uma vez que cedeu seus direitos sobre o compromisso de compra e venda em questão à corré Diplomata. No mérito, endossou a os fundamentos jurídicos da corré Diplomata. Ao final, pugnou pela extinção do processo sem resolução do mérito ou pela improcedência dos pedidos. Acostou documentos.

Instada a se manifestar acerca das respostas apresentadas pelas rés, a autora contestou a reconvenção e impugnou as contestações.

O Ministério Público teve vista dos autos.

O Magistrado de primeiro grau julgou parcialmente procedentes os pedidos principais e reconvencionais, nos seguintes termos:

Ante o exposto,

1. JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na ação principal por MASSA FALIDA DE CHAPECÓ COMPANHIA INDUSTRIAL DE ALIMENTOS em face de GLOBOAVES AGROAVÍCOLA LTDA e DIPLOMATA INDUSTRIAL E COMERCIAL LTDA, com resolução do mérito (art. 269, I, do CPC), e:

a) DECLARO a ineficácia do compromisso de compra e venda (fls. 39/53) e do termo de cessão de direitos e aditivos (fls. 54/61) firmados entre as partes, tendo em vista a violação ao termo legal da falência (art. 52, VIII, do Decreto-Lei nº 7.661/45), e o retorno das partes ao status quo ante.

b) CONDENO as rés a restituir à autora o estabelecimento industrial objeto do compromisso de compra e venda e do termo de cessão e aditivos declarados ineficazes por este juízo (fls. 39/53 e 54/61).

c) CONDENO as rés a pagar à autora indenização pelo uso do imóvel desde 17/11/2003, no valor mensal de R$ 66.000,00 nos primeiros 50 meses e a partir daí R$ 0,037 por ave abatida ou R$ 200.000,00 como mínimo, até a efetiva saída.

Esse valor sofre reajuste anual pelo IGP-M e sobre as parcelas em atraso deverá incidir correção monetária pelo índice oficial da Corregedoria-Geral da Justiça (INPC-IBGE) a contar do dia 10 de cada mês em que vencida a obrigação e juros de mora de 1% ao mês (art. 406 do CC c/c art. 161, § 1º, do CTN) desde a citação (ou do vencimento caso ocorrido após a citação). Ambos os fatores terão como termo final de incidência a data do efetivo pagamento.

Por ter a autora decaído de parcela mínima de seus pedidos, arcarão as rés com custas e despesas processuais, bem assim com honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 25.000,00 (art. 20, § 4º, do CPC).

2. JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na reconvenção por DIPLOMATA COMERCIAL E INDUSTRIAL LTDA em face de MASSA FALIDA DE CHAPECÓ COMPANHIA INDUSTRIAL DE ALIMENTOS, com resolução do mérito (art. 269, I, do CPC), e:

a) CONDENO a reconvinda a restituir à reconvinte os valores que assumiram de débitos trabalhistas e com pequenos fornecedores (cláusulas décima e décima primeira), desde que comprovadamente quitados, acrescidos de correção monetária pelo INPC-IBGE desde a data do pagamento e juros de mora de 1% ao mês do trânsito em julgado, observada a restrição do art. 26 do Decreto-Lei 7.661/45.

b) CONDENO a reconvinda a indenizar a reconvinte pelas benfeitorias necessárias levadas a efeito, acrescidos os valores respectivos de correção monetária pelo INPC-IBGE desde a data do desembolso (se optar a reconvinda pelo valor de custo) ou da avaliação (se optar a reconvinda pelo valor atual), e juros de mora de 1% ao mês desde a citação.

Os valores das benfeitorias serão apurado em liquidação de sentença por arbitramento.

Por ter a reconvinte decaído de parcela mínima de seus pedidos, arcará a reconvinda com custas e despesas processuais, bem assim com honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 25.000,00 (art. 20, § 4º, do CPC).

3. DETERMINO o cumprimento de plano do julgado para que a autora arrecade e tome posse da Unidade Industrial de Xaxim, nela compreendidos todos os bens móveis e imóveis constantes da promessa de compra e venda declarada ineficaz.

Expeça-se carta precatória para a imissão da autora na posse do estabelecimento industrial em questão e todos os bens que o compõe (móveis e imóveis), garantindo-lhe a imediata remoção de toda a unidade em questão pela autora. Autorizo o uso da força policial, caso necessário.

Transitado em julgado e pagas as custas, arquivem-se os autos, com baixa na estatística.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a autora interpôs apelação (fls. 1181-1201), defendendo, preliminarmente, o descabimento da propositura de reconvenção em ação revocatória, em razão (i) da ausência de pressupostos legais, (ii) da contraditoriedade entre a procedência dos pedidos principais e dos pedidos reconvencionais e (iii) da necessidade de medida falimentar específica para constituição de crédito em desfavor da massa falida, com participação de todos os interessados. No mérito, sustenta a ausência de pressuposto essencial para restituição dos valores pleiteados pelas rés, qual seja, a boa-fé, ao argumento de que "o direito falimentar não reconhece o direito de indenização na hipótese de revogação de ato por má-fé" (fl. 1198). Defende, ainda, a prescindibilidade de liquidação de sentença, porque "no processo de falência já houve a realização de ampla avaliação dos ativos da massa, inclusive das unidades arrendadas e, mais especificamente, já foram avaliadas, mediante criterioso trabalho, todas as benfeitorias e melhorias realizadas pelas arrendatárias" (fl. 1199). Também se insurge com relação a sua condenação ao pagamento de juros sobre a indenização pelas benfeitorias necessárias, pleiteando aplicação do art. 26 do Decreto Lei n. 7.661/1945 no caso concreto para afastamento dos encargos legais. Por fim, requer a inversão do ônus sucumbencial, com a condenação da parte adversa ao pagamento integral das custas processuais e honorários advocatícios.

Igualmente inconformadas, as rés interpuseram recurso de apelação (fls. 1217-1271), sustentando, preliminarmente, (i) a ocorrência de cerceamento de defesa, diante do julgamento antecipado da lide, que impossibilitou a produção de prova pericial e testemunhal; (ii) a nulidade da sentença de primeiro grau por alteração da causa de pedir no ponto em que o Magistrado singular fundamentou a ineficácia do negócio jurídico por fraude contra credores, pois a exordial apenas indicava a ineficácia por ter sido o negócio entabulado dentro do termo legal da falência; (iii) o julgamento extra petita diante da condenação das apelantes ao pagamento de indenização pelo uso do imóvel, sendo que tal pleito não foi formulado na inicial; (iv) a ausência de interesse processual da autora, porquanto ainda não havia transitado em julgado a decisão que declarou a sua falência no momento da prolação do decisum ora guerreado, pendendo de julgamento recursos de agravo de instrumento perante o Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. No mérito, alegaram a inaplicabilidade do art. 52, VIII, do Decreto Lei n. 7661/1945 no caso concreto, pois, na sua concepção, seria o caso de aplicação do art. 53 do mesmo códex. Nesse contexto, destacam que "não houve transferência de estabelecimento comercial, mas sim, conforme se vê claramente o contrato, a contratação de compromisso de compra e venda irrevogável, que deve ser cumprido pelo síndico, na forma do art. 44, VI, do Decreto-Lei n. 7.661/45" (fl. 1235). Argumentam, ainda, a ausência de provas acerca da fraude (consilium fraudis) para fins de declaração de ineficácia da venda. Afirmam que os interesses sociais foram preservados (função social do contrato), pois "no ano de 2003, uma série de fatos fizeram que a falida demitisse todo o seu quadro de funcionário, bem como caísse em inadimplência em relação a todos os chamados pequenos fornecedores, e isso somente foi sanado com a realização dos contratos de compromisso de compra e venda que ora se hostiliza" (fl. 1252), inexistindo prejuízo para massa. Ao final, apontam a existência de recuperação judicial da requerida Diplomata S/A Industrial e Comercial, o que revelaria "irregularidade na prolação da sentença no processo originário em face da apelante e pleno prazo legal e determinação judicial de suspensão de todas as ações e execuções em face da empresa (art. , § 4º da Lei 11.101/2005)" (fl. 1254), além do desrespeito à condição especial e peculiar da empresa em recuperação judicial, uma vez que a sentença foi prolata por "juiz e comarca diferente que não acompanha as agruras da apelante recuperanda e não é guardião tampouco comprometido com os interesses de toda a coletividade do processo (mais de 4.000 credores e inúmeros empregados e interessados), fato pelo qual já traz prejuízos demasiados e insegurança no próprio processo de recuperação judicial [...] portanto, cabe sempre ao d. Juízo Recuperacional praticar todos os atos necessários e pertinentes quando se tratarem de bens que se encontre em posse da recuperanda" (fl. 1260 e 1264). Subsidiariamente, reclamam a limitação da indenização pelo uso do imóvel ao período que se sucedeu após a propositura da ação ou da decretação da falência. Postulam, também, a condenação da parte adversa ao ressarcimento das benfeitorias úteis e necessárias realizadas no imóvel. Requerem a aplicação do art. 54, § 1º e art. 124, § 2º, III, da Lei de Quebras, para fins de preferência sobre os créditos, devendo os valores serem pagos antes de qualquer outra dívida, bem como seja permitida a compensação de créditos e débitos recíprocos.

Contrarrazões às fls. 1351-1373 (rés) e fls. 1375-1411 (autora).

O Ministério Público, em parecer de lavra do Procurador de Justiça Sandro José Neis, opinou pelo (i) conhecimento e parcial provimento do recurso de apelação interposto pela Massa Falida de Chapecó Companhia Industrial de Alimentos; (ii) acolhimento da preliminar ventilada pelo Parquet, manifestando-se pela intimação da empresa Globoaves Agroavícola Ltda. para regularizar sua representação judicial e, em caso de descumprimento, pelo não conhecimento do recurso interposto por esta; e (iii) conhecimento e parcial provimento do recurso interposto pelas rés Diplomata S/A Industrial e Comercial e Globoaves Agroavícola Ltda. apenas para declarar os créditos da ré Diplomata como dívida da massa, a serem pagos como preferência sobre os créditos admitidos na falência (fls. 1421-1447).

Na sequência, após a ciência do julgado que negou seguimento ao agravo de instrumento interposto às fls. 1595-1609 para fins de reformar a decisão que não recebeu o recurso no efeito suspensivo (fls. 1611-1616) a requerida Diplomata S/A Industrial e Comercial, protocolou petição interlocutória pleiteando a atribuição de efeito suspensivo ao recurso de apelação (fls. 1451-1518).

Intimado o Ministério Público, este se manifestou pelo indeferimento do pedido, considerando que o imóvel objeto do negócio jurídico declarado ineficaz "já foi restituído à apelada e que os argumentos ora levantados não têm o condão de modificar o efeito atribuído às apelações cíveis, especialmente a aplicação do art. 56, § 2º, do Decreto-Lei 7.661/45" (fls. 1638-1641).

Ato continuo, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Cooperativas de Carnes e Derivados e da Alimentação de Xaxim - SINTRAC peticionou nos autos (fls. 1647-1649), informando a celebração de acordo com a requerida Diplomata S/A Industrial e Comercial para quitação de verbas trabalhistas devidas por esta aos seus empregados, ora representados pelo Sindicato. Informa que o acordo foi homologado no sentido de que a empresa Diplomata S/A "daria em pagamento ao SINDICATO SINTRAC, através de uma cessão de crédito, o importe de R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais), incluídos os honorários devidos ao procurador da entidade sindical, através de crédito que a empresa Diplomata possui junto à Massa Falida de Chapecó Companhia Industrial de Alimentos Ltda. decorrentes dos presentes autos" (fls. 1647-1648). Requereu, portanto, sua inclusão no feito como assistente da ré Diplomata e a salvaguarda dos valores devidos. Colacionou cópia do acordo (fls. 1650-1656)

Em seguida, aportou aos autos petição da autora Massa Falida de Chapecó Companhia Industrial de Alimentos Ltda. informando a sobrevinda da decretação da falência da requerida Diplomata S/A Industrial e Comercial, e pleiteando o indeferimento do pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso formulado pela ré (fls. 1658-1663). Colacionou documentos às fls. 1665-1834, dentre eles a cópia da sentença de convolação de recuperação judicial em falência da requerida supracitada.

Após, intimados para se manifestar sobre o pedido de habilitação formulado pelo SINTRAC, (a) a massa falida autora não se opôs, informando, contudo, que "não há crédito líquido, certo e exigível no valor de R$ 3.500.000,00 em favor da Diplomata (fls. 1837-1840), ao passo que (b) o Parquet, por meio de seu Procurador de Justiça,"por entender que os efeitos da sentença a ser prolatada nestes autos não atinge em hipótese alguma o direito efetivamente declarado nos autos daquela ação trabalhista", opinou pelo indeferimento do pedido" (fls. 1852-1856).

Depois disso e, diante da notícia de decretação da falência da ré Diplomata S/A Industrial e Comercial, determinou-se a intimação do administrador da massa falida para acompanhar o feito (fl. 1860), o qual apresentou manifestação às fls. 1870-1873.

Da análise da preliminar suscitada no parecer ministerial de fls. 1421-1447, verificou-se, de fato, existir irregularidade na representação judicial da demandada/apelante Globoaves Agroavícola Ltda., razão pela qual se determinou a intimação da insurgente para regularizar a situação, sob pena de não conhecimento do apelo (fls. 1895-1896), o que restou devidamente cumprido às fls. 1903-1904.

É o relatório.


VOTO

Cuidam os autos de recursos de apelação interpostos por Massa Falida de Chapecó Companhia Industrial de Alimentos e por Diplomata Industrial e Comercial S/A e Globoaves Agroavícola Ltda. contra sentença que nos autos da "ação declaratória falimentar de ineficácia de ato jurídico", ajuizada pela primeira em face das duas últimas, julgou parcialmente procedentes os pedidos principais e reconvencionais formulados pelas litigantes e condenou as requeridas, na ação principal, ao pagamento integral das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) ao passo que, na reconvenção, condenou a autora/reconvinda ao pagamento integral das custas processuais e da verba honorária, esta fixada também em R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais).

PEDIDO DE INTERVENÇÃO DO SINTRAC

De início, impende proceder à análise do pedido de habilitação formulado pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Cooperativas de Carnes e Derivados e da Alimentação de Xaxim - SINTRAC, diante da celebração de acordo trabalhista com a requerida Diplomata S/A Industrial e Comercial para cessão de crédito, no importe de R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais), que supostamente a ré possui junto à Massa Falida de Chapecó Companhia Industrial de Alimentos (fls. 1647-1648).

Pois bem.

A intervenção de terceiros na modalidade de assistência simples encontra amparo no art. 119 do Código de Processo Civil (correspondente ao art. 50, do CPC/73), ipsis litteris:

Art. 119. Pendendo causa entre 2 (duas) ou mais pessoas, o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la.

Parágrafo único. A assistência será admitida em qualquer procedimento e em todos os graus de jurisdição, recebendo o assistente o processo no estado em que se encontre.

Nessa senda, para admissão do terceiro no feito, revela-se necessária a demonstração de interesse jurídico no sentido de que o assistido vença a demanda, razão porque o terceiro deve agir de forma a auxiliar o assistido, sendo-lhe permitido, inclusive, produzir provas e praticar atos processuais que sejam benéficos ao assistido.

Há interesse jurídico do terceiro quando "a relação jurídica da qual seja titular possa ser reflexamente atingida pela sentença que vier a ser proferida entre assistido e parte contrária [...] o interesse meramente econômico ou moral não enseja a assistência, se não vier qualificado também como interesse jurídico" (NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil: Novo CPC. São paulo: Revista dos Tribunais, 2015. pp. 535-536).

Sobre a questão, colhe-se da doutrina de Fredie Didier Jr.:

A assistência é modalidade de intervenção de terceiro ad coadjuvandum, pela qual um terceiro ingressa em processo alheio para auxiliar uma das partes em litígio. Pode ocorrer a qualquer tempo e grau de jurisdição, assumindo o terceiro o processo no estado em que ele se encontra. Permite-se a assistência porque esse terceiro pode vir a sofrer prejuízos jurídicos com a prolação da decisão contra o assistido; esses prejuízos podem ser diretos/imediatos ou reflexos/mediatos. Àqueles corresponde a figura do assistente litisconsorcial; a esses, a do simples. A intervenção permite ao assistente, de certo modo, tentar influenciar no julgamento da causa.

O interesse jurídico é pressuposto da intervenção. Não se a autoriza quando o interesse for meramente econômico ou afetivo. Seja pelo fato de manter relação jurídica vinculada à que está deduzida, seja por ser ela própria que está deduzida (Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. v. 1. 14. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2012. pp. 364-365).

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça recentemente decidiu:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE INGRESSO NA LIDE COMO TERCEIRO PREJUDICADO. FIGURA PROCESSUAL DA ASSISTÊNCIA SIMPLES. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROPRIAMENTE JURÍDICO.

INTERESSE ECONÔMICO. DESCABIMENTO. INDEFERIMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PREJUDICADOS.

1. A orientação desta Corte Superior é firme no sentido de que a lei processual admite o ingresso de terceiro na condição de assistente simples apenas quando demonstrado seu interesse jurídico na solução da controvérsia, ou seja, quando verificada, em concreto, a existência de relação jurídica que será integrada pelo assistente que será diretamente atingida pelo provimento jurisdicional, não bastando o mero interesse econômico, moral ou corporativo.

2. Nesse particular, a redação do art. 119 do CPC/2015 não alterou, em essência, o regime jurídico processual anterior, até porque continua a exigir que a admissão da assistência simples somente pode ocorrer quando houver "terceiro juridicamente interessado".

3. No caso, não existe qualquer relação jurídica travada pela requerente, ora embargante, que será, em tese, impactada diretamente pelo deslinde desta causa, tratando-se de interesse econômico.

4. Pedido de ingresso na lide como terceiro interessado indeferido.

Embargos de declaração prejudicados.

(EDcl no REsp XXXXX/PE, rel. Min. Og Fernandes, Primeira Seção, j. 13-6-2018, grifou-se).

No caso em apreço, o Sindicato (SINTRAC) pleiteou sua habilitação nos autos, ao argumento de que firmou acordo de cessão de crédito com a ré Diplomata S/A Industrial e Comercial. Contudo, a motivação externada para fundamentar o pedido revela preocupação exclusivamente econômica, pois visa receber créditos que, em tese, a assistida teria junto à massa falida autora, o que torna incabível o pedido assistencial.

Ademais, como bem anotou o ilustre Procurador de Justiça no parecer ministerial de fls. 1852-1856, "há informação de sentença decretando a falência da ré Diplomata S/A Industrial e Comercial, de modo que possíveis créditos advindos da presente quaestio devem ser enviados ao juízo da falência, até porque a referida empresa não possuía apenas a unidade frigorifica de Xaxim, como se depreende dos autos, fato que ensejaria a preterição dos demais empregados em face dos aqui representados pelo Sindicato postulante" (fl. 1855).

Como se não bastasse, por se tratar de créditos trabalhistas, os empregados ora representados possuem preferência na ordem de credores, de acordo com o art. 83, I, da Lei n. 11.101/2005, razão pela qual o direito ao crédito não será prejudicado, independentemente do sucesso ou fracasso da ré Diplomata nesta demanda revocatória.

Assim, indefere-se o pedido de habilitação assistencial.

BREVES ESCLARECIMENTOS

Nesse momento, convém destacar que a quebra da empresa Chapecó Companhia Industrial de Alimentos (CCIA) foi decretada na data de XXXXX-4-2005, isto é, sob a égide do antigo diploma falencial (Decreto Lei n. 7.661/45), motivo pelo qual a lide será dirimida à luz do referido estatuto normativo e não sob os ditames da Lei n. 11.101/2005.

De outra banda, impende ressaltar ser incontroversa (art. 334, II e III, CPC/73) a pactuação de negócio jurídico de compra e venda entre a massa falida autora (antiga CCIA) e a ré Globoaves Agroavícola Ltda., na data de XXXXX-12-2003 (fls. 39-53), por meio do qual aquela alienou a esta um estabelecimento industrial denominado "Unidade Industrial de Abate de Aves de Xaxim". Igualmente inconteste o fato de ter a agroavícola, na sequência, por meio de contrato particular de cessão de direitos e obrigações e aditivos de fls. 54-61, cedido o prefalado estabelecimento comercial para Diplomata S/A Industrial e Comercial, também demandada.

De mais a mais, embora a decretação da falência tenha ocorrido em XXXXX-4-2005, após o descumprimento da concordata preventiva obtida no dia XXXXX-1-2004 (fls. 111-140), a sentença fixou seu termo legal em XXXXX-11-2003, ou seja, 60 (sessenta) dias antes do ajuizamento da concordata preventiva descumprida, resultando indiscutível, ainda, que o compromisso de compra e venda sub examine foi firmado dentro do prazo legal da falência.

Feitas estas observações, passa-se à análise das insurgências recursais das partes, destacadamente.

RECURSO DA AUTORA

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

1 Descabimento de reconvenção em ação revocatória

Busca a autora/recorrente o reconhecimento da inadmissão da propositura de reconvenção em ação revocatória, diante da ausência de pressupostos legais, bem como em razão da contraditoriedade da sentença de parcial procedência dos pedidos principais e reconvencionais, além da necessidade de medida falimentar para constituição de crédito em desfavor da massa falida, que permita participação de todos os interessados.

Razão, adianta-se, assiste à insurgente.

Com efeito, trata-se a reconvenção de um modo de exercício do direito de ação sob a forma de contra-ataque do réu em desfavor do autor, dentro de um processo já iniciado, cujo processamento ocorrerá de modo simultâneo com a ação principal, de sorte que o Magistrado analisará e resolverá ambas as demandas na mesma sentença.

Sobre a resposta do réu, na seção "da reconvenção", o antigo Código de Processo Civil dispunha, ipsis litteris:

Art. 315. O réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa.

Parágrafo único. Não pode o réu, em seu próprio nome, reconvir ao autor, quando este demandar em nome de outrem.

[...]

Art. 318. Julgar-se-ão na mesma sentença a ação e a reconvenção.

Nesse andar, é consabido que, embora os pedidos principais e reconvencionais não necessitem apresentar perfeita identidade, devem possuir compatibilidade entre si, sob pena de não se admitir a reconvenção.

Em alguns casos o próprio legislador se encarrega de evidenciar a incompatibilidade entre a reconvenção e o processo e/ou procedimento em curso, proibindo expressamente a propositura do pedido contraposto, como ocorre nos casos de pleito de separação judicial em divórcio (LDi, art. 36) e na execução fiscal (art. 16, § 3º, LEF). Por outro lado, em determinados processos, são suas próprias características que revelam a incompatibilidade com a demanda reconvencional.

Atualmente, as ações declaratórias de ineficácia/revocatórias de atos do falido denotam incompatibilidade com a reconvenção em razão das suas características, pois, embora na antiga Lei de Falencias (DL 5.746/1929) se tenha expressamente previsto que "a ação revocatória correrá perante o juiz da falência e o devedor não poderá opor compensação, nem reconvenção", o diploma vigente ao tempo do ato jurídico (DL 7.661/1945) foi omisso a respeito, nada dispondo sobre a reconvenção.

Ocorre que o princípio da vedação à reconvenção na aludida ação permanece hígido e aplicável, fundado na necessidade de moralização dos processos falimentares e na imprescindibilidade de punição da fraude contra credores. Ora, "o terceiro, credor da massa falida por título hábil, dele não poderá valer-se para, em defesa direta, obter a compensação na ação revocatória contra ele movida pelo síndico, e nem a compensação judicial mediante a reconvenção" (REZENDE FILHO, Gabriel. Ações que não admitem a reconvenção, Journals USP, 1957. Disponível em www.journals.usp.br/rfdusp/article/download/66282/ 68892. Acesso em XXXXX-1-2019).

Acerca do tema, Yussef Said Cahali leciona:

Mencionou-se anteriormente que não cabe reconvenção na ação revocatória, visando a reparação de prejuízos provocados pela revogação, em virtude de inexistência de conexão entre as duas causas; acrescentando-se que a ressalva do art. 54, § 3º, da LF, aos terceiros de boa-fé, da ação de perdas e danos, a todo o tempo, contra o falido, reclama ação própria, contra o falido, pessoalmente, ainda que possa ser intentada no curso do processo de falência.

Na realidade, e com maior amplitude, a doutrina assinala, de maneira uniforme, ser inadmissível reconvenção no processo revocatório: A reconvenção, no que importa demanda contra a massa, revela-se incompatível com a ação revocatória; esta tende a restabelecer o estado quo ante ao ato impugnado, isentando a massa dos efeitos jurídicos que decorreriam desse ato; revogado o ato, se for caso de restituição dos bens à massa, esta se fará nos termos do art. 54 e seus parágrafos do Estatuto Falencial; o regime paritário no tratamento dos credores e da coisa sujeita à execução, próprio da falência, determina que o terceiro que, por efeito da revocatória, tiver de restituir o que havia recebido, reassumirá o anterior estado de direito e participará dos rateios, se quirografário, ou será admitido como credor quirografário pelo que tiver prestado em razão do contrato declarado ineficaz (Fraude contra credores. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. pp. 850-851).

Em caso idêntico, inclusive envolvendo as mesmas partes e causa de pedir, este Tribunal de Justiça assentou:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVOCATÓRIA. PROCEDÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA E JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. INFRAÇÃO AO DISPOSTO NO ARTIGO 52, VIII DO DECRETO-LEI N. 7.661/45 VERIFICADA. VENDA DE ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL NO TERMO LEGAL DA FALÊNCIA. CIÊNCIA PELO COMPRADOR DO ESTADO DE INSOLVÊNCIA DA VENDEDORA, ATESTADO POR CLÁUSULA CONTRATUAL. INEXISTÊNCIA DE CONCORDÂNCIA EXPRESSA OU TÁCITA DOS DEMAIS CREDORES COM A NEGOCIAÇÃO QUESTIONADA. INEFICÁCIA DO ATO NEGOCIAL PERANTE À MASSA, VERIFICADA. DEVER DA COMPRADORA DE PAGAMENTO DE VALOR A TÍTULO DE ALUGUEL PELA OCUPAÇÃO/UTILIZAÇÃO DO ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL, DEVIDO.

[...]

RECONVENÇÃO.INADMISSIBILIDADE.

É inadmissível a reconvenção em ação revocatória falimentar, eis que "esta tende a restabelecer o estado quo ante ao ato impugnado, isentando a massa dos efeitos jurídicos que decorreriam desse ato; revogado o ato, se for caso de restituição dos bens à massa, esta se fará nos termos do art. 54 e seus parágrafos do Estatuto Falencial; o regime paritário no tratamento dos credores e da coisa sujeita à execução, próprio da falência, determina que o terceiro que, por efeito da revocatória, tiver de restituir o que havia recebido, reassumirá o anterior estado de direito e participará dos rateios, se quirografário, ou será admitido como credor quirografário pelo que tiver prestado em razão do contrato declarado ineficaz" (Yussef Said Cahali, FRAUDES CONTRA CREDORES, 2ª edição, RT, p. 868).

RECURSOS CONHECIDOS, NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DA REQUERIDA E DADO PROVIMENTO AO RECURSO DA AUTORA. (Apelação Cível n. 2014.001103-7, de Chapecó, rel. Des. Rubens Schulz, Câmara Especial Regional de Chapecó, j. 5-10-2015, grifou-se).

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em caso semelhante, decidiu:

Processual civil. Recurso. Agravo de instrumento. Prazo. Alegação de extemporaneidade. Inocorrência. Alegação de preclusão. Decisão agravada que apreciou a controvérsia sobre o cabimento da reconvenção. Recurso conhecido. Ação revocatória. Pretensão à devolução da quantia paga, em caso de procedência, e de indenização pelas despesas, tributos, acessões e benfeitorias, deduzida em reconvenção. Desnecessidade em relação à primeira e ilegitimidade da massa falida em relação às demais. Recurso provido (Agravo de Instrumento XXXXX-33.2009.8.26.0000, rel. Des. Boris Kauffmann; Foro de Cubatão, j. 6-7-2010, grifou-se).

In casu, a ação revocatória objetiva a declaração de ineficácia do negócio jurídico firmado com as requeridas, encontrando-se o objeto da lide falimentar atrelado, consequentemente, ao retorno de bens ao patrimônio da massa falida. Por outro lado, objetiva a reconvinte a indenização pelos danos decorrentes do prefalado retorno ao status quo ante, com a restituição de valores desembolsados no negócio e/ou decorrentes de benfeitorias úteis e necessárias levadas a efeito no imóvel objeto de negociação.

Dessarte, no caso concreto, a habilitação no processo de falência seria o caminho mais correto a ser perseguido pela credora/reconvinte, revelando-se evidente a existência de incompatibilidade entre os pedidos principais e reconvencionais.

Diante do exposto, mostra-se necessária a cassação parcial da sentença para fins de extinguir, sem resolução de mérito, os pedidos reconvencionais formulados por Diplomata S/A Industrial e Comercial, diante do reconhecimento da falta do interesse de agir da reconvinte, na modalidade adequação, com supedâneo no art. 485, inciso VI, do atual Diploma Instrumental (correspondente ao art. 267, VI, do CPC/1973),

Ressalta-se, por fim, como bem sinalizou o douto Procurador de Justiça em seu parecer de fls. 1421-1447 que, "em relação aos pedidos de restituição e/ou indenização formulados na reconvenção, estes são consequência de eventual procedência da ação revocatória, uma vez que as partes deverão voltar ao estado anterior com a declaração de ineficácia do ato pretendida, sendo, portanto, desnecessário qualquer pedido reconvencional nesse sentido" (fl. 1427).

2 Restituição de valores e indenização por benfeitorias necessárias

No mérito, a autora sustenta a ausência de boa-fé das requeridas para restituição dos valores a título de débitos trabalhistas e outros assumidos com pequenos fornecedores, bem como de indenização pelas benfeitorias necessárias levadas a efeito no imóvel transferido, ao argumento de que "o direito falimentar não reconhece o direito de indenização na hipótese de revogação de ato por má-fé" (fl. 1198).

O apelo, contudo, não comporta guarida.

Isso porque, como bem destacou o ilustre Procurador de Justiça em seu parecer de fls. 1421-1447, "declarada a ineficácia do compromisso de compra e venda, evidente a obrigação da massa em restituir os valores que a empresa Diplomata assumiu referente aos débitos trabalhistas e com pequenos fornecedores, desde que comprovadamente quitados, diante da necessidade de restauração do status quo ante" (fl. 1429).

Com efeito, o art. 54, § 1º do Decreto Lei n. 7.661/1945 dispunha que "a massa restituirá o que tiver sido prestado pelo contraente, salvo se do contrato ou ato não auferiu vantagem, caso em que o contraente será admitido como credor quirografário".

Desse modo, considerando que a empresa Globoaves Agroavícola Ltda. contraiu a obrigação de responder e saldar dívidas da Chapecó Companhia Industrial de Alimentos com "débitos para com os pequenos fornecedores da Unidade Industrial de Abate de Aves Xaxim [...] e débitos trabalhistas para com ex-empregados da Unidade Industrial de Abate de Aves Xaxim, consubstanciados no acordo trabalhista reproduzido no anexo B [...]" (fls. 39-53), põe-se em evidência que a declaração de ineficácia do ato, com restauração do estado anterior das partes, remonta a necessidade de restituição dos valores pela massa falida, independentemente da boa-fé ou má-fé das contraentes.

Ainda, com relação às benfeitorias necessárias, não há que se falar em impossibilidade de indenizar as requeridas, porquanto o direito de indenização encontra amparo no Código Civil, o qual não estabelece qualquer restrição acerca da condição (de boa-fé ou má-fé) do contraente para configuração do direito de receber a reparação. Confira-se:

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.

Sendo assim, mantém-se a sentença a quo no tocante à condenação da massa falida autora à restituição da importância que a empresa Diplomata (cessionária da ré Globoaves Agroavícola Ltda.) assumiu com débitos trabalhistas e/ou com pequenos fornecedores, acaso comprovadamente quitados os valores, assim como ao pagamento de indenização pelas benfeitorias necessárias realizadas na unidade industrial alienada.

3 Prescindibilidade de liquidação de sentença

Sustenta a autora a prescindibilidade de liquidação de sentença, porque "no processo de falência já houve a realização de ampla avaliação dos ativos da massa, inclusive das unidades arrendadas e, mais especificamente, já foram avaliadas, mediante criterioso trabalho, todas as benfeitorias e melhorias realizadas pelas arrendatárias" (fl. 1199).

Sem razão.

É que, embora a sentença de primeiro grau mencione a existência de avaliação dos ativos da massa realizada na ação falimentar (fl. 1148), em análise detida do processado, verifica-se não se encontrar o referido documento colacionado aos autos, razão pela qual imprescindível a apuração dos valores das benfeitorias necessárias em sede de liquidação de sentença, na forma determinada pelo Juiz singular.

Logo, nega-se provimento ao recurso no ponto.

4 Juros sobre a condenação ao pagamento das benfeitorias

Também se insurge a massa falida autora com relação a sua condenação ao pagamento de juros sobre a indenização pelas benfeitorias necessárias, pleiteando aplicação do art. 26 do Decreto Lei n. 7.661/1945 para afastamento dos encargos legais.

O pleito merece acolhimento.

Com efeito, o art. 26 do Decreto Lei n. 7.661/1945, vigente à época da decretação da quebra, previa que os juros, ainda que pactuados, deveriam incidir apenas se, ao final da satisfação de todos os credores, sobejassem recursos na massa ativa. Senão vejamos:

Art. 26. Contra a massa não correm juros, ainda que estipulados forem, se o ativo apurado não bastar para o pagamento do principal.

Parágrafo único. Excetuam-se desta disposição os juros das debêntures e dos créditos com garantia real, mas por eles responde, exclusivamente, o produto dos bens que constituem a garantia.

Nesse trilho, colhe-se de precedentes deste Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO - EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL - EXPORTAÇÃO DE CALÇADOS POR INTERMÉDIO DE SUPOSTA EMPRESA EXPORTADORA - ICMS - IMUNIDADE TRIBUTÁRIA - EXIGÊNCIAS LEGAIS NÃO SATISFEITAS - ISENÇÃO INDEVIDA - RECURSO DESPROVIDO

[...]

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL - SUPERVENIENTE DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA COM BASE NO DECRETO-LEI N. 7.661/45 - CORREÇÃO MONETÁRIA - SUSPENSÃO POR UM ANO A PARTIR DA DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA - VENCIDO O PRAZO E NÃO QUITADA A DÍVIDA NOS TRINTA DIAS SUBSEQÜENTES, A CORREÇÃO MONETÁRIA SERÁ CALCULADA ATÉ O EFETIVO PAGAMENTO, INCLUINDO-SE O PRAZO DE SUSPENSÃO - JUROS MORATÓRIOS - INCIDÊNCIA ATÉ A SENTENÇA DECLARATÓRIA DA FALÊNCIA E APÓS A COBRANÇA FICA CONDICIONADA À EVENTUAL SOBRA DE RECURSOS FINANCEIROS DA MASSA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MAJORAÇÃO - RECURSO E REMESSA NECESSÁRIA PROVIDOS.

[...]

Da falida não podem ser cobrados juros de mora, salvo se os bens da massa comportarem a cobrança (art. 26, da Lei de Falencias). Quer dizer: fluem, e devem ser pagos normalmente os juros de mora contados até a data da decretação da quebra, após o que o pagamento deles dependerá de eventual sobra de recursos financeiros da massa

[...]

(Apelação Cível n. 2007.018095-2, de Caçador, rel. Des. Jaime Ramos, Quarta Câmara de Direito Público, j. 13-12-2007, grifou-se).

AÇÃO DE EXECUÇÃO LASTREADA EM DUPLICATAS NÃO ACEITAS, ACOMPANHADAS DOS COMPROVANTES DE ENTREGA DAS MERCADORIAS, NOTAS FISCAIS E INSTRUMENTOS DE PROTESTO - POSTERIOR DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA DA DEVEDORA - CONVERSÃO DO PROCEDIMENTO EXPROPRIATÓRIO EM HABILITAÇÃO DE CRÉDITO - DECISÃO QUE AUTORIZA A INCIDÊNCIA DE JUROS MORATÓRIOS APÓS A 'QUEBRA' - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO PARA ADMITIR A FLUÊNCIA DOS JUROS DE MORA RELATIVOS AO PERÍODO POSTERIOR AO DA DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA APENAS SE A APURAÇÃO DO ATIVO DA MASSA FOR SUFICIENTE PARA O PAGAMENTO DO PRINCIPAL, DESTINANDO-SE A QUANTIA QUE SOBEJAR À QUITAÇÃO DO ACESSÓRIO - APLICAÇÃO DO ART. 26 DO DECRETO-LEI N. 7.661/45. (Apelação Cível n. 2000.015330-3, de Lages, rel. Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 29-4-2004, grifou-se).

Assim, no tocante à condenação da massa falida ao pagamento de indenização pelas benfeitorias necessárias, afasta-se a incidência dos juros de mora de 1% ao mês, desde a citação, resultando condicionada a aplicação destes encargos moratórios à existência de passivo suficiente à quitação da dívida principal, consoante disposto no art. 26 do Decreto Lei n. 7.661/1945.

RECURSO DAS DEMANDADAS

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido, ao menos em parte.

1 Recebimento do recurso no efeito suspensivo

As recorrentes pleiteiam o recebimento do presente recurso de apelação no efeito suspensivo, a fim de evitar prejuízo irreparável ou de difícil reparação até a reforma do decisum.

No entanto, o pedido não deve ser conhecido.

É que, no caso, o pleito em questão já foi objeto de apreciação pelo juízo a quo (fl. 1274), que, por se tratar de ação declaratória falimentar de ineficácia de ato jurídico, fundada no art. 52, VIII, do DL 7.661/45, recebeu o recurso apenas no efeito devolutivo, com fulcro no art. 56, § 2º do mesmo códex, decisão objeto de agravo de instrumento (fls. 1276-1337), o qual, entretanto, foi desprovido por este e. Tribunal de Justiça (fls. 1584-1591), de modo que resta preclusa a matéria.

Sobre o fenômeno da preclusão, colhe-se da lição de Humberto Thedoro Júnior:

Embora não se submetam as decisões interlocutórias ao fenômeno da coisa julgada material, ocorre a elas a preclusão, de que defluem consequências semelhantes às da coisa julgada formal.

Dessa forma, as questões incidentalmente discutidas e apreciadas ao longo do curso processual não podem, após a respectiva decisão, voltar a ser tratadas em fases posteriores do processo.

Não se conformando a parte com a decisão interlocutória proferida pelo juiz (art. 162, § 2º), cabe-lhe o direito de recurso através do agravo de instrumento (art. 522). Mas se não interpõe o recurso no prazo legal, ou se ele é rejeitado pelo tribunal, opera-se a preclusão, não sendo mais lícito à parte reabrir discussão, no mesmo processo, sobre a questão. (Curso de Direito Processual Civil: processo de execução e processo cautelar. 43. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. v. 1. p. 576).

Desta Corte de Justiça, confira-se: Apelação Cível n. 2007.050849-7, rel. Des. Cláudio Valdyr Helfenstein, j. em XXXXX-10-2009; Apelação Cível n. 2012.021513-4, rel. Des. Dinart Francisco Machado, j. em XXXXX-5-2012; e Apelação Cível n. 2008.015868-0, rel. Des. Tulio Pinheiro, j. em XXXXX-3-2013.

Portanto, considerando que a responsabilidade pela atribuição dos efeitos ao recurso de apelação, ao tempo da vigência do CPC/1973, era do juízo singular, cuja decisão desafiava o manejo do recurso de agravo de instrumento, e, interposto o recurso, teve negado o provimento, repousa preclusa a temática, sendo inviável rediscuti-la infindavelmente no feito.

Por fim, ad argumentandum tantum, o presente julgamento das apelações acarretaria, de toda forma, na perda superveniente do objeto da pretensão, revelando-se inócua a medida pretendida.

Desse modo, não se conhece da insurgência no ponto.

2 Preliminares

2.1 Cerceamento de defesa

As rés/recorrentes defendem, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa, diante do julgamento antecipado da lide, que teria obstaculizado a produção de provas pericial e testemunhal, para demonstrar "o valor de mercado do imóvel no momento da pactuação, bem como de todas as tratativas, negociações preliminares, circunstâncias que envolveram a negociação" (fl. 1221).

Pois bem.

A sentença objurgada julgou antecipadamente a lide, consignando que "a questão de fundo a ser dirimida é apenas de direito, estando os fatos suficientemente provados pelos documentos apresentados pelas partes na fase postulatória" (fl. 1137). Acrescentou o Magistrado que "a tese deduzida na petição inicial (alienação de estabelecimento comercial dentro do termo da falência) sustenta-se em dados eminentemente objetivos, os quais são aferíveis tão somente por meio da análise da prova documental" (fl. 1137).

In casu, verifica-se que o Juiz a quo procedeu ao julgamento antecipado da lide sob o argumento de que a realização de prova testemunhal/pericial seria dispensável, pois os documentos colacionados aos feitos eram suficientes à formação de seu convencimento. É dizer, mesmo que a oitiva de testemunhas viesse ao encontro do sustentado pelas requeridas, e inclusive fosse colacionada aos autos a perícia pretendida, a tutela jurisdicional entregue permaneceria inalterada.

E, nesse palmilhar, irretocável a decisão do Togado singular.

Com efeito, o revogado Código de Processo Civil previa, em seu art. 330, inciso I, que "o Juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença: quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência".

Assim, consoante já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, "para que se tenha por caracterizado o cerceamento de defesa, em decorrência do indeferimento de pedido de produção de prova, faz-se necessário que, confrontada a prova requerida com os demais elementos de convicção carreados aos autos, essa não só apresente capacidade potencial de demonstrar o fato alegado, como também o conhecimento desse fato se mostre indispensável à solução da controvérsia, sem o que fica legitimado o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 330, I, do Código de Processo Civil" (EDcl no AgRg no REsp XXXXX/SP, Rel. Min. Castro Filho, j. 18-2-2003).

O novo Código de Processo Civil, de seu turno, também assenta que "o juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando não houver necessidade de produção de outras provas" (art. 355, I).

Ainda, impende ressaltar que o Magistrado é o destinatário das provas, em face das circunstâncias de cada caso, nos termos dos artigos 130 e 131, do CPC/1973 (correspondentes aos artigos 370 e 371, do CPC/2015), in verbis:

Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que Ihe formaram o convencimento.

Nessa senda, considerando a documentação acostada aos autos e em se tratando de matéria exclusivamente de direito, despicienda, de fato, a oitiva de testemunhas e o deferimento da produção da prova pericial e/ou documental requerida.

Ademais, o julgamento antecipado da lide não é capaz de, por si só, violar o princípio constitucional da ampla defesa, conforme julgado desta Corte citado na obra de Hélio do Valle Pereira:

Inocorre cerceamento de defesa se não atendido pedido expresso de produção de prova. A admitir-se que simples requerimento nesse sentido não pode ser desatendido, com apoio no art. 5º, LV, da Constituição Federal, nenhuma ação, nenhum processo, teria o seu desfecho sem dilação probatória, mesmo que inútil ou vazia de significado, já que é praxe, rotina ou vezo generalizado no labor diário do bacharel em ciências formular pretensão de tal teor, ao termo da inicial ou da contestação (TJSC, AC XXXXX-3, rel. Des. Napoleão Amarante). (Manual de direito processual civil. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. pp. 459-460).

Com efeito, ao Togado estava franqueado indeferir realização de diligência quando entendesse inútil ou protelatória, mormente no processo em exame, em que a questão de direito discutida se resume ao enquadramento ou não da situação fática (venda de estabelecimento comercial dentro do prazo legal da falência) em hipótese caracterizadora de conduta que torna ineficaz o ato jurídico, nos termos do art. 52, do Decreto Lei n. 7.661/1945, a demonstrar a irrelevância dos pretendidos meios de prova.

Nesse sentido, já decidiu este Sodalício:

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. RECURSO DOS DEVEDORES.

JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DEFESA. TÍTULO ACEITO. DILAÇÃO PROBATÓRIA PRESCINDÍVEL. PREFACIAL RECHAÇADA.

DUPLICATA ACEITA. DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI. INVIABILIDADE. DESVINCULAÇÃO DA CAUSA ORIGINÁRIA. DESNECESSIDADE, POR TAL MOTIVO, DE APRESENTAÇÃO DE NOTAS FISCAIS E COMPROVANTE DE ENTREGA DE MERCADORIAS. DUPLICATA FORMALMENTE PERFEITA. TÍTULO EXECUTIVO APTO A INSTRUIR A EXECUCIONAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 15, I, DA LEI N. 5.474/68. SENTENÇA MANTIDA. RECLAMO CONHECIDO E DESPROVIDO.

"Ainda que a duplicata mercantil tenha por característica o vínculo à compra e venda mercantil ou prestação de serviços realizada, ocorrendo o aceite - como verificado nos autos -, desaparece a causalidade, passando o título a ostentar autonomia bastante para obrigar a recorrida ao pagamento da quantia devida, independentemente do negócio jurídico que lhe tenha dado causa." (REsp XXXXX/MG, rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. em 13.02.2007) (Apelação Cível n. 2008.004256-9, de Tubarão, rel. Des. Gerson Cherem II, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 10-10-2013).

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PROVA QUE SERIA INCAPAZ DE ALTERAR O RESULTADO DO JULGAMENTO. DUPLICATA ACEITA. ARTIGO 15, INCISO I, DA LEI N. 5.474, DE 18.7.1968. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. POSSIBILIDADE DA COBRANÇA PELA VIA EXECUTIVA. PRESENÇA DAS CARACTERÍSTICAS DE LIQUIDEZ, CERTEZA E EXIGIBILIDADE. ARTIGOS 585, INCISO I, E 586 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DUPLICATA FORMALMENTE PERFEITA. DOCUMENTOS SUFICIENTES PARA COMPROVAR A RELAÇÃO NEGOCIAL E O INADIMPLEMENTO DA EMBARGANTE. ALEGAÇÃO DE PAGAMENTO PARCIAL. PROVA DA QUITAÇÃO INEXISTENTE. ÔNUS PROBATÓRIO. ARTIGO 333, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

1. Não há cerceamento de defesa, em razão do julgamento antecipado da lide, quando os elementos constantes dos autos são suficientes para formar o convencimento do magistrado e a matéria a ser apreciada dispensa a produção da prova reclamada.

[...]

5. Ao autor incumbe a prova dos atos constitutivos de seu direito e ao réu o de provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito pleiteado (Apelação Cível n. 2010.062665-4, de Joinville, rel. Des. Jânio Machado, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 14-2-2013).

Logo, afasta-se a preliminar em foco.

2.2 Alteração da causa de pedir

Argumentam as apelantes, ainda, que a autora não fundamentou seus pedidos exordiais na ocorrência de fraude contra credores, mas que, no entanto, tal temática fora enfrentada pela sentença, revelando, na sua concepção, a alteração da causa de pedir.

Todavia, maiores digressões são desnecessárias para afastar esta tese das insurgentes, porquanto a discussão acerca da (des) necessidade de demonstração da ocorrência de fraude para declaração da ineficácia do ato jurídico foi trazida à tona pelas próprias rés, em sede se contestação (fls. 482-484), o que obrigou a apreciação da questão no decisum, cabendo ao Togado a quo a qualificação juridica dos fatos, em prestígio à teoria da substanciação adotada pelo ordenamento brasileiro.

Nesse palmilhar, consoante orientação jurisprudencial, "não há falar em sentença extra petita quando os fundamentos jurídicos que a suportarem houverem sido suscitados pelas partes no decorrer do processo" (TJSC, Apelação Cível n. 2000.012807-4, de Tangará, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 9-11-2009).

Na mesma senda, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REVOCATÓRIA. DECRETO-LEI 7.661/45. FRAUDE RECONHECIDA. REEXAME. SÚMULAS N. 7 E 83-STJ. NÃO PROVIMENTO.

1. Não há óbice ao reconhecimento da fraude a credores em razão da parte invocar dispositivos próprios da revogada Lei de Falencias. Isso porque nas instâncias ordinárias vigoram os princípios jura novit curia e da mihi factum dabo tibi jus, pelos quais o julgador não se adstringe ao direito invocado pela parte, podendo aplicar norma jurídica diversa para o julgamento da causa.

[...]

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp XXXXX/SC, rela. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. 5-3-2013, grifou-se).

À vista disso, não havendo que se falar em alteração da causa de pedir pelo Magistrado singular, rejeita-se a prefacial em tela.

2.3 Julgamento extra petita

Asseveraram as insurgentes, também, que "o pedido contido na inicial era de ineficácia da alienação realizada, com conversão substancial em locação" (fl. 1226) e que, por tal razão, ocorreu julgamento extra petita no ponto em que o Juiz de primeiro grau condenou as requeridas ao pagamento de indenização pelo uso do imóvel desde XXXXX-12-2003.

Razão, contudo, não lhes socorre.

Isso porque, ainda que não houvesse pedido expresso no sentido de condenar as demandadas ao ressarcimento pelo uso do imóvel, tal condenação deriva da própria procedência dos pedidos revocatórios - reconhecimento da ineficácia do ato jurídico -, sendo decorrência lógica do retorno das partes ao estado anterior, pois as apeladas utilizaram o bem de raiz e receberam todas as vantagens advindas do estabelecimento comercial, incluindo lucros do negócio, de modo que o pagamento pelo uso do imóvel é medida imperativa, sob pena de enriquecimento ilícito das requeridas.

A respeito do tema, Marlon Tomazette leciona que "com a declaração da ineficácia do ato, as partes deverão retornar ao estado anterior, com a restituição do que saiu do patrimônio do devedor, bem como deve ser restabelecida a situação anterior entre os credores" (Curso de direito empresarial: falência e recuperação de empresas. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 493).

Do contrário, estar-se-ia fomentando o uso de todos os bens móveis e imóveis da Unidade Industrial de Aves de Xaxim, sem qualquer contraprestação, ou seja, às expensas da massa falida, em violação ao art. 884 do Código Civil ("aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários").

Da mesma maneira, o pedido subsidiário formulado pelas rés para limitação da indenização pelo uso do imóvel "ao período que se sucedeu após a propositura da ação ou da decretação da falência", não merece acolhimento, porquanto, da declaração de ineficácia do negócio jurídico e consequente determinação do retorno das partes ao status quo ante, exsurge o reconhecimento de que a "Unidade de Abate de Aves Xaxim" em tempo algum pertenceu às apeladas. Assim, a ocupação no imóvel era de todo indevida pelas apelantes, devendo ser ressarcida a massa falida por todo o período, desde XXXXX-11-2003, até o momento da desocupação.

Por tal razão, deve ser mantida a sentença de primeiro grau.

2.4 Ausência de interesse processual

Postulam as demandadas/apelantes o reconhecimento da ausência de interesse processual da massa falida autora, ao argumento de que ainda não havia transitado em julgado a decisão que declarou sua falência no momento da prolação do decisum ora guerreado, pendendo de julgamento, inclusive, recursos de agravo de instrumento perante o Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.

Sem razão as recorrentes.

É que, como bem delineou o Magistrado singular, "em que pese não ter havido o trânsito em julgado da sentença que decretou a falência da Chapecó Companhia Industrial de Alimentos à época do ajuizamento desta ação, a jurisprudência é iterativa ao afirmar que, em hipóteses tais, a ação revocatória pode ser conhecida como ação pauliana, tendo em vista a coincidência entre os pressupostos fáticos de ambas as demandas" (fl. 1138).

Sobre o assunto, Yussef Said Cahali esclarece:

Conquanto a lei seja omissa a respeito do termo inicial (dies a quo) para a propositura da ação pelo síndico, é pacífico o entendimento no sentido de que, investido da função e tão logo tome conhecimento do ato ineficaz praticado pelo devedor, tome a iniciativa da ação revocatória em defesa do patrimônio da massa; a ação revocatória deve ser proposta pelo síndico, como dever compreendido nas atribuições legais, como administrador da massa, na defesa desta, e estas atribuições nascem do dia em que assume o compromisso; embora não publicado o aviso referido no art. 114, parágrafo único, da LF, já está legitimado para a propositura da ação revocatória, não sendo de exigir-se que se aguarde a publicação do referido aviso (Fraude contra credores. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 842).

Em caso idêntico, já decidiu este Tribunal de Justiça:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA FALIMENTAR DE INEFICÁCIA DE ATO JURÍDICO. SENTENÇA PARCIALMENTE PROCEDENTE. INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES [...] RECLAMO DA RÉ. PRELIMINARES.

ALEGADA A AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR PELO MANEJO DA AÇÃO REVOCATÓRIA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DO DECRETO FALIMENTAR. TEMA RECHAÇADO. AÇÃO QUE PODE SER ANALISADA DE ACORDO COM O CÓDIGO CIVIL, NA FIGURA DO VÍCIO DE FRAUDE CONTRA CREDORES. PRECEDENTE DESTA CORTE. "[...] PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DIRECIONADA CONTRA A PRIMEIRA AÇÃO AO ARGUMENTO DE SER INVIÁVEL A PROPOSITURA DA REVOCATÓRIA ANTERIORMENTE À DECRETAÇÃO DA QUEBRA - REJEIÇÃO - VIABILIDADE DO CONHECIMENTO DO PLEITO COM FUNDAMENTO EM VÍCIO SOCIAL DE FRAUDE CONTRA CREDORES - ADEQUAÇÃO, ADEMAIS, ENTRE AS DEMANDAS PAULIANA E REVOCATÓRIA, PERMITINDO A CONVERSÃO DA PRIMEIRA EM RAZÃO DA SUPERVENIENTE FALÊNCIA DA ALIENANTE. [...]" (TJSC, Apelações Cíveis n. 2003.028560-1 e 2003.028.028561-0, 3ª Câmara de Direito Comercial, Relator Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, julgado em 29.09.2005).

[...]

(Apelação Cível n. XXXXX-90.2007.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. José Maurício Lisboa, 1ª Câmara de Enfrentamento de Acervos, j. 19-9-2018, grifou-se).

E do inteiro teor do voto exarado pelo então Desembargador Marco Aurélio Gastaldi Buzzi (hoje Ministro do Superior Tribunal de Justiça), nos autos das Apelações Cíveis ns. 2003.028560-1 e 2003.028561-0, julgadas em XXXXX-9-2005, confira-se:

Na espécie, embora fosse, de fato, inadequado o manejo da ação revocatória, porquanto tal demanda somente pode ser proposta até um ano após a publicação do aviso publicado pelo síndico de que se iniciará a apuração do ativo e do passivo da falida, conforme se depara da leitura dos arts. 56, § 1, e 114, parágrafo único, ambos do DL 7.661/45, tal circunstância não implica no acatamento da prefacial levantada pelos réus/apelantes.

Em verdade, a pretensão deduzida pelas autoras [...] quando ajuizaram ação revocatória ainda no curso da ação de concordata, tinha amparo no vício social de fraude contra credores, regulado pelo Código Civil de 1916, uma vez que visavam a desconstituição de ato jurídico danoso ao seu patrimônio, em vista da iminente insolvência da sociedade empresária concordatária, tratando-se, portanto de ação pauliana e não de ação falencial revocatória.

O fato do pedido estar lastrado nos artigos pertinentes à Lei de Quebras não tem o condão de impedir o conhecimento do mérito da demanda, pois em nosso sistema processual vige, em termos de causa de pedir, o princípio da substanciação, o qual reflete os antigos brocardos de direito romano: da mihi factum dabo tibi jus e jura novit cúria. Quer isso dizer que, estando os fatos devidamente correlacionados com o pedido veiculado na demanda, o juiz pode prolatar a sentença sob fundamentos legais diversos daqueles aduzidos pelas partes, não importando a qualificação jurídica dada por elas aos fatos constitutivos dos direitos invocados na demanda, tampouco o nome empregado à ação.

[...]

Ademais, dadas as inúmeras semelhanças entre a ação pauliana e a revocatória falencial, a doutrina reconhece até mesmo a fungibilidade entre essas duas espécies de demandas, sendo possível a conversão de ação pauliana, proposta anteriormente à decretação da quebra, em revocatória, porquanto, havendo o sucesso do pedido calcado nos dispositivos do Código Civil, o bem cuja alienação for desfeita será incorporado à massa falida (grifou-se).

A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro não destoa:

Direito Empresarial. Satecar Administração de Cónsórcios Ltda. Ação Pauliana proposta pela massa falida antes do decreto de falência. Possibilidade. Legitimidade da Massa falida. Fungibilidade e cumulatividade entre as ações pauliana e revocatória falimentar. Precedentes jurisprudenciais.

[...]

Desprovimento do recurso. (Apelação Cível n. XXXXX-64.2008.8.19.0001, Sexta Câmara Cível, rel. Des. Nagib Salibi, j. 30-10-2003, grifou-se).

Ademais, ao contrário do que defendem as apelantes, "o interesse processual da Massa Falida, nasce já com a decretação da falência, sem a necessidade do trânsito em julgado, até para garantia dos interesses da Massa e pelo fato de que nem sempre é atribuído efeito suspensivo ao recurso interposto, não se podendo pretender e nem é aconselhável, a longa espera do trânsito em julgado para o ajuizamento da revocatória" (TJSC, Apelação Cível n. 2014.001103-7, de Chapecó, rel. Des. Rubens Schulz, Câmara Especial Regional de Chapecó, j. 5-10-2015).

Além disso, em análise detida ao feito, denota-se não terem as recorrentes demonstrado a efetiva existência dos agravos pendentes de julgamento perante as cortes superiores - ônus que lhes incumbia a teor do art. 333, II, do CPC/73 -, limitando-se a indicar a "pendência", sem nem sequer informar o número dos recursos, de modo que também seria inviável perquirir se foram recebidos no efeito suspensivo, pois, caso contrário, também por este motivo inexistiria óbice ao ajuizamento da revocatória, uma vez que a decretação da falência foi confirmada por este Areópago.

Assim, rejeita-se a preliminar em foco.

3 Mérito

3.1 Interpretação do art. 52, VIII, do Decreto Lei n. 7.661/1945 - suposta inexistência de alienação de estabelecimento comercial

Defendem as insurgentes a inaplicabilidade do art. 52, VIII, do Decreto Lei n. 7661/1945, pois, na sua concepção, seria aplicável o art. 53 do mesmo códex, argumentando ter o Magistrado cometido "flagrante error in judicando, uma vez que o caso concreto, de nenhum modo se trata se estabelecimento, pelo contrário, se trata na verdade de transferência de ativo permanente" (fl. 1230).

Nesse contexto, destacam que "não houve transferência de estabelecimento comercial, mas sim [...] a contratação de compromisso de compra e venda irrevogável, que deve ser cumprido pelo síndico, na forma do art. 44, VI, do Decreto-Lei n. 7.661/45" (fl. 1235).

Pois bem.

Antes de se adentrar no exame específico da aplicação do art. 52, VIII, do DL 7.661/45, impende conceituar o que representa o fundo de comércio. Segundo lição de Kiyoshi Harada e Marcelo Kiyoshi Harada, "pode-se dizer genericamente que o fundo de comércio é a designação que abrange a soma de bens corpóreos (instalações, máquinas, móveis, etc.) e incorpóreos (marca, nome empresarial, ponto comercial, etc.) que compõem um estabelecimento comercial, industrial ou profissional" (Código Tributário Nacional comentado, 2. ed. São Paulo: Rideel, 2016, p. 193).

Então, é consabido que para implementação da atividade empresarial se faz necessária a reunião de bens indispensáveis ao objetivo econômico pretendido e, a todos esses bens reunidos, materiais ou imateriais, dá-se o nome de estabelecimento empresarial, também conhecido como fundo de comércio.

De acordo com o art. 1.142 do Código Civil "considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária".

Acerca do tema, lecionam Marcelo M. Bertoldi e Marcia Carla Pereira Ribeiro:

Como um complexo de bens, o estabelecimento comercial é formado por elementos materiais e imateriais. Os primeiros são todos os bens tangíveis, tais como imobiliário, maquinários, utensílios, produtos em estoque, instalações, veículos, etc. Por outro lado, são imateriais aqueles bens de propriedade do empresário que não são suscetíveis de apropriação física e que são fruto da inteligência ou do conhecimento humano, como é o caso dos bens integrantes da propriedade industrial (patente de invenção, modelo de utilidade, desenho industrial e a marca), o segredo industrial, o nome empresarial e o ponto (local onde o empresário está localizado) (Curso avançado de direito comercial, 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 113).

Sílvio de Salvo Venosa complementa:

Os bens que compõem o estabelecimento são todos os necessários para a exploração da atividade, incluindo bens móveis e os incorpóreos. Entre os primeiros, podem-se elencar os maquinários, estoques, instalações, matéria prima etc. e, entre os últimos, o ponto empresarial, marcas, desenhos industriais, título do estabelecimento, softwares, entre outros. A organização de todos esses bens forma o aparato para a exploração da empresa.

A reunião desses bens de forma organizada cria a capacidade de gerar resultados econômicos para o empresário, proveito esse que não obteria sem tal organização. Essa aptidão de gerar resultados denomina-se aviamento, fundo de comércio ou, no sentido empresarial, goodwill. [...] (in Código Civil Interpretado. 3. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2013, pp. 1326-1327).

Como exposto alhures, "o 'estabelecimento comercial' é composto por patrimônio material e imaterial, constituindo exemplos do primeiro os bens corpóreos essenciais à exploração comercial, como mobiliários, utensílios e automóveis, e, do segundo, os bens e direitos industriais, como patente, nome empresarial, marca registrada, desenho industrial e o ponto" (STJ, REsp XXXXX/MT, rel. Min. Luiz Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 2-12-2010).

Por sua vez, especificamente sobre os dispositivos que versam sobre a revogação de atos praticados pelo devedor antes da falência, estabelecia o Decreto Lei n. 7.661/145:

Art. 52. Não produzem efeitos relativamente à massa, tenha ou não o contratante conhecimento do estado econômico do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores:

[...]

VIII - a venda, ou transferência de estabelecimento comercial ou industrial, feita sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores, a esse tempo existentes, não tendo restado ao falido bens suficientes para solver o seu passivo, salvo se, dentro de trinta dias, nenhuma oposição fizeram os credores à venda ou transferência que lhes foi notificada; essa notificação será feita judicialmente ou pelo oficial do registro de títulos e documentos.

Art. 53. São também revogáveis, relativamente à massa os atos praticados com a intenção de prejudicar credores, provando-se a fraude do devedor e do terceiro que com ele contratar.

In casu, em apreciação ao "instrumento particular de compromisso de compra e venda de abate de aves com prévio arrendamento" (fls. 39-53), firmado em XXXXX-12-2003, cuja declaração de ineficácia se pretende com a presente ação, verifica-se a existência de cláusula indicando o objeto do contrato, nos seguintes termos:

A CHAPECÓ é senhora e legítima possuidora e proprietária de inúmeros bens móveis e imóveis urbanos e rurais que formam a "Unidade Industrial de Abate de Aves de Xaxim", a qual é composta de granjas, fábrica de ração, silos para armazenagem, unidade fabril para abate de aves, incubatório, locais próprios para armazenagem de produtos alimentícios congelados e resfriados, instalações para escritórios, móveis e utensílios, equipamentos de informática e telefonia, maquinários e equipamentos, bem como inúmeros outros bens e instalações acessórias que formam a referida Unidade Industrial de Abate de Aves de Xaxim, localizados na cidade e Comarca de Xaxim, no Estado de Santa Catarina, ou seja, constituída dos bens imóveis assim descritos: [...] (cláusula primeira, fl. 40).

Da leitura do objeto contratual, revela-se patente não se tratar a transação de mera alienação de imóvel, porquanto acordada a venda de toda uma estrutura destinada ao desenvolvimento da criação, abate e armazenamento de aves, ainda que isolada das demais unidades produtivas da massa falida, porquanto constitui todo um complexo de bens organizado ("granjas, fábrica de ração, silos para armazenagem, unidade fabril para abate de aves, incubatório, locais próprios para armazenagem de produtos alimentícios congelados e resfriados, instalações para escritórios, móveis e utensílios, equipamentos de informática e telefonia [...]"), destinados ao exercício de empresa, por empresário ou sociedade empresária.

De mais a mais, extrai-se do laudo pericial acostado ao processo falimentar (fl. 27), elaborado pelo Instituto Professor Rainoldo Uessler:

As unidades e instalações foram avaliadas individualmente, considerando abordagens que reflitam um justo valor pela geração de benefícios econômicos e financeiros no presente e no futuro à Massa Falida. Os abatedouros foram avaliados pelo critério econômico e as demais instalações tiveram seus componentes avaliados pelo valor de mercado (terrenos e edificações) ou pelo valor patrimonial ajustado (máquinas, equipamentos, móveis, ferramentas e utensílios). Cada unidade de produção atualmente em atividade foi tratada como um ativo de obtenção de receita operacional, de forma a permitir a mensuração das sinergias e das vantagens do arranjo da cadeia de produção constituída. Denomina-se de sinergias e vantagens os resultados alcançados pela atividade em conjunto das instalações, improváveis de serem alcançados pela ação individual de cada elemento da cadeia de produção.

Desse modo, a transferência da Unidade Industrial de Abate de Aves de Xaxim corresponde, a toda evidência, à venda do estabelecimento comercial, nos termos do art. 52, VIII, do Decreto Lei n. 7.661/1945, uma vez que os bens descritos no contrato e pertencentes àquela Unidade representam elementos essenciais e constitutivos do fundo de comércio e, por tal motivo, a transação sem o consentimento expresso ou o pagamento de todos os credores implica inegavelmente na revogação do ato, com a declaração de ineficácia em relação à massa falida.

Por tal razão, a conclusão do Magistrado de primeiro grau não poderia ser outra senão a de declarar ineficaz o compromisso de compra e venda firmado com a ré Globoaves Agroavícola Ltda. e, por conseguinte, do termo de cessão firmado entre esta última e a ré Diplomata S/A Industrial e Comercial, por força da cogente aplicação dos arts. 52 e 53, da antiga Lei de Falência (DL 7.661/1945).

Sendo assim, nega-se provimento ao recurso neste ponto.

3.2 Ausência de provas do consilium fraudis, cumprimento da função social do contrato e inexistência de prejuízo para massa falida - Art. 53 do DL 7.661/45

Sustentam, ademais, a ausência de provas acerca da fraude (consilium fraudis) para fins de declaração de ineficácia da venda, afirmando que os interesses sociais foram preservados (função social do contrato), pois "no ano de 2003, uma série de fatos fizeram que a falida demitisse todo o seu quadro de funcionário, bem como caísse em inadimplência em relação a todos os chamados pequenos fornecedores, e isso somente foi sanado com a realização dos contratos de compromisso de compra e venda que ora se hostiliza" (fl. 1252), inexistindo prejuízo para massa.

As teses não merecem acolhimento.

É que, como visto alhures, a transferência do estabelecimento comercial ocorreu dentro do lapso legal da falência e, quanto a este ponto, não há controvérsia entre as partes. Por outro lado, é consabido que a intenção deliberada do devedor de prejudicar os credores é desnecessária para configuração da fraude, pois "basta o conhecimento do prejuízo resultante do ato de alienação, compondo-se o consilium fraudis pelo conhecimento que tenha (real) ou deva ter (presumido) o contraente do estado de insolvabilidade do devedor" (Fraude contra credores. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 808, grifou-se).

De outra banda, o Código Civil dispõe em seu art. 159 que "serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante" (grifou-se).

Em comentários ao supracitado dispositivo, ensinam José Miguel Garcia Medina e Fábio Caldas de Araújo:

Na alienação gratuita, o ato de mera liberalidade e disposição traz consigo a presunção da fraude (art. 158). Na alienação onerosa, ao contrário, a insolvência deverá ser conhecida pelo terceiro, o que será objeto de prova em juízo. A fraude também estará configurada quando a insolvência for notória ( CPC, art. 334, I). A questão deverá ser resolvida no âmbito probatório, devendo ser provado o evento danoso (eventus damni) e do ajuste de vontade para a prática do ato de desvio (no caso, consilium fraudis). Não há necessidade de dolo específico caracterizado pelo animus nocendi: embora a existência de consilium fraudis facilite a demonstração do vício, o art. 159 não exige a demonstração de existência de acordo de vontades realizado com o intuito específico de fraudar, contentando-se com a prova de conhecimento, pelo terceiro, da insolvência do alienante (scientia fraudis) [...] (Código Civil comentado. São paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 197).

No caso em apreço, em análise ao compromisso de compra e venda celebrado entre as litigantes, extrai-se a informação de que as apeladas estavam, ao tempo do negócio, cientes da condição de insolvência da ora falida, até mesmo porque fizeram consignar no contrato as seguintes observações (fls. 39-53), ipsis litteris:

II - a CHAPECÓ, a despeito da relevante posição no mercado em que atua, com forte influência econômica e social na região Sul e em todo o Brasil, devido a um somatório de fatores conjunturais e específicos do mercado em que ela atua, atravessa gravíssima crise financeira, capaz de precipitar a sua falência;

III - em virtude da falta de recursos, desde abril deste ano, a produção está paralisada, o que redundou na demissão de cerca de 4.000 pessoas (considerando todas as suas unidades produtivas e postos de vendas), causando uma grave crise social na região de Chapecó e Xaxim, Estado de Santa Catarina;

IV - considerando que o plano de reestruturação dos passivos do GRUPO CHAPECÓ, que inclui não somente a CHAPECÓ, mas também suas controladoras (SAIC e ALIMBRAS) que previa substanciais deságios das dívidas do grupo, apesar de apoiado pela maioria dos credores, inclusive o BNDES, não pode ser implementado de imediato, já que a Comércio e Indústrias Brasileiras Coinbra S.A (COIMBRA), sociedade integrante do grupo CHAPECÓ, desinteressou-se pelo negócio, o que privou a Chapecó dos recursos necessários à efetivação deste plano;

V - para se viabilizar uma solução global para a CHAPECÓ que permita sua continuidade, é imprescindível que se arrendem e se alienem as unidades produtoras (incluindo os incubatórios, fábricas de rações e granjas), já que não há recursos suficientes para retornar à atividade industrial e minimizar a crise social causada pela sua paralisação; [...] (sem grifos no original).

Nessa toada, a fim de evitar tautologia, transcreve-se trechos da decisão objurgada, no ponto em que analisada e reconhecida a fraude contra credores, sob o viés do art. 53 da revogada Lei de Falencias, cuja motivação calha à solução desta contenda (fls. 1149-1153, destacou-se):

Ad argumentandum tantum, note-se que o pedido de decretação de ineficácia da alienação do estabelecimento mencionado alhures também ganha corpo mesmo quando analisado sob o viés do instituto da fraude contra credores (art. 53 do Decreto-Lei nº 7.661/45 c/c art. 159 do CC).

A teor do disposto no art. 159 do CC, "Serão igualmente anuláveis [como fraude contra credores] os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante". Desse dispositivo extraem-se os seguintes requisitos para a declaração da ineficácia do negócio jurídico: (i) negócio jurídico oneroso do devedor insolvente (consilium fraudis); e (ii) ser a insolvência notória ou conhecida do outro contratante (eventus damini). Discorro acerca desses requisitos individualmente.

O primeiro requisito diz com qualquer negócio oneroso celebrado pelo devedor já insolvente ou por ele reduzido à insolvência. É dizer: o simples fato de o negócio oneroso ser praticado pelo devedor já insolvente ou por ele reduzido à insolvência é o tanto quanto basta para que a fraude seja reconhecida, pouco importando o elemento volitivo das partes.

[...]

Já o segundo requisito aperfeiçoa-se com a notoriedade da insolvência ou existência de motivos suficientes para que ela seja conhecida do outro contratante. Será notória a insolvência se todos conhecerem essa situação. Por outro lado, será presumida quando as circunstâncias a indicarem.

[...]

No caso vertente, entendo que ambos os requisitos - negócio jurídico oneroso do devedor insolvente e insolvência notória ou conhecida do outro contratante - se aperfeiçoaram. Passo a demonstrá-los, um a um.

A unidade produtiva cuja venda questiona a autora está envolvida em um pacote de outras três alienações realizadas pela CCIA no dia 17/12/2003, ou seja, cerca de cinco meses antes da decretação de sua falência, ocorrida dia 29/04/2005. Tal negociação, no apagar das luzes, evidencia uma inequívoca tentativa dos administradores da CCIA em livrar parte de seu ativo do concurso universal de credores. Tanto é assim que a cláusula quarta e seu parágrafo primeiro não foi cumprida (É também condição do negócio a obtenção de Termo de Anuência dos credores (dentre eles necessariamente o BNDES) que representem, no mínimo, 80% (oitenta por cento) do total das dívidas do Grupo Chapecó, o qual compreende a CHAPECÓ, sua controladora S.A. INDÚSTRIA E COMÉRCIO CHAPECÓ, sociedade anônima, com sede na cidade de Chapecó, Estado de Santa Catarina, na Rua Barão do Rio Branco, 1270-E, sala 03, inscrita no CNPJ sob o nº 83.XXXXX/0001-23 ("SAIC") e ALIMBRAS S.A. sociedade anônima, com sede na cidade de Chapecó, Estado de Santa Catarina, a Rua Barão do Rio Branco, 1270-E, sala 04, inscrita no CNPJ sob o nº XXXXX/0001-14 ("ALIMBRAS"), acionista da controladora de SAIC para com a presente proposta de compra da Granja Marechal Bormann e para a outorga da competente escritura definitiva de venda e compra do imóvel).

Também as rés tinham pleno conhecimento do estado de insolvência que se abatia sobre a CCIA porque isso resultou expressamente consignado no compromisso de compra e venda em questão (Considerando que a CHAPECÓ, a despeito da relevante posição no mercado em que atua, com forte influência econômica e social na região Sul e em todo o Brasil, devido a um somatório de fatores conjunturais e específicos do mercado em que ela atua, atravessa gravíssima crise financeira, capaz de precipitar a sua falência; Considerando que, em virtude da falta de recursos, desde abril deste ano, a produção está paralisada, o que redundou na demissão de cerca de 4.000 pessoas (considerando todas as suas unidades produtivas e postos de vendas), causando uma grave crise social na região de Chapecó e Xaxim, Estado de Santa Catarina). Afora o disposto na cláusula primeira parágrafo terceiro (A GLOBOAVES declara-se ciente dos ônus que pesam sobre o imóvel e os bens móveis cuja venda aqui se promete). Isso sem falar no fato de que a bancarrota da CCIA ganhou as páginas dos principais noticiários do País, tendo em vista a intervenção direta do Governo Federal, por meio do BNDES e do Banco do Brasil, para solucionar a crise.

Outra questão que causa espécie é o fato de que o valor da unidade produtiva objeto da lide, juntamente com as demais unidades que foram alienadas com ela, está estimado em R$ 642.875,134 (em 30/03/2009), considerados os bens materiais (imóvel, incubadora de ovos, fábrica de ração, silos, abatedouro de aves, escritório etc.) e imateriais (patente, nome empresarial, marca registrada, desenho industrial, ponto etc.) que as compõem. No entanto, as unidades foram arrendadas por meros R$ 630.000,00 mensais (valor global). É dizer: valores absolutamente insignificantes quando comparados à estimativa do passivo da CCIA em sua última atualização (mais de R$ 1.000.000.000,00).

Nesse fluxo de ideias, enquanto a ré usufrui da unidade produtiva em questão a custo praticamente zero, os credores ficam a ver navios em nome de uma suposta solução socioeconômica - preservação dos postos de trabalho direto e indireto - aos problemas ocasionados pela quebra da CCIA.

[...]

Daí é que, seja por infração ao termo legal da falência (art. 52, VIII, do Decreto-Lei nº 7.661/45) ou por fraude contra credores (art. 53 do Decreto-Lei nº 7.661/45 c/c art. 159 do CC), certa é a ineficácia da alienação do estabelecimento comercial realizada entre a CCIA e a ré. De conseguinte, devem as partes retornar ao status quo ante.

Em abono à conclusão alcançada pelo Togado singular, salienta-se que a configuração do eventus damni, in casu, se deu com a celebração do contrato de compra e venda do estabelecimento comercial dentro do prazo legal da falência, o que, por sua vez, ensejou significativa diminuição no patrimônio da falida e lesou os credores habilitados no processo falimentar, em afronta ao princípio da paridade ou par condictio creditorum, porquanto aumentou ou redundou na insolvabilidade da devedora falida. De outro tanto, o consilium fraudis revelou-se com a ciência do estado de insolvente da falida à época da assinatura do ajuste sob apreciação.

Nesse palmilhar, retira-se de precedentes desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO PAULIANA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DOS RÉUS. ALEGADA AUSÊNCIA DE FRAUDE CONTRA CREDORES. REQUISITOS DO CONSILIUM FRAUDIS E EVENTUS DAMNI COMPROVADOS. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL À PREÇO VIL QUE OCASIONOU PREJUÍZO AO AUTOR. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

É fraude contra credores qualquer ato praticado pelo devedor já insolvente ou por este ato levado à insolvência com prejuízo de seus credores. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 460). (Apelação Cível n. 2012.015906-3, da Capital - Continente, rel. Des. Raulino Jacó Brüning, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 16-7-2015, grifou-se).

FRAUDE CONTRA CREDORES. COMPRA E VENDA. CONSILIUM FRAUDIS PRESUMIDO. MÁ-FÉ DOS ADQUIRENTES, MAS BOA-FÉ DO SUB-ADQUIRENTE. ÔNUS DO ALIENANTE SOBRE O ESTADO DE SUA SOLVÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE ACORDO COM O ARTIGO 20, § 4º, DO CPC, PODENDO SER FIXADO EM PERCENTUAL AO VALOR DA CAUSA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.

Nos contratos onerosos devem ficar provados os elementos sustentadores da revocatória (pauliana): anterioridade do crédito, eventus damni e consilium fraudis, para que fique caracterizada a postura fraudatória passível de anulação.

A insolvência do devedor pode ser notória ou presumida, neste caso que haja algum motivo para ser conhecida do adquirente ou sub-adquirente.

É ônus do alienante provar, para elidir a ação renovatória (pauliana), haver continuado solvente a despeito dos atos translativos impugnados. (...) (Apelação Cível n. 2006.019922-6, de Chapecó, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, j. 25-11-2010).

Por fim, não há que se falar em cumprimento da função social do contrato ou mesmo em ausência de prejuízos à massa falida, pois, como exaustivamente aqui exposto, a conduta das rés/apelantes se desvelou contrária às cláusulas gerais dos contratos (boa fé objetiva, função social, equilíbrio contratual, etc.), uma vez que, em conluio, visava lesar os credores da falida que, repisa-se, já se encontrava em estado de insolvabilidade - fato notório e de conhecimento das recorrentes.

Isto posto, diante da também configuração da fraude contra credores, mantém-se irretocado o julgado hostilizado.

4 Recuperação judicial da apelante Diplomata S/A Industrial e Comercial

4.1 Irregularidade da prolação de sentença no processo originário dentro do prazo legal da falência

A requerida Diplomata S/A Industrial e Comercial, ora apelante, informa que, ao tempo da prolação da sentença guerreada, já tramitava o processo n. XXXXX-35.2012.8.16.0021 na 1ª Vara Cível da Comarca de Cascavel/PR, o qual versa sobre sua recuperação judicial, havendo nos referidos autos determinação expressa para suspensão de todas as ações e execuções em face da devedora, pelo período de 180 (cento e oitenta dias), nos termos do art. , § 4º, da Lei n. 11.101/2005, razão pela qual não poderia, de modo algum, sofrer atos expropriatórios, como ocorreu no caso.

A tese, entretanto, deve ser rejeitada.

Maiores digressões, aliás, mostram-se dispensáveis para fins de afastar o pleito. Isso porque, inobstante o art. 52, III, da Lei n. 11.101/2005 prescreva que, na decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial, dentre outras medidas, deverá o Magistrado ordenar a suspensão de todas as ações e execuções movidas contra o devedor, pelo prazo de 180 dias, há expressa previsão no § 3º do mesmo dispositivo no sentido de ser obrigação do devedor "comunicar a suspensão aos juízos competentes".

E, no caso sub examine, em análise atenta ao processado, não se observa comunicação da ordem de suspensão, esta datada de XXXXX-8-2012 - conforme informado pela própria recorrente (fl. 1467) -, em nenhuma das manifestações apresentadas pela demandada/apelante antes da prolação da sentença objurgada, em XXXXX-11-2012, limitando-se a apelante, pelo contrário, a informar a situação apenas nas razões do apelo e na petição posteriormente protocolada para pleitear o recebimento do apelo no efeito suspensivo (fls. 1449-1518).

Logo, considerando que a parte não pode se beneficiar da própria torpeza, descabe a alegação de nulidade por quem deu causa ao vício, sendo o caso de aplicação, também, da máxima dormientibus non sucurrit ius, ou seja, o direito não socorre a quem dorme.

4.2 Incompetência do juízo

Alega a recorrente Diplomata S/A, ainda, o desrespeito à condição especial e peculiar da empresa em recuperação judicial, uma vez que a sentença foi prolata por "juiz e comarca diferente que não acompanha as agruras da apelante recuperanda e não é guardião tampouco comprometido com os interesses de toda a coletividade do processo (mais de 4.000 credores e inúmeros empregados e interessados) [...]" (fl. 1260).

Este pleito também não merece amparo.

Ab initio, importante salientar que, consoante art. 56 do Decreto Lei n. 7.661/1945 "a ação revocatória correrá perante o juiz da falência e terá curso ordinário". A Lei n. 11.101/2005, inclusive, ratificou a referida regra, em seu art. 134, ao dispor que "a ação revocatória correrá perante o juízo da falência e obedecerá ao procedimento ordinário previsto na Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil".

Dessa forma, é evidente que a ação promovida pela Massa Falida de Chapecó Companhia Industrial de Alimentos, no ano de 2006, não deve ter sua competência alterada pura e simplesmente pela superveniente recuperação judicial de uma das corrés, isto é, da Diplomata S/A.

A respeito do tema, importante o esclarecimento de Yussef Said Cahali, no sentido de que "poderia ser problemática a competência quando também o terceiro demandado na revocatória viesse a falir durante o processo: a dúvida, porém, pode ser superada se se tiver em conta que a falência do terceiro não pode reduzir a competência originaria do juízo que antes tivesse declarado a falência do devedor" (Fraude contra credores. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 849, grifou-se).

Portanto, não se tratando de ações conexas ou continentes, bem como em razão da ausência de risco de serem proferidas decisões contraditórias, não existe motivo plausível para se decretar a competência do juízo em que corre a ação falimentar da requerida Diplomata S/A Industrial e Comercial para análise e julgamento da ação revocatória ajuizada pela Massa Falida de Chapecó Companhia Industrial de Alimentos.

5 Indenização pelas benfeitorias

Alegam as insurgentes a necessidade de condenação da massa falida autora ao ressarcimento das benfeitorias úteis e necessárias realizadas no imóvel, conforme arts. 452 e 1.129 do Código Civil.

Pois bem.

Com relação às benfeitorias necessárias, o pedido não merece maiores digressões, porquanto o Magistrado de primeiro grau já decidiu nos exatos termos pleiteados. Vejamos o que dispôs a sentença nesse tópico (fls. 1154-1155, grifou-se):

Reconheço às rés o direito à indenização das benfeitorias, mas tão-somente quanto às necessárias. Tendo em vista o contexto fraudatório em que celebrado o negócio, prejudicadas estão as benfeitorias úteis e voluptuárias, tal como disposto no art. 1.220 do CC (Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias).

Ainda por conta da má-fé das rés, para indenizar estas tem a autora a opção de pagar o valor atual ou de custo das benfeitorias, conforme estabelecido pelo art. 1.222 do CC (O reivindicante, obrigado a indenizar as benfeitorias ao possuidor de má-fé, tem o direito de optar entre o seu valor atual e o seu custo; ao possuidor de boa-fé indenizará pelo valor atual).

Também os valores das benfeitorias necessárias deverão ser apurados em liquidação de sentença por arbitramento. É que para se chegar ao quantum debeatur faz-se mister a concorrência de conhecimentos técnicos de corretor de imóveis (CPC, Art. 475-C. Far-se-á a liquidação por arbitramento quando: I - determinado pela sentença ou convencionado pelas partes; II - o exigir a natureza do objeto da liquidação).

Registre-se que as benfeitorias necessárias a que tem direito as rés somente obrigam ao ressarcimento se ao tempo da evicção ainda existirem (art. 1.221 do CC).

Nesse andar, evidente que as apelantes não possuem interesse recursal com relação a este ponto do julgamento singular, nos termos da lição de Hélio do Valle Pereira:

[...] Há interesse quando concorram necessidade e utilidade no provimento judicial. Isso quer dizer que não caberá apelação contra sentença de improcedência em ação de cobrança se o réu espontaneamente satisfaz o crédito reclamado. Não cabe recurso, por igual, para simplesmente alterar a fundamentação do julgado favorável ao autor, adequando-a aos caprichos técnicos da parte vencedora - faltará utilidade ao recurso (Manual de Direito Processual Civil, 2. ed. São José: Editora Conceito, 2008, p. 750).

Assim, indemonstrada a necessidade e a utilidade do manejo da via recursal para atingir sua pretensão, não se conhece da matéria agitada.

Por outro lado, no tocante à restituição dos valores despendidos com as benfeitorias úteis, deve ser mantida a sentença objurgada, porquanto, consoante disposto no art. 1.220 do Código Civil, "ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias" e, considerando a conjuntura fraudulenta em que realizado o negócio jurídico, como visto alhures, inviável a indenização pretendida.

6 Preferência sobre os créditos (art. 54, § 1º c/c art. 124, § 2º, III, da antiga Lei de Quebras)

Requer a apelante Diplomata S/A Industrial e Comercial que os valores a serem recebidos da autora sejam considerados como dívida da massa e, por tal razão, seja reconhecido o privilégio legal previsto nos arts. 54, § 1º e 124, § 2º, III, do Decreto Lei n. 7.661/45.

Razão socorre a recorrente no ponto.

Com efeito, dispunham os arts. 54, § 1º e 124, § 2º, III, da antiga Lei de Falência:

Art. 54. Os bens devem ser restituídos à massa em espécie, com todos os acessórios, e, não sendo possível, dar-se-á a indenização.

§ 1º A massa restituirá o que tiver sido prestado pelo contraente, salvo se do contrato ou ato não auferiu vantagem, caso em que o contraente será admitido como credor quirografário.

Art. 124. Os encargos e dívidas da massa são pagos com preferência sobre os créditos admitidos a falência, ressalvado o disposto nos artigos 102 e 125. (Redação dada pela Lei nº 3.726, de 11.2.1960)

[...]

§ 2º São dívidas da massa:

[...]

III - as obrigações provenientes de enriquecimento indevido da massa.

Sobre o tema, a Corte da Cidadania já decidiu que "o preço pago pelo comprador de imóvel, no negócio declarado ineficaz em relação à massa, é considerado dívida da massa, nos termos do art. 124, § 2º, inc. III, da Lei de Falencias" (REsp XXXXX/RJ, rel. Min. Ruy do Rosado de Aguiar, Quarta Turma, j. 24-4-2001).

Considerando a condenação da autora Massa Falida de Chapecó Companhia Industrial de Alimentos ao pagamento de indenização pelos débitos trabalhistas assumidos pela ré/apelante e com pequenos fornecedores, desde que devidamente quitados, bem como ao ressarcimento das benfeitorias necessárias realizadas no imóvel, configuram estas verbas débitos da massa e, portanto, deverão ser pagas com preferência sobre os créditos admitidos na falência, sob pena de enriquecimento sem causa.

Logo, dá-se provimento ao recurso da apelante Diplomata S/A no ponto, para fins de declarar como dívida da massa os créditos existentes em seu benefício, os quais deverão ser pagos com preferência sobre os créditos admitidos na falência, com supedâneo nos arts. 54, § 1º e 124, § 2º, III, do Decreto Lei n. 7.661/1945.

7 Compensação de créditos e débitos

Ao final, postulam as requeridas/insurgentes o reconhecimento da possibilidade de compensação dos créditos e débitos recíprocos, decorrentes do presente processo.

Contudo, tal pleito se mostra descabido, considerando que a empresa falida (CCIA) e a massa falida se tratam se entidades distintas, além do fato de que "o crédito da restituição pertence à massa, enquanto aquele que surge em favor do impugnado em seguida à revocatória é um crédito concursuale, o que exclui a possibilidade de compensação" (Fraude contra credores. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 868).

Via de consequência, sob pena de ofensa ao princípio da par conditio creditorum, devem os créditos das apelantes/requeridas serem habilitados, mostrando-se inviável a pretendida compensação.

ENCARGOS SUCUMBENCIAIS

Por fim, diante da alteração do julgado neste grau de jurisdição, no tocante à reconvenção - extinta por ausência de interesse de agir na modalidade adequação -, verificada a condição de vencida da reconvinte Diplomata S/A Industrial e Comercial, necessária a inversão dos encargos sucumbenciais, a fim de condená-la, também na demanda reconvencional, ao pagamento integral das custas processuais e da verba honorária, a qual, diante da ausência de insurgência relativa ao quantum, mantenho no importe fixado pelo Togado singular (R$ 25.000,00), devida aos patronos da massa falida autora/reconvinda, nos termos do art. 20, § 4º, da revogada Lei Adjetiva Civil.

De outra banda, com relação à ação principal, em razão da mínima alteração do julgado - apenas para reconhecer como dívida da massa os créditos existentes em benefício da recorrente Diplomata S/A e afastar os juros de mora da condenação da autora ao pagamento das benfeitorias necessárias -, somada à ausência de insurgência das partes com relação ao valor arbitrado pelo Juiz a quo a título de honorários advocatícios sucumbenciais (R$ 25.000,00), mantém-se irretocada a distribuição dos encargos na forma realizada em primeiro grau, devendo as requeridas arcarem, nesta demanda, integralmente com as custas processuais e com a verba honorária, de forma solidária.

Por último, deixa-se de arbitrar honorários sucumbenciais nesta fase recursal, pois o presente recurso foi interposto contra decisão publicada anteriormente ao dia XXXXX-3-2016, consoante orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no Enunciado Administrativo n. 7 (fl. 1176).

CONCLUSÃO

Ante o exposto, voto no sentido de a) conhecer do recurso da autora "Massa Falida de Chapecó Companhia Industrial de Alimentos Ltda." e dar-lhe parcial provimento para a.1) cassar parcialmente a sentença de primeiro grau e extinguir, sem resolução de mérito, os pedidos reconvencionais formulados pela ré "Diplomata S/A Industrial e Comercial", diante do reconhecimento da falta do interesse de agir da reconvinte, na modalidade adequação, com fulcro no art. 485, inciso VI, do atual Diploma Instrumental (correspondente ao art. 267, VI, do CPC/1973) e a.2) afastar a incidência de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês da condenação da massa falida ao pagamento de indenização pelas benfeitorias necessárias, devendo a incidência dos encargos moratórios ficar condicionada à existência de passivo suficiente para pagamento da dívida principal, nos termos do art. 26 do Decreto Lei n. 7.661/1945; b) conhecer em parte do recurso das demandadas "Diplomata S/A Industrial e Comercial" e "Globoaves Agroavícola Ltda." e dar-lhe parcial provimento para declarar como dívida da massa os créditos existentes em benefício da primeira recorrente, os quais deverão ser pagos com preferência sobre os créditos admitidos na falência, com supedâneo nos arts. 54, § 1º e 124, § 2º, III, do Decreto Lei n. 7.661/1945; e c) redistribuir os encargos sucumbenciais, condenando a reconvinte ao pagamento integral das custas processuais e honorários advocatícios na demanda reconvencional.

É o voto.


Gabinete Des. Subst. Luiz Felipe Schuch


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